Educação Superior
no Nordeste: a busca de prioridades Simon Schwartzman
Trabalho preparado para o "Encontro para Estudo
de Prioridades e Alternativas do Ensino Superior no Nordeste", Recife,
Sudene, 17-19 de maio, 1971.
O Nordeste brasileiro é carente de quase tudo, inclusive de um sistema adequado
de educação superior. Além desta carência crônica e generalizada, o Nordeste
tem ainda uma outra característica: uma capacidade quase infinita de fazer
fracassar a maioria dos planos e projetos que a ele se orientam, na busca
de solução para seus problemas. Estes dois fatores - a carência generalizada
de recursos na área, e a dificuldade de planejar seu desenvolvimento - não
podem deixar de estar presentes quando tratamos de fixar alguns procedimentos
para o estabelecimento de prioridades para a educação superior na área.
Este texto, cujo objetivo é provocar a discussão sobre o tema, se compõe
de três partes. Na primeira, faremos uma breve discussão sobre alguns aspectos
mais gerais do ensino superior, referidos ao contexto nordestino. Na segunda,
discutiremos alguns problemas relativos a metodologia de planejamento. Finalmente,
indicaremos algumas sugestões para o encaminhamento da questão.
1. Educação Superior e Subdesenvolvimento: demanda por
educação
Para que serve, ou, em outras palavras, qual é a função da educação
superior? A resposta a esta pergunta parece obvia, mas está longe de sê-lo.
A noção corrente é que a "função" da educação superior é atender
a necessidade de recursos humanos da sociedade, ou, mais especificamente,
a do mercado de trabalho. Este é um suposto que tem presidido a maioria
de esforços e justificado grande parte da alocação de recursos que se faz
e se pretende fazer para a área educacional. Trata-se de algo, no mínimo,
extremamente vago e impreciso. No entanto, como o nível educacional do Brasil,
e do Nordeste em particular, é baixo, pareceria razoável adiar o problema
do entendimento mais adequado deste suposto para mais tarde, já que qualquer
melhora da situação, neste momento, é considerada positiva. Entretanto,
este raciocínio não poderia ser mais equivocado.
Há que distinguir claramente a "demanda de educados" da "demanda
por educação". A primeira é supostamente, a demanda por recursos humanos
feita pelo mercado de trabalho. Sobre ela falaremos mais adiante. A segunda
é a demanda por escolaridade por parte das famílias em relação a seus filhos.
A longo prazo, e em uma situação de mercado equilibrado, os dois tipos de
demanda tenderiam a se equivaler, já que as pessoas buscariam aquelas profissões
com maior demanda no mercado de trabalho, e abandonariam as de menor demanda.
No entanto, não estamos numa situação de mercado equilibrado, nem, aparentemente,
tendemos a ela.
A demanda por educação tem dois componentes mais ou menos claros. O primeiro
é a busca da reprodução dos padrões educacionais e culturais de certa parte
da população. As famílias educadas, de classe alta, buscam proporcionar
aos filhos uma educação correspondente a dos próprios pais. Esta educação,
na sociedade contemporânea, é feita nas escolas, e mais particularmente,
nas universidades. Este sistema educacional, de tipo "reprodutivo",
é tecnicamente conservador, ou seja, ele tem como objetivo manter, de uma
geração a outra, a composição social e cultural dos estratos sociais mais
altos.
O segundo componente da demanda por educação é a aspiração à mobilidade
social. As diferenças de renda e prestígio social no Brasil entre pessoas
mais ou menos educadas são tão grandes que quase todos os esforços justificam
a tentativa de subir na ladeira do sistema de educação formal. A educação
aumenta, sem dúvida, a renda. Mas este aumento na maioria dos casos não
é função de um aumento de produtividade, como querem algumas teorias do
"capital humano", e sim do ingresso das pessoas em um segmento
da sociedade que possui mecanismos institucionais capazes de lhe garantir
um melhor quinhão na distribuição social da renda.
Este efeito da mobilidade social sobre a renda, que existe independentemente
do conteúdo efetivo, faz com que "passar" se torne mais importante
do que "aprender". A conseqüência disto é uma burocratização progressiva
do processo educativo, que tende a se transformar em um ritual de passagem
onde os conteúdos efetivamente aprendidos têm menos importância do que as
notas e as promoções. Isto leva a uma deformação do sistema educacional
que tende a ser tanto mais acentuada quanto ela atende a grupos de origem
social mais humilde, que têm menos condições culturais e econômicas para
estudar, mas têm mais a lucrar com isto.
É óbvio que a renda individual proporcionada pela educação formal, ou pelo
título, tende a diminuir quando o numero de pessoas que conseguem "passar"
aumenta. Uma das conseqüências disto é que alguns grupos profissionais tratam
de reduzir as chances de ingresso de pessoas em sua área de trabalho, mantendo
níveis altos ou crescentes de especialização, e impedindo a criação de profissões
assemelhadas com menos qualificação. Outra conseqüência é a busca de garantias
legais para certas categorias profissionais, através da regulamentação das
profissões, exigência de diplomas específicos para o exercício de determinadas
atividades, salários mínimos para nível universitário, etc.. As diversas
áreas profissionais tendem a se estratificar entre si, e aquelas de acesso
mais difícil, que exigem uma educação prévia em escolas secundárias de bom
nível, tempo integral de estudos, etc, terminam por manter um nível de renda
mais satisfatório para os seus membros que as demais.
Além dos mecanismos de proteção dos educados, existe o recurso à imigração.
A educação superior permite aos que completam o ciclo a cesso a um círculo
de relacionamento que transcende, normalmente, o nível local. Este acesso
é tanto mais alto quanto melhor for a educação recebida, e tende a ser máximo
quando o estudante completa sua formação com uma bolsa de estudos no exterior.
A imigração de talentos - o "brain drain" - leva as pessoas mais
capacitadas das pequenas para as grandes cidades do Nordeste, e destas para
o Centro-Sul do país. Em geral, é possível supor que a criação de privilégios
corporativos locais para grupos educados é função da capacidade que têm
de manter o acesso às diversas profissões relativamente limitado, e os órgãos
de representação classista ativos. E a possibilidade de imigração para outros
centros será função da própria qualidade do ensino proporcionado pelas universidades,
que é também função, entre outras coisas, das próprias restrições ao ingresso
de pessoas nas universidades.
2. Demanda de Educados
A capacidade que têm os educados de se organizar e garantir para si certos
níveis de remuneração e certas funções sociais bem determinadas faz com
que o postulado da existência de uma "demanda" prévia seja falso.
Ocorre aqui algo semelhante ao que Galbraith denomina "seqüência invertida":
não é o mercado que cria uma demanda para a Coca-Cola, o "Avanço"
ou para mudar de carro todos os anos; é a Coca-Cola, as fábricas de desodorantes
e a industria automobilística que planejam e organizam seu mercado de consumo.
Similarmente, são os técnicos de administração, os sociólogos, os engenheiros
civis e os advogados, entre outros, que tratam de convencer a sociedade
de sua utilidade e seu valor, em graus maiores ou menores de sucesso.
Isto não significa, evidentemente, ir ao extremo e afirmar que toda a "demanda"
social de recursos humanos é induzida. Não há dúvida, por exemplo, que grande
parte dos nordestinos não tem dentição adequada, e que isto exige profissionais
capazes de atender a este problema na escala em que ele se manifesta. O
que não é evidente, no entanto, é que este profissional seja, exatamente,
o "cirurgião dentista" formado por nossas faculdades de Odontologia.
Isto significa que é possível distinguir, no que se refere à demanda de
educados, pelo menos dois aspectos. O primeiro se refere às necessidades
mínimas, ou necessidades básicas, da população. Estas necessidades podem
ser estabelecidas teoricamente de maneira relativamente simples, já que
existem padrões para isto. Elas se referem à alimentação, habitação, vestuário,
atendimento médico-hospitalar, emprego e educação básica. Estas necessidades
básicas não constituem uma demanda "efetiva" (o segundo aspecto),
já que pessoas que não têm renda não podem demandar serviços odontológicos,
por exemplo. E elas excluem, por sua vez, demandas "efetivas"
por produtos supérfluos por parte de pessoas de renda alta.
A determinação de qual é a "demanda" por educação depende, pois,
de qual tipo de demanda estamos considerando. Tomar as percentagens de engenheiros,
médicos, dentistas, etc., dos países mais desenvolvidos como metas a serem
atingidas pelo Brasil, ou pelo Nordeste, implica uma opção pela estrutura
de demanda daquelas sociedades, que inclui até mesmo a capacidade de manutenção
e criação de privilégios corporativos para certos grupos profissionais.
A decisão por uma demanda baseada no atendimento das necessidades básicas,
e não nos mecanismos "automáticos do mercado", é uma decisão eminentemente
política, e não técnica. Ela supõe que exista uma política efetiva de atendimento
destas necessidades básicas, o que implica na alocação adequada de recursos
e na criação de órgãos capazes de fazer o que seja necessário. Na medida
em que isto exista, passará a existir uma demanda efetiva por educação correspondente
à demanda potencial que deriva das necessidades reais da população.
3. A Organização da Comunidade Profissional
Seria evidentemente equivocado considerar que o todo o esforço de criação
de uma necessidade para seus serviços, e a manutenção de privilégios e monopólios
profissionais, é ilegítimo e pernicioso. Por exemplo, os dentistas podem
desempenhar um papel importante em desenvolver a consciência nacional a
respeito da necessidade de dentes sãos, o que lhes aumentará o mercado de
trabalho, mas será também um benefício social. Na realidade, os diversos
grupos profissionais são insubstituíveis como fontes de idéias, valores,
descoberta de novas necessidades, e formas de atendê-las. Este papel pode
ser exagerado, e atingir formas absurdas e caricaturais, quando monopólios
profissionais crescem a ponto de se impor de forma irrecorrível sobre o
resto da sociedade. Mas a situação oposta, de subordinar toda a forma de
organização da atividade profissional e treinamento de nível superior à
"demanda", definida de uma ou outra forma, pode levar a resultados
desastrosos.
Tomemos um exemplo próximo. O sistema educacional necessita de um tipo de
profissional específico, que é o professor. Professores formados por outros
professores. A percentagem do esforço do sistema educacional que é gasta
em sua própria reprodução ou crescimento é variável, mas tende a ser tanto
maior quanto menor é o mercado de trabalho efetivamente existente para os
formados. A expansão do sistema educacional, que é uma necessidade sobre
a qual poucos, em princípio, discordam, muitas vezes funciona como forma
de absorção de profissionais gerados pelo próprio sistema, em nome de uma
demanda abstrata do mercado de trabalho que não se materializa. Com o tempo,
sistemas educacionais movidos por este mecanismo de auto-alimentação tendem
a crescer. Da graduação passa-se à Pós-graduação, e desta ao doutorado,
novos cursos são criados, a capacidade de persuasão destas pessoas junto
aos órgãos financiadores tende a aumentar, e o sistema incha continuamente,
alimentado pela própria falta de mercado de trabalho para seus profissionais.
Pós-graduação implica pesquisa, e, assim, pessoas se dedicam a ela, e recursos
são atraídos para este fim.
Aceitar este tipo de crescimento como a forma natural e inevitável de desenvolvimento
educacional pode levar a resultados desastrosos. No entanto, é exatamente
por mecanismos como este que um pais cria sua capacidade de pesquisa científica,
eleva o nível profissional e intelectual dos seus professores, e melhora
o nível educacional e cultural de sua população. Como distinguir a pesquisa
falsa da verdadeira? Como distinguir a pós-graduação efetiva da pós-graduação
ritualista e consumidora de recursos?
Existem duas respostas a esta pergunta, uma falsa, e outra parcialmente
verdadeira. A resposta falsa é que quem sabe distinguir é o planejador.
A resposta parcialmente verdadeira é que somente o cientista, ou o professor,
é que pode saber. Trataremos da resposta falsa a seguir, e da parcialmente
verdadeira na última parte (5), deste texto.
4. O Planejamento da Educação
Documento técnico sobre a análise do sistema educacional afirma, em sua
apresentação, que o planejamento no campo educacional não é coisa nova.
"Caso contrário, as atuais oportunidades educacionais não poderiam
ter surgido, se, por hipótese, não houvesse qualquer ordenamento da ação
empreendida no passado".
Esta afirmação só será verdadeira se dermos ao termo "ordenamento"
um sentido demasiado amplo. Na verdade, no Brasil como em todas as partes,
o sistema educacional cresceu e cresce de maneira desordenada, em função
das diversas demandas de educação e de educados, e da capacidade de captação
de recursos que as instituições e grupos interessados na educação desenvolvem.
Outro documento técnico afirma ser necessário "tornar habitual o processo
de conhecimento segundo as suas fases naturais, quer dizer: do
geral para o particular, do mais amplo e menos complexo para as áreas
de menor amplitude e maior complexidade, contribuindo, assim, para a maximização
dos resultados e a minimização do esforço despendido, face ao tumulto
de idéias e soluções nem sempre realistas e quase emprese desconexas
que entravam o conhecimento e, conseqüentemente, o encontro de soluções
razoavelmente corretas e viáveis para o Sistema Educacional Nordestino"
(os grifos são meus).
Este parágrafo é exemplar como representativo de uma concepção do planejamento
que vem sendo cada vez mais discutida nos últimos anos, à luz da experiência.
Por exemplo, pode-se questionar se o conhecimento tem, como suas "fases
naturais", a evolução do geral para o particular. Na realidade, a regra
parece ser o oposto. O ideal de eliminar o "tumulto de idéias e soluções",
aparentemente tão louvável, é no entanto extremamente discutível. As sociedades
modernas são naturalmente complexas, contraditórias, e não se submetem a
um ordenamento lógico e esteticamente satisfatório. A idéia de que este
"tumulto de idéias e soluções " possa ser corrigido a partir de
idéias mais gerais é, além disto, extremamente perigosa, já que ela pode
implicar em uma anulação do pluralismo em nome de princípios gerais que
algumas pessoas conheceriam. Estes princípios gerais se refeririam a um
ente hipotético, o "Sistema Educacional" (posto, significativamente,
com letras maiúsculas), que seria conhecido, finalmente, pelos especialistas
em sistemas, ou seja, os planejadores.
Na realidade, a subordinação de toda uma área da atividade humana a um sistema
integrado e coerente de planejamento é um objetivo discutível, dificilmente
realizável, e de resultados duvidosos no que tange aos ideais de maximização
de resultados e minimização de custos que se busca.
Com efeito, já vimos que não há nenhuma razão " natural" pela
qual a realidade social deva se submeter a um ordenamento lógico e totalmente
coerente. Na área que nos interessa, as instituições educacionais tem uma
pluralidade de funções - formar pessoas para o mercado de trabalho, garantir
a reprodução do sistema de estratificação social, promover a mobilidade
social dos estudantes, dar emprego e estabilidade aos professores, justificar
a existência de ministérios e secretarias de educação, desenvolver a cultura,
a ciência e a tecnologia. Estas funções são parcialmente contraditórias,
parcialmente coincidentes, e resultam em um quadro aparentemente caótico
do sistema educacional. Reduzir todas estas funções a uma só - por exemplo,
formar pessoas para atender à demanda efetiva do mercado de trabalho - significaria
desfigurar e impedir que o sistema educacional se desenvolvesse em toda
sua complexidade.
Além disto, esta redução das diversas funções a uma só implicaria um ato
de força por parte de um dos grupos sociais envolvidos no processo educacional
sobre todas as demais. Isto pode ser feito, desde que haja vontade política
para tal, e disposição para aceitar as conseqüências decorrentes. Na prática,
o "sistema educacional" brasileiro não é, realmente, um "sistema",
a não ser nominalmente. Existe uma pluralidade de órgãos federais, regionais
e estaduais, grupos de interesse mais ou menos organizados e pressões sociais
de todo tipo que pressionam a área educacional. Nenhum deles tem capacidade
para se impor aos demais. Por isto, a adoção de um plano integrado e coerente
exigiria, como etapa prévia, a coordenação de todos os órgãos e grupos sociais
envolvidos. Como os objetivos não são idênticos, a coordenação torna-se
impossível.
A conseqüência prática desta situação é conhecida. Por um lado, inicia-se
um longo processo de reuniões, negociações e contatos entre diversas agências
e instituições, em busca da coordenação. Por outro lado, grupos técnicos
desenvolvem fórmulas mais ou menos complexas de avaliação e condução do
sistema, supondo uma lógica e coerência de fins que não existe. São feitas
pesquisas, estudos, reuniões técnicas... O custo evidentemente sobe, mas
os resultados tendem a ser baixos.
Em resumo, os custos diretos do planejamento global tendem a aumentar, em
função da própria ineficácia. Se, no entanto, o programa planejado começa
a ser posto em execução, nem por isto os resultados estão assegurados. Existem
aqui, essencialmente, duas possibilidades. Uma é que um modelo que maximize
um tipo determinado de função se imponha sobre os demais, com a conseqüência
de alienar as demais funções e prejudicar assim, irremediavelmente, o objeto
do planejamento. A outra é que as coisas continuem como antes, mas surjam
agora revistas de roupagem da terminologia sistemática, que mantém assim
uma aparência de planejamento.
5. Alternativas no estabelecimento de prioridades: possíveis
estratégias
É possível concluir o que foi dito anteriormente da seguinte forma: não
existe, no momento, nenhuma instituição brasileira que tenha condições de
planejar, de forma integrada e coerente, o sistema de educação superior
do país ou de uma de suas regiões; e é bom que assim seja.
Isto não significa que não há nada a fazer. Uma vez que abandonemos o ideal
dúbio de um planejamento coerente e integrado, é possível examinar com realismo
os recursos de que se dispõe, a realidade do sistema educacional tal qual
é, com toda sua complexidade, e ver o que é possível fazer. Acredito que
uma estratégia para um órgão como a SUDENE poderia conter, entre outros,
os seguintes componentes:
a. Não pretender atender à demanda por educação. Esta demanda
tende a ser usualmente atendida pelo sistema MEC, e pelas próprias escolas
particulares que se formam para obrigar aqueles que buscam a educação
superior.
b. Não pretender atender a demandas de recursos humanos do
mercado de trabalho calculadas através de projeções da "demanda efetiva".
Estas projeções, como já vimos, não tem relação com a realidade nordestina,
como a área subdesenvolvida e periférica em relação ao sistema nacional.
A decisão de não atender a estes dois objetivos indicados acima significa
deixar de lado a tentativa de conduzir o sistema universitário regular,
que continuara no entanto existindo com os recursos federais que lhe é próprio.
Liberados deste peso, é possível voltar a atenção para dois tipos principais
de atuação:
c. Atender a programas de treinamento e capacitação de pessoal
ligados a projetos sociais de grande envergadura, na medida em que existam.
Por exemplo, na medida em que exista um programa de introdução de novas
tecnologias de plantio, ligadas a um sistema adequado de crédito, deverá
haver também um esforço paralelo e simultâneo de educação. Na medida em
que exista um programa adequado de saúde, deverão ser criados profissionais
de saúde, com o treinamento necessário para sua implantação e manutenção.
E assim por diante.
Esta estratégia significa que a SUDENE não deverá tratar de guiar ou modificar
o sistema educacional corrente, mas sim proporcionar formas de educação
e formação que sejam paralelas ou simultâneas a ele. Dependendo de cada
caso - é impossível saber "a priori" - isto poderá ser feito dentro
ou fora da universidade, em colaboração ou independentemente dela. O importante,
aqui, é que a educação não seja proporcionada em nome de uma necessidade
hipotética de recursos humanos, mas sim de uma demanda efetiva criada por
um interesse social claro.
É claro, também, que esta estratégia depende da existência de uma atuação
da SUDENE e de outros órgãos governamentais no sentido de melhorar as condições
sociais e econômicas do Nordeste. Se esta atuação não existisse, o esforço
na área educacional não teria sentido, já que não se pode esperar que a
educação, por si só, tenha um efeito verdadeiramente significativo quando
todos os demais aspectos da sociedade permanecem imutáveis.
d. Dar apoio e condições de trabalho para programas de pesquisa
e pós-graduação de alto nível, dentro ou fora das universidades. Programas
de pesquisa e pós-graduação de alto nível são raros, e devem ser apoiados
e estimulados com carinho. Aqui, a aplicação e utilidade prática destes
programas é menos importante que sua própria existência. Eles atraem talentos,
fixam as pessoas, permitem o intercâmbio com outros centros, e inclusive
geram, eventualmente, tecnologias e conhecimentos de utilidade prática.
A condição indispensável para a sobrevivência destes programas é o apoio
financeiro, a autonomia e a desburocratização. São em geral pequenas unidades
que custam pouco para manter, mas cujo impacto social e cultural pode
ser enorme.
A adoção desta estratégia implica um reexame profundo do que entendemos,
na realidade, por "educação superior". As divisões entre níveis
educacionais médio e superior, dentro do sistema educacional, nem sempre
correspondem a uma necessidade efetiva de formação e treinamento para o
exercício de atividades socialmente necessárias. Por exemplo, uma grande
percentagem das necessidades médicas, odontológicas e sanitárias da população
pode ser atendida por profissionais de nível médio, com cursos intensivos
de enfermagem prática odontológica e saneamento. O trabalho educacional
necessário para o desenvolvimento de projetos deste tipo não se limita à
formação dos técnicos, mas inclui também a educação da própria população,
que deve ser feita por educadores especializados.
Tudo isto exige uma capacitação técnica e profissional da instituição de
planejamento que não pode ser genérica, ou "sistemática", e sim
específica. Uma instituição de planejamento que pretenda realmente ser eficaz
deve desenvolver uma capacidade efetiva de atuação na área sobre a qual
pretende influir; esta área, no nosso caso, não é "educação",
nem "educação superior", mas, especificamente, saúde, agricultura,
veterinária, engenharia - cada uma das áreas problema sobre as quais se
pretenda trabalhar.
Uma parte importante deste processo de aquisição de capacidade é o estabelecimento
de contatos e intercâmbio constante com aquelas pessoas, instituições e
setores sociais mais vivos e ativos que se preocupem com estes temas, dentro
e fora da região. Ao escolher suas áreas de atuação, será necessário recorrer,
tanto quanto possível, a pessoas de experiência anterior comprovada nestas
diversas atividades. A fonte da "expertise" variará em cada caso.
De modo geral, no entanto, ela dificilmente será encontra da fora das próprias
instituições de ensino e pesquisa. No caso dos programas de pós-graduação
e pesquisa, será necessário ouvir a opinião e orientação dos professores
e pesquisadores mais bem sucedidos do país. No caso do ensino ligado a programas
concretos de desenvolvimento social e econômico, é possível que a experiência
de treinamento profissional do SENAI e do SENAC possa ser aproveitada, ainda
que ela tenha se limitado ao treinamento para profissões menos qualificadas.
No caso de um programa de saúde, é possível que tenhamos que recorrer à
experiência internacional dos países que já conseguiram, por uma ação efetiva,
resolver os problemas básicos de bem estar físico de suas populações.
Estabelecida a estratégia geral de atuação, resta definir uma tática específica
de determinação de prioridades. A maneira mais efetiva de proceder parece
ser através da identificação de projetos. O objetivo desta identificação
é determinar algumas linhas de atuação da agência, que sejam suficientemente
claras e cujos recursos financeiros e humanos sejam adequados para realizá-los.
A forma pela qual se chega à identificação de um projeto é através de uma
ou mais reuniões de representantes dos grupos sociais, categorias profissionais,
peritos e agências governamentais interessadas. Nestas reuniões, devem se
discutidos fatores tais como:
- os recursos humanos, financeiros e políticos que a agência dispõe para
conduzir o projeto;
- sua viabilidade, do ponto de vista técnico;
- sua necessidade social
- formas de cooperação de outras agências e instituições
- etc...
Uma vez identificados de forma preliminar, os projetos de vem ser detalhados
e desenvolvidos, até atingirem uma forma suficiente para sua implementação.
Trata-se de uma tática gradual, de ir construindo a partir da capacidade
existente e dos recursos disponíveis, e ir se desenvolvendo a partir dai.
Não é um procedimento espetacular na sua forma, mas é o único que pode,
efetivamente, vir a funcionar.
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