
tudo o que
você sempre quis saber sobre SEU PROJETO DE DISSERTAÇÃO DO MESTRADO mas
tinha medo de perguntar. Simon Schwartzman
IUPERJ, circulação interna, 1970 (?)
A elaboração de um projeto de dissertação de mestrado é obrigatória para
todos os alunos do IUPERJ, no quarto semestre de seu curso. O objetivo deste
texto é dar algumas sugestões sobre como este projeto deve ser feito.
a) O que está no regulamento:
O regulamento é bastante explícito a respeito do que o projeto deve conter.
Ele prevê, no artigo 30, que "ao final do quarto. semestre, o aluno devera
apresentar a seu orientador o projeto a ser realizado" (art. 30). O artigo
diz a inda que o projeto devera constar de um pequeno texto (5 a 10 paginas)
e inclui:
- uma explicação do problema teórico a ser estudado;
- uma referência bibliográfica diretamente relacionada ao tema;
- uma descrição do material empírico a ser utilizado:
- a forma pela qual os dados serão obtidos;
- o tratamento que estes dados receberão;
- uma certa previsão em relação aos tipos de resultados que se espera
encontrar.
O projeto deve ser aprovado por uma banca de três professores, presidida
pelo orientador. A dissertação "consistirá de um trabalho individual versando
sobre problemas relevantes no campo da Ciência Política ou da Sociologia".
Estas as normas escritas.
b) Como proceder:
A questão principal é como chegar à forma prescrita pelo regulamento. Não
existem regras fixas para isto, tudo depende da interação entre o mestrando
e seu orientador. A própria forma regulamentar pode variar se o estudante,
seu orientador e a banca que aprova o projeto estiverem de acordo.
No entanto, é possível dar algumas sugestões práticas que podem ajudar a
chegar a um bom projeto. Estas sugestões se referem à definição do problema
a ser estudado, à definição dos dados a serem analisados, e ao dimensionamento
do projeto.
1 - O Problema
Idealmente, um projeto de dissertação deve ter um problema teórico ou conceitual
claro, que possa ser testado ou verificado através de um conjunto definido
de dados. É possível que seja um problema estritamente conceitual, em cujo
caso os "dados " são, essencialmente, materiais bibliográficos e estudos
pre-existentes. Em outros casos, o problema será mais empírico, referido
a um grupo social, um período histórico ou a um outro aspecto da realidade
qualquer, e os dados serão selecionados de acordo com ele. Algumas "dicas"
importantes para a definição do problema são as seguintes:
É. importante analisar como as coisas variam, e não como as coisas são.
Por exemplo, em um estudo sobre marginalidade social, é importante saber
se determinada condição econômica produz mais marginalidade do que outra,
ou se certo tipo de marginalidade produz mais ou menos conseqüências (e
quais) do que outra. Mas não faz muito sentido estudar "o que é" a marginalidade
(ou, da mesma forma, o que "é" a dependência, o que "são" as classes sociais,
etc.).
Isto não significa que temas conceituais ou teóricos fiquem excluídos. Em
geral, no entanto, estes temas assumem duas formas principais. A primeira
se refere à variação do conceito na literatura, ou entre grupos sociais
determinados. Neste caso, o que se estuda é a variação de sentido do conceito,
ou das ideologias a seu respeito. Por exemplo, a pergunta sobre o que "é"
a democracia é uma questão estritamente filosófica; mas a pergunta sobre
as diversas acepções que o conceito assume é um tema de teoria sociológica
e política. A segunda se refere ao âmbito de variação do conceito: dada
uma acepção de terminada de democracia, é possível perguntar em que medida
diversos países, e diversas épocas históricas, se aproximam ou se afastam
dela.
- É importante evitar a definição de problemas tautológicos
ou indemonstráveis, ou irrefutáveis. Tautológico seria, por exemplo fazer
um estudo para mostrar que os pobres não têm poder, ou que o Brasil é
um país dependente (não seria tautológico , no entanto, tratar de mostrar
a existência de estruturas variantes de poder no interior de populações
pobres, ou analisar a variação de dependência econômica do país nos últimos
vinte anos - de novo a questão da variação).
Irrefutável seria, por exemplo, um projeto sobre a semelhança
(ou diferença) entre homens e mulheres, sem maiores explicações sobre
a variação do conceito de igualdade (ou semelhança). Questões indemonstráveis
são aquelas que, por definição, escapam à verificação empírica - por exemplo,
as teorias conspiracionais sobre a realidade social, que são aparentemente
tanto mais "comprovadas" quanto menos dados existem (porque os bons conspiradores
jamais deixam pistas!).
Em ultima analise, questões tautológicas, indemonstráveis ou irrefutáveis
são freqüentemente questões sobre a essência das coisas, e não sua variação
(sobre o que elas "são") ou não possuem nenhuma demarcação clara sobre
seu âmbito de validade, ou nenhuma idéia sobre eventuais formas de verificação
empírica a seu respeito.
Uma vez identificado um problema válido, é importante fazer um levantamento,
ainda que ligeiro, a respeito de sua ocorrência prévia na literatura.
Este levantamento pode inclusive ajudar a colocar a questão em um melhor
foco, e descartar hipóteses e caminhos falsos- já abandonados- por pesquisas
previas. É importante que, neste trabalho, o estudante faça uma pesquisa
em fontes tais como o Current Contents, Sociological Abstracts,
International Political Science Abstracts e outras fontes, incluindo
o Índice de Ciências Sociais editado pelo IUPERJ. Esta pesquisa
deverá revelar os principais autores que já trataram do assunto, e o "estado
da arte" a respeito do tema. Aqui, a orientação do professor é essencial.
O pessoal da biblioteca pode dar uma ajuda excelente na utilização destas
fontes e na obtenção de artigos em revistas no exterior.
Definido o problema e analisada a literatura prévia, é chegada a hora de
pensar em dados.
2 - Os dados
Existe uma grande variedade de dados - quantitativos ou qualitativos, primários
ou secundários, etc. - tudo depende do projeto, do estudante e do orientador.
Falar em dados implica falar em metodologia, que varia também segundo a
natureza dos dados. Algumas idéias e sugestões importantes:
Definir com precisão a unidade de análise. A pesquisa vai se
referir a pessoas, a grupos de pessoas, a instituições, a um conjunto
de decisões? Ou a alguma combinação destes? Ou a conceitos ou "achados"
da literatura?
Dependendo da unidade de análise, qual a metodologia? Pesquisa por survey?
Análise de documentos históricos? Observação participante?
Dados primários ou secundários? É importante observar, aqui, que existe
um custo alto de coleta de dados primários, e, por outro lado, uma grande
disponibilidade de dados pouco analisa dos, no próprio IUPERJ, que podem
ser utilizados. Estes dados incluem o arquivo de elites políticas brasileiras,
dados de survey e pesquisas de tipo agregado os mais variados,
já devidamente codificados em fitas magnéticas; existem também fitas de
entrevistas e uma infinidade de outras informações; além disto, o IUPERJ
pode ajudar a conseguir dados disponíveis em outras instituições no Brasil
e no exterior. Informações a este respeito podem ser obtidas com o pessoal
de metodologia e processamento de dados do IUPERJ, assim como através
de seu orientador.
Como analisar os dados? No caso de dados quantitativos, o mestrando deve
ter uma idéia aproximada de que programas computacionais ele conhece e
pode dispor. "Pedir ajuda a um estatístico " praticamente não funciona
nunca. Por outro lado, uma conversa com os professores de metodologia
e com o pessoal de computação, durante a elaboração do projeto, pode ser
utilíssima.
3 - Dimensionamento
Ainda que não requerido, os mestrandos devem fazer um pequeno cronograma
e orçamento dos projetos, para ver se eles são realizáveis em tempo hábil
e com recursos disponíveis do mestrando. O cronograma consiste em uma listagem
de todas as tarefas que o trabalho implica (pesquisa bibliográfica, coleta
de dados, transcrição de fitas, codificação, tabulação, redação, datilografia,
etc.), um cálculo de tempo para cada uma delas, a seqüência temporal, e
a soma. O orçamento consiste em aplicar um valor financeiro a cada uma das
tarefas acima que o próprio mestrando não pode realizar - além do eventual
custo de manutenção do mestrando. Um cronograma e orçamento ajudam tanto
ao mestrando quanto ao orientador a verificarem se o projeto é realizável
ou não, e quando for o caso é muito útil para a solicitação de apoio financeiro.
Em geral, devem ser evitados projetos muito complexos, que exijam a contratação
de assistentes, codificadores, muitas viagens, etc., assim como levantamentos
de grandes quantidades de informação. Ainda que isto não seja obrigatório,
a regra geral é que os projetos de mestrado devem ser na medida do possível
artesanais, de dimensões modestas, e duração nunca superior a um ano.
4 - Outras questões
Existem algumas duvidas freqüentes sobre os projetos de dissertação que
tratamos de listar abaixo, com suas respostas:
Quanto detalhe deve ter o projeto? Isto depende, é claro, de cada
orientador. Em geral, no entanto, o importante é que o mestrando tenha uma
idéia razoavelmente clara a respeito do caminho que vai percorrer. Por exemplo,
se ele pretende fazer entrevistas, é importante dar uma idéia de quantas
pessoas serão entrevistadas, e que tipo de entrevistas serão feitas. Em
relação á parte teórica, é possível que o mestrando só disponha, no inicio,
de algumas referências básicas, que depois irá aprofundar. Em geral, os
projetos devem ser "fechados", isto é, definidos, tanto do lado da teoria
quanto do lado dos dados. Mas um projeto que estiver bem definido de um
lado pode se dar ao luxo de estar menos preciso do outro (dependendo, novamente,
do orientador).
É possível mudar o projeto no meio do caminho? Sim. É bastante
freqüente que, ao dar inicio a um projeto, o mestrando vá pouco a pouco
descobrindo outras coisas e mudando sua linha de interesse. Em principio,
um projeto totalmente novo deve ser submetido a um novo processo de avaliação,
como o primeiro. Variações sobre um projeto original podem ser combinadas
sem maiores formalidades com o orientador.
Como fica a questão da originalidade nas dissertações que fazem
parte de projetos maiores? Faz parte da política do IUPERJ estimular a realização
de dissertações junto a pesquisas maiores. O fundamental, nestes casos,
é que exista um texto redigido individualmente pelo mestrando e que seja
apresentado como sua dissertação, para depois ser incorporado, em todo ou
em parte, nos relatórios do projeto.
Que tamanho devem ter as dissertações? A média do IUPERJ tem sido
ao redor de 150 páginas, mas isto não é regra. Em princípio, devem ser favorecidas
as dissertações mais concisas, e não as prolixas.
Como escolher o orientador e com quem conversar? É possível trocar de
orientador? O orientador deve ser escolhido em função da familiaridade
que ele tenha com o tema da dissertação e com a qualidade de seu relacionamento
com o estudante. Em geral, a orientação será tanto melhor quanto o próprio
orientador estiver interessado no tema da dissertação. Converse sobre seu
trabalho com o maior numero possível de pessoas. Se você sentir que outro
professor seria um orientador melhor, troque, bastando para isso uma conversa
e uma comunicação á secretaria. Muitas vezes o estudante não troca por receio
de melindrar o orientador. Isto dificilmente acontece, e, mesmo que possa.
acontecer em alguns casos, não é problema do mestrando.
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