

(publicado em O Estado de São Paulo, 15 de setembro de 2004, página
2)
Se o governo federal pretende mesmo gastar um monte de dinheiro colocando
ponto eletrônico em dezenas de milhares de escolas pelo Brasil afora,
para ver se as crianças do Bolsa Família estão indo
à aula, vai ser um belíssimo negócio para quem emplacar
o contrato. Mas não vai dar certo, e se der, não vai servir
para nada. O Brasil tem cerca de 100 mil escolas em áreas rurais,
onde estão as crianças mais pobres do programa. Metade dessas
escolas têm 20 alunos em média, e possivelmente só uma
professora sacrificada, e péssimas instalações; 88
mil delas não vão além da quarta série. Será
que a prioridade é colocar relógios de ponto controlados por
Brasília em cada uma?
Não há nada de errado no programa de Bolsa Família
como política de renda mínima, desde que os cadastros sejam
razoáveis e não sejam usados para comprar votos. Se a família
tem criança pequena, mais razão ainda para dar uma ajuda.
Ninguém diz que as aposentadorias do INSS para o trabalhador rural
são uma esmola, e é difícil entender por que um pequeno
auxílio para famílias carentes com crianças não
pode ser visto da mesma maneira.
Por outro lado, e apesar de tanto que se fala, os efeitos da bolsa escola
sobre a educação das crianças são muito duvidosos,
e provavelmente inexistentes, como mostram todas as avaliações
sérias que já consegui encontrar. Basta pensar um pouco para
entender. Mesmo em famílias muito pobres, é muito raro que
crianças entre 7 e 9 anos deixem de ir à escola por causa
de dinheiro. Quando existe escola, e ela funciona bem, os pais não
deixam de levar os filhos, como mostram as estatísticas: 98.3% das
crianças de 9 anos matriculadas (PNAD de 2002). Aos 14 anos, a matrícula
cai para 93.6%, mas aí, em muitos casos, a escola só tem cursos
até a quarta série, ou a criança já abandonou
por dificuldades de aprender. Em 2001 o IBGE pesquisou as razões
de faltar à escola, entre os matriculados. No decil de renda mais
baixo, só 3.5% dizem que faltaram para trabalhar. Muito pior é
a falta ou greve de professores, 11%. A principal causa é doença,
50%. Pode ser até possível obrigar a estas crianças
a ficarem na escola para ganhar a bolsa, mas continuarão tão
semi-analfabetas quanto antes, se a escola não melhorar.
A conclusão é clara: para melhorar a educação,
é preciso melhorar as escolas, e torná-las mais disponíveis,
interessantes e atraentes para as crianças e suas famílias.
Políticas de renda mínima são importantes em si mesmas,
mas as tais “condicionalidades” precisam ser repensadas, e o
dinheiro do ponto eletrônico será muito melhor empregado se
gasto em material escolar, na contratação e melhores salários
de professores, e em tantas outras coisas mais úteis.
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