POR UMA NOVA POLÍTICA PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL, relatório final da "Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior", Brasília, Ministério da Educação, 1985.

"Política para a educação superior", editorial de O Estado de São Paulo, 2 de março de 1986

Há um mês, no dia 2 de fevereiro, em editorial intitulado Uma política para a educação superior? em que falávamos do trabalho apresentado pela Comissão Nacional para a Reformulação do Ensino Superior, trabalho que decepcionou, igualmente, a gregos e a troianos, púnhamos em dúvida a efetiva concordância de vários membros da referida comissão, entre eles o prof. Ubiratan Borges de Macedo, com o texto por eles assinado. A respeito do assunto, recebemos extensa carta do mencionado professor, que nos autorizou a utilizar e comentar as principais passagens do seu texto que, no nosso entender, constitui, embora não incorporado ao relatório daquela comissão, um verdadeiro "voto em separado" que, muito mais do que a contraditória colcha de retalhos por ela "costurada" merece nossa atenção.

Explica-nos o professor Ubiratan que foram vários os motivos que levaram a um texto que oscilou quase sempre entre o óbvio e o ruim: o desejo de entregar dentro do prazo um relatório, ainda que defeituoso, considerando que se tratava apenas de um texto para discussão; a heterogeneidade da comissão, tanto do ponto de vista doutrinário quanto em função da diversidade de interesses, bem como a variedade dos membros presentes nas diferentes reuniões. Tudo isso inviabilizou, segundo o seu depoimento, um debate mais aprofundado e gerou confusões. Os documentos parciais, de subcomissões, foram votados à pressa, quase sem debates e em reuniões diferentes, a que compareciam membros igualmente diferentes, o que obrigou o relator a compor um documento final em que pululam as contradições e que não obedece a um plano central.

Tudo isso, aliás, está visível no texto apresentado e poderia ser previsto sem dificuldades, pela simples leitura dos nomes que compunham a comissão, organizada, com rara infelicidade, em função de um duvidoso "ecumenismo", multo diferente do verdadeiro pluralismo, pelo menos do pluralismo próprio de unia nação que quer ser liberal e democrática, à moda ocidental.

Mas, como dizíamos. bem mais interessante do que esse documento. que cada um deve ter assinado a contragosto e "fazendo figa", é a própria visão que o professor Ubiratan Macedo sustenta acerca de nosso ensino superior. Inicialmente. e de acordo com uma tese que ouvimos exposta pelo prof. Antonio Paim, e à qual demos o nosso assentimento em editorial, tese que o professor Ubiratan Macedo agora nos revela ter sido pela primeira vez defendida por ele, "as responsabilidades públicas no ensino superior devem ser atribuidas aos Estados-membros da Federação e não à União. A União está muito longe, tem outras obrigações prioritárias (desenvolvimento, defesa etc.) e sua administração, por ser nacional, é lenta e padronizada, do Oiapoque ao Chuí". Ao que devemos acrescentar que esse tipo de organização é o responsável principal pela "sindicalização" universitária, essa CUT do ensino que é a causadora maior da sua verdadeira paralisia, pelo envolvimento em greves frequentes e intermináveis. Mas voltemos a dar a palavra ao professor Ubiratan Macedo: "Os Estados, conforme a experiência americana e brasileira, assumem bem a tarefa de gerir as suas universidades. Vide o sucesso da experiência paulista e carioca comparada ao ensino federal. Obviamente, isso só será possível com a transferência pela União dos recursos tributários necessários: talvez 6% dos atuais 13% do orçamento federal devessem ser repassados aos Estados que assumissem o encargo de manter as instituições de ensino superior federal localizadas eni seus territórios. À União restaria a UnB - e mesmo esta poderia passar ao governo do Distrito Federal".

Estamos de pleno acordo com a tese, com uma ressalva, referente aos 6% mencionados: pensando na absoluta prioridade que deve ter o ensino fundamental, mesmo sem determinar aprioristicamente qual seria aquela porcentagem, acreditamos que ela devesse ser inferior à sugerida, girando talvez em torno dos 4% já que, considerado o baixo nível (independente dos recursos financeiros) e a desnecessidade de tantos cursos ditos "universitários", que poderiam vantajosamente ser simplesmente fechados, não só sem prejuízos, mas até com vantagens, para o País, essa porcentagem, com a racionalização do ensino superior, seria provavelmente satisfatória.

Continuando, dentro ainda deste assunto, que julgamos da maior importância e oportunidade, invoca o prof. Borges de Macedo a sua experiência pessoal: "Minha experiência pessoal como administrador das três universidades estaduais ne Paraná, cotejada com a minha vivência de professor de várias universidades federais, reforçou minha convicção acerca da maior eficiência da burocracia estadual, comparada com a federal. Isso em termos relativos e sem levar em conta o que é uma boa administração privada".

De outros assuntos trata também o prof. Ubiratan Macedo, entre outros do artigo do prof. José Carlos de Almeida Azevedo, O Novo e o Velho, publicado por esta folha (e ao qual nos referimos no citado editorial), para concordar com a maior parte das afirmações do ex-reitor da UnB, discordando apenas da tese de que caiba às universidades - e nisso pensamos, de modo geral, como o prof. Ubiratan - "a formação moral, ética e até religiosa" dos estudantes, o que, no mínimo, num mundo pluralista, pode levar a perigosas distorções. De nossa parte, acentuando o aspecto intelectual e científico da universidade insistiríamos apenas nos compromissos morais que esta não pode deixar de assumir, em relação à busca incondicional da verdade e do saber (já que a busca da verdade se assenta numa opção ética) e ao respeito devido à pessoa humana.

Trata ainda o prof. Ubiratan do ensino público e privado, afirmando: "Aceito as razões em defesa da escola pública, mas, em face das tradições religiosas do País e da carência de recursos, admito a iniciativa privada no ensino, que desejaria menos regulamentada e livre para ter lucros, mas sem receber de forma alguma um níquel do Estado e, por outro lado, submetida a uma eficiente fiscalização do poder publico concedente do serviço público que é a educação. Este jornal, que durante a "Campanha de Defesa da Escola Pública", no início da década de 60, defendeu a idéia de que o dinheiro público deve ser aplicado na escola pública, concorda com o prof. Ubiratan, mas é mais flexível do que ele num ponto, isto é, não considera sequer preciso recorrer às tradições religiosas nacionais ou à carência de recursos para defender os direitos da iniciativa privada em matéria de ensino, naturalmente fiscalizada no que diz respeito ao cumprimento das leis e, idealmente, no que concerne à qualidade de sua atuação (sem intromissões na sua orientação intelectual e pedagógica), pois que o pluralismo do ensino - envolvendo a liberdade da iniciativa particular e a condenação de qualquer monopólio - é uma das vigas mestras da sociedade livre. Outras passagens do texto mereceriam ainda comentários, se espaço nos sobrasse. Contudo, as idéias do prof. Ubiratan Macedo, que expusemos e comentamos, constituem o núcleo daquele seu verdadeiro "voto em separado" a que nos referimos e que merece a maior atenção dos que se ocupam do nosso ensino superior. <