A política brasileira de publicações científicas e técnicas: reflexões

Simon Schwartzman

Publicado na Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília, v.15 (3), maio - junho, 1984, 25-32. Palestra feita no I Encontro de Editores de Revistas Científicas organizado pelo Comité Editorial do CNPq, em São Lourenço entre 18 e 21 de março de 1984, com o apoio da FINEP.

Abstract

Publicações científicas e técnicas brasileiras

Publicações científicas e ciência internacional

Padrões de qualidade

Custos

Problemas e vantagens da diversidade

Conclusão: o presente e o futuro da política brasileira de publicações científicas

Abstract
To have an article published in prestigious scientific periodicals is of utmost importance for a researcher: once his reputation is established, he is enabled to claim the necessary support for his work. When a paper is published in a non-reputed magazine, its merit remains to be proved and its diffusion is reduced. We must continue encouraging publication of the results of Brazilian research in international magazines, but it is absolutely necessary that Brazilian scientific magazines attain a levei of quality which is inviting to the best scientists in the country.


A publicação científica é essencial para a pesquisa, que só passa a existir a partir do momento em que é publicada. Nos últimos anos, agências do governo como CNPq e FINEP, atentas à importância da área, têm dedicado um crescente apoio às publicações científicas e técnicas brasileiras A experiência acumulada já permite visualizar o quadro atual da política brasileira de publicações científicas, bem como refletir sobre o seu futuro.

A publicação é um produto natural e indispensável da atividade científica e tecnológica. É através dela que o pesquisador comunica o resultado de seus trabalhos, estabelece a prioridade de suas descobertas e contribuições, e firma sua reputação. A pesquisa tecnológica pode resultar em técnicas e processos que são mantidos em segredo ou protegidos por patentes; a pesquisa orientada para o ensino pode resultar, simplesmente, em boas aulas e na formação de bons profissionais. A pesquisa propriamente científica, no entanto, ou é publicada, ou não existe. Daí o esforço de todos os cientistas para publicarem seus trabalhos; daí a necessidade de acesso a publicações daí a necessidade de uma politica governamental explicitamente voltada para esta questão.

Publicações científicas e técnicas brasileiras

Publicações científicas e técnicas, quando feitas em revistas de boa qualidade, dotadas de sistemas adequados de avaliação e crítica de manuscritos, desempenham ainda duas funções primordiais, ainda que pouco evidentes à primeira vista. Primeiro, elas têm um importante papel pedagógico junto ao pesquisador, que é levado a expor o resultado de sua pesquisa a outros especialistas em seu campo, recebendo sugestões, críticas e comentários que podem ser decisivos para aperfeiçoar e mesmo reorientar seus trabalhos. Segundo, os corpos editoriais das revistas funcionam como um mecanismo altamente qualificado de avaliação final da pesquisa. Já existe hoje, no Brasil, a consciência de que a comunidade científica deve participar ativamente da avaliação dos pedidos de recursos para a pesquisa. No entanto, uma vez aprovados os projetos, o acompanhamento da pesquisa quase sempre deixa de existir, ou é feito de forma meramente burocrática pelas agências financiadoras. No momento da publicação, no entanto, a comunidade volta a interferir de manei-ra decisiva, ainda que não exista a preocupação em comparar de maneira mais sistemática estes dois momentos do trabalho de pesquisa, o inicial e o último.

Tabela 1 - Recursos gastos pelo CNPq e FINEP com publicações científicas, técnicas e assemelhadas
  Fomento através do CED Outras formas de fomento Publicações próprias Fomento pelo programa setorial Total
1980   1.146.955 5.796.717   6.943.672
1981 4.573.248 8.857.897 20.837.126 30.000.000 64.268.271
1982 102.382.365 ** 15.223.897 44.794.921 9.459.763 171.860.946
1983 89.971.840 28.500.000 105.222.000* 118.635.660 342.329.500
** Incluindo 3.400.000 do PIG e 4.200.000 do PI DE.
* Previsto
Fonte. coordenação Editorial do CNPq.

Nos últimos anos o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico - CNPq, e a FINEP vêm dedicando recursos crescentes para o apoio a publicações científicas e técnicas brasileiras (Tabela 1). Outras publicações são financiadas pelas mesmas agências através de programas específicos. Existem ainda publicações apoiadas por universidades, outras agências de governo, associações profissionais, etc. O número de publicações que, no Brasil, aspiram a entrar em uma definição ampla de científicas e tecnológicas chega a milhares. Saber quais se enquadram em uma definição mais rigorosa destes termos, e desempenham uma função realmente adequada a seus propósitos já é uma outra questão.

O apoio dado nos últimos anos à pesquisa, às revistas científicas e técnicas brasileiras tem sido acompanhado de um esforço contínuo para entender quais são os problemas e prioridades que afetam estas publicações, quais são as opções mais importantes, o que deve ser incentivado e estimulado e, finalmente, o que deve ser evitado. Parte dos resultados deste esforço manifesta-se no programa setorial de apoio a publicações científicas da FINEP, que tem por objetivo contribuir para que um número limitado de revistas brasileiras, as mais importantes, atinja padrões de qualidade internacional. Outra parte desenvolve-se na prática acumulada ao longo de vários anos pelo Comitê Editorial do CNPq, que assessora tanto o Conselho quanto o próprio programa setorial da FINEP.

Quais são os problemas que uma política brasileira de apoio a publicações científicas e técnicas deve enfrentar? Quais os principais dilemas e dificuldades? Quais as melhores alternativas, quais as perspectivas para o futuro? Como participante do Comitê Editorial do CNPq desde sua criação, creio poder tentar trazer minha visão pessoal sobre algumas destas questões, como contribuição a uma discussão que todos esperamos que se possa aprofundar e aprimorar cada vez mais.

Um exame superficial da lista de publicações apoiadas e dos recursos distribuídos por estes dois programas já permite algumas observações preliminares, que servem de ponto de partida para uma discussão mais ampla sobre a política brasileira de publicações científicas.

Estas observações são as seguintes: Estas observações sugerem que estas revistas buscam aproximar-se, tanto quanto possível, dos padrões internacionais de publicação científica e técnica, ainda que não o consigam totalmente. A aproximação a estes padrões tem sido, sem dúvida, um dos principais critérios nas decisões das agências de fomento em apoiá-las, na expectativa de que elas possam aprimorar-se cada vez mais neste sentido.

Isto posto, caberia perguntar: em que medida esta tentativa de publicar segundo estes padrões é realmente realizável? Em que medida estas revistas podem, de fato, cumprir todas as funções que se espera que cumpram? Que se pode fazer para melhorar seu desempenho, no sentido desejado? Que alternativas existiriam?

Estas perguntas são tanto mais importantes quanto se sabe que a presença de autores brasileiros na literatura científica internacional é bastante reduzida, e se dá, predominantemente, através de publicações em revistas internacionais. As Tabelas 2 e 2a, extraídas de análises feitas por Eugene Garfield, do Institute for Scientific Information dos Estados Unidos, são bastante eloqüentes, apesar das conhecidas limitações deste tipo de dados. A Tabela 2 mostra que, apesar de o Brasil ter aumentado em 25% o número de publicações científicas listadas no ISI entre 1973 e 1978 (e substituído a Argentina na segunda posição do ranking de países do Terceiro Mundo, abaixo da Índia) sua participação relativa na ciência mundial parece ter diminuído.

A Tabela 2a indica que os artigos de autores brasileiros correspondem a um décimo de um por cento da literatura mundial citada em 1978, e que 33% destas citações se concentram em artigos de outros brasileiros (os autores brasileiros, no entanto, citam preferencialmente artigos estrangeiros, na proporção de 67%).

Tabela 2: Presença brasileira na literatura científica mundial
  1973 1978
% sobre o total mundial 0,05% 0,03%
Total de artigos brasileiros listados no ISI 812 1.06
Impacto (número médio de citações nos 5 anos subseqüentes) 2.9 2.6
Impacto de artigos publicados em português:
Número de revistas brasileiras com impacto médio superior a 1 0 0
Impacto de revistas brasileiras:
Anais da Academia Brasileira de ciências   0.3
Rev. Bras. Pesq. Médica s e Biológicas   0.4
Fontes: para 1973, GARFIELD, Eugene. "Third World Research". partes 1 e 2, Current Contents, vol. 15, n. 33 e 34, agosto de 1983. Para 1978. GARFIELD, Eugene. "Latin American Science: Where it is Generated, What International Journals Publish, which Nations Cite it, and Areas of specíalization. Trabalho apresentado ao XII Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Educação, Camboriu. SC, 1983.

Tabela 2a: Citações em artigos indexados no Science Citation Index em 1978
  Total de artigos citados Total de artigos de autores brasileiros Percentagem
Em todos os artigos 1.856.832 2.72 14
Em artigos de autores brasileiros 3.96 917 23,1%
Percentagem 0,21% 33,7%  
Fonte: Ver Tabela 2.

Publicações científicas e ciência internacional

Idealmente, a ciência não teria fronteiras nem nacionalidade, e todos os trabalhos científicos, uma vez publicados, ficariam à disposição e seriam conhecidos por toda a comunidade internacional interessada. Na prática, sabe-se que as coisas são bem mais complicadas: existem grandes diferenças de prestígio entre diversas publicações, barreiras lingüísticas, dificuldades de acesso, problemas de custo. É possível que, no passado, houvesse um consenso suficiente, nas principais disciplinas científicas, a respeito de suas fontes de publicação mais importantes, de leitura obrigatória para todos os especialistas da área. Hoje, no entanto, com o crescimento explosivo de especialidades e sub-especialidades, e do número de publicações em todo o mundo, este consenso já não existe, tentando-se, inclusive, substituí-lo por índices, abstracts e bancos computadorizados de dados bibliográficos.

De acordo com este quadro, qual o sentido de se constituir um sistema de publicações científicas brasileiras? Existem duas posições radicais sobre isto. A primeira é que as publicações brasileiras deveriam orientar-se para o público brasileiro, serem escritas em português, e circularem predominantemente dentro do país No máximo, elas poderiam ter os sumários de seus artigos em outras línguas. O outro extremo é a tese de que, na realidade, publicar em revistas brasileiras e em português é equivalente a sepultar o resultado das pesquisas, do ponto de vista da comunidade internacional Mais valeria, assim, apoiar o pesquisador brasileiro em seus esforços de publicar nas revistas internacionais mais importantes, cobrindo seus custos. Na realidade, muitos dos cientistas brasileiros mais qualificados só publicam no exterior, o que fortalece a reputação internacional da ciência brasileira mas enfraquece a das revistas científicas nacionais.

A experiência acumulada nestes últimos anos mostra que, como normalmente ocorre, nenhum dos extremos satisfaz. Existem, inicialmente, diferenças importantes por áreas de conhecimento. Nas ciências sociais, por exemplo, as pesquisas têm uma relação muito forte com a realidade do país, e isto faz com que elas tendam normalmente a ser escritas em português e para o leitor brasileiro. O mesmo se dá em relação às áreas tecnológicas mais aplicadas. ou destinadas às profissões especializadas (medicina, engenharia, agricultura, etc.). Os especialistas de outros países que se interessam pela economia brasileira, lêem normalmente português e acompanham as publicações do país sobre o assunto. No outro extremo, pesquisas básicas em física, química ou biologia tendem a referir-se a lemas específicos e são vazadas em linguagem altamente especializada, só acessível aos especialistas. A utilização de um idioma que é considerado veículo internacional, como o inglês, não impede sua compreensão pelo especialista brasileiro, e facilita o entendimento de especialistas de outros países. A esta diferença corresponde o fato de que, na maioria das vezes, os grupos de referência (os pares) dos cientistas sociais e dos tecnólogos são predominantemente de seu próprio país, enquanto que os dos cientistas de áreas mais básicas tendem a ser mais cosmopolitas (Tabela 3).

Um outro argumento a favor de publicações brasileiras, mesmo editadas em língua inglesa e nas disciplinas mais especializadas e universais, é que o acesso às principais revistas internacionais tende a ser extremamente difícil, e nem sempre responde a fatores estritamente científicos. Existem estudos empíricos que demonstram que os processos de seleção ou rejeição de artigos, mesmo nas revistas científicas mais consagradas, têm sempre um grande elemento de aleatoriedade, e estão sujeitos a influências tais como ao prestígio do autor ou de sua instituição, ou às relações de conhecimento entre editores e autores. Como os dados das Tabelas 4 a 5 sugerem. os cientistas brasileiros tendem a dar preferência a publicações internacionais como fontes de informação. mas buscam principalmente as revistas nacionais para a publicação de seus trabalhos. Ainda que não se saibam exatamente as razões disto, é bastante possível que dificuldades de acesso sejam responsáveis por esta situação. De fato, revistas publicadas no Brasil podem dar oportunidades a autores jovens ainda não consolidados internacionalmente, e que por isto talvez não conseguissem o acesso internacional que mereceriam (Tabelas 4 a 5).

Finalmente, existem certamente temas que estão mais ou menos em voga, o que certamente influencia a escolha de artigos nas revistas internacionais. Revistas nacionais podem propor temas novos, abrir espaços para questões que interessem mais de perto ao país ou a seus pesquisadores, e criar assim um espaço para a circulação e criação de idéias que de outra forma não existiria.

Em resumo, a política recomendável parece ser a de incentivar a existência de vários tipos de revistas científicas brasileiras, algumas predominantemente voltadas para o leitor nacional, e por isto utilizando o português, e outras mais orientadas para a comunidade científica internacional, com utilização mais ampla da língua inglesa. Esta definição só pode caber, naturalmente, ao corpo editorial e às instituições responsáveis pelas publicações A publicação em revistas internacionais deve continuar a ser estimulada; mas é preciso que as revistas nacionais atinjam níveis adequados para que possam atrair a colaboração dos melhores cientistas brasileiros.

Tabela 3 - Uso de publicações brasileiras ou estrangeiras por pesquisadores brasileiros
  Publicações brasileiras Publicações estrangeiras Ambas Total
Tipo de publicações que atingem a maior parte dos que trabalham em sua especialidade 12,3% 65,7% 22,0% 100%
Publicações que seus colegas preferem publicar em primeiro lugar 47,4% 36,3% 16,3% 100%
Voce preferiria publicar em primeiro lugar 49,6% 26.8% 23.6% 100%
Fonte: Ver Tabela 2.

Tabela 5: Adequação da literatura internacional
A literatura internacional na sua area é, em geral, adequada para a realidade brasileira? Não Sim
27,2% 72,8%

Tabela 4 - Quais os meios que você utiliza mais frequentemente para se manter a par dos desenvolvimentos em seu campo de conhecimento?
  1º meio mais freqüente 2º meio mais freqüente 3º meio mais freqüente
Revistas internacionais especializadas 66,6% 14,0% 5.7%
Revistas nacionais especializadas 12,2% 14,6% 9,1%
Livros 9,2% 22,1% 16,4%
Participação em Congressos no país 1,5% 12,3% 25,0%
Outros meios 10,5% 36,1% 43,8%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
(não responderam) -29 -38 -49
Fonte: Respostas de 1.113 cientistas e pesquisadores brasileiros entrevistados para a pesquisa Estudo Comparativo Internacional sobre a Organização e Desempenho de Unidades de Pesquisa, (Iuperj, Projeto ICSOPRU, 1983. Dados preliminares.

Padrões de qualidade

Para o pesquisador só interessa, ou deveria interessar, a publicação em revista de qualidade. A publicação Científica é crucial para o estabelecimento da reputação do pesquisador e esta reputação é o capital com que ele conta para obter apoio para seu trabalho. Quando a publicação é feita por uma revista sem qualidade estabelecida, o mérito do trabalho fica sujeito a questionamentos, e sua divulgação fica também prejudicada.

A reputação de uma revista científica é, pois, o primeiro critério de qualidade, e o elemento principal desta reputação é o gabarito de seu corpo de editores, e a seriedade e imparcialidade de seus processos de seleção de trabalhos para publicação. Ainda que existam sempre imperfeições e exceções à regra, é possível afirmar que revistas que tenham mecanismos rigorosos de seleção e um corpo de editores de prestígio reconhecido já criam uma presunção de qualidade em relação aos trabalhos que publicam; o inverso vale para periódicos ditos da casa, que imprimem automaticamente as contribuições que venham de um determinado centro de pesquisa ou departamento, independentemente de maior exame.

O segundo fator de qualidade é a padronização e regularidade. Revistas científicas, para terem divulgação adequada, necessitam adotar os padrões editoriais consagrados internacionalmente e ser publicadas de forma regular e previsível. São estes fatores, combinados com o anterior, que permitem que elas sejam indexadas nas fontes de referência existentes em várias partes do mundo e subscritas de forma regular por bibliotecas, centros de pesquisa e pesquisadores individuais.

O terceiro fator é o da eficiência no relacionamento com autores, leitores e assinantes. As revistas devem ser capazes de manter um contato regular com seus eventuais colaboradores, respondendo às suas cartas e tomando decisões sobre a publicação ou não de seus trabalhos em prazo razoável; e devem ser também capazes de garantir a distribuição de seus exemplares aos assinantes, além de atender às suas eventuais queixas e solicitações. Esta eficiência é fundamental para garantir às revistas o interesse dos colaboradores e leitores, sem o qual elas não conseguem manter seus padrões de qualidade e prestígio.

O quarto fator de qualidade, finalmente, é o da apresentação gráfica propriamente dita. Aqui, a tendência universal parece ser no sentido de processos de impressão cada vez mais rápidos e simples. desde que fique garantida a clareza dos textos e ilustrações, assim como sua correção. Na área científica, os custos com o embelezamento cosmético das publicações parece justificar-se cada vez menos, a não ser naquelas que, pelas suas características, visem a um público mais amplo. Na realidade, o uso excessivo de recursos gráficos desnecessários (papéis de alto custo, policromias, etc.) termina por se constituir em fator que depõe contra a reputação das revistas científicas.

Em conclusão, a qualidade é um requisito indispensável para as publicações científicas ainda que os padrões possam variar. Os critérios mais gerais de qualidade, e que devem condicionar qualquer apoio público a revistas científicas, são o seu prestígio nacional e internacional, a qualidade e representatividade de seus colaboradores, a sua padronização, regularidade, e circulação.

Custos

Publicações científicas raramente são auto-suficientes do ponto de vista financeiro. O seu público é reduzido e não tem como pagar, através de assinaturas, os custos de uma equipe mínima permanente, da impressão e da circulação dos periódicos. A venda avulsa em livrarias praticamente não existe, nem no Brasil nem no exterior. Assinaturas institucionais, feitas por bibliotecas a preços superiores aos de assinaturas individuais, podem chegar a valores mais significativos, mas só para revistas de reputação já estabelecida. Publicidade só atinge volumes maiores em revistas de tipo profissional (revistas de medicina, odontologia, etc.) que tendem a ser, predominantemente, de difusão e divulgação científica mais do que de contribuições originais.

Uma das formas mais comuns de financiamento de revistas científicas tem sido através das anuidades dos sócios das associações científicas que as publicam e que as recebem como parte de seus direitos de membros contribuintes. Esta modalidade só é possível, obviamente, para revistas de associações; e, normalmente, os recursos arrecadados aos sócios não são suficientes para cobrir seus gastos administrativos mais os de publicação. Daí a necessidade praticamente inelutável do subsídio, seja através das universidades, seja através do CNPq. FINEP ou outras agências governamentais.

Publicações subsidiadas estão sujeitas a todas as vantagens e problemas desta condição. As vantagens são bastante óbvias: recursos para contratar pessoal, pagar serviços gráficos, distribuir a revista de forma gratuita ou a custos mínimos, ter bastante espaço para os artigos, etc. Desvantagens, no entanto, também existem. Em uma revista totalmente subsidiada, estão ausentes os efeitos de mercado que ajudam a balizar sua repercussão e qualidade, e que vão desde seus índices de venda de assinaturas até a dedicação do trabalho voluntário de seus editores. Seria sem dúvida equivocado dar uma importância fundamental a estes critérios e avaliar as revistas pelo seu simples sucesso comercial Existem, no entanto, muitos casos de revistas que se acomodam a níveis bastante medíocres de qualidade, circulando gratuitamente, publicando artigos nem sempre de primeira linha, e não tendo nenhuma forma de avaliar se seus resultados justificam os esforços, já que existe sempre algum benefício, e se o custo de sua publicação, para os editores, é nulo, Mas há um custo, evidentemente, para quem as subsidia, a começar pelo contribuinte. Além disto, há ainda um outro custo bastante mais sério, e poucas vezes observado, que é o do desprestígio gerado por publicações de menor padrão, que acaba prejudicando a capacidade das instituições que as publicam de conseguirem apoio e recursos adequados para suas atividades. De fato, as publicações de qualidade inadequada parecem trazer mais problemas, pela sua existência, do que benefícios.

A política adotada até aqui pelo CNPq e FINEP tende a buscar um meio termo entre os dois extremos da auto-suficiência e do subsídio total, como sugere a Tabela 6.

Tabela 6: Distribuição dos recursos do CNPq e do Programa Setorial da Finep em 1983*
Revistas Número de publicações Recursos próprios** Recursos do CNPq e Finep Total
Exatas e da terra 12 31.466.740 49.123.100 80.589.400
Biológicas 12 20.145.714 44.310.000 64.455.714
Engenharias 04 7.932.141 18.475.000 26.407.141
Agrárias 08 22.964.845 30.037.840 53.002.685
Saúde 07 8.962.270 16.074.000 25.036.270
Humanas e sociais 07 9.009.285 18.857.560 27.866.845
Sociais e aplicadas 07 3.227.142 7.530.000 10.757.142
Ensino 02 3.942.000 9.200.000 13.142.000
Divulgação*** 01   15.000.000 15.000.000
Total 60 107.650.137 208.607.500 316.257.637
Co-edições 08 8.235.721 7.486.700****  
* sem computar os auxílios as duas da ABC e os embutidos em programas.
** estimados.
*** Ciência Hoje.
**** até 21.09.83. Fonte: Coordenação Editorial do CNPq.

Problemas e vantagens da diversidade

Não há uniformidade entre as instituições que publicam revistas científicas no Brasil. Algumas são publicadas por associações científicas, outras por universidades, outras por editores comerciais; existem aquelas que são fruto da dedicação pessoal de um editor; e outras que são editadas por agências governamentais. Isto também significa que algumas áreas são cobertas por mais de uma revista. Quais são os problemas advindos desta diversidade? Quais as soluções?

A política adotada a este respeito tem sido a de reconhecer e aceitar a diversidade, mas, ao mesmo tempo, tratar de influenciar no sentido do fortalecimento de revistas científicas de alcance nacional. O critério predominante é o da qualidade: uma revista de reputação consagrada, tenha ela a base e a organização que tiver, deve ser sempre estimulada e apoiada. No entanto, existem óbvias limitações ao crescimento de revistas que dependem exclusivamente de uma pessoa, ou tradicionalmente vinculadas a um grupo universitário ou de pesquisadores isolados. Esta busca de publicações de alcance nacional e reputação internacional deve ser feita com muita cautela, dadas as armadilhas que elas contêm. A existência de mais de uma publicação na mesma área pode significar uma dispersão de esforços, mas também a existência de uma genuína diversidade. Na ciência, como em outras áreas, parece não ser aconselhável forçar a concentração, eliminando os esforços dos diversos setores e criando publicações nacionais únicas através da imposição burocrática. Parece ser ainda mais desaconselhável substituir o trabalho muitas vezes artesanal de cientistas editores por funcionários de agências governa mentais. A experiência mostra que é indispensável que revistas científicas sejam dirigidas por cientistas de prestígio reconhecido, e que possam ir adquirindo os conhecimentos específicos necessários para o trabalho editorial.

Neste sentido, o papel do Comitê Editorial do CNPq tem sido, freqüentemente o de estabelecer a comunicação entre editores de revistas de temática semelhante, sugerir formas de colaboração e, ao mesmo tempo. admitir a diversidade e pluralidade. A integração de esforços é importante, já que a maioria das revistas regionais ou de instituições isoladas não tem o mínimo de condições para chegar a padrões de qualidade e prestígio adequados; no entanto, essa integração não deve chegar jamais ao nível da unificação forçada, ou da perda de reputação e tradição de trabalho conquistados por algumas publicações através dos anos. É possível que, a partir desta busca de cooperação, surja um mecanismo permanente de associação e colaboração entre as revistas científicas e técnicas brasileiras de melhor qualidade, para zelar pelos interesses comuns e chegar a algumas economias de escala em alguns aspectos do trabalho editorial.

Conclusão: o presente e o futuro da política brasileira de publicações científicas

Em síntese, a política brasileira de publicações científicas tem consistido em contribuir para a consolidação de um número relativamente reduzido de revistas de alta qualidade e circulação bem estabelecida. Este trabalho pode ser sem dúvida melhorado na medida em que os próprios editores das revistas científicas nacionais se conheçam, troquem experiências e, na medida do possível, juntem seus esforços. No entanto, é necessário pensar a mais longo prazo e refletir sobre o papel das publicações científicas em comparação com outras formas de divulgação do conhecimento, tomando em consideração as realidades da explosão contemporânea dos sistemas de informação. O que é, na realidade, uma revista científica? Não existem outras formas de divulgação possivelmente até mais eficientes e mais baratas? Por que privilegiar este meio de divulgação em relação aos demais?

A noção do que seja uma revista científica é bastante clara nas ciências exatas e naturais mais estabelecidas, mas torna-se cada vez menos precisa quando se abordam áreas mais aplicadas como as das ciências sociais. Nas ciências exatas e naturais, publicações científicas são aquelas dedicadas predominantemente à publicação de resultados originais de pesquisa, em linguagem técnica, e destinadas à circulação entre os especialistas. Estas publicações devem desempenhar uma série de funções simultâneas. Elas permitem que os resultados dos trabalhos científicos sejam publicamente registrados, definindo créditos e repartindo os benefícios resultantes da atividade científica bem sucedida. Funcionam como um instrumento de comunicação entre os cientistas, contribuindo para que a comunidade científica que deve existir entre os especialistas da mesma área de fato funcione. Têm ainda a função de banco de dados, ou seja, um depositário de idéias e informações que os pesquisadores devem utilizar para seu trabalho. e permitem que a sociedade como um todo, e as agências de apoio à pesquisa em particular tomem conhecimento dos resultados dos trabalhos dos cientistas que sustentam.

É claro que estas funções nem sempre coincidem totalmente. Para o cientista, principalmente em estágios iniciais de sua carreira, publicar pode ser fundamental para sua afirmação profissional, independentemente do impacto real do que está sendo publicado, e que só pode ser aferido a longo prazo. A contagem de publicações, por mais rudimentar que seja como forma de avaliação de qualidade, tem sido amplamente adotada por setores responsáveis pela distribuição de recursos para a área científica, principalmente por sua simplicidade e possibilidade de utilização em larga escala. Isto tem levado a que alguns cientistas busquem publicar tanto quanto possam, dividindo seu trabalho em unidades mínimas de publicação, elaborando versões distintas dos mesmos trabalhos para as diferentes revistas, etc. Esta situação tem conduzido a pressões de pesquisadores para a criação de novas revistas, com mais espaço, e até mesmo para a redução do rigor dos processos de seleção.

Em contrapartida, as revistas científicas não são necessariamente a forma mais eficiente de comunicação entre os cientistas. A demora entre a apresentação de um trabalho e sua publicação tende a ser grande, freqüentemente de anos para as revistas principais, e antes disto os trabalhos são apresentados em congressos e seminários, circulando de forma provisória, mimeografados. A publicação final parece servir, pois, principalmente como registro e consagração do trabalho terminado, e para sua divulgação fora dos círculos científicos mais próximos dos autores. É a consideração deste fato que tem levado muitas revistas a buscarem formas cada vez mais rápidas e simples de impressão e circulação, mesmo que isso implique perda de qualidade gráfica.

A função das revistas como bancos de dados deve ser vista, hoje, em função de dois fatos da maior importância, que são o uso extremamente limitado da grande maioria dos artigos científicos publicados e os novos instrumentos de organização da informação desenvolvidos graças á expansão do uso dos computadores. Por um lado, dados elaborados a partir do Science Citation Index mostram que artigos científicos são citados em média somente 6 ou 7 vezes nos 5 anos subseqüentes à sua publicação e que estas citações são altamente seletivas para alguns autores, países e publicações. Por outro lado. existem hoje recursos técnicos para que trabalhos científicos sejam simplesmente depositados em bancos de dados, praticamente infinitos em sua capacidade de armazenamento, e recuperados eletronicamente pelos interessados através de resumos ou palavras-chave, tornando a publicação indispensável deste ponto de vista.

Será que as revistas científicas estão fadadas ao desaparecimento, sendo substituídas pela circulação de papers. bancos de dados e revistas de divulgação?

A tendência não parece ser neste sentido. As revistas científicas desempenham um papel único e insubstituível, que é o de dar uma visão contínua e organizada do estado da arte de cada disciplina, ou dos trabalhos de seus colaboradores mais assíduos. Não há nada que substitua folhear uma revista, ter a atenção atraída por um título, quadro ou resumo de um texto e depois se interessar por algo que até então escapava à atenção. Não há nada que substitua a leitura de um texto bem impresso e facilmente acessível em uma estante da biblioteca da instituição ou do especialista.

Este contato personalizado entre o pesquisador e a revista, aspecto indispensável da atividade científica, só pode ser mantido, no entanto, se o volume de publicações permanecer relativamente reduzido e houver mecanismos prévios de seleção, de tal maneira que o pesquisador não se veja inundado por um excesso de informações que jamais poderá digerir de forma adequada. A função de avaliação exercida hoje pelos comitês editoriais das revistas é essencial para a própria orientação dos cientistas e pesquisadores, desempenhando um papel de seleção prévia que é cada vez mais crucial em uma época de explosão das informações. Segundo. bancos de dados computarizados podem levar a custos de instalação e operacionais demasiadamente elevados para processar um volume de informações nem sempre de qualidade adequada.

Resta considerar a questão da divulgação científica. Este termo engloba todas aquelas publicações destinadas á divulgação secundária de conhecimentos de ciência e tecnologia, ou seja, de assuntos cujo tratamento original já exista nas revistas especializadas. As modalidades de divulgação científica são muitas. Uma delas é a divulgação de informações técnicas para os profissionais que deles necessitem médicos, engenheiros, laboratoristas, agrônomos. Esta divulgação é feita muitas vezes pelos próprios fabricantes de produtos, o que pode gerar, evidentemente distorções na seleção de tecnologias em função de técnicas de persuasão comercial. A outra é a produção de materiais didáticos para o ensino nas escolas secundárias e nos cursos universitários de graduação. Uma terceira é a divulgação de tipo jornalístico, vazada em linguagem não especializada, mas voltada a um público interessado e de alto nível educacional. Uma última é a chamada vulgarização da ciência, ou seja, sua tradução em termos simples e acessíveis ao grande público.

A distinção entre divulgação e publicação original nem sempre é clara. Nas ciências sociais, a delimitação da comunidade de especialistas é muito menos demarcada do que nas áreas mais técnicas e é sempre possível dar uma apresentação mais ou menos inteligível a um texto especializado, para que desta forma atinja um público mais amplo. De fato, em algumas áreas a utilização de uma linguagem científica hermética nem sempre corresponde a uma necessidade técnica, funcionando às vezes como simples recurso para dar aspecto de mais cientificidade a certos textos. Existe também, neste campo, menos clareza quanto à distinção do que seja uma contribuição original ou uma simples elaboração ou reelaboração de idéias e conhecimentos preexistentes. Mesmo nas áreas mais técnicas existe hoje uma grande variedade de tipos de trabalho, desde os que simplesmente informam os resultados de pesquisas já feitas até os que tratam de organizar e sintetizar o resultado de linhas completas de pesquisa e estudo. A amplitude de interesse destes tipos de trabalho também varia: o que para os membros de determinada especialidade é simples divulgação e reiteração de coisas já sabidas, para seu colega da especialidade vizinha pode ser uma comunicação científica de primeira mão, e, para o público não especializado, um trabalho científico inacessível.

Em suas diversas modalidades, a divulgação científica e tecnológica cumpre um papel fundamental, ao estabelecer o elo entre o mundo da pesquisa e a sociedade mais ampla. Um de seus principais problemas é que, para o pesquisador profissional, a atividade de divulgação não se traduz em méritos acadêmicos e chega muitas vezes a ser até mal vista na comunidade. O divulgador não especializado, por outra parte, freqüentemente não tem a competência necessária para o bom trabalho de divulgação, o que alimenta os preconceitos que freqüentemente existem entre os pesquisadores em relação a esta atividade. A vitoriosa experiência da revista Ciência Hoje, publicada por uma equipe de cientistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, no Rio de Janeiro, com o apoio do CNPq e da FINEP. tem contribuído decisivamente para mostrar como este trabalho é de importância e pode ser feito com um alto nível de seriedade e competência.

É provável que a tendência futura seja no sentido de ir diferenciando as diversas funções que as revistas científicas hoje desempenham, e criando para cada uma delas seus instrumentos específicos. Se isto é assim, o futuro da política brasileira de publicações científicas parece consistir em três desenvolvimentos simultâneos e relativamente independentes. Primeiro, aperfeiçoamento contínuo dos mecanismos de divulgação rápida e eficiente de informações científicas por via eletrônica. Este desenvolvimento deverá levar ao acesso cada vez maior dos pesquisadores brasileiros á literatura internacional, e a formas de tornar os resultados de seu trabalho acessíveis aos interessados sem passar, necessariamente, pela publicação em revistas impressas. Segundo. no desenvolvimento de um número relativamente reduzido de revistas de qualidade cada vez maior, que sirvam de marco e ponto de referência sobre a evolução do conhecimento em cada uma das disciplinas. e tragam indicações sobre o que vem sendo produzido e é acessível por outros meios. Terceiro, em revistas de divulgação orientadas para o público mais amplio, seja ele formado por professores, por técnicos interessados no desenvolvimento de determinadas áreas, ou pelo leitor meramente interessado. Estas três frentes de trabalho requerem competências técnicas distintas, e as linhas de demarcação entre elas certamente variarão entre as diversas disciplinas. É preciso, no entanto, que os que estejam dedicados a cada uma delas saibam da existência das demais, e evoluam no sentido de uma efetiva divisão do trabalho com conhecimento adequado do que cabe a cada um.

Para que uma política como esta seja bem sucedida, é indispensável que os recursos dedicados às publicações científicas brasileiras sejam aumentados substancialmente, junto com mecanismos capazes de assegurarem sua boa utilização. Diversos sistemas têm sido propostos para O financiamento de publicações. Um dos mais sugestivos, e que mereceria um exame aprofundado, seria o de vincular recursos para publicação aos projetos de pesquisa no momento da aprovação de seu financiamento, mas liberá-los diretamente às revistas quando os trabalhos escritos já estejam aceitos. É claro que um sistema como este deveria cuidar para que as revistas não dessem preferência indevida aos artigos que tenham financiamento, em detrimento dos demais; mas seria uma forma de fazer com que os trabalhos de pesquisa não terminassem, como muitas vezes sucede, no esquecimento e abandono, por falta de apoio em seu momento culminante, que é o da publicação

Havendo este apoio a presença e a especificidade da ciência brasileira será mantida e realçada, quando ela realmente existir; seu controle de qualidade se aperfeiçoará cada vez mais; seus resultados serão cada vez mais difundidos; e ela tenderá a ser cada vez mais universal. <