AVALIAÇÃO E PERSPECTIVAS DA ÁREA DE CIÊNCIA POLÍTICA

Preparado pelo Comité Assessor em Ciências Sociais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Relator, Simon Schwartzman, abril de 1977.

1. O que é a ciência política

2. Histórico

3. Características Gerais da área

4. Retrato Atual da Área no Brasil

5. Recomendações


1. O que é a ciência política

Política não é privilégio de cientistas políticos. A ação governamental, a liderança partidária, o jornalismo opinativo, as obras de reflexão e análise, a interpretação do voto, a elaboração e a discussão de ideologias, são todas formas de atividade prática e teórica de tipo político. O termo "Ciência Política" se aplica ao esforço de conhecer a realidade política dentro de um marco institucional definido, ou seja, a Universidade e o instituto de pesquisas, e dentro de uma perspectiva "científica", isto é, que privilegie os dados da realidade e a complexidade dos problemas, e não a retórica da persuasão e a efetividade de resultados, que são mais próprios do homem político. Ainda que as fronteiras nem sempre sejam claras, "ciência política" se refere, aqui, ao estudo e pesquisa sobre temas políticos que se dá de forma institucionalizada.

2. Histórico

A área de Ciência Política teve no Brasil, historicamente, duas vertentes. A mais tradicional é vinculada ao Direito. Nela, a Ciência Política surge como vinculada à Teoria do Estado, e tem sido objeto de atenção de um conjunto notável de juristas e constitucionalistas, nas principais Faculdades de Direito do país. O exame mais aprofundado desta dimensão da ciência política brasileira é feito dentro da área mais geral de Estudos Jurídicos.

A segunda vertente é mais ligada à sociologia e à economia, e sua primeira manifestação no país se dá junto à Escola de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933. Este curso serve de padrão para uma série de programas universitários similares, entre os quais o da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, criado em 1956, e o da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, criada em 1934, também introduz uma cadeira de Política no curso de ciências sociais, estabelecendo um modelo que seria retomado pelas inúmeras Faculdades de Filosofia e cursos sociais criados posteriormente em todo país.

A vinculação estreita entre a Ciência Política e o Direito, por um lado, e a Sociologia, por outro, fez com que esta disciplina custasse a adquirir, no Brasil, feição própria, em que pese a obra significativa de autores como Oliveira Vianna e Nestor Duarte, no período anterior à 2 Grande Guerra, ou de Raymundo Faoro, Victor Nunes Leal e Hélio Jaguaribe, no período posterior, para ficarmos somente em alguns nomes. É com a Revista Brasileira de Estudos Políticos, criada por Orlando de Carvalho junto à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais no início dos anos 50, que surge no Brasil a primeira publicação universitária especializada em estudos políticos. A RBEP é também pioneira na publicação. de estudos eleitorais, que utilizam pela primeira vez a análise de dados quantitativos para o entendimento de fenômenos políticos.

Com a criação do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1965, se forma o primeiro programa de pós-graduação e pesquisa em Ciência Política no Brasil, seguido dois anos depois pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Cândido Mendes), que são os dois únicos nesta área credenciados pelo C.F.E. até o momento. Alem destes, a Universidade de São Paulo manteve sem pre um núcleo ativo de estudos e pesquisas ao redor da Cadeira de Política, proporcionando graus de mestrado e doutorado; a Universidade Estadual de Campinas possui um programa específico de pós-graduação em Ciência Política, criado recentemente; e a Ciência Politica existe como opção nos programas de pós-graduação das Universidades Federais do Rio Grande do Sul, do Ceará, de Pernambuco, assim como da Universidade Católica de São Paulo e na Universidade de Brasília. Também o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento de São Paulo desenvolve hoje uma atividade importante de pesquisa na área de ciência Política, em diversas linhas. Finalmente, a Fundação João Pinheiro em Belo Horizonte, possui uma linha de estudos e trabalhos na área de políticas publicas.

3. Características Gerais da área

Como as demais ciências sociais, a Ciência Política não tem uma definição consensualmente aceita. É possível dizer que ela estuda estruturas e processos sociais que têm a ver com a formação, transformações e exercício do poder. Uma outra definição seria que a Ciência Política lida com as formas pelas quais as sociedades se organizam e se estruturam para a realização de seus fins. Uma terceira definição se refere aos instrumentos, mecanismos e instituições que se valem da autoridade para distribuir os recursos escassos em uma sociedade. Contemporaneamente, a principal destas instituições é o Estado.

Conceitualmente, uma parte central da Ciência Política é o pensamento filosófico mais ou menos rigoroso aplicado ao entendimento do convívio humano em sociedade. Esta tradição se inicia talvez com A República de Plantão, passa por Machiavel, Locke, Hobbes, a chega a nossos dias com Hannah Arendt. No caminho, incorpora a tradição mais pragmática e histórica de De Tocqueville, Hamilton, Marx, Michels e Sorel. Esta lista é somente exemplificativa, mas permite marcar a idéia que a ciência politica está intimamente ligada à tradição do pensamento filosófico a prático sobre o homem em sociedade. A análise, revisão, a reflexão constante sobre estes autores constitui o que se denomina, no contexto universitário, de "teoria política", classificada segundo períodos históricos em clássica, moderna a contemporânea.

Uma outra parte importante da ciência Politica contemporânea tem a ver com o sistema político internacional. O estudo de politica internacional deriva muitas vazes dos interesses da política externa de países mais ativos no cenário internacional. Assim, são desenvolvidas teorias e idéias sobre a estrutura do sistema internacional, balanço de poder, carreira armamentista, sistemas de cooperação internacional bi e multilateral, etc. O principal foco de atenção destes estudos é a relação entre as grandes potencias internacionais. Estudos sobre países mais afastados dos centros mundiais de decisão tendam a ser feitos por especialistas "de área", que passam naturalmente do estudo do comportamento internacional dos países de sua especialidade para o estudo do funcionamento de seus sistemas políticos a sociais. Surge, assim, a área de estudos políticos comparados, que pouco a pouco se desprende da área de política internacional para vincular-se mais à de teoria política contemporânea. A pesquisa na área de politica internacional tende a ser, tradicionalmente, histórica e descritiva. Mas também incorpora, em outra vertente, metodologias de tipo matemático e quantitativo, principalmente as derivadas das teorias de jogos, conflitos e coalizões.

A pesquisa sobre o funcionamento do Estado tende a se dividir em três grandes áreas. Primeiro, estão os estudos sobre os diferentes grupos sociais que são o sujeito a o objeto da atividade politica governamental. Esta linha de trabalho se preocupa com a caracterização e explicação do comportamento político das diversas classes e grupos sociais, da estrutura e difusão de ideologias a valores políticos na sociedade, do comportamento eleitoral das populações e seus representantes, da organização da sociedade em partidos políticos a grupos de interesse. Estes estudos trabalham geralmente com a combinação de abordagens históricas, estatísticas e lógico-formais. Nesta linha, a ciência política se aproxima bastante da economia, no entendimento da estrutura e comportamento de classes, grupos sociais a instituições a eles ligados; da sociologia, no estudo de atitudes, valores, ideologias e sua distribuição em função de variáveis sociais; a da psicologia, no estudo mais aprofundado dos mecanismos psico-sociais que subjacem ao comportamento político de elites e de populações.

A segunda sub-área tem a ver com o Estado e o sistema governamental. Nesta linha a ciência política tem sua maior proximidade com o Direito, na medida em que toma em consideração os diversos arranjos constitucionais a legais da distribuição do poder a da autoridade a suas transformações. Mas sua perspectiva tende a ser sempre mais empírica do que normativa: daí o interesse pelos estudos históricos a comparados. É importante nesta linha a pesquisa sobre a organização do poder político em sociedades primitivas a em comunidades de pequeno porte, em que uma metodologia de tipo antropológico tende a predominar; assim como o conhecimento de instituições públicas específicas, desde o ponto de vista político; a Universidade, as Forças Armadas, o sistema judiciário, as empresas governamentais, etc., fazendo uso de metodologias próximas à sociologia das organizações.

Finalmente, a terceira sub-área lida com o processo de tomada de decisões das instituições públicas. É estudo das políticas governamentais, que são examinadas desde o ponto de vista de seu contexto institucional, da disponibilidade a uso de recursos, do exercício do poder político em suas diversas formas a seu impacto diferencial na sociedade. As análises de política pública lançam mão tanto de variáveis de tipo psicológico a institucional, quanto da análise de tendências estatísticas de com portamento governamental. É importante, neste contexto, o estudo de processos orçamentários das instituições governamentais, desde a fixação das fontes de recursos até as decisões sobra seu uso, a fiscalização e controle de sua aplicação. Aqui, como em outros tópicos, modelos de decisão racional a maximização são propostos a testados em relação ao comportamento efetivo dos homens públicos.

Em conclusão, pode-se afirmar que a Ciência Política, como as demais ciências sociais, não tem um "paradigma" bem estabelecido que presida todas as pesquisas que são feitas sob este título. Mas tem, certamente, um conjunto bastante significativo de tradições de trabalho que permitem identificar com bastante clareza um campo diferenciado de estudo, pesquisa e reflexão. A formação do cientista político, por isto mesmo, deve ser bastante ampla. Ele deve ter conhecimento adequado de filosofia política; deve conhecer a experiência histórica ocidental, e a de seu país em particular. Deve estar familiarizado com a estatística, a com a utilização de instrumental de análise formal. Deve ter suficientes conhecimentos de sociologia, direito, antropologia a psicologia social. Esta combinação de conhecimentos é certamente difícil de ser lograda, levando por isto à especialização de pessoas a instituições em diversos temas e diferentes metodologias.

Como disciplina acadêmica, a Ciência Politicá não gera uma tecnologia social própria, nem dá base a uma profissão. No entanto, ao permitir um conhecimento mais real do sistema internacional, dos grupos sociais, das estruturas e mecanismos de decisão do Estado e Governo; e, principalmente, ao referenciar todo este conhecimento a uma tradição milenar, dá pelo menos uma chance de que a ação social se faça de forma mais justa a mais eficaz.

4. Retrato Atual da Área no Brasil

O quadro 1, a seguir, apresenta as principais instituições brasileiras com programas diferenciados em Ciência Política. São três programas de mestrado, da Universidade Federal de Minas Gerais, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro a da Universidade de Campinas; o Departamento de Politica da Universidade de São Paulo; e uma instituição de pesquisa, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Quadro 1
Instituição ou Programa Sigla Pesquisa Pós-Graduação
Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais DCP/ UFMG sim Mestrado
Mestrado em Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia, Ciências a Letras da Universidade de Campinas UNICAMP sim sim
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. IUPERJ sim sim
Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. USP sim sim
Centro Brasileiro de Análise a Planejamento CEBRAP sim não

Além destas instituições e programas, existem várias outras que fazem, no Brasil, trabalhos na área de ciência politica de boa qualidade. Uma lista incompleta deverá incluir, necessariamente, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade de Brasília, a Universidade Federal do Ceará, a Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a Universidade Católica de São Paulo, a Fundação João Pinheiro de Minas Gerais e o Instituto de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. A ausência de informações adequadas a respeito destes programas limita, evidentemente, o escopo desta avaliação, ainda que ela contenha certamente os programas mais importantes.

O quadro 2 sintetiza as informações a respeito do pessoal docente, restrita às instituições de ensino. Os professores do DCP a do IUPERJ tem geralmente doutorado completo ou em fase de conclusão em universidades norte-americanas. Os professores doutores da USP e da UNICAMP são em grande parte titulados pelo sistema universitário paulista, mas muitos têm pós-graduação na Europa a nos Estados Unidos. Se somarmos a estes outros profissionais dispersos por outras instituições de ensino a pesquisa em ciências sociais, é possível estimar que a área de ciência politica conta, atualmente, com cerca de 50 pessoas em nível de doutorado no país, na maioria bastante jovens a em etapa de transição do nível de estudantes avançados para o nível de pesquisadores profissionais.

Quadro 2 - Pessoal docente dos programas de pós-graduação, em Ciência Política
  INSTITUIÇÕES
NÍVEIS E ATIVIDADE DCP IUPERJ UNICAMP USP TOTAL
Doutorado 05 03 10 07 25
Livre Docente 01     04 05
Mestrado 09 08 09   26
Graduação     01   01
Total 15 11 20 11 57
Permanentes 14 06 19 N. 39
Tempo Integral 10 05 19 NA 34
Em atividade em 1976 13 11 19 NA 43
Os dados do IUPERJ excluem os professores de sociologia; Os professores de tempo integral estão incluídos entra os permanentes.

O quadro 2 ainda revela que uma percentagem bastante significativa destes pesquisadores se dedica ao ensino ou à pesquisa de forma permanente a de tempo integral. Este fato se explica, em relação tanto ao DCP quanto ao IUPERJ, pelo fato de estas instituições terem recebido, desde seu inicio, um auxílio significativo da Fundação Ford, que permitiu a criação de um quadro estruturado de pesquisadores que agora se institucionaliza. Tanto a UNICAMP como a USP se beneficiam, por outra parte, tanto do apoio da FAPESP quanto da própria tradição universitária paulista, que tende a proporcionar salários mais altos que o sistema federal ou privado.

A classificação das diversas áreas e sub-áreas de pesquisa é certamente arbitraria, assim como é arbitrário o enquadramento dos diversos projetos desenvolvidos nas diversas instituições dentro de cada uma destas categorias. Normalmente, os programas de pós-graduação não tendem a definir uma estratégia global de pesquisas, a partir da qual os diversos projetos sejam explicitados. Ao contrário, a tendência é de permitir que cada professor ou pesquisador desenvolva sua linha de interesse pessoal. a as prioridades da instituição resultam de uma agregação destes interesses. Mas não há dúvida que, isto feito, as Instituições começam a adquirir uma identidade mais explícita, que passa a condicionar a orientação de cada um dos pesquisadores.

Uma das maneiras de examinar estas diversas linhas de pesquisá é a partir das divisões feitas pelas próprias instituições. Assim, o IUPERJ classifica suas pesquisas de ciência politica entre as áreas de estudos organizacionais; políticas públicas; partidos, grupos e elites; e politica internacional. A UNICAMP divide as suas pelas linhas de movimentos sociais; teoria política; o Estado Brasileiro; e ideologia política. O CEBRAP divide seu programa de estudos políticos em estudos sobre o Estado Brasileiro; estudos sobre o sistema partidário e o comportamento eleitoral no Brasil; políticas públicas e o Modelo de Desenvolvimento; e Pensamento Político e Ideologia Autoritária no Brasil, além de um programa sobre o Estado e a Sociedade na América Latina. Nem o DCP nem a USP, aparentemente, organizam os projetos de pesquisa de seus professoras em categorias mais gerais.

É possível, ainda, tentar um sistema único de classificação para todas as instituições, a partir de uma concepção mais ampla da área de ciência política a suas sub-divisões. Esta classificação, que tem evidentemente certa dose de arbitrariedade, permite no entanto ter uma idéia mais clara das diferentes ênfases a das principais lacunas da ciência política brasileira. É o que mostra o quadro abaixo:

QUADRO 3 - Projetos de Pesquisa, por sub-áreas e Instituições (1976)
ÁREAS DE PESQUISA INSTITUIÇÕES
  IUPERJ DCP/ UFMG UNICAMP CEBRAP USP
A. Comportamento Político          
Estudos Eleitorais e partidos políticos 1 1   1 1
Atitudes e Ideologias Políticas     3 1 1
Conflitos e coalizões Políticas 1     1  
Comportamento Legislativo 1        
Classes Sociais e Grupos de Interesse 2 2 3 - 6
B. Estado e Governo          
Estrutura a transformações do Estado 2     1  
Sistemas governamentais comparados          
Sistemas burocráticos e Organizacionais 1        
Relações inter-governamentais          
Estudos de poder local          
Instituições governamentais específicas 2        
C. Politicá Internacional          
Política externa do Brasil 1        
Estudos de Dependência       1  
Organizações internacionais governamentais ou não, integração internacional, conflito, guerra e paz, relações bilaterais e multilaterais.          
D. Potitics Públicas          
Análise do Processo Decisório 1 1      
análise Institucional   1      
Técnicas de antecipação 1        
Análise de políticas públicas em áreas específicas 8 2   10  
E. Teoria Política          
Clássica          
Moderna          
Contemporânea          
Tópicos especiais          

Se esta classificação, e a inclusão dos diversos projetos dentro dela, não é totalmente equivocada, ela sugere fatos alguns fatos importantes.

Em primeiro lugar, nota-se que a área de "comportamento político" é a que mais projetos atrai, sendo notável que todos os projetos do Departamento de Politica da USP pertencem a esta área. Por outro lado, a área de teoria política é a que menos interesse atrai, com um único projeto. A de Política Internacional é quase inteiramente descuidada, com dois projetos. A de "Estado e Governo" é também bastante pouco atendida, ainda que a divisão entre ela e a de política publica seja talvez a mais arbitrária.

Em termos de especialização institucional, além da USP, também a UNICAMP tende a se especializar na área de comportamento político. O IUPERJ tem projetos em todas as grandes áreas com exceção da de Teoria Política, mas tende a se especializar na análise de políticas públicas, por um lado, e em estudos de comportamento político por outro. O CEBRAP , finalmente, também tem maior concentração de projetos na área de comportamento político, ainda que participe também em todas as demais, exceto a última.

Existem varias explicações possíveis para esta distribuição dos projetos de pesquisa. Por tradição, a área de teoria política tende a não se configurar como uma linha de pesquisa de "per si". Ou ela é feita pelo professor como atividade individual, e não se constitui em um projeto de pesquisa, ou ela está ligada à teorização à respeito de uma pesquisa empírica em andamento em alguma de outras áreas. Assim, é possível que a ausência de projetos nesta área não signifique realmente que ela está abandonada; mas indica certamente que não existe, no ambiente brasileiro, a noção de que um estudo de teoria politica possa aparecer como um projeto de pesquisa em seus méritos próprios. É possível ainda pensar que esta área está desguarnecida pela própria juventude da maioria dos profissionais da área, se supomos que o trabalho de teorização em Ciências Sociais é normalmente próprio de um nível bastante elevado de maturação intelectual.

O abandono em que se encontra a área de relações internacionais encontra outro tipo de explicação. Primeiro, como já vimos, o interesse por esta área tende a ser a maior em países que desempenham um papel muito ativo no sistema internacional, que não tem sido, historicamente, o caso brasileiro. Segundo, a própria excelência do corpo diplomático brasileiro, formado através do curso do Itamarati, fez com que o estudo de questões internacionais fosse desenvolvido entre nós em estreita proximidade com o serviço diplomático, e afastado da universidade. Esta tendência irá certamente se alterando, na medida em que a participação do Brasil no cenário internacional aumente, e a relevância interna do sistema internacional passe a ser objeto de atenção mais geral.

Com algumas diferenças, o mesmo raciocínio se aplica à área de estudos comparados, totalmente desprovida de estudos a projetos. A ausência de uma presença internacional mais ativa não permitiu o desenvolvimento de "especialistas de área", que são em geral a base para este tipo de estudos comparados. A preocupação com a realidade brasileira, e a premência de nossos problemas, talvez tenha acanhado a visão de outras experiências, que pudessem inclusive colocar a própria realidade brasileira em perspectiva mais ampla. Mesmo o conceito de "dependência", que adquiriu notoriedade como tentativa de chave para o entendimento da realidade politica e social na América Latina, foi insuficiente para conduzir ao surgimento de especialistas no sistema político a institucional dos países mais desenvolvidos.

A ênfase em comportamento político se explica pelo fato de ser esta a área mais tradicional de pesquisa em ciência política, na vertente que lida com a sociologia e com a história. A área de política pública é mais recente, tende a ser mais técnica, a se encontra em expansão, pela própria importância que o setor publico tem hoje como centro de decisões de profundas implicações para todo o país.

Feita esta análise sumaria, é importante considerar algumas de suas limitações, advindas, principalmente, do fato de se tratar de um corte no tempo. Uma análise histórica mostraria, por exemplo, que os estudos de poder local, que não existem atualmente em nenhum dos programas pesquisados, foram no entanto um dos principais temas de pesquisa da sociologia política brasileira de 15 a 20 anos atrás. O desaparecimento destes estudos está ainda por ser explicado, mas reflete o fato de que existe um hiato entra o que é pesquisado e o que é publicado, e o que fica, efetivamente, incorporado ao patrimônio cultural e científico do país.

Mais amplamente, a análise histórica mostraria uma aparente descontinuidade entra a tradição intelectual do pensamento político brasileiro, notabilizada pelos autores mais importantes até a década de 30 - Alberto Torres, Oliveira Viana, Azevedo do Amaral a outros - e o que é produzido no país depois da Segunda Guerra. Esta descontinuidade se explicaria, talvez, pela aparente obsolescência das proposições daqueles autores no período de após-guerra. Ela poderia se explicar, também, pela introdução da tradição francesa das ciências sociais no Brasil, através da Universidade de São Paulo, que começa a se fazer presente na década de quarenta, e, bem mais recentemente, pela introdução da tradição empírica anglo-saxã, pela Universidade Federal de Minas Gerais, a partir do início da década de 60. O tempo viria demonstrar, entretanto, que esta ruptura era mais aparente do que real, tendo os últimos anos testemunhado uma preocupação cada vez maior com o estudo e a revisão dos clássicos do pensamento político brasileiro, iniciada no contexto do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, a hoje bastante difundida. Esta retomada dos clássicos brasileiros, após a incorporação dás tradições francesa e anglo-saxã, pode ser entendida como um sinal de maturidade da ciência política do país, que consegue, pouco a pouco, ir integrando uma problemática nacional com metodologias a abordagens de utilização e valor internacionais.

O quadro 4, finalmente dá a composição do corpo docente, excetuando-se a USP, cujo sistema não é estritamente comparável com os demais, já que os alunos são admitidos pelos professores, a não pelos programas ou cursos.

Quadro 4 - Situação do Corpo Discente
    DCP IUPERJ (1) UNICAMP
Vagas   15 20 12
Matrículas 1974 19 46 8
1975 22 54 17
1976 23 59 23
Conclusões de curso (sem tese) 1974 5 30 0
1975 9 37 5
1976 13 42 12
Teses concluídas 1974 3 1  
1975 2 3 1
1976 5 6 (2) 3
(1) - Números para Sociologia e Ciência Política
(2) - Previsão.

Considerando o fato de que os números do IUPERJ se referem aos alunos de sociologia e ciência politica (a diferenciação se faz somente ao final do curso), é possível estimar que o numero de matrículas nestes programas de pós-graduação se expandiu em 50% em três anos, principalmente devido à criação do programa da UNICAMP. De outra parte, o número de teses aprovadas aumentou consideravelmente, ainda que corresponda a cerca de 10%, somente, do número de matrículas anuais. Este número restrito de teses concluídas se explica pelas desistências havidas, mas também pelo fato de que os programas são relativamente novos, e a tendência tem sido a de dilatar os prazos de conclusão de teses. Um outro fator de evasão aparente são os alunos que se dirigem a programas de doutorado no exterior, sem concluir as teses de mestrado.

Em termos gerais, as condições de infra-estrutura dos programas aqui analisados é razoável. Eles possuem em geral biblioteca moderna, tal como se infere das revistas assinadas pelas diversas instituições; professores a alunos têm em geral acomodações físicas suficientes, e vários contam com acesso a facilidades de processamento de dados.

5. Recomendações

Do ponto de vista institucional, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico deveria preocupar-se em elevar os atuais programas mais importantes da área para o nível de doutorado, e concentrar neles seus recursos principais. Como atividade eminentemente acadêmica, instituições na área de ciência política não podem se restringir ao nível de mestrados a não ser como situação provisória própria de um período de crescimento. O CNPq deveria condicionar a continuação de seu apoio a estes programas à apresentação de um plano de atividades que conduza, de forma viável e a prazo relativamente curto, a programas de doutorado. Para isto, o CNPq, através de seu Comitê Assessor, deveria especificar quais características, além daquelas estipuladas pelo C.F.E., são consideradas essenciais para este tipo de programa - massa crítica, vínculo com outros programas a departamentos, etc. Para a realização destes objetivos, recursos deveriam ser colocados para a criação de novas áreas de pesquisa, e para a formação cada vez maior de uma massa crítica. Neste processo, a circulação de profissionais dentro e fora do país é indispensável, e deveria haver especial cuidado em controlar a tendência ao inbreeding institucional. Especial atenção deve ser dada aos sistemas de recrutamento e fixação de docentes, para evitar o enrijecimento precoce dos quadros de professores e pesquisadores em suas instituições.

Este apoio institucional, dentro de uma linha de consolidação de programas de doutorado, faz-se tanto mais necessário quanto sabemos que dois dos quatro programas aqui descritos, o DCP e o IUPERJ, contaram em sua fase de consolidação com o apoio da Fundação Ford, que agora tende a entrar em um processo de fasing out.

Substantivamente, a concentração das pesquisas em estudos de comportamento político deveria ser desestimulada, em benefício de um espectro mais amplo de interesses. Iniciativas como a do DCP, de criar um centro de estudos latinoamericanos, deve ser estimulada e apoiada. A área de relações internacionais deveria ser fortalecida. Ênfase em linhas de trabalho inter-disciplinar, reunindo a ciência politica com a economia, na área do estudo das políticas públicas, com a sociologia e história, na área de estudos de movimentos sociais e sobre Estado e Governo, etc., deveriam ser incentivados. Estas diversas ênfases devem estar presentes tanto no apoio ao crescimento institucional dos atuais programas de ciência política, quanto no estabelecimento de prioridades para a concessão de auxílios individuais, nas atividades permanentes de apoio à pesquisa do Conselho. <