
Os Institutos
de Pesquisa do Governo Federal Simon Schwartzman
Preparado para discussão com dirigentes de instituições
federais de pesquisa, Novembro de 1994.
Síntese
Fernando Henrique Cardoso, em seu programa de governo, se dispõe a
"Dotar os institutos e centros de pesquisa governamentais,
universitários ou não, de estruturas organizacionais compatíveis com suas
funções, baseadas no estímulo à competência, na flexibilidade de contratação
e promoção por critérios de mérito, em procedimentos de avaliação por
pares, em autonomia gerencial e administrativa baseada em produtos e resultados
bem identificados" (Mãos à Obra Brasil, p. 83).
A proposta é que o governo crie as condições jurídicas de transformação
dos atuais institutos de pesquisa em entes jurídicos especiais, a serem
supervisionados por contratos de gestão, com liberdade de gestão financeira,
patrimonial, administrativa e de pessoal; e que estabeleça, imediatamente,
um mecanismo de avaliação dos atuais institutos, tendo por objetivo criar
as condições para esta transição.
Algumas instituições menos problemáticas, como o Laboratório Nacional de
Luz Síncrotron, poderiam fazer desde já esta transição; outras deveriam
passar por um processo preliminar mais longo de avaliação e projetos de
redefinição de objetivos.
O problema dos Institutos de Pesquisa
Para discutir as alternativas de implementação desta proposta, foi feita
no dia 11 de novembro uma reunião de dirigentes de vários institutos governamentais
federais(1). Este documento procura sintetizar as principais
idéias e propostas discutidas, mas é de responsabilidade, tão somente, de
seu autor.
A questão da autonomia, flexibilidade e avaliação dos institutos de pesquisa
governamentais vem preocupando os pesquisadores brasileiros há vários anos,
e existem várias propostas já bastante encaminhadas para seu equacionamento.
A atual situação é insustentável, pela rigidez do quadro de pessoal, impossibilitando
contratações e estimulando aposentadorias precoces; pelas dificuldades de
uso dos recursos disponíveis, forçando procedimentos lentos e inadequados
de compras e contratação de serviços; e controles burocráticos detalhados
e ineficazes quanto ao conteúdo das atividades realizadas
O modelo dos contratos de gestão
Os participantes da reunião concordam, de maneira geral, que o formato de
contrato de gestão como forma de regular o relacionamento
entre o governo e suas instituições de pesquisa é o que pode atender melhor
às necessidades atuais. Existem no momento pelo menos três projetos já elaborados
a este respeito: o do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em fase de
discussão final na instituição; o do Ministério de Ciência e Tecnologia,
baseado na experiência da Associação das Pioneiras Sociais; e o do advogado
Luciano Benévolo de Andrade, elaborado por solicitação do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia, que faz um amplo levantamento dos aspectos jurídicos
da questão, e propõe a criação de um novo ente jurídico, o Instituto de
Pesquisa (este projeto já se encontra na SAF, tendo sido encaminhado pelo
Ministro José Israel Vargas em julho de 1993). O Instituto Oswaldo Cruz
também realizou um amplo processo de discussão interna sobre as necessidades
de reorganização institucional, que levou à identificação de necessidades
de flexibilização e autonomia de gestão similares a estas.
Em essência, a idéia consiste em transformar os atuais institutos governamentais
em institutos autônomos, submetidos à supervisão governamental quando à
realização de seus fins, mas livres para administrar seus recursos materiais,
humanos e financeiros dentro das regras gerais do setor privado. Ainda que
os diferentes projetos tenham variações de detalhe, todos eles compartem
os seguintes pontos essenciais:
Controle e avaliação - cada instituto deve
ter um plano de trabalho detalhado, de preferência pluri-anual, que deve
ser avaliado e acompanhado externamente. Existem vários mecanismos possíveis
para esta avaliação e acompanhamento. O princípio é que ela não pode ser
meramente formal e quantitativa, mas deve tomar em conta a qualidade e
relevância dos trabalhos propostos e realizados. Este princípio requer
um sistema de acompanhamento por pares externos, e, quando
se tratar de instituições cujos trabalhos sejam especialmente relevantes
para determinados setores da sociedade ou do Estado, pessoas representativas
destes setores. Devem ser evitados nestas comissões pessoas designadas
em virtude de suas posições formais, ou como representantes de interesses
ou setores específicos (há uma diferença importante entre representantes
e pessoas representativas). O formato geral é o de comissões
ou conselhos de acompanhamento, formado por pessoas selecionadas nas áreas
de especialização, que encaminham suas recomendações ao setor de governo
ao qual a atividade do instituto esteja subordinada, assim como aos próprios
institutos.
O fracasso ou sucesso de qualquer projeto de melhoria do setor
de ciência e tecnologia depende da maneira em que esta avaliação e estes
mecanismos de acompanhamento forem instituídos. Idealmente, deveria haver
uma pequena estrutura central que respondesse diretamente à Presidência
da República, e que pudesse dar origem a comités de avaliação específicos.
Gestão administrativa, financeira e patrimonial
- cada instituto recebe o patrimônio atualmente existente, e é responsável
pela sua gestão, mantendo o setor público como titular e proprietário
dos bens. A gestão administrativa e financeira deve ser feita segundo
as práticas usuais do setor privado, e controlada por auditorias externas
e pelo Tribunal de Contas da União, conforme a legislação pertinente.
Os dados financeiros e patrimoniais devem ser públicos. Uma vez aprovados,
os orçamentos são repassados às instituições de forma global, para a realização
de seu plano de trabalho, sem destinações específicas, e sem necessidade
de prestação de contas, exceto quanto à probidade em seu uso, e a publicidade
nas contas.
São pontos importantes, também, a possibilidade de geração
de recursos próprios, e o controle da propriedade intelectual das patentes,
publicações e outros produtos de valor comercial por parte dos institutos.
Estes temas necessitam de elaboração cuidadosa, para manter a flexibilidade
e capacidade de geração de recursos próprios pelos institutos, sem transformá-los
em concorrentes "desleais" com o setor privado.
Política de Pessoal - A questão de pessoal é a que mais
preocupa os participantes, tanto pela sua premência - com os institutos
perdendo rapidamente seu pessoal mais qualificado, ser por aposentadorias,
seja por transferências ao setor privado - quanto pela existência de direitos
criados ou presumidos - sobretudo de estabilidade e de aposentadoria integral
- em função do sistema vigente do Regime Jurídico Único (RJU).
A idéia é que os Institutos de Pesquisa geridos por contratos de gestão
possam contratar livremente seus pesquisadores e funcionários administrativos
de acordo com as normas gerais da CLT, assim como mediante contratos temporários
e de prestação de serviços. Os atuais funcionários do RJU, cuja colaboração
para os Institutos seja importante manter, poderiam optar entre o sistema
CLT e o do RJU, em cujo caso passariam a uma categoria funcional em extinção.
Os funcionários cujo trabalho seja considerado desnecessário ou redundante
seriam colocados à disposição do respectivo ministério ou do Ministério
da Administração, para serem realocados. A questão da política do governo
em relação ao funcionalismo excedente ou em realocação é de ordem mais
geral, e transcende o caso específico dos institutos de pesquisa.
A questão da carreira de ciência e tecnologia
Há um consenso bastante grande de que o Plano de Carreira de Ciência e Tecnologia,
criado pela Lei 8.691, de 28 de julho de 1993, não resolve a questão de
pessoal dos institutos de pesquisa. Esta lei inclui a todos os funcionários
de 19 instituições, da Comissão Nacional de Energia Nuclear ao Ministério
de Ciência e Tecnologia como um todo; inclui tanto a pesquisadores quanto
a técnicos e pessoal administrativo; mantém critérios homogêneos e simétricos
de remuneração e promoção dentro de cada carreira; mantém as regras gerais
do serviço público quanto à estabilidade nos cargos e direitos de aposentadoria;
e, dadas as restrições orçamentárias vigentes, termina por limitar fortemente
as possibilidades de contratação, promoção e remuneração salarial competitiva
com o mercado para as pessoas mais qualificadas, sob o controle do Ministério
da Administração. Existem possibilidades de aperfeiçoamento no Plano de
Carreira da Lei 8.691, e há um Conselho do Plano de Carreiras de Ciência
e Tecnologia (CPC) que vem trabalhando neste sentido, e cujo trabalho deve
continuar. No entanto, a necessidade de uma alternativa mais flexível, e
mais adaptada ao pesquisador de alto nível, permanece sem resposta.
A alternativa de uma carreira específica para pesquisadores, nos moldes
do CNRS francês, também não desperta grande interesse, inclusive pelo fato
de que a própria experiência do CNRS não parece ser das mais recomendáveis.
Em resumo, a sugestão mais adequada é que os institutos que passem a ser
administrados por contratos de gestão criem suas próprias carreiras internas,
quando for o caso, e que o atual Plano de Carreira de Ciência e Tecnologia
seja mantido e aperfeiçoado para os funcionários que se mantiverem no regime
jurídico único.
A questão da transição
Todos concordam que a questão da transição do atual regime ao de contrato
de gestão é extremamente complexa, do ponto de vista técnico, organizacional,
institucional e político. Ela afeta, diretamente, um setor do funcionalismo
com tradição de militância radical e oposição a quaisquer projetos que busquem
a diferenciação de situações e à redução da administração direta do Estado.
Além destas dificuldades gerais, os institutos são muito diferentes entre
si, em tamanho, complexidade, proporção de pessoal técnico e pessoal administrativo,
e outras características. É possível que, para alguns, o modelo de contrato
de gestão apareça como uma necessidade urgente; outros podem considerar
a atual situação menos insatisfatória, e preferir evitar os problemas de
uma transição mais radical.
A solução mais geral é criar as condições legais para a transição do sistema
atual para o sistema de contrato de gestão, e proceder à transferência individual,
caso a caso, e em diferentes tempos, para o novo sistema.
Dois critérios devem nortear esta política gradual. O primeiro é uma avaliação
que o governo deve fazer de cada instituto, para saber se ele tem condições
de funcionar e produzir resultados significativos no atual sistema. Se a
avaliação atual for negativa, a necessidade de uma transição de curto prazo
para o novo sistema pode se impor. Se a avaliação for positiva, então caberia
uma negociação menos urgente sobre prazos, ou mesmo a permanência no atual
formato institucional de administração direta.
Nota
1. Augusto Gadelha Vieira, do Laboratório Nacional de
Computação Científica no CNPq; Cylon Silva, diretor do Laboratório Nacional
de Luz Síncrotron, do CNPq; José Antônio Destri Lobo, do Instituto de Pesquisas
da Marinha; José Seixas Lourenço, Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia: Luís Beviláqua, Coordenador dos Institutos do CNPq; Simon Schwartzman,
Presidente do IBGE; Ubirajara Brito, Secretário de Planejamento e Avaliação
do Ministério de Ciência e Tecnologia.
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