Desempenho das Unidades de Pesquisa: Ponto para as Universidades

Simon Schwarzman

(publicado na Revista Brasileira de Tecnologia, vol. 16, nº 2, Março/Abril de 1985, pp. 54-60.)


Sumário:

Introdução

1. Pesquisa universitária e não universitária: qual a prioridade?

2. As motivações para a ação

3. Efetividade e orientações de pesquisa: o papel de instituições, áreas de conhecimento e localização geográfica

4. As diferenças organizacionais

5. O desempenho individual

Referências


Introdução

A pesquisa cientifica e tecnológica é, cada vez mais, o produto do trabalho de grupos. No entanto, as análises existentes sobre a atividade cientifica tendem, em geral, a se preocupar com o pesquisador individual, em um extremo, ou com os sistemas nacionais de ciência e tecnologia no outro. Foi para corrigir esta tendência que a Unesco deu inicio, há cerca de 10 anos, a um estudo comparado internacional sobre a organização e desempenho de unidades de pesquisa cientifica e tecnológica, considerando como "unidade de pesquisa" um grupo mínimo formado por um pesquisador "senior" e pelo menos dois assistentes ou técnicos, desenvolvendo um ou mais projetos, e com a duração de pelo menos um ano. É claro que nem toda a pesquisa cientifica se dá em unidades deste tipo; no entanto, esta definição tem sido suficiente para que informações comparáveis sejam colhidas em muitos países e áreas de conhecimento, permitindo uma visão até então inexistente sobre a maneira pela qual a atividade de pesquisa vem de fato se dando.

No Brasil, este estudo foi realizado através de uma amostra representativa de 288 unidades de pesquisa cobrindo os principais estados da federação (Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Brasília) e áreas de conhecimento (ciências biológicas, tecnológicas, exatas, médicas e agrícolas) excetuando as ciências sociais e as humanidades (exclusão que se explica pelo fato de que estas últimas satisfazem pouco ao conceito de "unidade de pesquisa" adotado pela Unesco).

A seleção desta amostra exigiu um levantamento bastante exaustivo do universo de "unidades de pesquisa" existentes no pais, que confirmou o fato de que a pesquisa está fortemente concentrada nas universidades. Além disto, o estudo mostrou que existem profundas diferenças entre a pesquisa universitária e a que se realiza em outros tipos de instituição; mas estas diferenças nem sempre são aquelas que se imagina.

1. Pesquisa universitária e não universitária: qual a prioridade?

Esta pesquisa permitiu estimar que no Brasil, em 1983, havia um total de aproximadamente 5 mil unidades de pesquisa cientifica que satisfaziam a definição da Unesco, nas regiões e áreas de conhecimento pesquisadas. Destas, 60% estavam localizadas em instituições universitárias, 32% em institutos de pesquisa governamentais não universitários, e 8% em empresas orientadas para a produção, públicas ou privadas (mas, em sua maior parte, estatais). (Para os detalhes do projeto, ver os documentos de trabalho do IUPERJ sobre o projeto ICSOPRU, 1984 e 1984a; para os dados utilizados na análise, ver S. Schwartzman, 1984). Esta concentração de unidades de pesquisa no sistema universitário não se faz acompanhar, no entanto, da mesma proporção de investimentos públicos. Existem alguns dados que, apesar de imperfeitos, permitem alguma idéia da magnitude destes recursos. Os dados publicados indicam que o orçamento federal para a ciência e tecnologia em 1980 era de aproximadamente 351 milhões de dólares, ou 2,1% do orçamento total. Para 1982 o valor era de 862 milhões, ou 3.6%. (Os dados orçamentários federais, estaduais e das empresas estatais se encontram nas publicações da Presidência da República/SEPLAN/CNPq indicadas na bibliografia).

Estes dados são meramente contábeis, e a inclusão de um item determinado na categoria de " ciência e tecnologia" não significa necessariamente que os recursos tiveram esta destinação. De fato, uma boa parte do aumento de 1982 a 1983 pode ser atribuido a simples mudanças nos procedimentos contábeis. Há um aumento de 27% em valores corrigidos de 1982 a 1983, elevando o total para mais de um bilhão de dólares, ou 4,2% do orçamento. Este aumento se deve, no entanto, às chamadas "atividades cientificas e técnicas correlatas" (entre 30 e 40% do total), e mais especificamente à inclusão dos gastos do programa nuclear no orçamento de ciência e tecnologia. Além disto, sabemos que existem muitas diferenças entre o que é orçado e o que é efetivamente gasto cada ano. Finalmente, existem outras fontes de financiamento para a pesquisa cientifica e tecnológica, além do orçamento federal, incluindo os orçamentos das grandes empresas estatais (que serão considerados mais abaixo) e o dos estados. A consolidação das informações estaduais feita pelo CNPq permite estimar um total de 254 milhões de dólares para 1980, e 326 milhões para 1982, cerca de 1,8% dos orçamentos estaduais. Mais da metade destes recursos, no entanto, são dedicados a atividades correlatas à pesquisa (informação em C&T, extensão rural, administração geral, etc.).

Com estas limitações em mente, podemos notar que a agencia federal com o maior orçamento de P&D no ano de 1982 foi o Ministério da Agricultura, com 265 milhões de dólares, seguido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) com 111 milhões. Abaixo vinham o Ministério da Educação e Cultura (106 milhões), Minas e Energia (96 milhões), e finalmente o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), administrado pela Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, com 64 milhões. As seis maiores empresas estatais tinham, em seu conjunto, um orçamento de 155 milhões de dólares para 1982.

Quanto deste dinheiro era destinado para a pesquisa universitária? Em principio, unidades de pesquisa universitária podem receber auxílios do CNPq, do FNDCT, através da FINEP, do Ministério da Educação, e, por contratos de pesquisa, das demais agências. Sabemos, no entanto, que mais da metade dos recursos do CNPq são gastos com seus próprios institutos ou com sua própria administração (em 1982 somente 47,1% de seus recursos foram gastos em atividades definidas como de "fomento"). Do orçamento da Embrapa para 1982, 142 milhões de dólares, 30 milhões foram para "administração e coordenação", 47 milhões para "fortalecimento da pesquisa agropecuária" e 65 milhões para pesquisa, realizada principalmente por seus próprios núcleos. Quanto ao FNDCT, sabemos que seus recursos são amplamente utilizados para o apoio a institutos não universitários de pesquisa.

Podemos os supor, para efeito de raciocínio, que metade dos recursos do FNDCT, metade dos recursos do CNPq e todos os recursos de P&D do Ministério da Educação se destinam à pesquisa universitária. Obtemos, assim, um total de 266 milhões de dólares para 1982, o que representa cerca de um terço do total dos gastos federais em P&D, ou um quarto se incluímos neste total os gastos das estatais. Isto significa que, em média, o governo federal gastou em 1982 90 mil dólares por unidade de pesquisa nas universidades, 380 mil dólares por unidades em institutos não universitários, e 596 mil dólares por unidades em empresas. Os dados por pesquisador são, respectivamente, 14, 80 e 135 mil dólares "per capita"

Assim, ainda que a pesquisa esteja fortemente concentrada nas universidades, a ênfase, em termos de financiamento, tem sido posta em outros tipos de instituição. Isto se explica, em certa medida, pelo fato de que os trabalhos de desenvolvimento experimental, que são geralmente os mais caros, tendem a se realizar fora das universidades. Mas significa que as agências responsáveis pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia do país não crêem que a pesquisa universitária seja capaz de responder com eficiência às suas orientações, e preferem colocar seus recursos em outros tipos de instituição.

Além de mais numerosas, as unidades de pesquisa universitária são também as mais qualificadas, pelo menos formalmente. A pesquisa mostra que 78% dos líderes nestas unidades possuem doutorado completo, contra 30% nas unidades em institutos e 6% nas unidades em companhias. Entre os demais pesquisadores, as proporções são 25%, 14% e 1%, respectivamente. Isto significa que, na maior parte do sistema universitário, ter um doutorado completo é um requisito mínimo para liderar um grupo de pesquisas, o que não ocorre nas demais instituições. A maior parte dos lideres de unidades universitárias têm também estudos no exterior. Instituições não universitárias também mandam seus pesquisadores para fora, mas não necessariamente para programas de doutorado. Esta situação se explica, em parte, pela noção de que a pesquisa tecnológica não requer, necessariamente, o nível de formação acadêmica que é normalmente exigido nas universidades. No entanto, as modernas tecnologias exigem uma base de pesquisa cada vez mais complexa, e existem hoje em muitas instituições não-universitárias de pesquisa no Brasil programas de formação de recursos humanos orientados para corrigir esta situação .

A estas diferenças em qualificação formal não correspondem diferenças salariais. Em geral, os salários nas empresas eram muito mais altos do que os das universidades e institutos, quando este levantamento foi feito, no primeiro semestre de 1983. Mais ainda, quase não existe, nas empresas, correlação entre nível salarial e nível educacional entre os pesquisadores, que entretanto é clara tanto nas universidades quanto nos institutos. Isto significa que existe um incentivo claro, nas universidades e institutos, à obtenção de alta qualificação acadêmica, que falta nas empresas, o que ajuda a explicar porque elas geralmente não têm pessoas com esta qualificação (o decreto assinado pelo Ministro da Educação Rubem Ludwig, que permitiu a incorporação de auxiliares de ensino ao quadro permanente das universidades e promoções independentemente de mérito, sem dúvida reduziu a importância deste incentivo) .

Finalmente, as unidades de pesquisa universitária têm em média um técnico para cada dois pesquisadores, enquanto que nas empresas a relação é de um para um; nas universidades faltam mais equipamentos, e os pesquisadores estão geralmente mais insatisfeitos com seus recursos materiais, técnicos e humanos do que em outras instituições. Todos os dados apontam no mesmo sentido: a ênfase, em termos de recursos e incentivos, parece estar colocada fora do sistema universitário, favorecendo acima de tudo as unidades de pesquisa ligadas a empresas. Os institutos não-universitários ocupam uma posição intermediária.

2. As motivações para a ação.

Dinheiro é, certamente, uma motivação importante para a ação em qualquer empreendimento humano, ainda que não o único. Em que medida as diferenças de recursos entre os diferentes tipos de instituição afetam seu desempenho? Será que, ao serem pior aquinhoadas, as unidades de pesquisa universitárias tem um desempenho significativamente pior do que as demais?

Não é isto o que a pesquisa mostra. Na realidade, as unidades de pesquisa universitárias não só têm menos recursos, como seus recursos são instáveis, vindo, na maioria dos casos, de fora de suas instituições. De fato, quase 40% dos líderes destas unidades declaram que teriam que parar totalmente suas pesquisas se tivessem que contar meramente com recursos institucionais, o que não ocorre com em outros tipos de instituição.

Esta necessidade de buscar recursos fora, combinada com a qualificação acadêmica geralmente alta do pesquisador universitário, faz dele uma pessoa dotada de um alto grau de iniciativa e autonomia, que quase não existe em outros tipos de instituição. São os líderes das unidades de pesquisa universitárias que decidem, na maioria das vezes, o que pesquisar, como disseminar os resultados de seu trabalho, e tomam a iniciativa de buscar os recursos de pesquisa sem os quais suas unidades não sobreviveriam. Este fato contradiz a idéia que se tem geralmente do ambiente universitário como altamente burocratizado e sem espaço para o surgimento de lideranças e iniciativas individuais ou de grupo, em contraste com o ambiente empresarial geralmente supõe-se existir em empresas orientadas para o mercado. Na realidade, é no ambiente universitário que os cientistas parecem encontrar aquele espaço para a iniciativa e a criatividade que parece estar ausente em outros tipos de ambiente.

Este espaço é dado, em primeiro lugar, pela existência de agências de financiamento que operam fora do sistema universitário, mas que apóiam diretamente o pesquisador ou o grupo de pesquisa, contornando a burocracia e os controles do sistema universitário. Ele é dado também por uma série de arranjos institucionais - fundações, institutos independentes, sistemas de bolsas de estudo - que livram os pesquisadores dos controles de rotina, e lhes dão flexibilidade de ação, além de, freqüentemente, aumentarem seus salários. Finalmente, como o prestígio vem freqüentemente associado à imagem pública do cientista, isto lhes dá uma posição de autoridade dentro do próprio sistema universitário, o que aumenta seus graus de independência e autonomia .

Esta liberdade de movimentos que os cientistas encontram no ambiente universitário não deixa de trazer seus problemas. Os cientistas entram freqüentemente em conflito com a administração central de suas universidades sobre questões como a gestão do dinheiro de pesquisa, políticas de contratação de pessoal e dedicação ao ensino. Eles podem também entrar em conflito com seus colegas que não fazem pesquisa, trabalham com menos autonomia, têm dificuldade em complementar seus salários, e percebem muitas vezes os pesquisadores como um grupo elitista e injustamente privilegiado. Estas tensões podem se exacerbar quando os pesquisadores elevam seus salários além dos níveis usuais, seja por contratos de pesquisa, seja por financiamentos especiais ou outras formas. Estas diferenças salariais também ajudam a entender por que os pesquisadores mais qualificados tendem a permanecer à margem dos movimentos coletivos e das associações de cunho sindical que existem hoje entre os professores das universidades públicas brasileiras .

Em contraste, os pesquisadores em institutos ou companhias mostram um nível muito mais baixo de autonomia. Nos institutos, eles respondem muito mais diretamente as orientações de pesquisa oriundas das agências de financiamento ou de política científica; nas empresas, o que prevalece são as orientações emanadas das próprias empresas, em seus escalões mais altos. Nestas últimas, existe maior pressão externa para a utilização dos resultados da pesquisa, mas também mais sigilo. Seus pesquisadores têm melhores salários e mais estabilidade no emprego, e não precisam se envolver em atividades empresariais em benefício de suas unidades de pesquisa. Se tivessem que fazê-lo, encontrariam provavelmente muitas dificuldades, porque suas credenciais acadêmicas não são muito altas, e por isto não lhes seria fácil competir por recursos junto a agências operam com mecanismos de revisão por pares.

Nossos dados indicam que as agências de política científica - FINEP, CNPq, Embrapa, Ministério da Industria e Comércio, etc. - só influenciam em 16% das escolhas de temas de pesquisa das unidades, variando de um máximo de 24% para as unidades em institutos para um mínimo de 3% para unidades em empresas. Para as unidades universitárias a proporção é de 15%. Por outro lado, elas surgem como responsáveis por 35% de todo o financiamento da pesquisa, indo de um máximo de 42% nas universidades para um mínimo de 4% nas empresas, com 24% para os institutos. Em outras palavras, quem paga a orquestra nem por isto escolhe a música. Como entender este resultado?

Antes de mais nada, há que observar que estas percentagens de referem a respostas verbais dos líderes das unidades de pesquisa, que podem não refletir toda a realidade. De fato, sabemos que as agências de financiamento podem influenciar as orientações da pesquisa colocando mais recursos em uma área do que em outras, negociando projetos de pesquisa com as unidades ou, simplesmente, anunciando prioridades que condicionam a escolha de temas pelos pesquisadores. Os cientistas podem ajustar seus projetos às expectativas das agências e, ao mesmo tempo, conservar a sensação de que a escolha dos temas de pesquisa continua sua. Ao mesmo tempo, as agências freqüentemente não têm idéias muito claras sobre o que financiar, e tendem a distribuir seus recursos de forma incremental, a partir de demandas prévias da própria comunidade científica. Elas se aconselham com a comunidade, e neste sentido acabam por seguir sua orientação. Em outras palavras, as agências de financiamento são livres para estabelecer preferências e prioridades muito amplas de pesquisa, mas trabalham sob a influência direta da comunidade, ou pelo menos de um grupo selecionado de pesquisadores, quando se trata de apoiar projetos específicos. Assim, sua influência real é menor do que geralmente se supõe, e mais de acordo com nossos dados. Além disto, não há dúvida que estes dados refletem diferenças reais entre os diferentes tipos de instituição.

Estes dados também contradizem a idéia bastante comum de que a pesquisa universitária tende a ser predominantemente acadêmica, enquanto que a pesquisa em institutos e empresas é mais prática e aplicada. Na realidade, não existem diferenças entre estes três tipos de instituição quanto à percentagem de unidades de pesquisa orientadas para o trabalho aplicado, de acordo com o que dizem os líderes: ela varia entre 44% para as unidades universitárias e 50% para as de empresas. Somente 30% das unidades de pesquisa universitária declaram fazer predominantemente pesquisa pura, contra 7% ou menos entre as demais; por outro lado, 31% das unidades em empresas se dedicam a trabalhos de desenvolvimento experimental, contra 9% nas universidades é 20% nos institutos. Estas diferenças refletem, em parte, a distribuição de disciplinas entre os diversos tipos de instituição. Assim, as empresas cobrem somente a pesquisa tecnológica e alguns ramos da química e da geologia, enquanto que as universidades cobrem também as áreas de física, biologia e medicina, entre outras. De qualquer forma, fica claro que 70% da pesquisa universitária é aplicada ou experimental, ou não considera a distinção entre pesquisa básica e as demais como significativa.

Finalmente, pesquisadores nas universidades tendem a fazer muito mais consultoria fora de suas instituições do que os demais. Isto se relaciona, sem dúvida, com seus baixos salários, e é muitas vezes interpretado como indicando um baixo nível de profissionalização em suas carreiras científicas. De fato, muitas vezes é assim. Entretanto, a existência de consultorias externas pode ser também uma indicação de que os pesquisadores não ficam isolados em seus laboratórios, mas estabelecem contatos e colaboração com o mundo "lá fora". A idéia de que o pesquisador, para produzir mais, precisa se dedicar exclusivamente ao seu laboratório, é um dos mitos que a pesquisa da Unesco vem ajudando a desfazer, ao mostrar que os mais produtivos são freqüentemente aqueles que se dedicam a um maior número de atividades distintas. É interessante notar que as maiores percentagens de líderes envolvidos em trabalhos de consultoria, ao redor de 40%, se encontram em São Paulo, por um lado, é na Bahia e Pernambuco, por outro. Já em Minas Gerais a percentagem é de 32%, caindo para 21% no Rio Grande do Sul. É possível que a primeira interpretação do sentido da consultoria seja válida para os estados nordestinos, enquanto que a segunda prevaleça para São Paulo.

Em resumo, é possível concluir que, nas universidades, o sucesso profissional dos pesquisadores depende muito de sua iniciativa individual ou grupal para encontrar um espaço adequado de trabalho em sua instituição, definir seus projetos de pesquisa, negociar recursos com as agências de financiamento, e cuidar dos trabalhos de difusão e continuidade dos resultados obtidos. Nos institutos, e nas empresas com muito mais razão, existe muito pouco espaço para este tipo de iniciativa. Nestes ambientes, o sucesso profissional está provavelmente menos relacionado com o desempenho acadêmico ou de pesquisa do que, por um lado, com a habilidade do pesquisador subir na estrutura burocrática de sua organização, e, por outro, na de trazer lucros a curto prazo para sua empresa. É provável que esta última condição prevaleça em empresas de menor porte, enquanto que a anterior seja mais freqüente em empresas grandes, e acima de tudo estatais, que não dependem de lucros a curto prazo, e podem diluir seus gastos de pesquisa em grandes orçamentos.

3. Efetividade e orientações de pesquisa: o papel de instituições, áreas de conhecimento e localização geográfica .

"Efetividade" é um conceito dado a múltiplas interpretações. Alguns autores distinguem "eficiência" - a capacidade de obter resultados com um mínimo de custos - de "eficácia"- a capacidade de obter resultados independentemente de custos. "Efetividade" pode ser considerada como uma combinação dos dois: a capacidade de obter resultados a custos razoáveis. Diversas unidades de pesquisa podem ter sua eficiência comparada independentemente de seus objetivos, desde que seja possível traduzir seus custos e resultados em algo comensurável - geralmente dinheiro. Eficácia e eficiência, no entanto, só podem ser apreciadas a partir de objetivos que nem sempre são redutíveis a um denominador comum. Um dos achados dos estudos da Unesco é que a pesquisa científica visa objetivos muito distintos uns dos outros, e que o desempenho em relação a um destes objetivos não nos permite predizer o desempenho em relação a outros.

O que vale para os demais países vale também para o Brasil. Quando perguntados, os pesquisadores se dividem entre os que se orientam para a pesquisa pura, pesquisa básica ou pesquisa aplicada. Diferenças mais detalhadas podem ser vistas quando perguntamos aos líderes quais produtos eles consideram importantes para os objetivos de suas unidades de pesquisa. Uma análise fatorial das respostas revela a existência de três orientações principais. A primeira é acadêmica: dentro dela, os principais produtos são as publicações feitas pelos pesquisadores na literatura internacional e nacional. A segunda é tecnológica: aqui, o que conta é a produção de protótipos experimentais e patentes de produtos e processos. A terceira, finalmente, pode ser denominada burocrática, ou organizacional: o que conta é a produção de relatórios que permanecem dentro das paredes da organização.

As unidades universitárias têm uma orientação acadêmica muito mais marcada do que as demais; nas unidades em empresas predomina a orientação organizacional; as dos institutos permanecem em uma posição intermediária. Estas variações poderiam ser um simples reflexo das diferenças entre disciplinas, e equivalente às preferências por pesquisa básica, aplicada ou de desenvolvimento experimental. No entanto, quando consideramos somente a área de engenharia, que existe nos três tipos de instituição, observamos que, ainda que todas elas valorizem os produtos de tipo tecnológico, como seria de se esperar, as que estão nas universidades mostram também uma preocupação notável com sua produção acadêmica, em contraste com as demais, enquanto que as das empresas se orientam principalmente para produtos que permanecem no interior de suas organizações.

A estas diferenças de orientação correspondem, como seria de esperar, diferenças de produtividade. As unidades de pesquisa universitárias são, de longe, as que mais produzem artigos para publicações especializadas, enquanto que as de empresa se concentram quase exclusivamente na produção de documentos internos. Os institutos, como ocorre em geral, ocupam uma posição intermediária.

A interpretação deste fato não é óbvia. Artigos em revistas científicas são indicadores bastante claros de desempenho acadêmico, apesar das limitações que possam ter as medidas de produtividade baseadas em sua quantificação. Indicadores de produtividade tecnológica, quando não traduzíveis em moeda, são muito mais difíceis de obter. Patentes ou solicitação de patentes, materiais experimentais e protótipos produzidos são aproximações bastante limitadas. Uma unidade de pesquisa em uma empresa pode ser muito produtiva e, por isto mesmo, trabalhar de forma altamente protegida e secreta, produzindo somente relatórios internos à sua própria organização. Por outro lado, é possível imaginar que unidades de pesquisa somente para dentro de suas instituições, cujos membros têm qualificação acadêmica relativamente baixa, aonde não existe correlação entre educação formal e renda, e que não são submetidas a avaliações periódicas de custo-benefício, são fortes candidatas a se tornarem defensivas, burocratizadas e ineficientes. Para estas unidades, a única forma possível de avaliação comparada seria através do desempenho de suas empresas em um mercado competitivo, e no qual a variável tecnológica fosse determinante dos resultados obtidos. Como este dificilmente é o caso para as empresas cujas unidades de pesquisa foram pesquisadas neste estudo, o que restaria seriam avaliações substantivas e técnicas, caso a caso, o que iria além do que este tipo de dados pode revelar.

Uma idéia um pouco mais aprofundada da natureza destes produtos surge quando tratamos de examinar o papel de três tipos de variáveis contextuais, o tipo de instituição, a área de conhecimento e a localização geográfica da unidade, em sua produção. O que esta análise revela é que a publicação de artigos em português, e em revistas nacionais, é típica de áreas aplicadas, e mais especialmente de medicina e pesquisa agropecuária. Em média, as unidades de pesquisa no Brasil publicam 9,6 artigos no pais cada 3 anos; para estas áreas, a média sobe para 15,8. Além disto, existe um fator geográfico claro: enquanto a média para as unidades destas áreas no Rio de Janeiro e Nordeste é de 6,1, em São Paulo e no Centro-Sul ela se eleva para 19,9. É curioso, e digno de atenção, o fato de que o Rio de Janeiro se agrupe com o Nordeste no polo de baixa produtividade. Este fato talvez esteja relacionado com a vertiginosa queda do orçamento de ciência e tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que passou do primeiro para o sétimo lugar entre as universidades federais de 1979 a 1983 (CNPq, 1983).

Publicações em revistas internacionais são muito mais raras, mais claramente acadêmicas, e mais concentradas. A média, para o país, é de 3,5 artigos internacionais por unidade de pesquisa a cada 3 anos (ou seja, pouco mais de um por ano). É um produto tipicamente universitário (média: 4,9, contra 1,6 para institutos e companhias). Além disto, é predominantemente paulista, com a média de 8,2 para as unidades universitárias neste estado, contra 3,4 nos demais.

O padrão é menos claro para a produção de patentes, que quase não são produzidas no Brasil. A média para todo o país é de apenas 0,18 patentes cada 3 anos. Para unidades de tecnologia e ciências exatas, ela sobe para 0,33; quando estas unidades estão em São Paulo, a média atinge 0,65, valor ainda extremamente baixo.

4. As diferenças organizacionais.

Área de conhecimento, tipo de instituição e localização geográfica (e tudo o que isto significa) explicam algumas diferenças importantes na orientação e produtividade das unidades de pesquisa. Será que outras diferenças não dependeriam de como as unidades de pesquisa estão organizadas e funcionam internamente? Esta seria, na realidade, a área em que os administradores de ciência e tecnologia teriam mais condições de atuar.

A pesquisa da Unesco permite examinar vários aspectos do funcionamento diário das unidades de pesquisa, que se subdividem em várias dimensões. Primeiro, o grau e a natureza do envolvimento das pessoas com diversos aspectos de seu trabalho. Em geral, os líderes tendem a se envolver muito com todos os aspectos do trabalho da unidade, os pesquisadores um pouco menos, e os técnicos bem menos. O envolvimento dos líderes pode ser de três tipos principais: com a identificação de projetos de pesquisa, formulação e conceitualização dos problemas; com a execução do trabalho de pesquisa; e com a execução da pesquisa. Segundo, é possível avaliar o grau de satisfação com os diversos aspectos do trabalho na unidade. Em geral, o nível de satisfação encontrado foi bastante alto, ainda que houvessem queixas generalizadas quanto aos salários baixos. Os líderes são os mais otimistas. Existem quatro aspectos que são avaliados de forma independente: a qualidade do trabalho de pesquisa enquanto tal (inovatividade, dedicação ao trabalho, abertura para a incorporação de novas idéias, etc.); o nível de conflitos dentro da unidade; a existência de um clima participativo (reuniões freqüentes, presença de técnicos, etc.); e dificuldades externas e ambientais. Finalmente, existem variações importantes quanto à forma pela qual o trabalho está organizado e planejado, ao longo de quatro dimensões: a qualidade do planejamento e organização da pesquisa; os contatos externos para utilização dos resultados obtidos; decisões centralizadas ou participativas; e a existência de orçamentos unificados ou, pelo contrário, a independência financeira dos diversos pesquisadores.

Quais os efeitos das características organizacionais sobre o desempenho das unidades de pesquisa? Resumindo bastante, é possível dizer que existe um certo síndrome de características organizacionais e ambientais que parece típico das melhores unidades de pesquisa. Seus líderes se envolvem predominantemente com a identificação e conceitualização dos projetos de pesquisa, e não com sua execução ou com tarefas administrativas. Existe um clima geral que favorece e valoriza a inovação e a cooperação técnica entre todos. Se a unidade tem uma orientação predominantemente acadêmica, o trabalho de pesquisa enquanto tal tem que ser excelente. Se a ênfase é no trabalho aplicado, a qualidade dos contatos externos é crucial. Outras características organizacionais, das listadas acima - dificuldades externas, clima participativo, nível de conflitos internos, etc - não parecem fazer maior diferença quanto ao resultado do trabalho de pesquisa.

A maioria destas características não depende do contexto institucional da unidades, mas outras sim. Em geral, as unidades universitárias têm uma boa imagem da qualidade de seu próprio trabalho científico, enquanto que nas empresas ocorre o inverso. Por outra parte, unidades em institutos parecem as melhores quanto a contatos externos e continuidade em seus trabalhos, e as de universidades, piores. Unidades em empresas são as que mais se queixam da qualidade de seu trabalho de pesquisa. Estas diferenças confirmam as vantagens comparativas da pesquisa universitária - qualidade, moral alta - assim como suas maiores queixas - contatos externos inadequados, pouca continuidade e utilização dos resultados obtidos. São queixas que refletem dificuldades reais, mas também a frustração de pesquisadores preocupados com a utilização efetiva dos resultados de seus trabalhos.

5. O desempenho individual

Em última análise, o trabalho de pesquisa é o resultado da atividade de indivíduos. Em boa parte, o que os indivíduos fazem depende de aonde estão - sua área de conhecimento, sua instituição, a posição que nela ocupam, as características organizacionais de sua equipe de trabalho. O que tratamos de ver, agora, é em que medida o desempenho depende de características mais estritamente pessoais dos pesquisadores.

A análise mostra que, dos diversos produtos possíveis do trabalho de pesquisa, são as publicações na literatura internacional os que dependem mais diretamente das características individuais dos pesquisadores. Publicam mais no exterior os que têm doutorado completo e, em menor medida, os que estudaram no exterior. Fatores institucionais, por si mesmos, não têm maior influência, embora saibamos que os pesquisadores com esta qualificação estão predominantemente em unidades de pesquisa universitária.

A publicação de artigos em português e no Brasil, no entanto, já obedece a um padrão distinto. Ela também depende do nível educacional dos pesquisadores, mas em menor grau. Por outra parte, é um produto que aumenta quando o pesquisador é líder de sua unidade, trabalha em um instituto nas áreas de pesquisa médica ou agropecuária, e não se dedica à pesquisa em tempo integral. Estes artigos são provavelmente menos acadêmicos que os anteriores, e as revistas que os publicam não são, em muitos casos, estritamente técnicas ou científicas.

Relatórios internos de trabalhos de rotina, no outro extremo, são produtos que dependem claramente de variáveis institucionais. Eles são produzidos por líderes de grupos de pesquisa, preferentemente mulheres, que trabalham em unidades de empresas ou institutos, e não de universidades, que não têm doutorado e não trabalham na área de ciências exatas ou da terra.

A produção de patentes parece depender também, sobretudo, de características individuais. Elas ocorrem fora das universidades, e são produzidas por pessoas que estudaram no exterior e não se limitam a trabalhar dentro de suas instituições de pesquisa. A impressão é que as poucas patentes que existem resultam de trabalhos individuais, sem embasamento institucional sólido, o que explicaria também seu número tão reduzido. Protótipos, no entanto, têm determinantes bastante mais claros, e de tipo institucional. Eles são produzidos por pessoas que trabalham na área de tecnologia ou ciências exatas, e do sexo masculino. Outros fatores não parecem fazer diferença em sua produção.

Em resumo, alguns produtos dependem da evolução dos pesquisadores ao longo de uma carreira acadêmica, outros da localização institucional dos indivíduos, ou da área de conhecimento em que trabalham. Outros, ainda, dependem do sexo da pessoa, que exprime freqüentemente sua posição relativa em uma estrutura de poder e autoridade. Outros, finalmente - como as patentes - parecem não estar ligados nem a uma coisa nem a outra, não tendo, por isto mesmo, encontrado sua localização ou fonte adequada de incentivos e motivação.

6. Conclusões: o lugar da pesquisa universitária.

A principal conclusão, a partir destes resultados, é que a forte ênfase governamental posta no Brasil na pesquisa não universitária, e as críticas que normalmente se fazem à pesquisa nas universidades, mereceriam ser rediscutidas e reexaminadas, pelas razões resumidas a seguir.

Primeiro, o sistema universitário de pesquisas, com todas suas conhecidas dificuldades e limitações, é aquele que ainda dá mais espaço para a iniciativa, liderança e capacidade empreendedora dos pesquisadores. A pesquisa não universitária não parece oferecer as mesmas possibilidades, e é, por isto mesmo, muito mais suscetível de ficar estagnada na rotina e na burocratização.

Segundo, a pesquisa universitária é a que melhor estabelece ligações entre o desempenho científico e técnico das pessoas e recompensas em sua vida profissional. Seus produtos vais valorizados, a produção acadêmica, são os que mais dependem do desempenho individual dos pesquisadores. Carreiras e prestígio profissional são estabelecidos a partir deles, apesar de que ainda não exista, no Brasil, um sistema suficientemente institucionalizado de carreiras científicas. Isto significa existe uma forte motivação para que a iniciativa individual e a capacidade empreendedora dos pesquisadores se voltem, basicamente, para a obtenção de resultados científica ou tecnologicamente importantes, e não para outros possíveis objetivos (ganhar dinheiro, fazer politicagem, buscar o apoio de padrinhos importantes, etc.). É este um dos mecanismos mais importantes de controle de qualidade da pesquisa científica e tecnológica, que parece estar muito mais presente no ambiente universitário do que fora dele.

Terceiro, simplesmente não é verdade que os pesquisadores universitários só se preocupem com a pesquisa acadêmica ou básica, e não se interessem pelo uso social ou valor econômico de seu trabalho. A maioria deles, na realidade, tem uma forte orientação para o trabalho aplicado ou para o desenvolvimento experimental.

Quarto, o sistema universitário é o maior depositário de competência profissional e das tradições de trabalho científico que existem no país, e estas são coisas que não podem ser facilmente transportadas para outros tipos de instituição.

Isto não significa, evidentemente, que a pesquisa universitária no Brasil não tenha seus próprios problemas e dificuldades. Ela tem problemas no relacionamento com seu próprio ambiente, o sistema universitário; sua qualidade é bastante desigual; as carreiras científicas dependem de fatores muito aleatórios, e não estão institucionalizadas; os vínculos entre a pesquisa universitária e o sistema social mais amplo são problemáticos; existe forte tendência para a dispersão de recursos escassos, e muito menos controle de qualidade no do que seria de se esperar de acordo com padrões internacionais.

Apesar de tudo isto, é possível argumentar que investir primordialmente no desenvolvimento, consolidação e melhoria da pesquisa universitária seria uma estratégia superior à que tem sido dominante nos últimos anos, que é a de dar ênfase ao planejamento, à informação científica e ao fortalecimento de unidades de pesquisa em institutos isolados ou empresas, onde existe menos espaço para a iniciativa e criatividade dos cientistas, baixa correlação entre desempenho pessoal e progressão na carreira, e ausência de parâmetros explícitos de avaliação.

É claro que, assim como nem todas as instituições de ensino superior podem fazer pesquisa de qualidade, nem toda a pesquisa pode ou deve se realizar dentro de universidades. É importante, no entanto, que a pesquisa não-universitária mantenha canais abertos de circulação e intercâmbio com as universidades, para evitar os riscos de estagnação e isolamento burocrático. A manutenção de um sistema forte e competente de pesquisa universitária, com grande autonomia e orientação acadêmica, mas ao mesmo tempo vinculado a atividades educacionais, de um lado, e de aplicações, por outro, é uma condição essencial para o sucesso de qualquer política de desenvolvimento científico, educacional e tecnológico do pais.

Referências

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Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1984 - Estudo International Comparativo sobre a organização e Desempenho de Unidades de Pesquisa Científica. Documento de Trabalho n. 1. CNPq/CPO, Textos em Política Científica e Tecnológica.

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