NACIONALISMO, INICIATIVA PRIVADA E O PAPEL DA PESQUISA TECNOLÓGICA NO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL: OS PRIMÓRDIOS DE UM DEBATE

Simon Schwartzman e Maria Helena Magalhães Castro

Publicado em Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol, 28, nº 1, 1985, pp. 89 a 111. Este texto se baseia em Simon Schwartzman e Maria Helena Magalhães Castro, A História do Instituto Nacional de Tecnologia, Rio de Janeiro, Iuperj, 1982, manuscrito, e se beneficiou dos comentários de José Murilo de Carvalho.

Introdução

1. Fonseca Costa e sua geração

2. A Estação Experimental de Combustível e Minérios e a questão do carvão

3. A questão do Álcool-motor

4. Da estação Experimental ao Instituto de Tecnologia

5. O Instituto de Tecnologia

6. A Transferência para o Ministério do Trabalho e a questão do petróleo

7. Conclusão: O INT e os dilemas da tecnologia nacional

Notas



Introdução
Fazer indústria, hoje em dia, não é mais, como outrora, possuir fórmulas mágicas que passavam de pai a filho como legado de família, mas sim aplicar os princípios científicos que permitam atingir os fins colimados. Não se pode aproveitar uma matéria prima sem o conhecimento exato de sua essência, isto é, sem a determinação dos algoritmos que definem as suas propriedades, critério único que deve presidir as operações industriais orientadas peia ciência, Infelizmente, porém, nas organizações industriais brasileiras, esta orientação tem sido desprezada, e daí os inúmeros insucessos verificados, com graves prejuízos para a nossa economia pública e particular.(1)
Escritas em 1934 por seu fundador, estas palavras definem a filosofia central do Instituto Nacional de Tecnologia, criado ainda em 1921 como Estação Experimental de Combustíveis e Minérios. A intenção era trazer a contribuição da ciência para o desenvolvimento da indústria nacional, fosse ela pública ou particular, Um instituto de tecnologia deveria ter como função obter este conhecimento, e colaborar para a sua difusão, Na-o havia, nesta filosofia, nenhuma idéia de planejamento centralizado, ou de que o Estado deveria desempenhar um papel privilegiado no processo de industrialização, além de facilitá-lo pela difusão do conhecimento.

Em seus sessenta anos de existência, o Instituto Nacional de Tecnologia passou por experiências de vitórias e fracassos, apogeu e decadência, transformações mais ou menos profundas e de sucesso variado. Conhecer sua história é conhecer em profundidade um aspecto importante do que foi, ou deixou de ser, a política tecnológica e industrial dos governos brasileiros neste período. Seus primeiros anos constituem, além disto, um capitulo pouco conhecido de um dilema que perpassaria toda a politica tecnológica e industrial brasileira nos anos subseqüentes, ou seja, o do papel do Estado e da iniciativa privada, freqüentemente traduzidos na polaridade nacionalismo vs. liberalismo. É deste capítulo que trata este artigo.

1. Fonseca Costa e sua geração

Ernesto Lopes da Fonseca Costa nasceu em Petrópolis, a 22 de junho de 1881, vindo a falecer no Rio de Janeiro, em 14 de dezembro de 1952. O Instituto Nacional de Tecnologia INT fez publicar, em 1953, um volume em sua memória, que dá uma visão bastante completa de sua formação e de seu papel na vida do Instituto(2). Segundo a biografia, de autoria de lvan Lins, era filho do engenheiro Cateano Pinto da Fonseca Costa e de D. Ernestina Lopes da Fonseca Costa, irmã de Ildefonso Simões Lopes, Ministro da Agricultura por ocasião da criação da Estação Experimental de Combustíveis e Minérios. "Descendia de uma das famílias mais tradicionais do Império, pois era neto do Marechal João da Fonseca Costa, Visconde da Penha e bisneto do íntimo amigo do Duque de Caxias, Manoel Antônio da Fonseca Costa, Marquês da Gávea". Era ainda irmão do Contra-Almirante Aires da Fonseca Costa, através de quem "confiou à Marinha a construção da fábrica de canhões da Ilha das Cobras". Outro irmão, Caetano Lopes da Fonseca Costa, era chefe de gabinete do tio e Ministro Ildefonso Simões Lopes.(3)

Nascido de uma linhagem militar e de engenharia, Ernesto Lopes da Fonseca Costa seguiria os mesmos passos: formou-se como engenheiro geógrafo em 1911 e como engenheiro civil em 1913, pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, atual Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1928 tomou-se professor catedrático da cadeira de Metalurgia da mesma escola, sucedendo a Ferdinand Laboriau. Sua família não lhe havia deixado, aparentemente, fortuna, e Sílvio Fróes Abreu o descreve, nos primeiros anos de formado, como "um rapaz como tantos outros, formado na mais afamada escola de engenharia do país, à cata de um emprego, cheio de teorias e animado por ideais elevados, mas vazio completamente de experiência". Vindo de Minas, o engenheiro Francisco Sá Lessa recorda que Fonseca Costa participava de "um pequeno grupo de moços, acolhedores e generosos que, como eu, iniciavam os estudos de engenharia na velha e gloriosa Politécnica"; era "um grupo de elite, que devia seguir unido até o fim do curso de engenharia civil e continuar triunfante pela vida afora, sempre solidário e amigo, tanto nos momentos felizes como nas horas de provação"(4) Othon Leonardos lista alguns dos nomes deste grupo, que se tornariam mais tarde professores da Politécnica: Sebastião Sodré da Gama, Otacílio Novaes da Silva, Gualter de Macedo Soares, Edmundo Franca do Amaral, Francisco Sá Lessa, Augusto Paranhos Fontenelle, Allyrio Hugueney de Mattos e o próprio Fonseca Costa.(5)

Recém-saído da Politécnica, Fonseca Costa teria uma curta experiência no setor privado que não era muito comum para os de sua geração, e que, segundo Sílvio Fróes Abreu, lhe deixaria uma influência indelével: foi o trabalho na Usina Química Rio D'Ouro, montada durante a Primeira Guerra Mundial em um primeiro esforço de substituição de produtos importados, forçada pelo bloqueio alemão ao país. Ali, trabalhou com Júlio Lohmann, químico holandês "formado na Alemanha e treinado em Java" e que teria sido, ainda segundo Fróes Abreu, "formador da primeira geração de químicos diplomados no Brasil", da qual fazia parte o próprio Fróes. Havia um interesse pecuniário que ajudava a motivar a Fonseca Costa, Ademar de Faria e Francisco Sá Lessa nos trabalhos da Usina. No entanto, a Usina foi um fracasso do ponto de vista econômico e não sobreviveu à normalização do mercado ao final da guerra. Para Fonseca Costa, no entanto, "a convivência com Lohmann deu-lhe o gosto pela química, que conservou a vida inteira; o contato com os problemas da produção industrial imprimiu-lhe uma maneira real de encarar as questões tecnológicas que lhe granjeou um justo prestígio como conselheiro e consultor técnico do Governo nas mais variadas questões no campo da produção nacional".(6)

Mas sua verdadeira iniciação se daria pela aproximação com Gonzaga de Campos, diretor do Serviço Geológico, feita através de Ildefonso Simões Lopes. Segundo todos os depoimentos, a influência de Gonzaga de Campos, formado em Ouro Preto na tradição de Henry Gorceix, teria sido decisiva, não só pessoalmente, como também pelo ambiente existente no Serviço Geológico. Segundo o depoimento de Sílvio Fróes Abreu, ""Fonseca Costa tornou-se discípulo de Gonzaga, intermediário que o grande geólogo patrício utilizou para pôr em prática seus grandiosos projetos de beneficiamento de carvão, de fabricação de coque, de criação da eletro-siderurgia, do desenvolvimento da indústria química pesada e, de um modo geral, da utilização eficiente dos recursos minerais do Brasil". De Gonzaga de Campos, Fonseca Costa teria assimilado "'não só uma grande soma de conhecimentos sobre geologia, mineralogia, metalurgia e geografia, mas também aquele sentido grandioso de interpretar os problemas brasileiros, encarando os fatos com um aprimorado espírito de renúncia pessoal e "um profundo desejo de servir ao pais."(7)

O Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil era o herdeiro da antiga Comissão Geológica do Império, criada em 1875 nos moldes do Geological Survey dos Estados Unidos e sob a direção de geólogos norteamericanos, dentre os quais Orville Derby, que também dirigiu em seus inícios o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, criado pelo governo federal em 1907(8). Data também do século XIX a criação da Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, responsável por toda uma geração de engenheiros orientados para questões de recursos minerais e que, principalmente nas gestões de Gonzaga de Campos e de Eusébio de Oliveira no Serviço Geológico, passa a constituir o principal grupo técnico deste serviço.(9) Antes dele, outro aluno de Ouro Preto, Pandiá Calógeras, seria o responsável pela transformação do Serviço Geológico em uma instituição aparentemente mais eficiente e voltada para a ênfase nos aspectos econômicos e utilitários das pesquisas geológicas, e menos para seu lado estritamente científico, como havia sido até então.(10)

No Serviço Geológico estes técnicos se juntavam a outra linha de pensamento nacionalista e modernizante, oriunda da tradição positivista que tanta influência teve nas primeiras décadas da história republicana brasileira. Formados nas escolas militares ou na Politécnica (e com contatos freqüentes na França), os técnicos passariam a ter uma presença cada vez maior na medida em que o governo Vargas foi quebrando, pouco a pouco, a influência das oligarquias políticas estaduais no governo central. Desde antes de Vargas, porém, o Ministério da Agricultura, e mais particularmente o Serviço Geológico, era um núcleo de pensamento e ação positivista e nacionalista. É como o lembra Jesus Soares Pereira: ""Dentro do Ministério da Agricultura, principalmente no antigo Serviço de Geologia e Mineralogia do Brasil, depois Departamento Nacional da Produção Mineral, havia um núcleo de tendências nacionalistas, muito esclarecido e muito atuante. Convivi com homens como Adosindo Magalhães de Oliveira, um engenheiro de quem pouco se fala, mas homem de alto valor moral, neto de Benjamim Constant, um dos pioneiros no lançamento de idéias nacionalistas em torno dos recursos minerais e de energia elétrica." Fundamental, também, teria sido o papel de Mário Barbosa Carneiro, "considerado o funcionário público número um do Brasil, era homem de altíssimo padrão moral e extrema dedicação. Veio do Ministério da Marinha para organizar o Ministério da Agricultura".(11) Este depoimento recente é confirmado por outro, mais antigo, feito por Othon Leonardos por ocasião da morte de Fonseca Costa. Segundo ele, o Serviço Geológico era "um centro incomparável de erudição, com a presença costumeira de expoentes da época, interessados todos no desenvolvimento de nossos recursos minerais: Antônio Olinto dos Santos Pires, Arrojado Lisboa, Capistrano de Abreu, Cincinato Braga, Souza Bandeira, Luiz Betim, Fleuri da Rocha, Pires do Rio, H. Lee, Horace Williams, Paula Oliveira, Theodoro Sampaio, Alberto Betim, Mindello, Fonseca Costa e tantos outros. Semana não se passava sem que o próprio Ministro não viesse "bater um papo' com Gonzaga e seus amigos, fugindo assim aos políticos que o assediavam com seus pedidos".(12)

Nesta época o Ministério da Agricultura também o era da Indústria e do Comércio, estrutura que se repetia nos governos estaduais. Em Minas Gerais, Clodomiro de Oliveira, Secretário da Agricultura de Arthur Bernardes, teria um papel central na tentativa de criar no estado uma indústria do aço, em oposição aos termos da política nacional definida através do contrato de exportação com a Itabira Iron, sobre o qual voltaremos mais adiante. No início dos anos 20, as grandes decisões de tipo técnico-econômica já não eram tomadas sem a participação de técnicos como estes em comissões do Executivo, e nas quais introduziam, freqüentemente, seus próprios pontos de vista e interesses corporativos: "Tudo isto anuncia a formação de um estrato superior da burocracia de um tipo novo, que percebe os problemas de desenvolvimento do país desde uma perspectiva nacional, que se impacienta com a precariedade dos recursos dos empresários privados, que define e cristaliza seus interesses particulares e trata de realizá-los pelo intermédio do Estado. A reivindicação da participação do Estado na empresa siderúrgica, feita por Clodomiro de Oliveira, é um sintoma do surgimento de uma nova atitude: o Estado começa a ser percebido pelos técnicos como o instrumento por excelência de transformação das estruturas nacionais e, simultaneamente, como o veículo capaz de lhes permitir uma inserção na produção, o que a iniciativa privada era incapaz de fazer. Este fenômeno adquiriria uma importância política muito grande na década de 30."(13)

Esta geração de técnicos preocupados com a modernização do país não tinha, necessariamente, um nível de formação científica muito alto, dadas as condições das instituições educacionais e científicas brasileiras da época. Vistos desde a perspectiva de um geólogo de formação européia, a Escola de Minas e Metalurgia deixava muito a desejar: "Formava engenheiros de todos os tipos. E a geologia, evidentemente, era uma pequena faceta destes ensinamentos. E, assim, a parte geológica era pequena. Eram engenheiros civis e de minas, metalúrgicos. Então, as bases que trouxeram para a geologia eram pequenas. E isto se notava. Poucos conseguiam, com amadorismo e auto-aprendizagem, contornar este problema. Faltava base geológica aos colegas. Eles conheciam bem o Brasil, mas sobre problemas geológicos gerais não tinham muita noção".(14)

Na Escola Politécnica do Rio de Janeiro a situação não era melhor. Além de carecer daquelas características de tempo integral, seleção rigorosa de estudantes, pequenas turmas etc., que deram a marca inicial de qualidade a Ouro Preto, ela sofria o peso negativo da ideologia positivista, que, apesar de modernizante em sua intenção, conduzia a uma visão da atividade científica e técnica bastante rígida e ultrapassada.(15)

Este quadro, ainda que predominante, não esgotava, no entanto, o que ocorria na área técnico-científica naqueles anos. Em 1923 o matemático Manuel Amoroso Costa publica um trabalho denominado "Pela Ciência Pura", no qual contestava a noção de que "a ciência é útil porque dela precisam os engenheiros, os médicos, os industriais, os militares; mas não vale a pena fazê-la no Brasil porque é mais cômodo e barato importá-la da Europa, na qualidade que for estritamente suficiente para nosso consumo"(16) Ele defendia, ao contrário, a necessidade de desenvolver no país uma atividade de pesquisa que fosse muito além das necessidades dos técnicos, e orientada por um ideal científico que se justificasse por si mesmo.

A defesa deste ideal de "ciência pura" aparecia, na época, ligada à crítica intelectual ao positivismo, assim como as tentativas de criar no país centros de ensino e pesquisa que se dedicassem à atividade científica enquanto tal, sem uma subordinação muito direta às necessidades ainda tão mal compreendidas da prática mais imediata. Apesar de suas limitações, a Escola Politécnica dá também lugar a uma geração de matemáticos e engenheiros com estas preocupações, muitos dos quais se envolveriam mais tarde no esforço de estabelecer no país uma universidade dotada de uma faculdade de ciências, e que seriam responsáveis pela criação da Academia Brasileira de Ciências. Deste grupo fazia parte, entre outros, Ferdinand Laboriau, morto prematuramente, e a quem Fonseca Costa sucederia como professor.

A atividade científica mais intensa que ocorria no Brasil na época, no entanto, não era no campo das ciências físicas, e sim no das ciências biológicas. O Instituto Manguinhos, responsável por feitos espetaculares no controle das epidemias que assolavam o Rio de Janeiro e outras partes do país no inicio do século, havia conseguido estabelecer uma base sólida para a pesquisa biológica no país, que depois seria transplantada para algumas instituições também de alto nível, como o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal do Estado de são Paulo, dirigido desde sua criação em 1927 até 1933 por Arthur Neiva, formado em Manguinhos e diretor da efêmera Diretoria de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura, onde o Instituto de Tecnologia veio a ser criado.

Fonseca Costa recebeu, em suma, influências de família, educação e relações que o colocavam no centro das atividades técnicas, científicas e governamentais da época, sem que isto o identificasse totalmente com um grupo determinado, como por exemplo o que se congregava ao redor do Serviço Geológico. Isto sem dúvida explica, pelo menos em parte, o curso independente que o Instituto Nacional de Tecnologia assumia a respeito dos grandes temas de debate nacional da época, como o do ferro e do petróleo, e que teriam influência na própria localização do INT junto ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e não mais no de Agricultura, a partir de 1934.

2. A Estação Experimental de Combustível e Minérios e a questão do carvão

O primeiro trabalho de Fonseca Costa na área de combustíveis foi feito ainda no Serviço Geológico, em estudos sobre a utilização do carvão como combustível na produção de vapor. Nesta época já havia em formação a idéia da criação de um órgão que se dedicasse especificamente à questão de combustíveis. Em sua Mensagem Presidencial de 1920, dirigida ao Congresso Nacional, o Presidente Epitácio Pessoa já menciona a autorização, pelo Congresso, da instalação da Estação Experimental de Combustíveis e Minérios EECM, com o fim de "fazer a investigação econômica dos combustíveis, dos melhores métodos para seu enriquecimento e dos tipos de fornalha mais adaptados à sua queima".(17) Do grupo inicial da EECM faziam parte, além de Fonseca Costa e Moraes Rego, Sílvio Fróes Abreu, os engenheiros Paulo Accioly de Sá, Aníbal Pinto de Souza, o inglês Thomas Legall, especialista em combustão de carvão, e Heraldo de Souza Matos, que inicia os estudos sobre o uso do álcool etílico em motores de explosão. Além destes, havia os químicos Joaquim Correia de Seixas e Rubem de Carvalho Roquete.(18)

Segundo a descrição de Heraldo de Souza Matos, a Estação Experimental, ao ser criada pelo Decreto no. 15.209, de 29 de dezembro de 1921, já funcionava "mais ou menos clandestinamente" junto ao Serviço Geológico, graças aos trabalhos de Fonseca Costa, Moraes Rego e outros.

O regulamento da Estação, que acompanhava o Decreto, dava como sua função "investigar e divulgar os melhores processos industriais de aproveitamento dos combustíveis e minérios do país". Isto incluía, ainda, segundo o regulamento, estudos sobre enriquecimento de combustíveis, métodos de queima e aproveitamento, destilação de xistos betuminosos, utilização de combustíveis na siderurgia, aproveitamento de minérios de ferro "e outros de valor econômico", aproveitamento de materiais das jazidas para a fabricação de cimento, e utilização de produtos nacionais na fabricação de refratários. O regulamento previa ainda o estudo de outras matérias rimas, desde que autorizado pelo Ministério, e antevia a possibilidade de instalação de "sucursais nas zonas de mineração mais importantes". Em outro item, a Estação ficava com a responsabilidade de manter um curso de foguistas, ""a fim de ensinar e divulgar os processos de queima mais adaptáveis aos combustíveis nacionais", e realizaria anualmente um "concurso de foguistas, terrestres e marítimos", aos quais seriam dados prêmios em dinheiro e diploma de habilitação.

Para toda esta atividade, a Estação dispunha de sete técnicos, sendo um diretor, três engenheiros ajudantes, um químico e dois químicos ajudantes, além de um desenhista, um encarregado de material, um escrevente arquivista e um porteiro. Havia, no entanto, flexibilidade prevista para a contratação de pessoal extranumerário, assim como de onze especialistas para trabalhos e estudos especiais.

A Estação foi estabelecida "em barracões muito modestos existentes nos terrenos da antiga Usina Açucareira, com entradas pela rua Itapemerim e pela Praia Vermelha, bem atrás do Hospital Nacional de Alienados. Os barracões eram tão modestos que seus pisos eram de terra batida, o que não impedia que um grupo de jovens engenheiros e químicos trabalhassem com todo o amor e afinco para ajudar os mestres, os quais incentivavam seus auxiliares trabalhando lado a lado com eles". "Nos modestos laboratórios da Estação", continua Heraldo de Souza Matos, "faziam-se análises dos carvões nacionais, especialmente os de Santa Catarina; estudavam-se os diversos processos de lavagem dos carvões; traçavam-se curvas de lavabilidade com o intuito de melhorar suas qualidades; destilavam-se os carvões nacionais para a produção de gás e a destilação de xisto pirobetuminoso, demonstrando a dificuldade de transmissão de calor nas camadas dos xistos nas retortas; estudavam-se diferentes processos de briquetagem do carvão e ali se iniciaram os estudos para a fabricação do coque metalúrgico". Mais ainda, "foram instaladas velhas caldeiras para possibilitar os estudos sobre a queima eficiente do carvão nacional em instalações fixas e marítimas e em locomotivas"; e '"construiu-se nas oficinas da Estação Experimental um novo tipo de grelha capaz de queimar eficientemente carvão nacional".(19)

Todos os depoimentos confirmam a dificuldades materiais e mesmo a falta de compreensão que encontravam os trabalho da Estação Experimental; ao mesmo tempo, constatam o entusiasmo e o espírito de dedicação daqueles primeiros anos. Ao final de 1922, a Estação promove o 1 Congresso Brasileiro de Combustíveis, onde foram apresentados os resultados dos ensaios de coqueificação do carvão nacional realizados por Fleuri da Rocha na Europa. Este foi, certamente, o primeiro debate aberto havido no Brasil sobre as características dc carvão nacional, sobre as possibilidades de petróleo, sobre as possibilidades de destilação de xistos pirobetuminosos etc.

Não há dúvida, também, que os trabalhos da Estação Experimental eram acompanhados com interesse pelo governo, tal como transparece nas sucessivas referências feitas à Estação nas mensagens presidenciais ao Congresso Nacional a partir de 1921.

Já em 1922 a Estação figura de maneira preeminente na mensagem que o presidente Epitácio Pessoa dirige ao Congresso Nacional. Ela faz parte de um conjunto de novas instituições que são estabelecidas naqueles anos como parte de um "programa de reforma dos serviços agrícolas", e que incluía a criação ou reforma dos "serviços de Inspeção e Fomento Agrícolas, do Algodão, das Sementeiras, de Expurgo e Beneficiamento de Cereais, o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, o Instituto de Química, o Serviço de Meteorologia, destacado do Observatório Nacional e especialmente dedicado a observações de interesse agrícola, a Diretoria Geral de Indústria Pastoril, com grande ampliação dos ser-viços da antiga diretoria do mesmo nome, e a Estação Experimental de Combustíveis e Minérios, anexa ao Serviço Geológico e Mineralógico".(20) Nesta mensagem o Presidente indica ser um dos objetivos primordiais da Estação a pesquisa sistemática sobre a utilização do carvão brasileiro, "a fim de conseguirmos o aperfeiçoamento gradual dos e processos e o conseqüente barateamento e do combustível brasileiro". Uma das linhas principais de pesquisa foi a da utilização do carvão como gerador de vapor. Segundo a mensagem, verificou-se que "certos carvões brasileiros que, utilizados nas fornalhas comuns, não vaporizam mais do que 2,8 a 3 quilos de água, podem elevar esta cifra a 5,5 a 6 quilos, mediante apenas certas adaptações de ordem técnica das fornalhas. Estes resultados são de tamanha eloqüência que a Companhia de Navegação Costeira resolveu aparelhar as fornalhas de um de seus vapores de conformidade com as instruções recebidas da Estação Experimental".(21) Outra linha se referia à utilização do carvão como coque metalúrgico, dificultado no caso do carvão brasileiro pelos seus altos teores de cinza e enxofre. A mensagem presidencial faz referências a várias experiências com o carvão brasileiro feitas no exterior para a redução de seus teores de cinza e enxofre, assim como as tentativas de produção siderúrgica pelo chamado "método direto": "Com relação à siderurgia, além do estudo do fabrico do coque metalúrgico, procurou o governo encontrar a solução do problema nos métodos diretos de redução dos minérios de ferro. Experiências foram feitas na Suécia, e experiências análogas estão sendo realizadas aqui pela Estação Experimental, com o pensamento, porém, de adaptar a este método o nosso linhito, que, vantajosamente localizado, a curtas distâncias de nossas opulentas jazidas de ferro, poderá contribuir largamente para o desenvolvimento da indústria siderúrgica no Brasil. Estes trabalhos, em andamento na Estação Experimental, vão sendo coroados do melhor êxito".(22)

O otimismo inicial de Epitácio Pessoa é ainda mais acentuado pelo de Arthur Bernardes, que, em sua mensagem presidencial de 1923 se refere com entusiasmo às experiências promovidas por Fleuri da Rocha na Europa com o minério e o carvão brasileiros. "Os carvões de Santa Catarina, previamente beneficiados, produzem bom coque metalúrgico, que se adapta com vantagem à redução nos fomos altos, dos minérios ricos de Minas Gerais", diz o Presidente. São necessárias, no entanto, experiências mais completas, e para isto tratava o governo de montar "pequena usina de demonstração anexa à Escola de Ouro Preto, a qual, proveitosa para a difusão da técnica especializada pelos engenheiros, contramestres e operários, servirá, ao mesmo tempo, para preparar industrialmente ligas indispensáveis à fabricação do aço, que, felizmente, começam a surgir em diversos pontos do país. Sem esta providência, não teríamos indústria genuinamente nacional, pois que tais ligas continuariam a ser importadas do estrangeiro".(23) Em 1924 afirmava o presidente Bernardes que "pode-se dizer, em relação ao carvão nacional, que o problema técnico está completamente resolvido, sendo imprescindível, para assegurar a colocação do produto, a organização comercial e a dos transportes terrestres e marítimos, inclusive o aparelhamento conveniente dos portos". Em 1926 ainda há referências aos problemas causados pela "insuficiência de tráfego ferroviário, dificuldades de embarque e altos fretes das empresas de navegação" em relação ao carvão de Santa Catarina, e a Estação Experimental é mencionada pelo seu êxito em experiências para o beneficiamento do carvão nacional pelos processos que se baseiam na tensão superficial dos corpos", em contraposição ao método gravimétrico tradicional. Segundo a mensagem, "um carvão com 32% de cinzas foi reduzido a menos de 10%, com um rendimento aproximado de 70%. Confirmaram-se estes números por sucessivas experiências, que autorizam a afirmação de que, generalizado no Brasil este processo, possuiremos combustível nacional tão bom como o estrangeiro e por um preço menor"(24)

Este otimismo oficial não encontraria tanto eco, no entanto, no interior da própria Estação Experimental. Na realidade, ao mesmo tempo em que era criada a Estação Experimental, o Presidente Epitácio Pessoa assinava o contrato de concessão do monopólio da exportação do minério de ferro de Minas Gerais ao empresário norteamericano Percival Farquhar, que ficou conhecido como o contrato da Itabira Iron. Este contrato previa, graças às pressões oriundas do governo de Minas, o estabelecimento de uma aciaria em Minas Gerais, assim como a construção de toda a estrutura de transportes do minério até o mar. O contrato da Itabira lron jamais chegou a ser cumprido na parte referente à construção da aciaria, e terminou sendo rescindido por Getúlio Vargas em 1939. Neste meio tempo, ele foi objeto dê grandes debates, polarizou as opiniões e colocou, de forma dramática, a opção entre uma política econômica baseada nos conceitos clássicos da divisão internacional do trabalho e a abertura do país a investimentos estrangeiros ou, inversamente, uma política de industrialização realizada com recursos do próprio país, sob o controle e a tutela do Estado.(25)

A ascensão de Arthur Bernardes à Presidência da República dá mais peso á segunda alternativa, com a qual concorre com entusiasmo Fleuri da Rocha e a equipe do Serviço Geológico. A posição do próprio Fonseca Costa, no entanto, parece ser muito mais reticente. Primeiro, ele teria desde cedo desistido das tentativas de produção de ferro que não fossem pela utilização do coque metalúrgico. A redução do minério de ferro a baixas temperaturas, pelo chamado "processo Smith", era na época apresentada por muitos como a grande alternativa para a siderurgia brasileira, que poderia dispensar o uso do coque e utilizar combustíveis tais como a palha de café, a casca do babaçu, a serragem de madeira e outros combustíveis de baixo teor calórico. Entre os defensores deste processo figuravam Monteiro Lobato, Fortunato Bulcão e Pandiá Calógeras. Conforme Fróes Abreu, "a aparente simplicidade e a possibilidade de utilizar como redutor a palha de café, casca de babaçu, serragem de madeira e outros resíduos de beneficiamento de vários produtos tomavam o processo sedutor. Daí a propaganda feita por Monteiro Lobato com sua. incomparável capacidade de convencer; que via no chamado processo Smith a solução para o problema siderúrgico nacional.(...) O tempo, no entanto, encarregou-se de passar uma esponja sobre estes projetos, sedutores à primeira vista, mas destituídos da indispensável base econômica e da sanção da prática". Depois, Fonseca Costa não compartia da idéia, tão cara a Arthur Bernardas, de que a siderurgia deveria ser instalada em Minas Gerais. Finalmente, depois de buscar insistentemente as vias técnicas para a utilização do coque nacional na fabricação do gusa, Fonseca Costa parte para propor a mistura do carvão nacional com o carvão importado, como a única solução técnica e economicamente viável para o problema. Em geral, Fróes Abreu descreve o diretor da Estação Experimental como admirador de Percival Farquhar e "um dos vultos favoráveis à Itabira Iron, com restrições, a fim de evitar uma posição monopolística que a empresa poderia assumir se não lhe fossem limitadas certas prerrogativas."(26)

Com o governo Washington Luís os grandes planos para a construção dc uma indústria siderúrgica em Minas Gerais são abandonados e os trabalhos da Estação Experimental se concentram no uso do carvão como combustível. A mensagem presidencial de 1929 faz referência aos estudos sobre a briquetagem do carvão de Santa Catarina, realizados pela Estação Experimental, e com o objetivo de permitir o uso do carvão como combustível nos navios. Em 1927 Fonseca Costa havia visitado as minas de Santa Catarina e publicado os resultados de suas observações em um folheto denominado "Possibilidades Econômicas do Carvão de Santa Catarina". É aí que são apresentados os resultados a respeito do processo de briquetagem do carvão, assim como outros dados técnicos sobre o valor do carvão em função de seu potencial de vaporização, volume de produção, técnicas de exploração etc. A conclusão não é tão otimista quanto seria desejável: "se as minas catarinenses estivessem situadas na Inglaterra, mesmo com as nossas despesas de produção e beneficiamento, esse carvão poderia ser vendido no Rio e Santos, porém, como elas estão situadas a uma distância dez vezes menor, nós no Brasil não podemos abastecer nossos principais mercados".(27) O último trabalho da Estação Experimental em relação ao carvão se refere à sua utilização em forma pulverizada em caldeiras marítimas, referido na mensagem presidencial de Washington Luís em 1930. Apesar de bem-sucedido em nível experimental, este processo não chegaria a ser generalizado, pelas mesmas dificuldades de transporte e produção em grande escala que colocavam Santa Catarina tão mais distante do que a Inglaterra.

3. A questão do Álcool-motor

A Estação Experimental foi também pioneira em estudos sobre a utilização do álcool como combustível em motores de explosão, como sucedâneo da gasolina, trabalho conduzido a partir de 1923 sob responsabilidade do engenheiro Heraldo de Souza Matos por sugestão de Miguel Calmon, Ministro da Agricultura. A Mensagem Presidencial de Epitácio Pessoa em 1922 já se referia a estes trabalhos, acentuando que "a importância deste problema ressalta, de um lado, a colossal importação da gasolina no Brasil, e, de outro, o amparo que a sua solução prestaria â nossa indústria açucareira", com problemas de superprodução e falta de mercado. Em 1924 Arthur Bernardes também se refere a "importantes trabalhos e investigações do Ministério da Agricultura" para aplicações industriais do álcool, mas lamenta que, "infelizmente, o alto preço por que está sendo vendido esse produto inibe qualquer resultado prático no momento". Em 1926, observa o Presidente que, "'havendo tomado notável surto o emprego do automóvel no interior do país, realizou a Estação Experimental de Combustíveis e Minérios diversas experiências para a aplicação do álcool como sucedâneo da gasolina em motores de explosão."(28)

Heraldo de Souza Matos lembra das dificuldades iniciais dos primeiros tempos:
"Foi uma luta tremenda para se conseguir, por empréstimo, um velho Ford de quatro cilindros, onde foram iniciados aqueles estudos. Quando os mesmos já estavam adiantados, o Ministro que era engenheiro e esclarecido entusiasmado com o que lá se fazia (...) quase todas as semanas visitava a Estação Experimental incentivando, com a sua presença, os técnicos que lá trabalhavam. Numa dessas visitas resolveu emprestar o único automóvel que o servia como ministro, uma limousine Minerva de fabricação belga, para que se pudesse prosseguir nas experiências"(29)
O objetivo desses estudos, segundo palestra de Fonseca Costa na Escola Politécnica, em 1925,(30) já era o de substituir o petróleo, que se revelava um combustível escasso e, tendencialmente, caro:
"A produção mundial de petróleo começa a se tornar insuficiente para o consumo, que não se tem mantido estacionário, mas cresce de forma inquietadora. (...) De fato, geólogos e especialistas calcularam que as reservas mundiais conhecidas estarão esgotadas em cerca de 80 anos apenas. Compreende-se bem, portanto, que o abastecimento de petróleo se tenha tornado o eixo de gravitação da política internacional. As nações importadoras do combustível vêem crescer desmesuradamente, de ano para ano, o peso dessa cifra na balança comercial."
O problema tecnológico, segundo a mesma palestra, já vinha sendo enfrentado em vários países: "(...) Na Colônia do Cabo emprega-se correntemente o 'natalite', que consiste na mistura de 45 partes de éter e 55 partes de álcool. Em Cuba é também de uso vulgarizado o combustível de base álcool e éter. Na Austrália, são os automóveis em grande parte acionados pelo combustível fornecido pela fermentação de produtos agrícolas. Na França, há muito que se vem procedendo experiências para o aproveitamento do álcool (...) e foram preconizados, ultimamente, as misturas álcool-gasolina Dada a instabilidade dessas misturas em. presença de água, o que exige a adição de um terceiro corpo agindo como estabilizador, o problema só teve solução definitiva, na prática, com a desidratação do álcool por baixo preço, pelo processo inventado pelo engenheiro Lorriette, do 'Service des Poudres'. "

Para a EECM a questão técnica era viabilizar a mistura do álcool produzido no país com a gasolina importada, e não a substituição desta última Nessa época já vigoravam, inclusive, algumas leis (estaduais e municipais) que obrigavam "o emprego de 10% de álcool, pelos consumidores de gasolina".(31) O Brasil produzia cerca de 150 mil litros de álcool por ano, mas tratava-se de um álcool de baixa concentração, fabricado em pequenas destilarias de aguardente. O recurso desenvolvido pela Estação Experimental para que a mistura explosiva fosse perfeitamente homogênea - o que requeria uma temperatura mínima - foi o de aquecimento do ar, obtido pelo calor dos gases do escapamento do motor.

A prova mais cabal da solução do problema foi o desempenho já citado do Ford da EECM, na corrida de automóveis realizada em agosto de 1925. "Apesar da prova ter sido considerada demasiadamente pesada para um Ford, motivo pelo qual foi o único desta marca que ousou correr, os resultados obtidos foram completamente satisfatórios, pois percorreu 230 quilômetros, estipulados pelo regulamento da corrida, consumindo exclusivamente aguardente de 26 Cartier ou 70 G. L., à razão de 20 litros para 100 kms."(32)

Como resultado destes trabalhos, em 1931 o governo Vargas estabelecia a obrigatoriedade da adição de um mínimo de 5% de álcool à gasolina importada (Decreto 19.717, de 20 de fevereiro de 1931). O decreto ainda estabelecia a isenção de impostos de qualquer tipo sobre o álcool desnaturado produzido no pais, e tomava obrigatório o consumo de álcool ou, na falta deste carburante que contivesse, pelo menos, álcool na proporção de 10%" para todos os veículos de propriedade pública; e permitia, pelo prazo de um ano, a isenção de tarifas de importação para "o material necessário à montagem de usinas para o fabrico e re-destilação do álcool-anidro", incluindo o "material indispensável ao aperfeiçoamento e adaptação, para o preparo do álcool-anidro, das destilarias existentes no país"(33). Em 4 de agosto de 1931 é criada no Ministério da Agricultura uma Comissão de Estudos sobre o Álcool Motor, da qual fazem parte representantes dos Ministérios do Trabalho, da Fazenda e da Agricultura, entre os quais o diretor da Estação Experimental, que veio a presidi-la. Finalmente, o Decreto 20356, de 1 de setembro de 1931, dá à Estação Experimental a função de manter um Serviço de Fiscalização Técnica da produção do álcool anidro, mantido por uma taxa de 2 réis "por quilograma de gasolina importada ou despachada nas alfândegas do pais(34). Em função deste decreto o Diretor da Estação Experimental baixa ainda em dezembro de 1931 três portarias sobre a recepção do álcool a ser entregue às companhias de gasolina, sobre a medição de combustíveis líquidos importados a granel e instruções "para o exame, a aprovação e a fiscalização das misturas carburantes à base do álcool, a serem empregadas no pais"(35) . Esta é, aparentemente, a primeira missão de tipo normativo assumida pela Estação Experimental, mas que passaria a ser uma das futuras preocupações centrais do Instituto de Tecnologia.

O trabalho da Estação Experimental não termina aí. Em 1932 Paulo Carneiro, que atuava como elemento de ligação entre o Ministério da Agricultura e a Estação Experimental, foi enviado à França para estudar a tecnologia de desidratação do álcool lá empregada. Em dezembro daquele ano seu pai, Mário Barbosa Carneiro, resume a atuação da EECM nesse campo no discurso que proferiu na qualidade de Ministro interino da Agricultura, ao passar essa pasta ao Major Juarez Távora:
"A Estação de Combustíveis e Minérios teve grande parte de sua atividade aplicada em estudos referentes ao álcool-motor. Novos e múltiplos problemas (...) foram por ela abordados e resolvidos: o rendimento das várias fórmulas de carburantes alcoólicos empregados em motores; análises dos diversos tipos de álcool-motor fabricados pelos importadores de gasolina, num total de cerca de cinco milhões de litros; instalação das bombas oficiais de álcool-motor dessa capital, num total de mais ou menos 250 mil litros; inspeção das Usinas de Álcool; verificação da quantidade e qualidade da gasolina importada a granel no país; regulagem dos carros que passaram a empregar o álcool-motor no Rio de Janeiro etc., etc.. ".(36)
Esse relato informa, na verdade, que a pesquisa tecnológica fundamental já encontrara solução a descrita por Fonseca Costa na Escola Politécnica e que a Estação de Combustíveis vinha ocupando-se, basicamente, do controle qualitativo e da implementação do emprego do álcool-motor. Abria-se, paralelamente, a perspectiva de instalação de uma maior capacidade produtiva de álcool anidro até então fabricado em escala reduzida para uso farmacêutico -, que veio a se concretizar com a criação, em junho de 1933, do Instituto do Açúcar e do Álcool. Tal perspectiva resultava, em alguma medida, da participação que a Estação passara a desfrutar em esferas decisórias governamentais.

O Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA foi criado com base em um anteprojeto elaborado por outra comissão, da qual a EECM também fazia parte, e cuja preocupação central foi a de "neutralizar os efeitos da superprodução do açúcar, através do incentivo à expansão da produção do álcool anidro. A conjugação desses dois fatores teria como resultado imediato o equilíbrio do mercado e a médio prazo, a utilização do álcool carburante, visando, se possível, tornar o país auto-suficiente em matéria de combustível".(37) A importância do apoio técnico da EECM para os objetivos do IAA era portanto de tal ordem que justificou a criação de uma Seção de Fermentação e não só isso, como também, em parte, a própria transformação posterior da Estação Experimental em Instituto de Tecnologia.

A nova equipe, para cuja direção foi chamado o Prof. José Gomes de Faria, do Instituto Oswaldo Cruz, constituía-se numa "seção técnica do IAA" e dedicou seus dez primeiros anos de atividade à instalação de destilarias centrais de grande porte para a produção do álcool anidro. De sua parte, a seção de Combustíveis dava continuidade às experiências do álcool cm motores à explosão. Além disso, Fonseca Costa pertencia ao Conselho Executivo do IAA, enquanto representante do Ministério da Agricultura e, depois, do Trabalho, Indústria e Comércio.

Obra gigantesca para a época, o projeto das destilarias centrais do IAA foi integralmente confiado à equipe de Gomes de Faria, que estudou desde a escolha do local, a qualidade da água e dos melaços que lhe serviriam de matéria-prima, até as experiências de fermentação com seleção de leveduras e fixação de parâmetros ótimos. Com o concurso de engenheiros do Instituto de Tecnologia e do IAA, estudou toda a maquinaria para a escolha das firmas vencedoras da concorrência realizada e optou pelas maiores fabricantes do ramo: a Barber francesa, a Skoda tchecoeslovaca e a Usines de Melle, da qual importou o método de produção do álcool absoluto, de alta concentração.

A montagem dos equipamentos motivou o deslocamento da equipe para os locais de instalação, para Campos (RJ), em 1938, e para a cidade de Cabo (PE), em 1940; mas essa última teve sua montagem interrompida pela 2a. Guerra Mundial. Embora o plano inicial do IAA fosse a construção de três unidades, esse trabalho não foi mais retomado, "devido, provavelmente, à falta do incentivo de governos posteriores a 1945 e a pressões políticas oriundas de interesses econômicos contrariados, vinculados à exploração do petróleo."(38)

Não obstante a inconclusão desse projeto, a seção de Fermentação continuou prestando serviços ao IAA, mas ganhou autonomia na definição de outros temas de pesquisa tecnológica. O conhecimento acumulado pela seção de Combustíveis, em suas inúmeras experiências de rendimento e adaptação de motores à gasolina a outros combustíveis, constitui sem dúvida um importante legado, sub-utilizado ou mesmo desconhecido por autoridades governamentais durante muitos anos.

4. Da estação Experimental ao Instituto de Tecnologia

As atividades descritas até aqui não esgotam a atuação da EECM nos seus 12 anos de existência. O trabalho de Fonseca Costa à frente da Estação Experimental não se limita, em nenhum momento, a atividades meramente administrativas. Entre 1925 e 1926 ele se afasta para dar assessoria técnica à Usina Eletro Metalúrgica de Ribeirão Preto, sendo substituído interinamente por Paulo Accioly de Sá. Esta usina privada fracassa, no entanto, entre outras razões pela distância das fontes de energia e de minério. Em 1927 visita a região carbonífera de Santa Catarina, com base na qual publica, no ano seguinte, As Possibilidades Econômicas do carvão de Santa Catarina, onde apresenta uma série de dados de valor prático para a compreensão técnica dos problemas do carvão, tratando de relacionar suas características técnicas com seus custos econômicos.(39) Entre 1927 e 1929 a EECM monta um forno elétrico a arco, para estudos experimentais sobre o aproveitamento do manganês nacional na produção de ferro-ligas. A pesquisa foi considerada bem-sucedida, e a fabricação da primeira liga de ferro-manganês no Brasil mereceu a visita pessoal do Presidente da República, Washington Luís, à Estação. Em 1929 a EECM publica O Coco Babaçu e o Problema do Combustível, onde Fonseca Costa descarta as idéias então correntes sobre sua utilização como carvão na siderurgia, e propõe seu uso como matéria-prima para a produção de óleo vegetal, baseado em estudos de Sílvio Fróes Abreu.

A passagem da década, com a Revolução de 1930, dá início às mudanças que transformariam a Estação Experimental em Instituto de Tecnologia. Já em 1929 o Ministro da Agricultura, Lira de Castro, corta a verba destinada ao aluguel do terreno da EECM e autoriza Fonseca Costa a procurar terreno do domínio da União para construir novas instalações. O diretor da EECM escolhe um terreno na Avenida Venezuela e consegue promessa de apoio do presidente Washington Luís para ampliar seus laboratórios de modo a abranger também o estudo das matérias-primas vegetais e animais. O Presidente concede o terreno e, com uma verba de 500 contos, Fonseca Costa inicia as obras para a mudança e ampliação da EECM.

Heraldo de Souza Matos dá um depoimento detalhado do que foi o trabalho de mutirão organizado para a construção do edifício de quatro pavimentos e 2.854 metros quadrados, considerado como o mínimo necessário para os trabalhos da Estação, na ausência quase absoluta de recursos. A limpeza do terreno, coberto de cinzas de um incêndio, foi feita por caminhões emprestados pelo Diretor de Limpeza Pública do Distrito Federal 600 caminhões de lixo em 20 dias. O projeto de edifício foi feito na firma B. Dutra e Cia. Limitada, de propriedade do engenheiro Benedito Dutra, e em "regime de cortesia"; o cimento foi fornecido pela Fábrica de Cimento Portland, S. A., de Perus, São Paulo; a pedra britada foi extraída do próprio local, com um britador emprestado pelo governo e transportada em caminhão cedido por Eusébio de Oliveira, do Serviço Geológico e Mineralógico; o gás, a luz e a força foram instalados pela Light também em regime de cortesia; e assim por diante. Foi decidido, diante da disponibilidade de materiais, aumentar o prédio para seis andares.

A Revolução de 1930 representou uma transição difícil para a Estação, logo no entanto superada. Conforme ainda o depoimento de Souza Matos, "Havia 650 contos de réis de dívidas por obras que não haviam sido legalmente autorizadas (muito embora tudo houvesse sido feito com pleno conhecimento do Presidente da República e do Ministro)." A Estação foi submetida a uma comissão de inquérito, sob suspeita de corrupção, situação resolvida, no entanto, pela presença de Mário Carneiro como ministro interino da Agricultura, em substituição a Assis Brasil, primeiro ministro da pasta no governo Vargas.

Mário Carneiro era Diretor Geral de Contabilidade do Ministério da Agricultura desde 1910, tendo acompanhado pois todo o trabalho da Estação desde seus inícios. É ele que consegue o apoio de Vargas para a Estação, e os recursos para que a dívida fosse paga e o edifício terminado. Os próximos anos, no entanto, ainda seriam de incerteza. Em 1933 a Estação Experimental perde a autonomia, passando a se constituir em 7a. Divisão do Instituto Geológico e Mineralógico do Brasil, na gestão de Juarez Távora no Ministério da Agricultura, sendo Fonseca Costa rebaixado à posição de Chefe de Seção.

Em junho do mesmo ano, no entanto, a Estação passa a integrar a recém-criada da Diretoria Geral de Pesquisas Científicas do Ministério da Agricultura, dirigida pelo eminente cientista Arthur Neiva, formado pelo Instituto Oswaldo Cruz e ex-diretor do Instituto Biológico de São Paulo, com a denominação de Instituto de Tecnologia. Além deste, participavam da Diretoria o Instituto de Meteorologia, o Instituto de Geologia e o Instituto de Biologia Animal, no que seria uma primeira e efêmera tentativa de criar uma agência central de pesquisas científicas no país. Arthur Neiva instala seu gabinete no novo prédio do Instituto de Tecnologia, ao lado de Fonseca Costa, em um gesto para muitos considerado como de desagravo para o desprestígio havido pouco antes. Enquanto isto, a presença de Fonseca Costa nos centros de decisão nacionais na área de ciência e tecnologia não diminui; ainda em 1931 ele havia sido convidado para participar da Comissão Nacional de Siderurgia, formada por Vargas para reestudar o contrato da Itabira lron, e da qual participavam também Eusébio de Oliveira, Macedo Soares, Alcides Lins, entre outros. Em 1933, já como diretor do Instituto de Tecnologia, é nomeado para presidir a Comissão de Estudos do Álcool Motor, e para participar como membro da Comissão Organizadora do Instituto do Açúcar e do Álcool.

5. O Instituto de Tecnologia

O decreto de 1933 que cria o Instituto de Tecnologia já traz em si boa parte da concepção que a seu respeito tinha Fonseca Costa e que seria exposta em mais detalhe no texto de 1934 sobre o INT e seus fins. O decreto dá como finalidade do Instituto "estudar o melhor aproveitamento das matérias-primas nacionais e de promover cursos de especializações para técnicos brasileiros". Nos consideranda, o decreto se refere a que "o desenvolvimento de que necessita a indústria nacional exige o prévio acurado estudo do aproveitamento mais racional das matérias-primas do país", e também ao fato de que "a assistência técnica assegurada pelo Ministério da Agricultura do Instituto do Açúcar e do Álcool exige um órgão especializado capaz de satisfazer a seus objetivos". Finalmente, há uma referência à necessidade de "instituir quanto antes cursos para especialização de técnicos brasileiros."

A exposição de motivos que acompanha o decreto, assinada por Juarez Távora, expande esta justificação, ao propor aquilo que alguns anos mais tarde seria chamado de "política de substituição de importações":
"As restrições por que vem passando a exportação brasileira, em conseqüência da crise econômica mundial, têm-se agravado de tal forma que ameaçam privar o pais dos recursos necessários à importação de utilidades de que n'o pode prescindir. Da maior gravidade serão, pois, as conseqüências que daí advirão, se não passarmos a produzir, imediatamente, a maior parte daquilo que importamos."
De toda a complexidade que esta tarefa gigantesca teria, os criadores do Instituto se preocupam principalmente com um aspecto, que é o do conhecimento técnico das matérias-primas nacionais, que é apresentado na exposição de motivos como a grande via para o desenvolvimento industrial do pais. Não é possível", diz a exposição de motivos, "esperar-se tenha ela surto rápido sem que primeiro seja libertada do empirismo que a vem asfixiando. O maior entrave, com efeito, para o seu desenvolvimento tem consistido no injustificável desconhecimento em que se acha, ainda hoje, sob o ponto de vista técnico, a quase totalidade das matérias-primas nacionais". Sem conhecer adequadamente suas matérias-primas, a indústria nacional tenderia a se limitar a atividades de rotina ou a arriscar o fracasso: "O industrial despreza, em geral, o estudo prévio da matéria-prima, porque, realizado por sua própria conta, absorveria grande parte dos seus recursos disponíveis, preferindo, por isto, aventurar-se numa iniciativa que, amiudadas vezes, redunda num verdadeiro fracasso. Para os poderes públicos, entretanto, diminutas são as despesas com esses estudos, pois o mesmo aparelhamento e os mesmos técnicos se aplicam a pesquisas diferentes".

O exemplo externo é citado, sem dúvida de forma a justificar a proposta do Instituto: "Se investigarmos a razão do prodigioso surto industrial dos Estados Unidos da América do Norte, no princípio deste século, verificaremos que foi obra exclusiva dos laboratórios dos estabelecimentos oficiais e das Universidades subvencionadas pelo governo". E se assim foi nos Estados Unidos, nada mais razoável do que tentar repetir a experiência aqui, fundando um Instituto de Tecnologia "â semelhança dos Institutos norte-americanos consagrados ao mesmo fim. Esse Instituto, com a segurança dos seus similares na América do Norte, orientará, doravante, a Indústria Nacional, facilitando-lhe a expansão que deve e precisa ter para a grandeza de nossa pátria".

Apesar das pretensões, o novo Instituto é constituído de forma bastante modesta, a partir dos recursos disponíveis e do pessoal que formava a antiga Estação Experimental de Combustíveis e Minérios. O Instituto é constituído com sete seções técnicas - metalurgia, combustíveis, seção de física tecnológica e de medidas físicas, materiais de construção, química tecnológica, matérias- primas vegetais e animais, indústria de fermentação. "Cada seção é composta por um assistente chefe e um assistente técnico, existindo ainda, para todo o Instituto, sub-assistentes técnicos e ajudantes, datilógrafos etc., perfazendo um total de 33 pessoas no quadro permanente. O orçamento fixado para os sete meses restantes do ano de 1933 é de 841.400$000, ou seja, pouco mais do que cem contos de réis mensais."(40)

As atividades das seções se referem, quase exclusivamente, a problemas relativos a matérias-primas. Assim, a seção de metalurgia tinha como objetivo "introduzir os métodos mais recentes e aconselháveis para o tratamento de nossos minérios"; a de combustíveis, de estudar os melhores processos de aproveitamento de "combustíveis indígenas", como o álcool e o carvão; a de materiais de construção, estudar "do ponto de vista construtivo" as qualidades de nossas matérias-primas; a de matérias primas vegetais e animais deveria se preocupar com o aproveitamento de subprodutos das indústrias extrativas; a de indústrias de fermentação, com "o melhoramento de nossa rudimentar indústria do álcool". Somente duas seções apresentavam um caráter diferente: uma era a de química tecnológica, à qual caberia "investigar questões ainda obscuras que freqüentemente se apresentam aos industriais quanto à homogeneidade de sua produção etc."; e a outra a de física tecnológica e medidas físicas, cuja tarefa principal seria a de "determinar as unidades-padrão de medidas físicas, iniciativa absoluta e indispensável para o progresso industrial do país". Esta lista de questões a serem estudadas define o que seriam, em grande parte, as áreas de interesse e atuação do INT nas décadas seguintes.

6. A Transferência para o Ministério do Trabalho e a questão do petróleo

O Instituto de Tecnologia não permaneceria, no entanto, muito tempo no Ministério da Agricultura. A Diretoria de Pesquisas Científicas seria extinta com a reorganização do Ministério da Agricultura em 1934; neste processo, o Instituto de Tecnologia seria também quase extinto, e terminaria transferido para o recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, levando a termo, enfim, seu afastamento em relação ao antigo Serviço Geológico, que nesta época se transformou no Departamento Nacional da Produção Mineral - DNPM, sob a direção de Fleuri da Rocha.

As razões das dificuldades do Instituto no período estão diretamente relacionadas com a questão do petróleo. A história desta questão naqueles anos é bastante conhecida, e não necessita ser repetida aqui. Em resumo, a posição oficial, expressa através do Departamento Nacional da Produção Mineral, era a de que não havia petróleo no Brasil, para isto contando com a opinião de técnicos estrangeiros de prestígio, como Victor Oppenheim e Mark Malamphy; e que, se houvesse, ele deveria ser explorado pelo próprio governo. Contra esta posição se levantava, principalmente, Monteiro Lobato, doublé de escritor infantil e empresário, que acusava o DNPM de estar dominado por interesses da Standard Oil, que não queria que o petróleo jorrasse no Brasil; e tratava, ao mesmo tempo, de conseguir apoio nacional e internacional para seus esforços privados de exploração petrolífera. Nesta situação, o Instituto de Tecnologia, através de Fonseca Costa e de Sílvio Fróes Abreu, coloca-se em uma linha muito mais próxima da de Lobato, o que lhe traz uma série de dificuldades e contrariedades.

Um quadro bastante detalhado do envolvimento do Instituto nesta questão aparece em documento escrito por Sílvio Fróes Abreu em 1939, sob o título "O Petróleo no Brasil".(41) Segundo o documento, o assunto teria surgido em uma conferência do engenheiro Augusto Fontenelle, realizada em 1934 no INT, na qual ele teria afirmado que as amostras de petróleo de Lobato eram autênticas, em oposição, pois, à posição oficial do DNPM. Isto teria provocado uma queixa de Fleuri da Rocha ao Ministro Juarez Távora, que por sua vez, teria censurado Fonseca Costa pelo fato. "Vexado pela censura", diz o texto, "o Dr. Fonseca Costa promoveu os meios necessários para que o Instituto de Tecnologia deixasse de pertencer ao Ministério da Agricultura, passando para o Ministério do Trabalho e livrando-se assim da ascendência de um Ministro absorvente e exclusivista". Fróes Abreu faz uma análise das amostras nos laboratórios do Instituto e chega a resultados positivos. Mas, segundo o texto, "compreendendo, porém, a responsabilidade de um parecer neste sentido, pedira autorização ao seu diretor e ao Dr. Arthur Neiva, Diretor Geral de Pesquisas Científicas, para ir à Bahia colher, ele próprio, novas amostras para outro estudo". A missão oficial confirma os resultados anteriores, mas não chega a alterar a posição do Departamento Nacional da Produção Mineral. O passo seguinte foi uma missão a título privado em companhia dos geólogos Irnack Amaral e Glycon de Paiva, com financiamento de Guilherme Guinle e com o consentimento de Avelino de Oliveira, Diretor do Fomento do DNPM.(42) Os resultados encontrados levaram à formação de uma Empresa Nacional de Investigações Geológicas Limitada, de propriedade da família Guinle, que solicita autorização para a lavra do petróleo, conforme a legislação do Código de Minas de 1934, e assim também o faz Fróes Abreu a título particular. A existência de petróleo em Lobato seria oficialmente reconhecida em janeiro de 1939, mas as autorizações para sua exploração privada jamais seriam outorgadas. O texto de Fróes Abreu faz referência a boatos segundo os quais "O Conselho Nacional de Petróleo julga perigoso outorgar a lavra a entidades particulares, mesmo de brasileiros natos, porque, por este meio, poderá haver a infiltração de elementos estrangeiros, prejudiciais aos interesses do país". Na realidade, diz o texto, "a verdadeira finalidade na exclusão da atividade privada da exploração do petróleo parece ser a criação de um monopólio estatal, nas mãos de um elemento que enfeixe todo o poder e retarde o desenvolvimento da nossa indústria petrolífera sob a alegação de que os trabalhos do governo são naturalmente lentos. Privada a concorrência da iniciativa particular, um inimigo do petróleo, como o Dr. Fleuri da Rocha, poderá manter inativa a exploração na Bahia ainda por muitos anos."

Outra faceta do envolvimento do Instituto com a questão do petróleo pode ser vista através da correspondência mantida entre Arthur Neiva, ex-diretor da Diretoria Geral de Pesquisas Científicas e amigo pessoal de Fonseca Costa, e Monteiro Lobato, no primeiro semestre de 1935.(43) "Meu caro Lobato", escreve Neiva em 12 de fevereiro, "envio-lhe uma informação reservada, para seu uso exclusivo. Outro dia fui ao Instituto de Tecnologia. Estive com Fonseca Costa, de quem sou amigo. (...) Contou-me ele o seguinte. Na Bahia existe um lugar que se chama Lobato e lá, de uns tempos a esta parte, fala-se muito em petróleo.(...) Ninguém levava a sério a coisa, mas de repente o Fonseca Costa recebeu material colhido em condições que lhe foi remetido e a analise feita por Sílvio Fróes Abreu, elemento de grande valor, mostrou que, de fato, existe petróleo e acredita não se tratar de nenhuma intrujice porque as amostras foram colhidas por pessoa de idoneidade". Neiva sugere então a Fonseca Costa que envie Fróes ao local pessoalmente, e, segundo a carta, "O Fonseca Costa aceitou minha sugestão e o homem deve partir. Tudo porém leva a crer que agora se bateu com o martelo na cabeça do prego."

A resposta de Monteiro Lobato, do dia seguinte, resume suas conhecidas acusações contra o papel da Standard Oil e do Serviço Geológico de tratar de impedir a descoberta de petróleo no pais. "O petróleo de Lobato também figura em minha denúncia", diz em certo momento. "O Serviço Geológico recusou-se a estudar o caso, como o Sr. poderá ver num dos últimos boletins do Ministério da Agricultura. Recusou-se, alegando que não tinha quem mandar lá mas prejulgou. Declarou terminantemente que lá não pode haver petróleo. Nem diante de uma amostra eles cedem na resistência. Um dos nossos companheiros foi lá e trouxemos uma excelente amostra por ele mesmo colhida a 10 metros de profundidade."

As relações de Lobato com o governo não são, a esta altura, totalmente hostis. Nesta mesma carta ele revela ter estado recentemente com Getúlio Vargas, com o qual teria grandes projetos: "Ele chamou-me em fins do ano passado, e tivemos uma conferência importantíssima (e acabou levando-me ao teatro). Quer que eu dirija um novo departamento que vai criar e cuja função será provocar a entrada de capitais estrangeiros. Inda ontem recebi dele uma carta dizendo que a coisa está demorando porque tenciona habilitar-me com todos os recursos necessários. Tudo isto é reservado. Ouça e esqueça". O assunto do petróleo não poderia faltar, evidentemente, e, segundo Lobato, "conversei com ele petróleo e deixei-o de cabeça virada. Fez-me ter um encontro com o Odilon (Odilon Braga, Ministro da Agricultura) e deu ordem ao Odilon de fazer tudo quanto eu quisesse em petróleo, porque o que ele queria agora era ver petróleo. Mas só em conversa eu poderia contar os mil detalhes destas combinações".

O interesse de Lobato não era só acadêmico. Ele havia fundado em 1932 a Companhia de Petróleo do Brasil, e mais tarde a Companhia do Petróleo Nacional, e contava com o apoio de acionistas brasileiros e concorrentes internacionais da Standard Oil para fazer o petróleo surgir. Em carta de 22 de fevereiro Lobato relata a existência de negociações do governo brasileiro com firmas alemãs para a realização de estudos geofísicos no Brasil e sua esperança de que os resultados destes estudos pudessem beneficiar sua firma. "Acontece que estes estudos da Elbof são caros e que se o governo os fizer ipso facto estaremos dispensados de fazê-los (...) É sobre isto que lhe escrevo hoje. Se o amigo, que além de amigo é interessado neste negócio como acionista da Petróleos, pudesse, por intermédio de Fonseca Costa ou outro, informar-se das disposições do Serviço Geológico quanto ao aceite da proposta que eles mesmo pediram, e quando o farão, seria ótimo. Porque se eu vir que deste mato não sai coelho então não mais esperarei coisa nenhuma e darei os passos necessários para por a Petróleos em situação de contratar os estudos da Elbof imediatamente". Na realidade, ele confia pouco: "O Serviço Geológico está manobrado pelo Oppenheim e pelo Malamphy, ambos agentes secretos da Standard Oil, como denunciei ao Getúlio e ao Odilon Braga, e o pobre do Fleuri da Rocha não passa de um títere nas mãos deles". Em 9 de abril Neiva respondia que 'já dei os primeiros passos junto ao Fonseca Costa que se interessou bastante pelo assunto e está manobrando para obter informações. Soube com toda a segurança que agentes alemães estão na Balda trabalhando, sob grande reserva, com o interventor lá para explorarem xistos betuminosos de Marahu que pode dar 35% de óleo".

A coincidência de nomes é totalmente fortuita. A região de Lobato ficaria realmente conhecida como a primeira a produzir petróleo no Brasil, mas os projetos de Monteiro Lobato de fazer de sua exploração uma ventura empresarial privada jamais se realizariam. Com a criação da Petrobrás em 1953, a orientação estatista do antigo Ministério da Agricultura se firmaria de vez, já agora dentro de uma campanha política que tinha nos interesses petrolíferos norte-americanos seu principal alvo. E Monteiro Lobato, campeão do privatismo nos anos 30, que havia feito campanha contra os "trustes" americanos por razões completamente diferentes, acabaria entrando para a história como precursor do nacionalismo brasileiro, que tanto havia combatido.

7. Conclusão: O INT e os dilemas da tecnologia nacional

Não caberia aqui acompanhar no detalhe os desdobramentos futuros das questões do petróleo, da siderurgia, do álcool motor e do próprio INT como instituição de pesquisa. Antes do petróleo, a siderurgia também teria sua solução estatista com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, conforme pretendiam os mineiros desde Artur Bernardes, mas, significativamente, fora de seu estado. O uso do álcool como combustível seria esquecido por várias décadas até o choque do petróleo, quando a antiga competência do INT a respeito é redescoberta e seus técnicos participam de vários projetos relacionados como Programa do Álcool.

Quanto ao INT, seu destino parece ter sido marcado pela conjugação de dois componentes igualmente negativos, sua identificação ideológica com as correntes anti-estatistas, ou liberais, e sua transformação em uma repartição pública, principalmente nos anos do após guerra. É possível traçar certo paralelismo entre as correntes estatistas e anti-estatistas naqueles anos e a tradicional rivalidade que contrapunha os alunos da Escola de Engenharia do Rio de Janeiro, a antiga Politécnica, e os da Escola de Minas de Ouro Preto. A antiga Politécnica produzia sobretudo engenheiros civis que trabalhavam privadamente, seja para particulares, seja em obras contratadas pelo serviço público. A vida na capital proporcionava oportunidades e experiências de associação com empresas nacionais ou internacionais de grande porte, e uma noção clara das oportunidades de sucesso e enriquecimento através da iniciativa privada. A própria vivência na capital provavelmente ensinaria estes engenheiros a desconfiar da competência e eficiência da burocracia governamental. Pouco disto havia para os formados pela Escola de Minas, filhos em sua maioria de famílias mineiras, que adquiriam conhecimentos que o mercado de trabalho não absorvia, e para os quais só o desenvolvimento de uma política industrial e tecnológica do setor público poderia trazer uma oportunidade efetiva de participação.(44)

Como é sabido, a política industrial brasileira desde os anos 30 sempre oscilou entre estes dois polos. A orientação liberal e privatista foi a predominante pelo menos desde 1945, em relação a quase todos os aspectos da política industrial. A orientação estatista predominou, no entanto, na política do petróleo e em grande parte da siderurgia, exatamente onde a competência histórica do INT era mais concentrada. Uma vez incorporado ao Ministério do Trabalho, o INT vai aos poucos adquirindo as características de principal órgão técnico do governo federal, chamado a dar pareceres, emitir certificados e estabelecer normas técnicas de todo o tipo. É dele que surgem, mais tarde, as instituições responsáveis pelo desenvolvimento da metrologia no Brasil. Aos poucos, as funções normativas e administrativas vão adquirindo maior vulto. Ao término da guerra, o Instituto já é uma repartição pública plenamente estabelecida, mas sem um papel mais significativo a desempenhar no processo de substituição de importações que se acentua naqueles anos, a partir sobretudo da importação de tecnologias do exterior e com a participação de capitais estrangeiros.

O nacionalismo econômico ressurge no segundo governo Vargas, a partir de 1950, mas ao INT faltaria tanto imagem histórica quanto competência específica para participar dos novos projetos. Fonseca Costa, que havia participado do início do Conselho Nacional do Petróleo nos anos 30, falece em 1952, sendo substituído por Sílvio Fróes de Abreu, o que garante ao Instituto uma sucessão "doméstica", mas também sua marginalização definitiva da política industrial daqueles anos.

Nos anos seguintes, o INT submergiria em um processo irreversível de decadência e burocratização, apesar de pontilhado por uma série de iniciativas e atividades que atestavam a competência e vocação pública de muitos de seus técnicos e pesquisadores. Foi só com o início da política do álcool, a partir de 1974, que o Instituto volta a tentar uma presença mais significativa no cenário nacional, passando por uma série de transformações cuja amplitude não poderia ser analisada aqui.

(Recebido para publicação em janeiro de 1985).



Notas

1. Ernesto Lopes da Fonseca Costa, O Instituto Nacional de Tecnologia e seus Fins, Rio de Janeiro, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Instituto Nacional de Tecnologia, 1934.

2. In Memoriam Fonseca Costa, Rio de Janeiro, INT, 1953.

3. Idem, pp. 61-62..

4. Idem, pp. 22-23.

5. Idem, p.65

6. Idem, p. 62.

7. Idem, pp. 72-73.

8. Para um histórico, veja Othon Leonardos, "A Mineralogia e a Petrografia no Brasil", in Fernando de Azevedo, ed., As Ciências no Brasil, Rio de Janeiro, Cia. Melhoramentos, 1955, vol. 1. Ver também S. Schwartzman, Formação da Comunidade Científica no Brasil, Cia Editora Nacional/FINEP, 1979, pp. 97-100.

9. José Murilo de Carvalho, A Escola de Minas de Ouro Preto: O Peso da Glória, Cia. Editora Nacional /FINEP, 1978.

10. Pandiá Calógeras, Problemas de Administração, São Paulo, Editora Nacional, 1933.

11. Jesus Soares Pereira, Petróleo, Energia Elétrica e Siderurgia: A Luta pela Emancipação (depoimento organizado e comentado por Medeiros Lima), Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1975

12. In Memoriam, op cit, p. 65.

13. Luciano Martins, Politique et Développement Economique Structures de Pouvoir et Systèmes de Décisions au Brésil, Paris, Thèse pour le Doctorat d'Etat, Université de Paris V, 1973, p. 228.

14. Victor Leintz, citado em S. Schwartzman, Formação da Comunidade Científica no Brasil, op cit., pp. 148-9.

15. Este aspecto contraditório do positivismo e sua influência no desenvolvimento da atividade científica e tecnológica no Brasil é analisado em detalhe em S. Schwartzman, Formação da Comunidade Científica no Brasil op cit.,pp. 109-114.

16. 15 "Pela Ciência Pura", em M. Amoroso Casta, As Idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios, São Paulo, Ed. Grijalbo /EDUSP, 1971.

17. Citado por Almir Andrade, História Administrativa do Brasil, José Olympio Editora, 1950, vol. II. 154.

18. J. N. Santa Rosa, "A formação de um Mestre de Pesquisa Tecnológica (o Núcleo da Estação Experimental de Combustíveis e Minérios)", Revista de Química Industrial, janeiro, 1974.

19. Heraldo de Souza Matos, "O Instituto Nacional de Tecnologia", Carta Mensal, Rio de Janeiro, Confederação Nacional do Comércio, 1966-67. Ver também de H. de Souza Matos, "0 Instituto Nacional de Tecnologia: Fatos, Episódios, Lutas e Realizações, Revista de Química Industrial, agosto e setembro, 1966.

20. Citado por Almir de Andrade, História Administrativa... . op cit., vol. 1, p. 24.

21. Idem, vol II, p. 155.

22. Idem, ibidem e p. 156.

23. Idem, p. 157.

24. Idem, ibidem e p. 158.

25. A literatura sobre a questão da siderurgia no período é bastante extensa. Ver, entre outras, as análises recentes de John D. Wirth, The Politics of Brazilian Development 1930-1954, Stanford, Stanford University 1970; Luciano Martins, Politique et Développement Economique, op. cit., Werner Baer, The Development of the Brazilian Steel Industry, Vanderbilt University Free, 1969; Nícia Vilela Luz, A Luta pela Industrialização no Brasil, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1961.

26. Depoimento de Sílvio Fróes Abreu em In Memoriam, op. cit., pp. 74-5. Para uma visão do próprio Fonseca Costa a respeito da questão da siderurgia e suas críticas à política de Arthur Bernardes, ver E. L. da Fonseca Costa, Notas em Tomo do Problema Siderúrgico Nacional, Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, Rodrigues & Co., 1935.

27. Citado por S. Fróes Abreu em In Memoriam, op cit, p. 76.

28. Citado por Almir Andrade, História Administrativa ... op. cit., vol. 1, p. 94.

29. Heraldo Souza Matos, "O Instituto Nacional de Tecnologia", Carta Mensal, op. cit.

30. Ernesto L. da Fonseca Costa, O Álcool como Combustível Industrial no Brasil, conferência realizada em 23 de novembro de 1925, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

31. Idem.

32. Idem.

33. Idem, p. 97.

34. Idem, p. 98.

35. Idem, ibidem

36. In Heraldo Souza Matos, "O Instituto Nacional de Tecnologia", Carta Mensal, op. Cit.

37. Célia M. L. Costa, "Política Intervencionista nos Anos 30: O Instituto do Açúcar e do Álcool", Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 24, n. 1, 1981.

38. Célia M. L. Costa, "Política Intervencionista...", op. cit, p. 52.

39. E. L. Fonseca Costa, As Possibilidades Econômicas do Carvão de Santa Catarina, Rio de Janeiro, EECM, 1928.

40. Decreto no. 22.750, de 24 de maio de 1933.

41. O texto consta do arquivo pessoal de Arthur Neiva, doado ao CPDOC/FGV, acompanhado de um cartão pessoal de Fróes Abreu, com a seguinte dedicatória: "Com um apertado abraço do Sílvio. Cuidado com a 'Gestapo'; muita reserva com esse assunto para não descontentar o nosso grande Presidente Vargas. Sempre às ordens".

42. Os resultados destes trabalhos são divulgados no livro de Silvio Fróes Abreu, Glycon de Paiva e Isnark do Amarai, Contribuição para a Geologia do Petrôleo no Recôncavo da Bahia. Rio de Janeiro, Ed. Germânica, 1936.

43. Esta correspondência consta dos arquivos de Arthur Neiva doados ao Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas.

44. Sobre o destino profissional e o papel político dos ex-alunos da Escola de Minas, veja José Murilo de Carvalho, A Escola de Minas de Ouro Preto - O Peso da Glória, São Paulo e Rio de Janeiro, Cia. Editora Nacional / FINEP, 1978. Não existe, aparentemente, estudo semelhante sobre a Escola Politécnica. <