O parto da montanha
artigo - Claudio de Moura Castro e Simon Schwartzman
O Estado de S. Paulo
7/7/2006

Anunciada com tanta fanfarra por Tarso Genro em 2004, a versão final do projeto de reforma do ensino superior brasileiro terminou como um parto da montanha: não enfrentou nenhum dos problemas importantes do ensino superior. O lado bom foi haver recuado de várias propostas audaciosas e equivocadas, mas não todas. É ainda um projeto ruim.

Os países emergentes (Coréia do Sul, Cingapura, Malásia, Taiwan, Chile e outros), bem como a Europa (Processo de Bolonha), estão discutindo e implementando reformas de ensino superior. Todas elas têm em comum quatro linhas mestras: internacionalização, diversificação, eficiência e co-financiamento. Em vez de estimular a criação de universidades de classe e presença internacional, o projeto acena com o fantasma de que "o investimento feito pela sociedade brasileira seja adquirido e desnacionalizado pelo capital estrangeiro descompromissado". Em vez de lidar seriamente com as questões de diferenciação, o projeto insiste no velha mantra da "indissociabilidade do ensino, pesquisa extensão" e confirma a mesma tipologia de instituições hoje existentes, sem considerar a necessidade de novos perfis. Deserção elevada, inadequação dos currículos, pesquisa inútil, nada disso preocupa. Pior, a nova sistemática de avaliação parece inviável. Num projeto de reforma que ambiciona "refundar o ensino superior do País", esperaríamos soluções para tornar as instituições mais eficientes e eficazes. Como o ensino superior produz benefícios privados importantes para os que se graduam, o setor público não pode e não precisa continuar arcando sozinho com seus custos. No entanto, sobrevive o princípio da gratuidade do ensino superior público.

O governo desistiu da introdução compulsória de cotas raciais (que, no entanto, tramita como projeto de lei em separado no Congresso) e incluiu exigência de que sejam dedicados recursos ao apoio financeiro a estudantes mais pobres. Contudo, o aumento indiferenciado de cursos noturnos e a "inclusão de grupos sociais e étnico-raciais sub-representados na educação superior" (artigo 36) requereriam a adequação dos programas de ensino. Sem isso pode cair seriamente o nível dos cursos e aumentar o abandono e a repetência. É imperiosa a diferenciação institucional e acadêmica, para atender a estudantes com perfis educacionais também diferenciados.

O governo continua tratando o setor privado como vilão, e não como o parceiro que, bem ou mal, proporciona educação superior a 70% dos estudantes do País. O projeto define as universidades federais como entidades dotadas de personalidade jurídica própria, mas não dá o mesmo status às instituições privadas, cujos atos jurídicos deverão ser executados por intermédio suas mantenedoras (artigo 7). Isto torna inócuo o artigo 25, que torna obrigatória a existência de colegiados nas universidades e nos centros universitários privados, com a participação máxima de 20% de representantes da mantenedora nos colegiados.

Pela exposição de motivos, o projeto de lei "não cria novas despesas, já que traz apenas uma alteração na prioridade no gasto público..." Isso não é verdade. Pelo o artigo 43, @ 1, item 4, gastos com inativos e pensionistas serão transferidos para os recursos gerais da União (cerca de R$ 3 bilhões/ano). Pelo projeto, 75% dos recursos do MEC serão vinculados ao ensino superior, quando a proporção atual seria de cerca de 70%. Isso reduzirá o peso relativo dos gastos federais com a educação fundamental. O objetivo seria garantir a autonomia institucional das universidades. O simples aumento de gastos, porém, não garante a autonomia, pois esta depende de um poder efetivo das instituições de administrar seus próprios recursos.

A autonomia das universidades públicas permanece cerceada, pois o governo abandonou a idéia de dotar as universidades de um orçamento global e plurianual. Ademais, não concede a autoridade de alterar o seu quadro de pessoal. O artigo 11 requer que as universidades implantem planos próprios de carreira, mas o artigo 50 institui um plano de carreira nacional para todas as universidades federais, sem tocar na questão do regime jurídico das contratações. Com isso as universidades não ganharão a liberdade para estabelecer políticas de pessoal próprias, nem de alterar a situação de professores de desempenho inadequado, ou desnecessários para seus objetivos principais.

Pelo projeto, a partir de agora, nas instituições federais, "os recursos serão distribuídos conforme indicadores de desempenho e qualidade". Não é verdade, pois esta avaliação só será exercida "no que exceder as despesas obrigatórias" (que não foram definidas). Supomos serem os gastos de pessoal e de custeio. Ou seja, as instituições continuarão sem liberdade para administrar o grosso de seus recursos - prevalecendo o critério dos custos históricos, sem nenhum critério efetivo de avaliação de necessidades ou desempenho.

Sabiamente, o projeto recua na eleição direta dos reitores, sem especificação do peso relativo dos diferentes segmentos da universidade. No entanto, o reitor não poderá ser recrutado de outra instituição e tem de ser um professor de carreira. Isso subtrai um elemento de inovação institucional, que é a capacidade de buscar novas lideranças, com novas perspectivas e orientações.

Finalmente, fica proibida a criação de novas universidades, que só poderão ser estabelecidas depois de funcionarem pelo menos cinco anos como faculdade e centro universitário. Por outro lado, as universidades públicas podem ser criadas por lei. Dois pesos e duas medidas. Mais uma restrição arbitrária ao setor privado.

A reforma proposta pelo Ministério da Educação terminou no parto da montanha. Nasceu um camundongo com pouco apetite de reforma.