O Planejamento
Econômico e o Processo de Decisão Simon Schwartzman
Comentário oral a Josef Barat, "Planejamento Econômico
- Social: meio ou fim?", painel sobre "Planejamento e Participação Social",
VI Encontro Nacional de Economia, Gramado, 1978. Publicado em Revista
da ANPEC, Ano II, 3, maio de 1979, pp. 49-51.
Não tenho maiores discordâncias com a apresentação de Barat. Acho o problema
muito importante e concordo em boa parte com o diagnóstico que ele faz.
Mas creio que vale a pena especificar mais algumas questões, para as quais
gostaria de chamar a atenção.
A primeira é sobre o conceito de planejamento que ele utiliza, um conceito
muito genérico e que, inclusive, varia um pouco pelo texto. Uma das definições
que ele dá é tomada de decisões por antecipação. Este conceito
praticamente se aplica a qualquer governo fazendo qualquer coisa; tomar
uma decisão é tratar de antecipar um pouco o que vai acontecer. Entretanto
existe uma realidade: alguns países têm sistemas de planejamento mais complexos
e outros menos; há trinta anos não havia ministério de planejamento, e hoje
em dia existe. O fenômeno de sistemas de planejamento centralizados em países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como o Brasil é muito recente, do
após guerra, é muito especifico, e a discussão que ele faz sobre o problema
da representatividade e a centralização ou não das decisões, a participação
ou não de grupos de interesses em decisões, é um problema geral de teoria
politica: teoria de representatividade politica. O problema não é especifico
ao tema. Existe toda uma linha de estudos e pesquisas tratando de entende-lo.
Acho que falta aos economistas que estão começando a se interessar por isto
um certo esforço de sair do seu circulo fechado e ver em que consiste a
enorme literatura sobre o tema.
Fiz um comentário de um livro escrito por Aron Wildawsky e Naomi Caiden
que se chama "Planning and Budgeting in Poor Countries". Trata-se de uma
analise empírica de planejamento em países subdesenvolvidos. É bastante
arrasador em termos das conclusões a que chega.. Eles acham que o planejamento
nestes países é um grande esforço perdido, baseado numa série de equívocos
e numa burocratização crescente. O artigo está na revista do IPEA e eu nunca
recebi nenhum comentário de nenhum economista, ainda que tenha coisas muito
desagradáveis que escrevi contra os economistas. Pensei que alguém ia achar
ruim, mas ninguém achou ruim nem bom; eu acho que valeria a pena dar uma
olhada neste livro, ainda que seja um livro um pouco drástico demais.
Existem muitas pessoas que hoje em dia, no Brasil, que estão fazendo trabalhos
interessantes sobre o tema. Gostaria de citar, por exemplo, o trabalho feito
na Fundação João Pinheiro por Antônio Cintra, o Presidente da Fundação,
Luís Aureliano e outros, sobre o planejamento urbano, sobre o planejamento
regional e sobre o processo político de planejamento. São trabalhos de excelente
qualidade, que dizem coisas importantes, não a respeito do aspecto normativo,
sobre como é que o planejamento é ou deve ser, mas, sobre como o planejamento,
efetivamente, tem sido. Há um trabalho importante sobre planejamento em
Curitiba, feito pelo Edmundo Campos, um outro do Wanderley Guilherme dos
Santos sobre política social, devo citar também o trabalho do grupo de Pesquisas
da FINEP, onde Sérgio Abranches e antes Luciano Martins fizeram trabalhos
sobre alguns aspectos do serviço público brasileiro, como ele efetivamente
opera, que estrutura ele tem, como é que se relaciona com os demais órgãos
do setor público, por um lado, com setores privados, por outro, sua estrutura,
o processo de decisão interna. Em outras palavras, existe uma literatura
- e eu estou apenas citando algumas coisas que me ocorreram no momento.
O trabalho do Albert Hirshmann, Exit, Voice and Loyalty, é uma
tentativa muito bem sucedida de mostrar as ligações conceituais entre os
aspectos econômicos e os aspectos políticos das organizações, é uma ponte
entre a teoria econômica e a teoria política. Enfim, existe uma literatura
grande e rica, teoricamente articulada, e com muitas informações, que é
importante ver e olhar, para que se possa ganhar mais profundidade nesta
análise.
Quando se começa a observar o sistema de planejamento enquanto tal, temos
que começar a identificar o que é isto. Há uma série de características
que são mais ou menos conhecidas. Por exemplo, de um lado a virtude que
o planejamento pretende ter de poupar custos, a idéia de introduzir maior
racionalidade no processo de decisão, e, por outro lado, toda uma série
de problemas que o planejamento tem encontrado, que já são identificados:
a tendência à maior burocratização, a desvinculação sistemática e constante
entre o processo orçamentário e o processo de planejamento e a tendência
á centralização de decisões no interior de tecnoburocracias governamentais.
Uma coisa importante nesta coisa de planejamento é o próprio surgimento
da idéia de análises de sistemas como o instrumento conceitual e operacional
para o planejamento. Esta é uma questão dada por óbvia. No Brasil, criam-se
sistemas de tudo quanto é coisa, e no entanto estes sistemas têm muitas
dificuldades do ponto de vista operacional, e maiores dificuldades ainda
do ponto de vista de coordenação e integração de partes, o que implica um
custo excessivo do sistema de informação e sistemas de controle, geralmente
inúteis. Além disto exige um sistema de padronização e uniformização de
comportamentos extremamente esterilizante e prejudicial. Uma das coisas
mais sérias do planejamento é a idéia de que um país como o Brasil, porque
é pobre, tem que ter todas as coisas decididas, todas as coisas resolvidas
homogeneamente, sem duplicações, sem replicações e redundâncias. Esta atitude
leva, na realidade a uma tentativa de imposição de critérios uniformes,
de princípios uniformes, de proibição de coisas, de matar a complexidade
social, que é fundamental num país de cem milhões de habitantes. Todos estes
problemas de planejamento são conhecidos e identificados na teoria e na
prática e devem ser analisados sistematicamente.
Depois destes comentários gerais gostaria de chamar a atenção para uma coisa
dita por Fernando Rezende sobre o planejamento, a participação social e
o problema da eqüidade. Normalmente a implantação de um sistema de planejamento
poderoso, com toda a sua parafernália institucional, implica ou vem de uma
vontade política de transformar a sociedade. Não é o tipo tradicional de
governo que administra simplesmente a rotina da coisa pública e mantém a
segurança. Por outro lado, a criação de sistemas com uma relação intensa,
muito próxima, entre os planejadores, por um lado, e ou grupos de interesse
que participam deste planejamento, que se beneficiam ou não deste planejamento,
tende a favorecer uma situação de estabilização, de manutenção do "status
quo", em função de uma determinada distribuição de poder e de riqueza dada
pela razão fundamental que o Fernando Rezende já apontou. Há um custo diferencial
de participação que favorece a quem tem mais dinheiro. Se fizermos um sistema
em que os núcleos integrantes são ouvidos, quem tiver mais dinheiro, mais
força, vai ser ouvido e quem tiver menos vai se beneficiar menos. Este planejamento
vai beneficiar aqueles que precisam menos do benefícios e não atenderá aqueles
que precisam mais destes benefícios.
Numa situação ideal, o planejamento deve responder não a estes grupos específicos,
mas a um mandato político geral. Este mandato político geral tem que ser
estabelecido e criado, não pela via de grupos de interesses, mas pela via
politico-partidária e parlamentar. Isto é fundamental exatamente para fazer
com que os grupos de interesses particulares sejam controlados, sejam checados.
Na ausência de um mandato político específico, o problema do planejamento
se transforma em um conflito entre as tendências de crescimento constante
da máquina burocrática do planejamento, que vai afastando de seus objetivos,
e os esforços de grupos de interesse setoriais em capturar as decisões dessa
burocracia em beneficio próprio, ou de paralisá-la. O resultado é, ao mesmo
tempo, a paralisia da máquina de planejamento e um crescimento continuo,
porque a cada dificuldade que surge, alguém dirá: "Bom, então precisamos
nos preparar um pouco mais, precisamos planejar um pouco mais, precisamos
mais um estudo." E a máquina de planejamento vai inchando na razão direta
da sua incompetência. Ou pode acontecer a burocracia que seja capturada
pelos interesses de uma coisa que o Fernando Henrique Cardoso chamou de
"anéis burocráticos" que é uma ligação muito íntima entre grupos da administração
por um lado, e grupos de interesse, por outro.
Existem, em resumo e em conclusão, e é este o aspecto substantivo e mais
importante desta discussão, duas formas essenciais de relacionamento entre
sistemas de planejamento e a participação social: uma forma política e uma
forma de tipo "lobby". Estas duas formas podem conflitar e muitas vezes
o fazem, já que a vontade geral que é expressa pelo sistema político-partidário
e governamental não é a mesma coisa do que a agregação de interesses individuais
corporificados em grupos de interesse. É sem dúvida difícil estabelecer
um sistema efetivo de controle político sobre estruturas de planejamento
e o governo. Este é o problema clássico da economia política. Não tem solução
geral. Entretanto, há várias aproximações, há várias tentativas. Quando
o Congresso, a Opinião Pública, a Imprensa, os Partidos Políticos, são os
instrumentos por excelência de controle do planejamento, eles devem predominar
sobre o problema da vinculação muito direta entre grupos de interesse de
um lado e grupos de ação governamental por outro. Confiar somente na intimidade
entre órgãos de decisão e grupos de interesse pode levar a uma forma de
paralisação política ou a uma particularização dos bens públicos que é certamente
um dos problemas fundamentais no contexto de planejamento, quando não há
um sistema político representativo funcionando efetivamente.
Era isto o que eu tinha a dizer. . .
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