Ciência e Tecnologia na Década Perdida: o que aprendemos?

Simon Schwartzman

Trabalho preparado para o Seminário internacional sobre "O Brasil na Década Perdida: O que Aprendemos?", realizado pelo Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégias da Universidade de São Paulo, com o apoio do United Nations Research Institute for Social Development, São Paulo, 3 e 4 de maio de 1993. Publicado em "Ciência e Tecnologia na Década Perdida: o que aprendemos?", in Lourdes Sola and Leda M. Paulani, (editors), Lições da Década de 80, São Paulo, EDUSP - UNRISD, 1995, 241-266.

Sumário

Ciência e Tecnologia na Década Perdida

1. O "modelo" brasileiro de Ciência e Tecnologia: uma periodização
a. Ciência Colonial
b. Ciência Imperial
c. Ciência Aplicada em agricultura e saúde
d. As universidades e o nacionalismo: os anos 30
e. "A modernização pela ciência" (1945-1964)
f. "O Grande Salto à Frente" (1968-1980)
g. Ciência e Tecnologia como Grupo de Pressão (1980-1990)
h. Ciência para o Desenvolvimento Competitivo Industrial
i. O Governo Itamar Franco
2. As instituições de apoio à pesquisa no Brasil
Quadro 1A - Despesa Realizada da União em C&T 1981/1991 (em US mil de 1991)

Quadro 1B - Recursos disponíveis pelas agências programas federais e FAPESP (em milhões de dólares)

Quadro 2 - Bolsas de Estudo disponíveis para pós-graduação no Brasil e no Exterior
3. Culturas organizacionais dos centros de pesquisa
Quadro 3 - Formas de institucionalização da pesquisa científica e tecnológica
4. As lições a aprender

5. Conclusão

Notas


Ciência e Tecnologia na Década Perdida: o que aprendemos?

A história recente da atividade científica e tecnológica no Brasil não difere muito, em suas linhas gerais, do que ocorreu com o país como um todo: um curto período de grande expansão e otimismo, que coincide paradoxalmente com os anos dos governos militares, seguidos por crise e depressão, que se instalam no início dos anos 80 e continuam até o presente. Na perspectiva de meados de 1993, existe ainda uma outra semelhança, que é a de que, nem para a economia como um todo, nem para a área de ciência e tecnologia mais especificamente, as lições da década perdida parecem ter sido entendidas.

O argumento principal deste texto é que não é possível entender o que ocorre efetivamente em um setor de atividade se nos limitamos a examinar quais são as "políticas" ou intenções governamentais para o setor. I necessário ir mais fundo, e tratar de entender, pelo menos, como se constituíram as instituições que desempenham estas atividades, suas histórias, suas culturas organizacionais, e como elas reagem e interagem com eventuais tentativas governamentais de definir políticas mais ou menos coerentes. No caso da ciência e tecnologia brasileiros, esta situação se torna ainda mais nítida pelo fato de o peso maior da pesquisa científica e tecnológica pertencer a instituições paulistas, que não se enquadram, a não ser muito imperfeitamente, nos quadros de política governamental que se esboçam desde as capitais do Rio de Janeiro ou Brasília. Este texto, na primeira parte, apresenta uma periodização extremamente sumária daquilo que poder-se-ia chamar de "modelo brasileiro" de ciência e tecnologia. Na segunda, tratamos de dar uma visão global das instituições governamentais de apoio à pesquisa científica e tecnológica no país; e, na terceira, fazemos uma discussão sobre a cultura organizacional das instituições que efetivamente desempenham estas atividades no país. Esta análise em três níveis nos permite, ao final, dizer algo a respeito de que lições deveriam ser aprendidas das experiências negativas da década perdida.

1. O "modelo" brasileiro de Ciência e Tecnologia: uma periodização

Seria pretencioso falar de um "modelo nacional" brasileiro, como algo pensado e implementado de forma coerente por governos sucessivos. No entanto, o exame da experiência passada permite identificar algumas fases principais, com características razoavelmente nítidas. Em ordem cronológica, elas são as seguintes(1):

a. Ciência Colonial, cobrindo o período que vai da descoberta do Brasil até a independência, no início do século XIX. Ao contrário do que ocorreu em muitas partes da América Espanhola, os portugueses não instalaram universidades na América, e toda a pesquisa que ocorreu foi realizada por naturalistas e exploradores europeus, que incorporaram seus resultados às coleções européias de história natural. Alguma tecnologia é importada e adaptada nos setores mais dinâmicos da economia colonial, como nos engenhos de açúcar, mas não existe nada em termos de formação técnica ou pesquisa institucionalizada.

b. Ciência Imperial, que vai de 1808 (quando a Corte Portuguesa migra para o Brasil) até o início da República em 1889. Em uma primeira fase, a ciência imperial tem uma orientação estritamente pragmática, levando à criação de estações de aclimatação de plantas (jardins botânicos) e coleções mineralógicas. É desta época também a criação das primeiras escolas de nível superior, escolas militares, de medicina, engenharia e de direito. Em uma segunda fase, típica do Segundo Reinado (1840-1889), são criados museus de história natural, o observatório astronômico, a Comissão Geológica Imperial, e existe um esforço de criar uma pesquisa brasileira de "primeiro mundo", como se diria na linguagem de hoje, seja pela presença de europeus na direção das principais instituições de pesquisa, seja pela participação ativa e filantrópica de D. Pedro II na ciência européia. É uma pesquisa sem raízes locais, que não adquire maiores dimensões nem qualidade.

c. Ciência Aplicada em agricultura e saúde. Este período vai do início da República em 1889 até a década de 30, e se caracteriza pelo surgimento de várias instituições de pesquisa agrícola e na área de saúde pública, tanto a nível federal como estadual. É o período, também, da primeira expansão do ensino superior e do fortalecimento das profissões liberais, que começam a reivindicar seu papel na modernização da sociedade(2).

A nível federal, a mais importante instituição de pesquisa do período é o Instituto Manguinhos (hoje Fundação Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro), ligada às autoridades de saúde e dedicada ao combate ativo às epidemias tropicais (febre amarela, malária, doenças parasitárias), e desenvolvendo pesquisas em campos correlatos, como a helmintologia e a entomologia. A nível estadual, são importantes, principalmente, os institutos de pesquisa criados pelo Estado de São Paulo, dentre os quais o Instituto Agron^mico de Campinas, O Instituto Biológico de Defesa Animal, o Instituto Butantã, a Comissão Geológica do Estado de São Paulo e o Instituto Vacinogênico. Todas estas instituições tinham objetivos iniciais extremamente pragmáticos, seja o saneamento dos portos de Santos e Rio de Janeiro, seja o controle das pragas e melhoria das espécies agrícolas. Em todos os casos, a capacidade de institucionalização efetiva e a manutenção da qualidade através do tempo dependeu da existência de uma liderança intelectual forte (Oswaldo Cruz e Carlos Chagas em Manguinhos, Artur Neiva e Rocha Lima no Instituto Biológico, Afrânio do Amaral no Instituto Butantã).

d. As universidades e o nacionalismo: os anos 30. Os anos 30, que são o período do governo Getúlio Vargas, e de centralização política e administrativa crescente do país, se caracterizam por uma série de tentativas de estabelecimento de novas instituições de pesquisa e de ensino superior, cada qual buscando o predomínio de uma maneira específica de se organizar e trabalhar. As principais iniciativas são as seguintes:
- na área do ensino superior, em 1934 é criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1935 a Faculdade de Ciências da Universidade do Distrito Federal, e em 1939 a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Em todas elas, havia a idéia de que deveria haver um espaço universitário para a pesquisa científica, dentro de uma legislação estabelecida no início da década, mas com orientações extremamente distintas. A Universidade do Distrito Federal reuniu os principais intelectuais do Rio de Janeiro e de outras partes do país, ao redor de um projeto acadêmico impregnado pelo iluminismo, o pensamento laico e o anti-fascismo, em uma iniciativa que acabou fechada no período mais autoritário do governo Vargas. A Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil foi criada pelo Ministério da Educação no clima repressivo do Estado Novo, ideologicamente controlada e sofrendo influências políticas na nomeação de professores, e nunca desenvolveu uma atividade de pesquisa mais significativa, apesar de algumas exceções isoladas. A Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, criada pela liderança do Estado dentro de um quadro mais amplo de resistência ao governo federal, e constituída por professores europeus, se estabeleceu rapidamente com a principal instituição de pesquisa científica e universitária do país.

- na área de pesquisa tecnológica e aplicada, duas tendências podem ser observadas. A primeira é o desenvolvimento de centros de pesquisa tecnológica voltados para o apoio à indústria e à atividade extrativa, como o Instituto Nacional de Tecnologia e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo. O segundo é o desenvolvimento cada vez maior de um sistema administrativo federal burocratizado, que acaba por sufocar a capacidade de iniciativa e de ação própria das poucas instituições de pesquisa governamentais. O Instituto Manguinhos sofre nestes anos uma de suas piores fases, e o Instituto Nacional de Tecnologia, depois de um início relativamente auspicioso, se transforma em uma espécie de "cartório" de certificações e laudos técnicos para a burocracia governamental(3). Também data destes anos (1935) a criação do primeiro órgão nacional de pesquisa científica, a Diretoria Nacional de Pesquisas Científicas, junto ao Ministério da Agricultura, que no entanto não conseguiria se institucionalizar.
Em resumo, é possível dizer que, enquanto a Universidade de São Paulo conseguiu se estabelecer com relativa autonomia e independência, a pesquisa governamental propriamente dita acabou sofrendo nas mãos da centralização e das tentativas de racionalização administrativa, e se frustrou.

e. "A modernização pela ciência" (1945-1964). O período do pós-guerra tem como principal característica o esforço de inúmeros grupos de desenvolver a pesquisa científica, e colocá-la a serviço do desenvolvimento científico e tecnológico do país(4). A idéia era que o país se modernizava a passos largos, e que a pesquisa científica deveria fazer parte integrante deste processo. Os cientistas mais ativos defendiam a noção de que a pesquisa científica, se suficientemente apoiada, seria decisiva para resolver os problemas do desenvolvimento, e que a própria organização do Estado e da sociedade brasileiros deveriam ser pautados pelos princípios e normas da racionalidade científica. Em boa parte, estas idéias davam continuação ao projeto das elites intelectuais paulistas, responsáveis pela criação da Universidade de São Paulo na década de 30, pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado. Além disto, havia uma versão nacionalista e militar deste projeto, que tinha como figura central o Almirante Álvaro Alberto; e uma versão nacionalista à esquerda, representada por inúmeros cientistas que se aproximaram do Partido Comunista. Nos anos 50, nacionalismo de direita e de esquerda se confundiam com freqüência, e continuaram confundidos nas décadas seguintes. A iniciativa mais importante foi, no início dos anos 50, a criação conjunta da Comissão Nacional de Energia Nuclear, do Conselho Nacional de Pesquisas e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que deveriam apoiar e desenvolver o programa nuclear autônomo brasileiro. Esta iniciativa se frustra, e o CNPq se transforma em uma agência de distribuição de pequenas dotações de pesquisa, principalmente para a área biomédica, enquanto que o CBPF se transforma em um centro de pesquisas acadêmico. O tema da "modernização pela ciência" continua vivo entre cientistas e intelectuais, e encontra apoio em agências internacionais que dão bolsas de estudo a jovens promissores e financiam pequenos projetos de pesquisa. Data desta época os movimentos pela reforma universitária, com a proposta de incorporação mais decisiva da ciência em seu núcleo; e os projetos de criação de uma agência nacional responsável pelo planejamento da política científica e tecnológica do país, o futuro Ministério da Ciência e Tecnologia.

f. "O Grande Salto à Frente" (1968-1980). Estes são os anos do estabelecimento de uma política de ciência e tecnologia mais ambiciosa, por parte dos governos militares, que em seus primeiros anos entrou em conflito com as lideranças científicas mais ativas do período anterior, mas terminaram por adotar muitas de suas bandeiras. As principais atividades do período foram:
- a reforma universitária de 1968, com a criação dos programas de pós-graduação e a adoção parcial do modelo organizacional norte-americano para o ensino superior;

- a colocação da área de ciência e tecnologia sob a responsabilidade das autoridades econômicas, seja através da entrada do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico no apoio à Ciência e Tecnologia, seja pela subordinação do CNPq e na Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), uma nova agência criada pelo BNDE, ao Ministério (mais tarde Secretaria) de Planejamento, o que significou um aumento substancial dos recursos disponíveis;

- a criação de centros de pesquisa tecnológica e pós-graduação de grande porte, como a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE) e a Universidade de Campinas, como instituições voltadas para a pesquisa tecnológica aplicada de ponta, em áreas como a física de estado sólido e a utilização industrial de raios laser.

- o estabelecimento ou desenvolvimento de vários programas de pesquisa militar, como o programa espacial e o programa nuclear "paralelo";

- o acordo nuclear com a Alemanha, que visava à criação de uma capacidade nacional autônoma de construção de reatores e reprocessamento de combustível nuclear;

- a criação de uma política de reserva de mercado para a informática e a microeletrônica, com o apoio ao desenvolvimento de uma indústria nacional especializada.

- a elaboração, pelo governo federal, de Planos Nacionais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

- a criação de centros de pesquisa tecnológica junto às principais empresas estatais do governo federal, como a Petrobrás, a Telebrás, a Companhia Vale do Rio Doce e outras.

- a ampliação e fortalecimento do sistema de Pesquisa Agropecuária, EMBRAPA, sob o Ministério da Agricultura.
Quatro características principais marcam as iniciativas deste período. A primeira foi a abundância de recursos, graças às altas taxas de crescimento econômico que caracterizaram os anos 70. A segunda foi o formato extremamente flexível e descentralizado pelas quais estas iniciativas se desenvolveram, graças sobretudo à política adotada pelas agências da Secretaria de Planejamento (FINEP, CNPq) de conceder apoio diretamente aos responsáveis pelo trabalho de pesquisa, efetuando um bypass deliberado das estruturas administrativas e universitárias tradicionais. A terceira foi a tensão que sempre existiu entre a política científica e tecnológica, de cunho predominantemente nacionalista e estatista, e a política econômica, que buscava uma linha de desenvolvimento mais aberta ao capital multi-nacional e à importação de tecnologias. O resultado desta tensão foi que os eventuais produtos da pesquisa científica e tecnológica (com a exceção, a ser examinada em maior profundidade, das áreas de agricultura e informática), tenderam a ficar sobretudo nas prateleiras dos centros de pesquisa, nas teses de pós-graduação, ou na literatura internacional. A quarta, finalmente, foram os critérios relativamente frouxos de avaliação e acompanhamento dos projetos de pesquisa financiados pelas agências governamentais. Da mesma forma que, na economia, se defendia a idéia de que indústrias nascentes deveriam ser protegidas da concorrência predatória internacional, também na área científica se argumentava que os centros e programas emergentes deveriam ser protegidos da competição internacional, ou dos centros academicamente mais fortes do país. Este tema foi objeto de constante disputa entre cientistas e administradores nas agências governamentais e centros emergentes, levando freqüentemente a soluções de compromisso, e ao financiamento de centros e projetos de qualidade não muito clara.

g. Ciência e Tecnologia como Grupo de Pressão (1980-1990). Neste último período, que tem início no último governo militar (Governo Figueiredo) e continua ao longo do governo Sarney, a abundância de recursos para o setor de ciência e tecnologia se reduz drasticamente, o governo federal não lhe dá prioridade, e a comunidade de ciência e tecnologia se transforma em um grupo de pressão como os demais, disputando recursos escassos e espaço político outros setores da sociedade. Alguns eventos importantes do período incluem:
- a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia no início do Governo Sarney, no início sob o controle do setor do partido PMDB mais identificado com os interesses da comunidade científica e tecnológica do período anterior. Saudado por segmentos significativos da comunidade científica como a consagração dos velhos ideais de que a ciência deveria se colocar nos níveis decisórios mais altos do país, o Ministério acabou, na prática, por isolar a atividade científica dentro de um governo que a tratava com indiferença, quando não com hostilidade.

- a lei de informática ao final do Governo Figueiredo, que estabelece a reserva de mercado para os produtos de computação, mas veta a criação de instituições de pesquisas próprias e a atribuição de recursos específicos para a pesquisa no tema.

-a expansão de recursos para algumas áreas específicas, como bolsas de estudo, e a criação de agências estaduais de ciência e tecnologia, recursos estes freqüentemente distribuídos por critérios de política clientelística.

- Aumento dos atores que entram na disputa pelos recursos e controle institucional das agências de ciência e tecnologia - interesses político-partidários, sindicatos de professores e funcionários das organizações estatais, sociedades científicas, grupos organizados da comunidade científica e tecnológica.
h. Ciência para o Desenvolvimento Competitivo Industrial (Governo Collor). Os anos do governo Collor foram caracterizados pela tentativa de colocar a atividade científica e tecnológica mais diretamente a serviço de um desenvolvimento industrial competitivo, em uma economia em processo de abertura internacional, e em um período de escassez de recursos, alta inflação e depressão econômica. As principais iniciativas, algumas datando do período anterior, incluem:
- a continuidade ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, criado com recursos do Banco Mundial, e orientado para o desenvolvimento de pesquisas em áreas aplicadas, como novos materiais, biotecnologia, e outras;

- a transformação da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) em uma agência voltada quase que exclusivamente para o financiamento da pesquisa tecnológica industrial, com o virtual desaparecimento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que financiava a pesquisa básica e universitária;

- o desmantelamento do Programa Nacional de Informática, com o fim da reserva de mercado

- propostas de apoio ao desenvolvimento de "parques de tecnologia" junto às principais universidades;

- propostas de criação de sistemas de incentivo indireto à pesquisa aplicada nas universidades, pela atribuição de recursos de pesquisa para que o setor industrial possa contratar serviços das universidades e centros de pesquisa.

- extinção ou "fasing out" de grandes programas de pesquisa tecnológica governamental, inclusive militares, como o programa nuclear e o programa espacial.

- as tentativas de obter financiamento internacional para estabelecer uma rede de laboratórios de pesquisa nacionais de alta qualidade, dotados de financiamento estável e de longo prazo.
A crise econômica, à qual se somaria, mais tarde, a crise política e de credibilidade, não permitiu que a maioria destes projetos fosse além das intenções, e contribuiu para a agravar ainda mais o isolamento, a incerteza e a falta de recursos que marcaram a área de ciência e tecnologia naqueles anos.

i. O Governo Itamar Franco. O restabelecimento do Ministério da Ciência e Tecnologia pelo governo Itamar Franco, entregue a um cientista de grande prestígio, foi saudado por muitos como uma reafirmação da prioridade que o setor deveria receber daqui por diante. O repúdio ao slogan da "modernidade" do governo Collor pelo novo Presidente foi entendido por muitos como um repúdio, também, à preocupação em colocar a ciência e tecnologia brasileiras a serviço da melhoria da competitividade industrial do país, em um ambiente de abertura econômica. A presença de personalidades ligadas aos projetos nacionalistas dos anos 70 nos altos círculos governamentais reforça, também, a idéia de que a pesquisa científica e tecnológica poderia retomar, nos próximos anos, a mesma posição de relativo prestígio e poder de que desfrutou nos anos do governo Geisel. Em uma versão mais pessimista, no entanto, a atual política não seria muito distinta daquela adotada nos anos do governo Sarney, pela falta de conexão entre a área de ciência e tecnologia e a econômica, e pelo ambiente inflacionário que não permite, de fato, que políticas coerentes sejam implementadas. ***

Esta visão panorâmica mostra que, apesar de que seja possível identificar, em cada momento, algumas características gerais que definem, aparentemente, as "políticas governamentais" do período, esta é sobretudo uma reconstrução "a posteriori". A realidade é que, independentemente das políticas que os governos possam formular em seus planos e eventuais declarações de intenção, o que ocorre de fato depende, em parte, de condições externas e de longo prazo, não suscetíveis de intervenção governamental a curto prazo; e das atividades das agências que administram e executam estas atividades no dia a dia, em contato com os pesquisadores de todo país.

2. As instituições de apoio à pesquisa no Brasil(5)

O atual sistema de apoio à pesquisa foi constituído ao longo da década de 70. A principal agência governamental é o Ministério da Ciência e Tecnologia, criada no início do governo José Sarney, transformada em Secretaria de Ciência e Tecnologia no governo Collor, e restituída ao status ministerial no governo de Itamar Franco. Ao Ministério da Ciência e Tecnologia se vinculam o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a Financiadora de Estudos e Projetos. Existem, ainda, quatro institutos subordinados diretamente ao Ministério, ou sejam, o Instituto de Pesquisas Espaciais, a Fundação Centro de Tecnologia para a Informática, o Instituto Nacional de Tecnologia e o Instituto de Pesquisas da Amazônia. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico é o sucessor do antigo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), do qual conserva a sigla(6). Nos anos 70 o Conselho foi transferido da Presidência da República para o Ministério do Planejamento, com um mandato de aumentar sua ação para a área de tecnologia, dos programas de intercâmbio internacional, da informação científica, e muitos outros. Além disto, o CNPq assumiu a gestão direta de um conjunto de instituições de pesquisa de diversas origens, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Observatório nacional e o Museu Paraense Emílio Goeldi.

A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) foi organizada em 1967 como uma empresa pública destinada a financiar estudos e projetos, principalmente de viabilidade e de engenharia para empresas de consultoria. Seu ponto de partida foi um fundo de desenvolvimento tecnológico criado alguns anos antes pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Em 1969 o governo brasileiro instituiu o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, como instrumento para o financiamento das atividades de ciência e tecnologia no país. A partir de 1971 a FINEP assumiu a secretaria executiva do FNDCT, continuando, ao mesmo tempo, com suas atividades como um banco responsável por empréstimos a projetos tecnológicos no setor empresarial.

A terceira instituição significativa do governo federal brasileiro na área do apoio à atividade científica é a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior (CAPES), um órgão do Ministério da Educação. Criada no início dos anos 50 por Anísio Teixeira, a CAPES proporciona bolsas de estudo de pós-graduação no país e no exterior, coordena programas de cooperação internacional com vários países, e desde 1977 mantém um sistema altamente prestigiado e reconhecido de avaliação regular dos programas de pós-graduação no país(7)

CNPq, CAPES e FINEP são responsáveis pela administração do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), um projeto financiado em conjunto pelo Banco Mundial e pelo governo brasileiro, e orientado para um conjunto de áreas tecnológicas definidas como prioritárias.

Além das atividades coordenadas pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, existem atividades de pesquisa no Ministério da Agricultura (ao qual está subordinada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA), Saúde (do qual faz parte a Fundação Instituto Oswaldo Cruz), Planejamento (ao qual respondem a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e estatística - IBGE -- e o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA) comunicações (com o Centro de Pesquisas da Telebrás), Educação (o sistema de universidades federais, a CAPES e o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais) e os ministérios militares, entre outros. As atividades de pesquisa em âmbito nacional são, em princípio, coordenadas por um Conselho de Ciência e Tecnologia a nível inter-ministerial e com participação da comunidade científica, que na prática não tem funcionado.

A nível estadual, a principal instituição é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de são Paulo (FAPESP), que desde o início dos anos 60 administra uma percentagem fixa da receita do Estado de São Paulo (inicialmente 0,5%, e 1% nos últimos anos). A FAPESP dá auxílios a pesquisadores individuais na forma de apoio a projetos, bolsas de estudo e viagem, e auxílio para a organização de eventos científicos, tendo nos últimos anos começado a desenvolver uma área de projetos integrados. Várias outras fundações de amparo à pesquisa foram criadas ou reformuladas nos Estados brasileiros por ocasião das reformas constitucionais ao final da década de 80, mas nenhuma delas conseguiu ainda o grau de institucionalização e importância que a FAPESP apresenta.

Finalmente, cabe mencionar a atuação, no Brasil, de algumas agências internacionais de apoio à pesquisa científica. Além da Fundação Rockefeller, com presença importante nas décadas de 20, 30 e 40, cabe destacar a Fundação Ford, que tem atuado no Brasil principalmente a partir dos anos 60, concentrando seu apoio na área de ciências sociais e humanidades, e outras instituições americanas e européias, a maioria delas voltadas para questões relativas às condições de vida das populações mais carentes. Outras instituições incluem a Fundação Kellog, que apóia pesquisas na área médica, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), e agências governamentais e não governamentais do Canadá, Suécia e Alemanha, entre outras. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento têm feito empréstimos significativos ao governo brasileiro nas áreas de ciência e tecnologia e educação superior, recursos que são repassados posteriormente às instituições de pesquisa.

A estimativa global é que o Brasil gasta por ano cerca de 2 a 3 bilhões de dólares, de 0,6 a 0,8% do produto nacional bruto em ciência e tecnologia, 20 a 25% dos quais atribuídos ao setor produtivo(8). Os dados disponíveis sobre o gasto público estão sumariados no quadro 1A.

Quadro 1A - Despesa Realizada da União em C&T 1981/1991 (em US mil de 1991)1
Anos Despesa em Ciência e Tecnologia (A) Receita Arrecadada (B)2 PIB(C)3 A/B A/C
1.981 1.519.556 37.949.524 370.279.212 4,00 0,41
1.982 1.863.315 39.313.274 372.122.855 4,74 0,50
1.983 1.475.403 37.833.068 359.727.595 3,90 0,41
1.984 1.426.868 36.652.453 378.422.205 3,89 0,38
1.985 1.953.915 41.525.791 408.151.625 4,71 0,48
1.986 2.288.618 49.134.988 439.451.042 4,66 0,52
1.987 2.556.050 49.088.899 455.424.248 5,21 0,56
1.988 2.506.365 43.665.232 454.918.021 5,74 0,55
1.989 2.147.108 41.364.841 469.663.543 5,19 0,46
1.990 1.678.968 49.425.988 448.062.070 3,40 0,37
1.991 1.579.329 61.061.772 458.367.500 2,59 0,34
Fonte: Sandra Brisolla, Indicadores Quantitativos de Ciência e Tecnologia no Brasil, trabalho preparado para o projeto "O Estado Atual e o Papel Futuro da Ciência e Tecnologia no Brasil", SP, Fundação Getúlio Vargas, 1993. Dados originários do CNPq/DAD/SUP/COOE. 1 Valores deflacionados pelo IGP-DI da FGV e convertidos em dólares pela taxa média de venda dos dias úteis de 1991 2 Não inclui receitas de contribuição de empregados e empregadores para a seguridade social 3 Deflacionado pelo deflator implícito do PIB e convertido em dólar pela taxa média de venda dos dias úteis de 1991. Em 1991 estimado.

Uma outra maneira de estimar as dimensões da comunidade científica brasileira é pelo número de projetos de pesquisa aprovados anualmente - de 2 a 3 mil no CNPq, e mil na FAPESP, nos últimos anos. Se estimamos, com algum arbítrio, que um em cada dois pesquisadores ativos apresenta um pedido de apoio por ano, que os pedidos são individuais, e que um em cada dois pedidos é aprovado, chegamos, para 4 mil projetos financiados, a um total de 16 mil pesquisadores. Este número é compatível com a quantidade de professores universitários com título de doutorado ou equivalente - cerca de 16 mil, ou 12,7% do total de professores universitários recenseados pelo Ministério da Educação, dos quais 12 mil empregados em regime de tempo integral. Além de professores universitários, existem pesquisadores nos Institutos do CNPq, do Estado de São Paulo e em algumas outras instituições públicas significativas, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, etc.

Quando agregados, os dados das agências mostram uma disponibilidade total de 747,7 milhões de dólares, dos quais 289.1 de apoio a projetos de pesquisa, e 319.3 milhões para bolsas de estudo (quadro 1). É importante notar que estes dados só podem ser somados para dar uma idéia da dimensão do sistema, já que eles se referem a anos distintos, formas diferentes de desembolso (incluindo contratos plurianuais) e grande incerteza quando aos desembolsos efetivos para os anos de 1991 e 1992. Estes dados não incluem os gastos dos governos dos estados, nem os gastos de outras agências e Ministérios que não o de Ciência e Tecnologia(9).

Os números da última linha do quadro 1 foram estimados supondo um salário anual de 20 mil dólares para cada um dos 12 mil professores universitários de tempo integral com título de doutorado ou acima, chegando a um total de 240 milhões de dólares anuais (há que observar, além disto, que as universidades públicas federais, estaduais e municipais empregam um total de 54 mil professores em tempo integral, 42 mil dos quais com nível inferior ao doutorado, e que por isto não entram neste cálculo). Dividindo o total de 289.1 milhões de dólares de recursos de apoio à pesquisa pelos 12 mil professores doutores em tempo integral nos dá um valor aproximado de 24 mil dólares anuais de recursos de pesquisa por pesquisador, em média, além dos salários.

Quadro 1B - Recursos disponíveis pelas agências programas federais e FAPESP (em milhões de dólares)
  CNPq (1990) Ministério da Educação FINEP (1991) PADCT (anual) FAPESP (1991) Totais
Apoio a Pesquisa 88.4 --- 56,6 96,9 94,2 289,1
Bolsas de Estudo 195,7 106,9 --- --- 16,7 319,3
outros 65.8 5,6 14,8 3,1 37,0 172,7
Total 349,3 112,5 71,4 100,0 114,5 747,7
Salários   240,0       240,0
Total Geral   352.5       987,7

Apesar de não serem estritamente comparáveis, os dados das principais agências brasileiras de apoio à pesquisa mostram alguns padrões significativos. O primeiro é a grande instabilidade dos recursos, parcialmente revelada nas informações da FINEP e do CNPq. Em parte, estas oscilações refletem o fato de a FINEP estar se especializando cada vez mais em atividades de apoio à tecnologia industrial, deixando para o CNPq a atribuição de financiar a pesquisa acadêmica e universitária, o que acaba não ocorrendo. Mas elas refletem, sobretudo, a instabilidade orçamentária própria de períodos de alta inflação que o Brasil vem vivendo, e a ausência de uma política clara e bem definida para o setor de Ciência e Tecnologia por parte dos governos. Períodos de dispêndios crescentes em época de expansão inflacionária não significam necessariamente prioridades bem definidas, mas o atendimento a pressões e conveniências de curto prazo, que são seguidos de restrições quase absolutas. O afastamento, por parte da FINEP, das atividades de apoio institucional a centros e laboratórios de pesquisa dentro e fora das universidades, não foi compensado por nenhuma outra agência, deixando os centros de pesquisa do país sem uma fonte adequada de apoio institucional, além dos salários pagos aos professores universitários e pesquisadores dos institutos governamentais.

Chama a atenção, também, o grande número de bolsas de estudo oferecidas pela CAPES, e principalmente pelo CNPq (quadro 2). O total de bolsas concedidas pelas agências brasileiras em 1990 era superior a 40 mil, das quais 26 mil para cursos de mestrado e doutorado no país, o que deve ser visto em comparação com o número total de estudantes matriculados nos cursos de pós-graduação, 3.967 no doutorado e 42.205 no mestrado, em 1989(10), o que dá uma cobertura de quase 60%. Das demais bolsas, pouco mais de 3 mil são para estudos no exterior, 7.531 para alunos de graduação (bolsas de iniciação científica) e cerca de 4 mil para professores bolsas de pesquisa. Comparada com o CNPq, a FAPESP dá um peso muito maior às bolsas de doutorado, o que se explica pelo fato de a maioria dos programas de doutorado do país se concentrarem em São Paulo. Vale observar ainda que a concessão de bolsas para estudos de doutorado no exterior não significa, necessariamente, que estes doutorados sejam obtidos. Não existem dados sobre a conclusão efetiva de cursos seguidos no exterior, nem sobre a reabsorção destes bolsistas por instituições brasileiras.

Quadro 2 - Bolsas de Estudo disponíveis para pós-graduação no Brasil e no Exterior
  CNPq CAPES FAPESP TOTAL
Iniciação Científica 5887 889 755 7531
Aperfeiçoamento no país 2389 11 33 2433
Aperfeiçoamento no exterior (*) 80 82   162
Mestrado no país 8661 10804 675 20140
Mestrado no Exterior (**) 89 215   304
Doutorado no país 2637 3444 317 6398
Doutorado no Exterior (***) 923 1242 69 2234
Pós-Doutorado no País 45   37 82
Pós-Doutorado no exterior 373 114 227 714
Bolsas de Pesquisa 3594 289   3883
Sem especificação   103   103
TOTAL 24,678 17,193 2,113 43,984
(*) Inclui especialização (**) inclui bolsas "sandwich" (***) inclui bolsas "sandwich"

Além das bolsas para estudantes, o CNPq concede um grande número de "bolsas de pesquisa", que são na realidade um complemento ao salário de professores e pesquisadores de tempo integral, concedidos mediante a apresentação de um projeto, e renovadas periodicamente. Mais recentemente, tanto o CNPq como a CAPES introduziram bolsas para estimular professores "senior" a não requerem aposentadoria (que, pela legislação atual, pode ser obtida antes dos 50 anos, com salário integral), ou fazer com que professores aposentados voltem às atividades de Pesquisa. Finalmente, o CNPq proporciona bolsas para jovens doutores, principalmente os formados no exterior, como forma de fixá-los em instituições nacionais.

Em termos globais, o padrão do CNPq é o inverso do da FAPESP: 11.5% dos recursos do CNPq em 1991 foram gastos em sua própria manutenção (15.6% em 1990), seja em atividades administrativas, seja em custos financeiros, contribuições previdenciárias e salários indiretos a seus funcionários, enquanto que a FAPESP está limitada a 5%, mas em 1992 não chegou a gastar 1%. Enquanto a FAPESP dedica mais de 80% de seus recursos para o apoio B pesquisa, o CNPq dedica mais de 80% dos recursos para bolsas de estudo. Com as restrições financeiras de 1991-1992, o CNPq deixou de distribuir os recursos para projetos de pesquisa aprovados pelos comitês assessores, tratando de manter, no entanto, a distribuição de bolsas de estudo, tanto no país como no exterior.

* * *

As sucessivas transformações do sistema institucional de ciência e tecnologia ao longo dos últimos 20 anos reflete um esforço, nunca bem sucedido, de submeter todo este conjunto de atividades a alguma forma de planejamento ou coordenação geral. Na prática, o resultado destas transformações tem sido o de gerar insegurança, instabilidade e descontinuidade nas diversas agências, com reflexos negativos sobre a atividade de pesquisa do país.

Parte das dificuldades de coordenação entre as diversas agências de apoio B pesquisa, mesmo no interior da Secretaria de Ciência e Tecnologia, deriva das diferentes culturas institucionais de cada uma. O Conselho Nacional de Pesquisas, nos seus primeiros anos, funcionou como uma instituição extremamente reduzida do ponto de vista administrativo, e totalmente dependente da colaboração voluntária de cientistas para a análise a acompanhamento dos projetos que financiava. Com a ampliação das função do Conselho, a partir da década de 70, sua estrutura administrativa começou a crescer, e hoje chega a mais de mil funcionários. O sistema de avaliação por pares dos pedidos de auxílio a pesquisa e de bolsas de estudo foi ampliado pela organização de um conjunto de comitês assessores formados por membros da comunidade, inicialmente por indicação do próprio Conselho, e mais tarde através de um processo complexo de consultas com as instituições científicas do país. A comunidade científica se faz representar também o Conselho Deliberativo do CNPq, que deve, em princípio, orientar suas atividades, e aprovar a indicação de membros dos comités assessores. Enquanto que a tendência dos comitês assessores é de decidir em função das solicitações que recebe (o chamado "balcão" de pedidos), existe uma tendência, por parte da administração e de alguns pesquisadores, de estabelecer prioridades e criar linhas de ação planejadas, privilegiando determinados temas ou recites, que muitas vezes entram em conflito com os resultados agregados das decisões dos comitês assessores. A coexistência destas duas culturas institucionais no CNPq )) a acadêmica, dos comitês assessores, e a administrativa, técnica e de planejamento, dos funcionários )) tem sido causa de tensões e dificuldades no funcionamento recente do Conselho.

O sistema de "peer review" predomina tanto na CAPES quanto na Fundação de Amparo B Pesquisa de São Paulo. A FAPESP, hoje, é uma instituição eficiente, baseada em uma estrutura administrativa mínima e altamente informatizada, e uma ampla rede de consultores voluntários. Apesar de algumas tentativas de atividades integradas e dirigidas, a FAPESP funciona fundamentalmente no sistema de "balcão", com prioridade absoluta para o financiamento da pesquisa científica de qualidade, e dando um lugar secundário a bolsas de estudo de pós-graduação (que são avaliadas individualmente, em função dos projetos de pesquisa dos candidatos) e outras formas de auxílio. A CAPES, da mesma forma que a FAPESP, foi capaz de se manter como instituição bastante leve administrativamente, e fortemente apoiada em um sistema de consultores acadêmicos que utiliza tanto para a concessão de bolsas de estudo quanto, principalmente, para a avaliação e "ranking" periódico dos cursos de pós-graduação das universidades brasileiras. Tanto o CNPq e a CAPES quanto a FAPESP possuem órgãos superiores formados por representantes da comunidade científica e universitária do país, o que restringe o arbítrio dos governos na designação de seus dirigentes e sobretudo na alteração a curto prazo de suas linhas de ação.

No outro extremo, a FINEP foi organizada desde o início como uma empresa governamental voltada para investimentos de grande porte na área de ciência e tecnologia. Sua cultura institucional foi marcada pela sua origem, como órgão derivado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, pela presença de economistas em suas funções de direção, e por sua vinculação aos órgãos de planejamento do governo. Nos seus primeiros anos de funcionamento, a FINEP se destacava entre as instituições públicas brasileiras pela sua agilidade, pela qualidade de seus técnicos, e pela flexibilidade de atuação que outros órgãos da administração tradicional não conseguiam ter. Além de seu pessoal técnico, a FINEP se utiliza de consultores externos para a avaliação de seus projetos, mas as decisões são tomadas internamente, pela sua direção, que é de nomeação livre do governo federal.

A implantação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT - levou à criação de uma estrutura bastante complexa de grupos técnicos e comitês assessores, que funcionam em paralelo com os mecanismos decisórios das três agências federais - CNPq, CAPES e FINEP - que são encarregadas da administração dos recursos. Era intenção dos organizadores do programa generalizar o sistema de "peer review" na formulação de programas de pesquisa e na análise de projetos, que acabou se superpondo com os já existentes. O PADCT foi concebido como um programa orientado para o desenvolvimento de um conjunto especial de áreas tecnológicas consideradas estratégicas )) biotecnologia, química e engenharia química, geociências e tecnologia mineral, instrumentação, novos materiais, pesquisa ambiental )) e um conjunto de áreas de apoio, como o ensino das ciências, a administração de ciência e tecnologia. etc. Seus recursos deveriam ser acrescentados aos recursos normalmente existentes para o apoio à pesquisa nas diversas agências. Assim, os grupos técnicos responsáveis pelas diversas áreas elaboram editais para a realização de um conjunto de trabalhos, para os quais os diferentes grupos se candidatam. Na prática, como recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, administrado pela FINEP, vêm diminuindo, e os recursos do PADCT acabam muitas vezes substituindo, simplesmente, os existentes anteriormente. Não existe ainda uma avaliação adequada do funcionamento do PADCT, em contraposição com os procedimentos usuais das agências. Mas é provável que a sistemática de grupos técnicos, editais e concorrência pública tenha resultado em uma sobrecarga administrativa e burocrática a mais, tanto para o governo como para os pesquisadores, sem melhorar muito em relação aos mecanismos de "peer review" usados tradicionalmente pelas instituições. Não há que ignorar, no entanto, que parte importante das dificuldades de funcionamento do PADCT se deveu à resistência de setores no interior das agências governamentais, principalmente aqueles sem uma cultura estabelecida de avaliação por pares e transparência de decisões.

A existência de instituições com culturas organizacionais distintas decorre da própria complexidade do país, e não deveria ser vista como um problema enquanto tal. Cada uma das principais agências governamentais teve suas épocas de melhor e pior desempenho, e a existência de uma certa superposição e divergência de objetivos e propósitos dá ao conjunto um certo nível de redundância e pluralismo que é essencial para que uma atividade tão diversa como a da pesquisa científica e tecnológica possa se desenvolver em seus múltiplos aspectos.

3. Culturas organizacionais dos centros de pesquisa

A pesquisa científica e tecnológica no Brasil é feita, na maior parte, por cientistas professores das principais universidades e instituições acadêmicas; por pesquisadores dos institutos do governo federal e do governo paulista; por pesquisadores dos centros de pesquisa das empresas estatais; e, em uma escala muito menor, por pesquisadores ligados à centros e empresas privadas.

As diferentes modalidades de organização da pesquisa dependem do ambiente institucional em que elas se estabelecem, e da natureza do vínculo de trabalho que se cria entre os pesquisadores, o que é fruto, em parte, das culturas profissionais das diferentes disciplinas(11). É possível sistematizar a discussão sobre as diferentes culturas organizacionais em termos de uma teoria que procura entender a "cultura" de uma organização ou grupo social como uma resposta adaptativa e duas variáveis sociais básicas, o grau de hierarquização e de coesão social(12). Uma tipologia possível das culturas institucionais da ciência brasileira, que toma em consideração estas variáveis, é a seguinte:

Quadro 3 - Formas de institucionalização da pesquisa científica e tecnológica
  Sistemas hierárquicos Sistemas "achatados"
Grupos integrados I - Institutos governamentais, laboratórios de pesquisa "in house" II - departamentos universitários
Indivíduos isolados III - sistema de cátedras universitárias IV - "scholarship" individual, intelectuais ou inventores isolados.

A reforma universitária brasileira eliminou o tipo III, abrindo espaço para as modalidades II e IV, enquanto que as instituições governamentais tenderam, predominantemente, para o tipo I. O sistema de cátedra nas universidades brasileiras, que existiu até 1968, teve o mérito, em suas melhores versões, de consolidar a autoridade de pesquisadores e cientistas importantes, que transformaram suas cátedras em verdadeiros institutos. No entanto, este sistema encontrou sua limitação na falta de flexibilidade que impedia o surgimento de novas lideranças e o afastamento daquelas que se mostrassem inadequadas, em um ambiente onde não haviam mecanismos de cobrança e avaliação de resultados.

De todos, o modelo I é o mais tradicional na experiência brasileira, e inclui deste instituições tradicionais como o Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo, quanto os centros de pesquisa de grandes companhias, notadamente públicas. As vantagens destas estruturas é a quantidade de recursos que elas costumam reunir, e sua organização ao longo de linhas "weberianas". Existem vários problemas com este tipo de organização, no entanto, incluindo sua pouca exposição a um ambiente competitivo, sua subordinação hierárquica a setores governamentais e de empresa preocupados com resultados de curto prazo, e formatos de organização interna incompatíveis com ambientes de pesquisa mais abertos e descontraídos. Em alguns casos, a existência de lideranças científicas de alta expressão permite romper o isolamento destes centros, produzindo resultados de qualidade. A tendência mais geral destes centros, no entanto, passado o período de abundância de recursos, é se limitarem a atividades de rotina, atendendo a solicitações da empresa, ou perderem recursos e apoio.

O modelo IV é possivelmente mais típico das ciências sociais e das humanidades, ainda que exista também em outras disciplinas. Ele dá todo o espaço para a atividade "empresarial" do pesquisador e scholar, para identificar seus temas, escolher seu público e solicitar apoio para seus projetos junto aos financiadores. Este modelo está implícito nas atividades tradicionais de apoio à pesquisa do CNPq e da FAPESP, que dão recursos aos pesquisadores individualmente. Ele encontra seu limite, no entanto, na tendência à criação de grupos de trabalho de maior porte, e na necessidade de recursos regulares para a manutenção de laboratórios e centros de pesquisa.

O modelo II é o que parece mais apropriado à atividade científica moderna, deste que a integração dos grupos não seja extremada. Na sua melhor versão, ele permite a criação de centros de pesquisa formados por muitos pesquisadores de status formal semelhante, compartindo recursos, intercambiando idéias e experiências, e cooperando entre sí. No extremo, existe o risco de transformar departamentos acadêmicos em grupos igualitários, sem lugar para competição e o desenvolvimento de lideranças intelectuais, que são substituídas por aquelas de tipo político ou de mobilização grupal. As razões para o surgimento de uma ou outra modalidade parecem estar relacionadas com as possibilidades efetivas que os professores e pesquisadores têm de participar da atividade científica de forma competitiva, ou de forma simplesmente reivindicatória e sindical.

4. As lições a aprender

O que podemos concluir desta análise em três níveis do que vem ocorrendo com a pesquisa científica e tecnológica brasileiras nas ultimas décadas?

A primeira conclusão é que a pesquisa científica brasileira necessita desesperadamente de uma base de sustentação que a livre não somente das eventuais dificuldades financeiras dos governos, mas sobretudo da violenta instabilidade gerada pelas variações das políticas e dos humores governamentais. A atividade científica e tecnológica nunca foi uma prioridade central dos governos brasileiros, e as experiências de sucessos parciais, no passado, se devem sobretudo à existência de algumas características institucionais e culturais que puderam surgir e se estabelecer em alguns contextos e momentos, muitas vezes em oposição, ou pelo menos independentemente de políticas governamentais mais gerais. Mais do que isto, a experiência histórica sugere que, quando o Estado procura agir de forma mais direta sobre as instituições de ciência e tecnologia, esta ação pode ter, muitas vezes, impactos negativos, já que a atividade de pesquisa requer, em todas as partes, um grau de autonomia e flexibilidade que se chocam com freqüência com as prioridades e necessidades de curto prazo dos governos. Mas ela se torna particularmente problemática em recites que não têm tradição de instituições de pesquisa e de educação superior bem consolidadas e prestigiadas. São essenciais, aqui, a criação de formas estáveis e previsíveis de financiamento, e mecanismos que protejam a atividade de pesquisa de interferências político-partidárias de curto prazo.

A segunda conclusão, que parece se contrapor até certo ponto com a anterior, é que a pesquisa científica e tecnológica precisa aumentar sua relevância e legitimidade em relação à sociedade como um todo, inclusive como condição para criar a estabilidade e a institucionalização de que tanto carece. A pesquisa científica nunca teve, o Brasil, o prestígio que permitiu aos pesquisadores dos países mais desenvolvidos defender a idéia da "endless frontier", e do cheque em branco que a sociedade deveria dar a seus cientistas, em nome dos benefícios do progresso. Se esta postura já se tornou insustentável nos países mais ricos, ela se torna ainda mais difícil em nosso meio, onde muitos se perguntam, com razão, sobre a pertinência de que a sociedade mantenha dezenas de milhares de bolsistas e milhares de pesquisadores com salários razoavelmente altos, sem saber o resultado de tudo isto.

Existem várias maneiras de reforçar a legitimidade da pesquisa científica e tecnológica. Tradicionalmente, nos países desenvolvidos, ela se deu pela vinculação da pesquisa a projetos educacionais e culturais modernizantes, nos quais a ciência aparecia como o "carro chefe" dos ideais da racionalidade e do progresso; e, ao mesmo tempo, pela vinculação da pesquisa a projetos de poder militar, que garantia aos pesquisadores o acesso aos recursos técnicos e econômicos de que necessitavam. hoje estas dois mecanismos são insuficientes. O desenvolvimento das universidades de massas e dos sistemas de educação básica e secundária universais fez com que a pesquisa acadêmica ficasse restrita a um setor pequeno dos sistemas universitários; e a vinculação entre a pesquisa o setor militar, que entrou em crise nos países desenvolvidos com o fim da guerra fria, encontra dificuldades maiores ainda em países como o Brasil, que não têm como retornar aos projetos de "grande potência" das décadas passadas, e sofrem restrições cada vez maiores na disponibilidade de recursos públicos. A alternativa que mais se apresenta, em todo o mundo, é a do estabelecimento de vínculos muito mais estreitos do que os que existiram até agora entre a pesquisa científica e a pesquisa industrial. Existe espaço, também, para vínculos a serem criados e reforçados com as áreas de saúde pública, controle ambiental, administração urbana, e com o setor educacional como um todo.

A ênfase nos aspectos mais práticos e aplicados da atividade científica traz um grande risco, que é dado pelo fato de que as necessidades dos eventuais "clientes" da pesquisa, e seus critérios de excelência, Estão freqüentemente aquém ou pelo menos não coincidem com os padrões e temas de pesquisa estabelecidos pelos diferentes campos da pesquisa científica. É por isto que a ênfase em resultados deve vir acompanhada pela ênfase na qualidade e no prestígio da pesquisa acadêmica, que possam abrir um espaço para a pesquisa autônoma e de longo prazo.

Em seu conjunto, estas duas conclusões permitem dizer que a melhor política para a institucionalização da atividade de ciência e tecnologia não deveria se basear em uma estratégia de otimização, ou seja, que tenha por critério predominante a obtenção de resultados diretos e mensuráveis de interesse econômico e social, em estreita vinculação com as políticas governamentais, e sim uma estratégia sub-ótima, que trate de combinar a relevância com a preservação das instituições e tradições de trabalho sem as quais a atividade científica e tecnológica é impossível. O problema da institucionalização da pesquisa científica em nosso meio consiste em achar, em cada caso, o ponto de equilíbrio entre estes dois extremos.

Uma outra conclusão, que decorre da observação da experiência passada, e da comparação com resultados obtidos por outros países, é que o Brasil precisaria alterar profundamente a ênfase que coloca tanto na pesquisa acadêmica quanto na pesquisa tecnológica.

Na área da pesquisa acadêmica, o Brasil desenvolveu, desde a década de 70, uma política de "substituição de importações" que tinha por objetivo recriar, no país, programas de pesquisa e formação científica em todas as áreas, ainda que à custa de admitir padrões de qualidade menos exigentes do que os dos países mais desenvolvidos. Os resultados foram parecidos com os da economia como um todo. Protegida por incentivos e livres de sistemas de avaliação mais rígidos, muitas instituições de pesquisa do país cresceram de tamanho e aumentaram suas demandas por recursos, mas poucas conseguiram superar a fase de "centros nascentes", que dependem da proteção corporativa e política para sobreviver.

A esta orientação, por assim dizer, "populista", para a área de pesquisa acadêmica, se contrapõe uma orientação extremamente elitista para a área tecnológica e aplicada. Os grandes projetos tecnológicos dos governos brasileiros, preocupados com a autonomia tecnológica nacional - o programa nuclear, o programa espacial, a política de informática, os programas de pesquisa militar, as ênfases mais recentes nas "novas tecnologias" - tiveram como característica atingir setores muito limitados da sociedade e da economia, com pouco impacto no sistema produtivo como um todo. Faltaram, por outro lado, programas orientados de maneira mais decisiva para a capacitação tecnológica básica do sistema produtivo, e vinculados a estratégias macroeconômicas explícitas. O exemplo da política de informática é o mais evidente: privilegiou-se a industria de "hardware" nacional, ao mesmo tempo em que se dificultava, pela reserva de mercado, a rápida difusão do uso das novas tecnologias. Não se trata, pois, de contrapor uma política neo-liberal de não intervenção a uma política ativa de estímulo público ao desenvolvimento científico e tecnológico, e sim de distinguir políticas científicas e tecnológicas mais ou menos abrangentes em suas conseqüências e implicações. A lição a ser aprendida não é que o Brasil não deveria ter tido, e não deve ter, uma política de ciência e tecnologia, mas que esta política deve atingir setores muito mais amplos da economia e da sociedade do que foi buscado com os projetos do passado(13).

Uma ultima conclusão se refere aos formatos de institucionalização da atividade científica a serem adotados, para que a desejada institucionalização de uma pesquisa de qualidade possa se dar. Na aparência, as alternativas que se oferecem parecem ser simples opções de gerenciamento e organização institucional. Na realidade, estas opções Estão vinculadas às orientações mais profundas que prevaleceram até aqui, e que precisam ser modificadas. As principais opções são as seguintes:
- lideranças científicas estabelecidas, vs. desenvolvimento institucional. Enquanto que algumas instituições de pesquisa são organizadas sob a liderança de pesquisadores já formados, outras são criadas com a intenção de abrir espaço para que esta liderança se desenvolva. A experiência parece sugerir que a existência prévia de uma liderança científica e técnica de boa qualidade é o principal determinante do sucesso no estabelecimento de instituições científicas. No outro extremo, a política comum a vários órgãos de fomento, de dar recursos para instituições e grupos desprovidos de lideranças bem definidas, principalmente em regiões mais pobres, na expectativa de que elas possam vir a se desenvolver com o tempo, parece mostrar resultados consistentemente negativos.

- trabalho disciplinar vs. trabalho interdisciplinar. Associado ao anterior é a questão da existência de uma definição disciplinar clara para os grupos de pesquisa. Grupos ou instituições de pesquisa que trabalham dentro de disciplinas científicas bem estabelecidas abrem espaço para lideranças científicas de qualidade, e estão sujeitos a critérios razoavelmente claros de avaliação; instituições "interdisciplinares" têm perfis muito menos definidos, não possuem parâmetros de avaliação claros, e correm com freqüência o risco de se perder. O trabalho multidisciplinar mais autêntico tende a se desenvolver a partir de disciplinas científicas bem constituídas, e não pela justaposição de especialistas de diversos campos, como ocorre em muitas instituições e grupos que se definem, desde o início, como "interdisciplinares".

- atividades múltiplas vs. "missões". A experiência parece indicar que as instituições de pesquisa que desenvolvem atividades múltiplas dentro do processo científico -- pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, difusão -- têm melhores resultados do que aquelas que se especializam em um momento único deste processo. Grupos de pesquisa de qualidade são normalmente capazes de trabalhar em todo o espectro da atividade científico-tecnológica, enquanto que grupos mais especializados correm o risco de ficar "congelados" do domínio de determinadas técnicas, procedimentos e tradições.

- orientação cosmopolita vs. "vocacionamento" local e regional. Esta distinção é semelhante à anterior, e se refere ao dilema entre dar aos grupos de pesquisa uma vocação local e regional bem definida, ou uma orientação mais cosmopolita. Muitos centros de pesquisa na América Latina terminam por se constituir em filiais de instituições científicas internacionais sem nenhuma capacidade de se vincular a questões e temas locais, o que leva à noção de que seria importante vinculá-los mais diretamente a temas e atividades de interesse local bem definidos. A experiência parece indicar que, havendo demanda, centros de orientação mais "cosmopolita" têm melhores condições de responder a demandas locais e regionais do que aqueles que se constituem com as restrições de um vocacionamento prévio.

- pequenos grupos vs. grandes instituições. A natureza eminentemente "empresarial" da atividade científica não se compatibiliza bem com grandes organizações, a não ser aquelas que sejam suficientemente descentralizadas para não coibir o trabalho de suas unidades e sub-unidades. As organizações universitárias têm mais condições de trabalhar de forma descentralizada do que grandes institutos, ainda que isto nem sempre se dê.

- financiamento regular parcial vs. financiamento total, ou falta de financiamento. A noção, aqui, é que o financiamento regular parcial da atividade estimula a ida ao "mercado" para busca de recursos adicionais, e, assim, o estabelecimento de lideranças "empresariais". Este estímulo não existe quando o financiamento é total, e termina por desaparecer quando o apoio às atividades de funcionamento basal dos grupos de pesquisa deixa de existir. O "mercado" da pesquisa científica e tecnológica não é, simplesmente, o mercado da venda de serviços, mas inclui a disputa por prestígio no mundo acadêmico, bons alunos, publicações em revistas de qualidade, verbas de agências de apoio nacionais e internacionais, doações filantrópicas, e assim por diante.
5. Conclusão

É possível concluir este trabalho de forma bem simples, afirmando que a principal lição que podemos tirar da década perdida é que as concepções, os formatos institucionais e os próprios valores que presidiram o estabelecimento do sistema brasileiro de ciência e tecnologia nos anos 70, e que entraram em crise nos anos 80, não podem ser, simplesmente, ressuscitados nos anos 90. Em parte, porque a crise dos anos 80 não deixou de ser uma decorrência das opções dos anos anteriores; e em parte porque o mundo de deste final de século não é mais aquele de vinte anos atrás. Parece uma lição simples, mas é de seu aprendizado coletivo que depende o futuro que espera o país.


Notas

1. Para os detalhes, ver S. Schwartzman, A Space for Science: The Development of the Scientific Community in Brazil, Pennsylvania State Press, 1991.

2. Este tema está desenvolvido em "Changing Roles of New Knowledge," in Peter Wagner, Björn Wittrock, Carol Weiss, and Hellmutt Wollman, eds., Social Sciences and Modern States, Cambridge: Cambridge University Press, 1991, pp. 230-360.

3. Veja S. Schwartzman e Maria Helena magalhães Castro, "Nacionalismo, Iniciativa Privada e o Papel da Pesquisa Tecnológica no Desenvolvimento Industrial: os Primórdios de um Debate", Dados - Revista de Ciências Sociais (Rio de Janeiro, IUPERJ) 28, 1, 1985, pp. 89-111.

4. Ver S. Schwartzman, "The Focus on Scientific Activity," in Burton R. Clark, editor, Perspectives in Higher Education: Eight Disciplinary and Comparative Views. Berkeley: University of California Press, 1984; e "The Quest for University Research: Policies and Research Organization in Latin America," in Björn Wittrock and Aant Elsinga (editors), The University Research System: The Public Policies of the Home of Scientists. Stockholm, Almqvist & Wiksell International, 101-116, 1985.

5. Esta parte se baseia em "O Apoio à Pesquisa no Brasil", Interciencia (Caracas), 17, 6, 1992.

6. Albagli, 1987; Cagnin e Silva, 1987; Romani, 1982.

7. Castro e Soares, 1986

8. Wolff, Laurence, Investment in Science Research and Training: The Case of Brazil and Implications for Other Countries, World Bank, Human Resources Division, A View from LATHR n. 19, September 1991.

9. Os dados para 1987 mostravam que os projetos militares absorviam cerca de 32% dos recursos do governo federal no rubro ciência e tecnologia, e o Ministério da Agricultura outros 20%.

10. Castro, 1991

11. A respeito deste tema, que seria demasiado amplo para tratar aqui, ver Becher, Tony, Academic Tribes and Teritories: intellectual enquiry and the cultures of disciplines. Milton Keynes, Society for Research into Higher Education/Open University Press, 1989.

12. Esta tipologia se baseia no modelo "group/grid" proposto por Mary Douglas, e desenvolvido em Michael Thompson, Richard Ellis and Aaron Wildavsky, Cultural Theory, Boulder, Westview Press, 1990.

13. Veja, para um balanço da experiência brasileira, Hubert Schmitz e José Cassiolato, eds., Hi-Tech for Industrial Development - Lessons from the Brazilian Experience in electronics and automation (London and New York, Routledge, 1992); e, para uma visão comparada e mais crítica, Flushing e C. Ganz-Brown, National Policies for Developing High Technology Industries: International Comparisons, Boulder e London, Westview, 1986. <