A Redescoberta da Cultura

O Lugar das Ciências Sociais

Simon Schwartzman

Trabalho apresentado à mesa redonda sobre "Teoria e Método e as Ciências Sociais Brasileiras da Atualidade", XIV Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, outubro de 1990, e no seminário "Cientistas Sociais Hoje", Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1990. Publicado em A Redescoberta da Cultura, EDUSP, 1997.

A "crise" recorrente das ciências sociais.

Ninguém está contente com as ciências sociais. Para uns, elas são muito teóricas, abstratas, e não contribuem para resolver os problemas do país; para outros, predomina a pobreza teórica, a falta rigor analítico, a preocupação desordenada com questões imediatistas. Existem os que se queixam da secura dos conceitos abstratos, da frieza dos números, buscado resgatar a força da sensibilidade artística e literária; outros deploram o valeudo da intuição e dos bons sentimentos. Há os que criticam o elitismo dos cursos de pós-graduação, suas teses intermináveis e incompreensíveis; e os que lamentam a massificação dos cursos de graduação, com a indigência dos currículos e a má qualidade dos estudantes. Há os que criticam o uso abusivo do inglês, o jargão tecnocrático, a proliferação das citações; e os que lamentam o provincianismo de uma ciência social que se isola em uma língua secundária, usa idéias de segunda mão sem conhecer as fontes e não dialoga com o resto do mundo.

É provável que a insatisfação seja maior hoje do que em outros tempos, e mais intensa no Brasil do que na Europa ou nos Estados Unidos. Mas é óbvio que não se trata de um fenômeno novo, nem exclusivamente nacional. As ciências sociais sempre viveram em um estado mais ou menos permanente de "crise", e discussões intermináveis sobre métodos, abordagens e discursos, combinadas com exegeses igualmente intermináveis sobre fundadores, costumam ser tomadas como indicadores do pouco amadurecimento e consolidação do campo(1). Talvez não seja possível acrescentar muita coisa a esta história, além de reafirmar nossas preferências em relação a alguns deste dilemas. Pode ser útil, no entanto, olhar com algum detalhe o contexto desta "crise", à luz das contribuições mais recentes da sociologia da ciência.

A "crise" não é só das ciências sociais.

As aspas são necessárias, pois o que parece uma crise pode muito bem ser um estado natural das coisas. As contribuições mais recentes da sociologia da ciência fazem deixar de lado as linhas claras de demarcação que antes pareciam existir entre as ciências sociais e as ciências chamadas "exatas" ou "duras", de uma forma que surpreenderia os antigos defensores da "objetividade científica". Já não é possível pensar na atividade científica como uma simples seqüência de novas descobertas, teorias ou paradigmas interpretativos, que se sucederiam uns aos outros pela força da evidência empírica e da razão. Hoje, o campo de estudos sobre a geração de conhecimentos nas ciências naturais está entulhado de expressões como "construtivismo", "contextualidade", "contingência", "indexicalidade", "oportunismo" e "fabricação", que colocam em questão tanto a visão popperiana da ciência como a busca do experimento crucial, como a descrição de Thomas S. Kuhn da ciência normal como a resolução de quebra-cabeças, interrompidos a cada tanto por revoluções paradigmáticas.

Isto não significa que tenham desaparecido as distinções entre opinião e fato, discurso e realidade, conhecimento e poder. Ainda existem remédios que curam, e falsas medicinas que matam; previsões do tempo que ajudam a agricultura, e danças da chuva; interpretações da sociedade que explicam e iluminam, e outras que apenas confortam; astronomia e astrologia. Mas o conhecimento científico se desenvolve, na descrição de Bruno Latour, pela progressiva construção de "fatos científicos" que são como caixas pretas cuja verdade ou adequação é dada como certa para os que a utilizam como ponto de partida para outros estudos, mas cuja natureza problemática pode sempre ser ressaltada quando examinadas em suas origens(2).

O exemplo de Latour é um projeto de pesquisa em biologia molecular no Instituto Pasteur em 1985, que se apóia em duas caixas pretas construídas laboriosamente anos antes, o modelo da molécula do DNA e um computador de alta qualidade. Exemplos de "caixas pretas" das ciências sociais são os tipos ideais de dominação de Weber, a polarização clássica entre comunidade e sociedade, ou, mais perto de nós, conceitos como o de modernização conservadora, regimes burocráticos autoritários ou o contraste entre cooptação e representação política. O ponto central de Latour é que o que dá ou não consistência e validade a estas caixas pretas não são tanto suas qualidades intrínsecas iniciais, mas seu uso progressivo através do tempo e do espaço, por um número cada vez maior de pessoas. Não é, como se pensava, que "when things are true they hold", mas "when things hold they start becoming true"(3).

Não se trata apenas, como os clássicos da sociologia suspeitavam, que os conhecimentos ditos "científicos" sejam influenciados pelas idéias e concepções mais gerais de seus tempos; mas o próprio processo pelo qual as verdades e os fatos científicos se estabelecem é contextual e socialmente situado, e segue uma lógica de disputa e negociação que não permite fronteiras claras entre o que seriam argumentos científicos e os de outra natureza(4). Como observa Karin Knorr, "o argumento não é que os cientistas naturais e da tecnologia se comportam como qualquer outra pessoa quando conversam com seus pares ou brigam com seus superiores na hierarquia organizacional, mas que seus métodos e procedimentos são tão próximos daqueles das ciências sociais que se pode duvidar das distinções comumente feitas entre as duas ciências". "Um aspecto da distinção entre as duas ciências que merece consideração é a questão de se a prática das ciências naturais e tecnológicas podem ser distinguidas da prática simbólica, interpretativa e 'hermenêutica' das ciências sociais, e da própria vida social. Eu sustento que não podem"(5).

Não caberia aqui reproduzir as enormes repercussões que este questionamento dos modelos tradicionais da racionalidade científica têm tido, desde as tentativas de desqualificar as contribuições da sociologia da ciência como epistemologicamente inconseqüentes, até, no extremo oposto, a desenvolvimento de perspectivas extremamente cínicas, ou pragmáticas, a respeito da natureza do trabalho de pesquisa científica. Não faltam os que, nestes tempos de glorificação da prática empresarial e dos lucros do capitalismo, se valem destes questionamentos para se desfazer de vez das ilusões da ciência acadêmica, seja ela social ou natural, e buscar uma "ciência de resultados": tirar o dinheiro de pesquisa das universidades e colocar nas mãos da indústria, deixar que as belas artes e as ciências sociais encontrem seu espaço na disputa dos mercados de consumo, colocar os pesquisadores a serviço dos problemas do dia a dia de seu país, de sua região, de seu bairro, da favela ao lado. Seria a substituição da ciência autônoma seja pela política científica (ou pela política tout court), seja pela inclemência do mercado; de qualquer forma, a abolição do luxo da autonomia, que muitos consideram incompatível com a escassez de nossos recursos(6).

Ainda bem que só começamos a descobrir estas coisas por agora, quando elas já foram tentadas e começaram a entrar em descrédito em outras partes do mundo. Uma visão crítica das tentativas européias de orientar a atividade científica desta forma conclui com a seguinte afirmação:
Underlying many of these policies has been a simplistic belief that well-defined pieces of knowledge can be straightforwardly requested and subsequently fed into a streamlined planning machinery. A large number of studies of processes of knowledge utilization have made it abundantly clear that this conception presents at best an oversimplified and distorted figure(7).
A resposta a estas dificuldades da ciência dirigida de fora não poderia ser uma simples volta à noção da pesquisa científica como um puro mercado de idéias e um espaço para o desenvolvimento autônomo do saber desencarnado. O que se pretende assinalar, ao questionar as ambições exageradas da política científica, é a tendência a substituir o simplismo da ciência livre, que funcionou durante muito tempo pelo menos como ideologia de justificação da liberdade e autonomia da vida acadêmica, pelo simplismo do planejamento e da sobredeterminação política e econômica do trabalho científico.

Na realidade, as ciências não vivem nem de uma maneira nem de outra, mas das duas ao mesmo tempo. A atividade científica se dá por uma negociação contínua entre pessoas de carne e osso sobre critérios de relevância, critérios de prova e de verdade, recursos financeiros e autoridade de decidir quem deve ou pode fazer o quê. O equívoco de muitas das tentativas de pensar a ciência a partir da política ou da economia, ou de conduzí-la por decisões externas, é não entender que a política se exerce no interior na própria atividade científica, durante sua própria elaboração, de forma inseparável do processo de construção das tradições de trabalho, práticas empíricas e consolidação de resultados, e não por cima, por fora ou em substituição a estes processos.

Além destes processos por assim dizer "internos" ao campo científico existem também, continuamente, negociações entre as comunidades científicas e o ambiente externo que lhes dá suporte. Os cientistas negociam por dinheiro, autonomia, liberdade e não interferência, e prometem em troca feitos tecnológicos, saúde, poder, riqueza. Muitas vezes é uma negociação de má fé, os políticos apoiando os cientistas pelo prestígio, os cientistas prometendo coisas que sabem que não podem dar. Muitas vezes os participantes acreditam nas próprias mentiras, ou nas próprias ilusões. Na maioria dos casos, no entanto, é uma negociação legítima, em que cada parte oferece aquilo que realmente tem, e recebe, pelo menos em parte, algo do que precisa. Estes dois níveis, para complicar ainda mais as coisas, são relativamente estanques. A respeitabilidade, o prestígio e o apoio que as comunidades científicas recebem depende em grande parte, paradoxalmente, de sua capacidade de manter os processos internos de decisão protegidos da interferência externa. Uma boa parte da negociação política entre as comunidades científicas e o meio externo, e das negociações dentro das comunidades, é gasta no esforço de preservação de suas fronteiras.

O que é específico das ciências sociais

Negar a existência de uma barreira de demarcação entre as ciências naturais e sociais não significa dizer que elas são idênticas. Uma das coisas que diferenciam mais claramente as ciências exatas e naturais das sociais é a natureza cambiante do campo em que estas se desenvolvem, ou seja, dos interlocutores com os quais os pesquisadores e cientistas normalmente dialogam. O quadro na página seguinte é uma tentativa de visualizar estas diferenças. As ciências naturais contemporâneas lograram se desenvolver em campos de diálogo relativamente fechados, e por isto puderam criar suas próprias linguagens, com os supostos implícitos, vocabulários, hierarquias e regras de retórica e demonstração próprias de cada campo. Por muito tempo a sociedade se contentou em respeitar e admirar os cientistas, e esperar com paciência as benesses de suas descobertas. Uma novidade importante dos últimos anos, que abalou esta auto-proteção das ciências exatas e biológicas, foram as controvérsias sobre temas como os efeitos do fumo, os índices de contaminação de alimentos, a segurança dos diferentes tipos de energia, ou a responsabilidade jurídica dos médicos pelos erros técnicos que possam cometer. Em todos estes casos as fronteiras entre o "leigo" e o "especialista" tendem a se dissolver, e deixa de ser possível resolver as questões pelos procedimentos tradicionais de disputa e conciliação "técnica", intra-muros.

O contexto institucional das ciências naturais e sociais
  ciências naturais naturais sociais
na origem das concepções científicas, imagens leigas normalmente inexistem existem
a autonomia institucional é alta baixa
no estágio de elaboração das concepções científicas imagens leigas normalmente inexistem existem
demandas externas ocorrem raramente frequentemente
instituições intermediárias são ontornadas raramente frequentemente
demandas externas tendem a convergir divergir
no estágio de difusão e aplicação de concepções científicas imagens leigas normalmente inexistem existem
instituições "missionárias" existem inexistem
os interesses dos consumidores e rodutores de ciência "pura"estão em harmonia conflito
Fonte: adaptado de Cornelis J. Lammers, "Mono- and poly-paradigmatic developments in natural and social sciences", in R. Whitley, ed., Social Processes of Scientific Development, London, Routlegde & Kegan Paul, 1974, p. 140.

Isto não é novidade para as ciências sociais e humanas, que sempre tiveram um "público externo" mais invasivo, por um lado, e um "público interno" muito mais restrito e menos consolidado por outro. As caixas pretas que os cientistas naturais produzem são muitas vezes, literalmente, caixas (como os computadores), ou modelos e fórmulas complexas sustentados por um tal número de evidências e corroborações que se tornam quase inexpugnáveis a ataques e reexames. Os cientistas sociais conseguem, no máximo, lançar alguns conceitos que adquirem densidade por sua adoção por outros autores, mas que estão sempre em processo de reexame. Qualquer pessoa se sente no direito de discutir e mostrar seus conhecimentos sobre política, sociologia, educação e até mesmo economia, mas tende a respeitar a química e a geologia. Nas ciências naturais é anátema, e leva ao ostracismo, buscar apoios na grande imprensa e na opinião pública nas controvérsias acadêmicas; nas ciências sociais as próprias hierarquias internas de prestígio e autoridade são constituídas externamente, e as controvérsias, mesmo quando revestidas de um linguajar científico e técnico, não passam muitas vezes de uma teatralização de conflitos que se dão em outro plano, e que por isto mesmo não teriam como ser resolvidas no cenário em que se apresentam. É o que costuma ocorrer, na descrição de um observador, no tabernáculo da sociologia científica, que deveria ser a Seção de Teoria da American Sociological Association:
debates not only interminable, but understood to be inevitably so; conclusions drawn logically from premises, themselves drawn non-logically, and thus incommensurable; the appeal to objective standards of rationality, in the most shrill and assertive manner; and the constant (if implicit) claim to speak for some distinguished intellectual tradition, of which mere fragments and vestiges survive(8).
A interpenetração do "interno" e do "externo" nas ciências sociais e nas humanidades tem raízes profundas no continente europeu. O marxismo nunca reconheceu a separação destes níveis a não ser como alienação, e suas verdades "científicas" sempre dependeram de validações político-partidárias e institucionais. A tentativa de Weber em traçar a linha divisória entre as vocações da ciência e da política não pode ser entendida fora do contexto do papel público que o intelectual alemão, ele inclusive, desempenhava. Na França, a debilidade da comunidade acadêmica nas ciências humanas do pós-guerra se combinou com o esnobismo do intelectual parisiense para gerar uma linhagem de autores incompreensíveis em sociologia, filosofia e crítica literária; que até hoje desfilam incólumes os leitores bestializados. Nos Estados Unidos, até quem sabe 1968, foi possível tentar desenvolver uma ciência social que copiava o estilo e as práticas de isolamento e auto-referência das ciências naturais, e aspirava a chegar um dia a níveis semelhantes de reconhecimento e impacto. Aos poucos, no entanto, a penetração do mundo externo foi se tornando inevitável, pelo fim da expansão do sistema universitário e pela pressão dos novos movimentos sociais, da moda das revistas literárias, da lógica implacável do mercado de best-sellers, das boas intenções das fundações financiadoras, e do prestígio dos convites das universidades européias. Nesta avalanche, antigas reputações foram esquecidas, novos valores surgiram como que do nada, os philosophes franceses foram descobertos com algumas décadas de atraso, e até nossa velha teoria da dependência teve seus dias de glória.

As ciências sociais não teriam muitas condições de se desenvolver como tradições de trabalho minimamente estruturadas nestes países se elas não estivessem firmemente ancoradas, em todos os casos, nos respectivos sistemas universitários. De fato, a principal forma de profissionalização das ciências sociais, em todo o mundo, são as atividades de magistério. As melhores tradições das ciências sociais francesas se desenvolveram em boa parte dentro da École Normale, e a formação de professores para os colleges sempre foi a principal função dos programas de pós-graduação em ciências sociais nos Estados Unidos. A criação das primeiras faculdades de filosofia no Brasil seguiu a mesma lógica, que levou mais tarde à criação de cursos de pós-graduação em ciências sociais, quando doutorados e mestrados passaram a ser exigidos para as carreiras de magistério superior.

É interessante indagar como foi possível estabelecer tradições de trabalho criativas e inovadoras a partir de um mercado de trabalho como este, que necessita sobretudo da transmissão ordenada de conhecimentos já cristalizados, como cultura geral, a alunos iniciantes. O que ocorreu em muitos países foi que as universidades começaram a disputar professores, e estes a disputar recursos, em função do prestígio e reconhecimento que adquiriam nos ambientes científicos e, para os cientistas sociais europeus, na sociedade "culta" como um todo, e não somente entre seus alunos. Este prestígio derivava em parte do lugar que os cursos de ciências sociais e humanidades ocupavam nas diferentes sociedades. Tanto na Alemanha quanto na Inglaterra a filosofia, o direito e a educação clássica ocupavam até recentemente um lugar central na formação das elites políticas e administrativas dos respectivos países(9). O quadro na França foi diferente, com a ascensão dos engenheiros às posições de liderança na administração do Estado e a transformação do sistema educacional em uma grande burocracia, o que talvez ajude a entender o deslocamento de seus cientistas sociais para uma posição de intelectual com aspirações literárias e políticas, fora do Estado mas com grande penetração no sistema universitário, no modelo de Jean-Paul Sartre. A conclusão é que, sem uma forte âncora no sistema universitário, as ciências sociais se perdem nas solicitações e oscilações da moda; mas sem reconhecimento e prestígio fora do sistema educacional, elas correm o risco de se esgotar na esterilidade da rotina pedagógica do dia a dia. Estas duas condições parecem ter existido, ainda que de forma distinta, nestes três países.

O que nos é próprio

O que talvez mais distinga as ciências sociais em um contexto como o brasileiro é a exigüidade de seu campo de atuação, e a debilidade de seus vínculos com o sistema universitário. As ciências sociais mais tradicionais, a história e a geografia, se expandiram a partir dos anos 40 para atender ao magistério de nível médio, dentro de uma tradição francesa que não conseguiu se renovar antes de sucumbir à deterioração dramática que sofreu o ensino secundário no país(10). As ciências sociais em sentido mais estrito se desenvolveram ao redor de pequenos grupos ou personalidades para as quais o campo educacional e universitário, e a função educativa, nunca foi o mais importante, ou o mais significativo. Mesmo na Universidade de São Paulo, a primeira universidade brasileira a implantar as ciências sociais, os "role models" que mais atraíam os alunos eram os de Antônio Cândido, intelectual polivalente e avesso aos rótulos departamentais, e os dos intelectuais politizados e marxistas do famoso "grupo do Capital". Hoje a maioria dos cientistas sociais brasileiros mais conhecidos ensinam em universidades, mas preferem desenvolver suas pesquisas em institutos privados, e dificilmente entram em contato com os alunos dos cursos de graduação.

O espaço que este grupo restrito de cientistas sociais encontrou foi dado sobretudo pela imprensa diária, pelos partidos políticos mais militantes, e pelas editoras que publicam para o leitor mais intelectualizado. Uma conseqüência importante desta situação foi a restrição de suas temáticas e formas de trabalhar e escrever. As ciências sociais (como, aliás, a maioria dos campos de conhecimento) não tendem à convergência em um paradigma único, e sim à divergência e diversificação progressivas. No entanto, o campo externo exerce pressão no sentido de uma forte estratificação da área ao redor de um pequeno número de "estrelas", e da concentração das questões em um número também limitado de temas e alternativas de discussão. Isto dificulta, por exemplo, uma ciência social que requeira o uso de técnicas quantitativas mais complexas, ou o manejo de uma literatura internacional de menos visibilidade, como por exemplo os autores citados neste artigo(11). Fica difícil fazer um debate adequado sobre um tema qualquer em um simpósio acadêmico quando os resultados da discussão são aferidos seja pela sua maior ou menor afinidade às teses de um partido político determinado, seja pelo que os jornalistas de Veja, da Folha de São Paulo ou do suplemento de domingo do Jornal do Brasil conseguem ou querem entender, ou acham que seus leitores querem ler.

Este é um preço a pagar pelo papel de intelligentsia que os cientistas sociais desempenham. Pior seria que ninguém se importasse com o que eles dizem. Não se trata, pois, de abandonar este papel em nome de um comportamento mais "científico", e sim de tentar desempenhar este papel de forma cada vez melhor, e, ao mesmo tempo, ampliar as bases de profissionalização das ciências sociais, de tal maneira que haja espaço para outros papéis e outras questões, de natureza mais técnica e especializada. Minha sugestão é que, tal como em outros países, este espaço depende fundamentalmente do papel que as ciências sociais desempenham, ou podem vir a desempenhar, em relação à educação superior, que deve ser urgentemente revisto.

O ponto de partida deste reexame são os dados mais gerais sobre as carreiras de ciências sociais no Brasil, que podem ser vistos no quadro abaixo:

Características das carreiras superiores no Brasil com mais de 5.000 matrículas
Cursos Noturnos (80% ou mais): Mulheres Ingressantes (80% ou mais): Cursos com muitos candidatos (mais de 8 por vaga): Cursos com muitas desistências (40% ou menos de formados por ingressantes)1:
Ciências Contábeis, Estudos Sociais, Administração, Ciências (licenciaturas). Serviço Social, Pedagogia, Fonoaudiologia, Nutrição, Enfermagem, Letras, Psicologia, Educação Artística, Ciências Sociais Medicina, Odontologia, Veterinária, Computação, Direito Matemática, Física, Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Filosofia, Fisioterapia, Turismo
1 Exclui ciência da computação e processamento de dados, cursos criados em sua maioria depois de 1980.

Este quadro mostra a existência de dois conjuntos principais de carreiras na área social, as profissionalizantes noturnas, na primeira coluna, com um número relativamente alto de homens, e as de ciências sociais, pedagogia, letras e artes, predominantemente femininas (junto com as de serviços sociais e de saúde), com números menores de estudantes noturnos. O primeiro grupo de carreiras tem como característica principal a busca de uma profissão, enquanto que uma boa parte das carreiras do segundo grupo (exceto, naturalmente, os da área de saúde), tem como objetivo principal a formação geral do estudante, e eventualmente uma profissionalização no magistério secundário. Para quase todos os estudantes, trata-se de uma segunda escolha, imposta pela impossibilidade de conseguir a primeira, que seriam os cursos diurnos das profissões mais tradicionais(12). Nenhuma carreira da área social está entre as mais concorridas em termos de candidatos por vaga, exceto a de direito, que no entanto tem cerca de 70% de suas matrículas em cursos noturnos. As carreiras de ciências sociais estão entre as mais ineficientes, em termos da taxa de formados por alunos ingressantes. Em termos absolutos, as carreiras de administração, direito, pedagogia e letras têm cada uma mais de cem mil alunos matriculados, perfazendo um terço do total de matrículas em cursos superiores no Brasil (a carreira de administração é a maior de todas, com 160 mil estudantes, seguida da de direito; as engenharias ocupam o terceiro lugar, com 130 mil, e as ciências contábeis e econômicas ocupam o sexto e o sétimo lugares, com 89 e 68 mil estudantes respectivamente).

Esta massa de estudantes, inscritos em cursos com altas taxas de deserção e profissionalização duvidosa, tem uma origem social claramente menos privilegiada do que aqueles que buscam as profissões mais competitivas nas universidades públicas e diurnas. Os estudantes chegam à universidade com escolarização deficiente, e se matriculam em instituições que pagam mal e não dão condições mínimas de trabalho aos professores, ou nos departamentos mais problemáticos das universidades públicas. O clima de desmotivação que predomina nestes departamentos e escolas explica em boa parte por quê os professores que podem procuram se refugiar nas pós-graduações.

E no entanto, proporcionar a este meio milhão de estudantes uma educação minimamente adequada seria o grande desafio para as ciências sociais brasileiras. Para que este desafio seja enfrentado, não basta que os professores e pesquisadores dos cursos de pós-graduação se disponham a ensinar nos cursos de graduação, como já ocorre algumas de nossas universidades; é necessário ir muito mais além, a começar pelo questionamento da noção cômoda, mas equivocada, de que o conteúdo a ser ensinado nos cursos de graduação deve decorrer naturalmente dos interesses e preocupações dos pesquisadores e professores dos mestrados e doutorados(13).

A outra pré-concepção a ser superada é a de que estes cursos de graduação em ciências e profissões sociais constituem uma aberração do sistema de ensino superior brasileiro, que deveria concentrar esforços nas carreiras técnicas e científicas. A realidade é que as ciências humanas e sociais ocupam uma parte preponderante de todos os sistemas de ensino superior em qualquer parte do mundo, pela simples razão de que o número de atividades profissionais que requerem o uso adequado da língua e conhecimentos gerais sobre a sociedade e o mundo contemporâneo são muito maiores do que as que requerem conhecimentos especializados e técnicos. Se os cientistas sociais não tratarem de atender a este público, ninguém o fará.

A primeira coisa que os alunos deste curso necessitam, e que os cientistas sociais deveriam tratar de atender, é de materiais didáticos adequados e orientados para a formação geral sobre a realidade brasileira e internacional contemporâneas. Abastecer este meio milhão de pessoas de livros e materiais didáticos adequados é um empreendimento que exigiria uma aliança e colaboração estreita entre cientistas sociais e empresas editoriais(14). As deficiências de formação que estes estudantes normalmente têm requereria um extremo cuidado na preparação dos materiais, e possivelmente também a utilização de outros meios de divulgação além do texto escrito.

Uma outra necessidade fundamental se refere ao tipo de conhecimentos e informações básicas que são dadas aos estudantes dos cursos profissionalizantes. O sistema departamental implantado pela reforma de 1968 levou os cursos superiores a uma situação em que os professores das chamadas disciplinas "básicas" ensinam segundo sua orientação disciplinar, e não em termos das necessidades dos cursos que os alunos estejam seguindo. A conseqüência prática tem sido que a maioria destes cursos são dados de forma dissociada dos interesses e motivações dos estudantes, terminando por se burocratizar e ritualizar, tanto no comportamento dos professores quanto no dos alunos. A solução para este problema não seria voltar ao sistema antigo, em que advogados davam sociologia para estudantes de direito, e engenheiros ensinavam física para os estudantes de engenharia. O argumento de que ninguém é melhor do que o especialista para ensinar sua disciplina, que presidiu a reforma de 1968, é sem dúvida correto, mas incompleto: é necessário que este especialista, além de conhecer bem sua matéria, faça um investimento considerável para entender as necessidades e possibilidades de aprendizagem de seus alunos, assim como as características mais gerais dos cursos em que ensinam.

A terceira necessidade se refere ao próprio conteúdo das carreiras profissionalizantes em ciências sociais: administração, serviço social, direito, pedagogia, comunicações e outras. Uma das causas da debilidade destes cursos, que atinge tanto o nível de graduação quanto de pós-graduação, é que estas carreiras, constituídas a partir de projetos educacionais extremamente pragmáticos, quase não têm tradições acadêmicas e disciplinares próprias. Elas são como híbridos que não conseguem se reproduzir, apesar do esforço que fazem muitas vezes em repetir os rituais acadêmicos das disciplinas mais consolidadas (congressos, revistas especializadas, projetos e linhas de pesquisa, programas de pós-graduação, e assim por diante). Não se trata, mais uma vez, de um problema tipicamente brasileiro. Derek Bok, que deixou recentemente a direção de Harvard University, mostrou como este problema também existe nas "business schools" americanas, que são uma das carreiras mais demandadas e prestigiadas nos Estados Unidos. O que ele mostra é que nos cursos de "business" mais bem sucedidos coexistem dois tipos muito distintos de professores: as pessoas de "business" propriamente ditas, envolvidas com consultorias, transitando entre o setor acadêmico e o das empresas, e dando aos alunos o sentido prático e aplicado de suas profissões; e os cientistas sociais, responsáveis pelo trabalho de pesquisa e pela garantia da qualidade acadêmica e intelectual dos cursos(15). Não se trata, somente, de ter cientistas sociais dando aulas sobre seus temas nos cursos profissionais; o crucial é a incorporação dos temas dos cursos aplicados na agenda central de trabalho dos cientistas sociais mais capacitados, ampliando assim sua temática e seu envolvimento em temas considerados normalmente fora de sua especialidade.

Seria ingênuo acreditar que esta incorporação da missão universitária às ciências sociais possa ser fácil. Existem obstáculos de todo o tipo, que incluem as limitações de formação dos cientistas sociais, o preconceito contra as áreas mais aplicadas, e a própria resistência de outras disciplinas a uma tentativa de invasão de seu terreno por sociólogos, antropólogos e cientistas políticos. Não são, no entanto, obstáculos insuperáveis.

Além do trabalho acadêmico, os cientistas sociais muitas vezes tratam de se apresentar como profissionais liberais como outros, capazes de vender ao público serviços equivalentes, em sua utilidade, aos que são vendidos por médicos ou engenheiros. As associações profissionais de sociólogos lutaram muito tempo pela regulamentação da profissão, e existe hoje, em São Paulo, um sindicato de sociólogos com várias centenas de filiados. Sabemos perfeitamente, no entanto, que as ciências sociais não constituiram tradições de trabalho aplicado, prático e profissional, e que as pretensões de constituir uma ciência de "políticas públicas", ou da ação social, nunca foram muito longe. A questão do uso da pesquisa social por governos e empresas tem sido bastante estudada, e o que se nota é que pesquisas são contratadas por muitas razões (legitimação de políticas, cooptação dos cientistas sociais, busca de fortalecimento de determinados setores em lutas interburocráticas. etc), das quais o uso efetivo dos resultados obtidos nem sempre é a mais importante. Não há dúvida que alguns cientistas sociais foram capazes de desenvolver competências de grande aceitação junto ao setor privado, como por exemplo na área de pesquisas de opinião pública e propaganda, enquanto outros se tornaram consultores disputados e bem pagos de grandes firmas nacionais e internacionais. Mas, aqui como no exterior, é difícil imaginar que este tipo de atividades venha a constituir o cerne do trabalho do cientista social, que é sobretudo de natureza acadêmica, e por isto mesmo universitária.

E os conteúdos?

Em Science in Action, Bruno Latour cria um personagem, João Dellacruz, que trabalha durante oito anos em São Paulo no desenvolvimento de um novo microprocessador eletrônico, graças a um projeto conjunto entre a indústria, os militares e a universidade. "Por um ano ou dois eles acreditavam que seriam o centro de um grande movimento nacionalista de criação de um computador 100% brasileiro. Sua oficina seria o ponto de passagem obrigatório para técnicos, estudantes, militares e especialistas em eletrônica da indústria. 'Quem controla os microprocessadores', dizia, 'reinará na indústria de computadores'. Infelizmente, eles eram os únicos que estavam convencidos desta ordem de prioridades. Os militares vacilaram, e nenhuma limitação foi imposta à importação de microprocessadores mas somente à importação de computadores. O laboratório de João deixou de ser o centro de um possível empreendimento industrial". No final da história o pobre João, que chegou a ir para um doutorado na Bélgica com uma bolsa de estudos, carrega seus microprocessadores já obsoletos de um lado para outro, sem ter quem se interesse por eles. As fábricas de computadores importam componentes do Japão, e seus colegas de especialidade em outras partes do mundo estão dez anos e muitos milhões de dólares à sua frente. Sem estímulos, sua tese ficou sem concluir, seus projetos de pesquisa não conseguem financiamento, e João vai pouco a pouco abandonando suas atividades de pesquisa. "Seus papers são cada vez menos técnicos agora ele só escreve para revistas de divulgação, e seus argumentos são cada vez mais débeis e evita discussões com especialistas do exterior"(16).

A moral desta fábula tão nossa conhecida é que, sem estímulos externos, o conteúdo de uma atividade de pesquisa tende a minguar cada vez mais, até desaparecer. "A primeira lição a ser tirada deste exemplo desafortunado é que existe uma relação direta entre o tamanho do recrutamento externo de recursos e a quantidade de trabalho que pode ser feita no lado de dentro. Quando menos as pessoas estão interessadas na oficina de João, menos ele sabe e aprende. Assim, ao invés de tentar outros objetos que poderiam manter unidos os grupos interessados em seu trabalho, João se encolhe e sai de seu laboratório de mãos vazias".

É patético ver João continuar trabalhando em seus processadores que ninguém quer, com equipamentos que ninguém mais usa, com cada vez menos esperanças de completar a tese que ninguém vai ler. As ciências sociais brasileiras, se não assumirem papéis socialmente significativos, terão um destino parecido com o de João. Só faz sentido, me parece, discutir que metodologia vamos utilizar, se as teorias da "rational choice" dão ou não conta dos comportamentos eleitorais, ou se a hermenêutica ilumina o (con)texto do discurso, se pudermos fazê-lo em tendo em vista a questão dos lugares e papéis que as ciências sociais deverão e poderão ocupar em nossa sociedade. As disputas acadêmicas que as vezes surgem em nosso meio, quando não são meros exercícios de floreio verbal, refletem maneiras contrastantes de entender estes papéis, e de como levá-los adiante.

Para Latour, se o trabalho de João se tornasse mais relevante para a sociedade, ele terminaria sua tese, teria mais estímulos e recursos para aperfeiçoar seus microprocessadores, teria colegas com quem conversar e trocar experiências e informações, e seu trabalho se tornaria cada vez mais técnico, especializado e incompreensível para os leigos. Não seria difícil inventar exemplos aparentemente opostos nas ciências sociais: como o caso de Roberto, cuja tese de mestrado caiu nas boas graças do editor do Caderno de Domingo da Folha de São Paulo, foi entrevistado nas páginas amarelas de Veja, trocou rapidamente a sociologia por uma candidatura a Deputado Federal pelo PDT, e jamais voltará para a academia.

O próprio João, na realidade, poderia muito bem conseguir uma coluna de divulgação científica nos jornais, e se candidatar a deputado defendendo a reserva de mercado para a informática (ainda que possivelmente não conseguisse muitos votos). A diferença entre João e Roberto é que João sabe da existência de um campo especializado ao qual poderia contribuir, sem o qual seu papel social e político perderia qualquer importância; Roberto nunca esteve realmente convencido que as ciências sociais constituem um campo de conhecimento próprio e especializado, e aproveita a primeira oportunidade para assumir outros papéis.

Não basta, pois, que o trabalho de Roberto seja apreciado e elogiado; é necessário que seu trabalho se torne reconhecido e necessário enquanto trabalho especializado, para que algo que mereça o nome de ciência social possa existir. A natureza deste trabalho nunca será idêntica ao que seria o de João. Suas caixas pretas serão menos opacas, a fluidez entre o trabalho "para dentro" e "para fora" da disciplina será maior, e a figura do pesquisador e cientista tenderá a se complementar com a do scholar e escritor. Quando existir esta multiplicidade de papéis, ou sejam, quando existirem Robertos que não precisem do estrelato e da política para se envolverem intensamente com os conteúdos de suas disciplinas, participando de uma comunidade real e efetiva de produção de conhecimentos, então quem sabe as questões de substância de sua disciplina comecem a adquirir densidade, significação e realidade.



Notas

1. O locus clássico desta visão é Robert K. Merton, " On Sociological Theories of Middle Range", em On Theoretical Sociology, New York, Free Press, 1972.

2. Bruno Latour, Science in Action, Harvard, 1987.

3. B. Latour, p. 12.

4. Na reconstituição da disputa pela prioridade na elaboração do modelo da molécula do DNA, Latour mostra como, "to decide whether they are still in the game Watson and Crick have to evaluate simultaneously Linus Pauling' reputation, common chemistry, the tone of the paper, the level of Cal Tech's students; they have to decide if a revolution is under way, in which case they have been beaten off, of if an enormous blunder has been committed, in which case they have to rush still faster because Pauling will not be long in picking it up" (Latour, p. 6). Uma descrição muito distinta do que seria uma simples aplicação da racionalidade científica!

5. Karin Knorr-Cetina, The Manufacture of Knowledge - An Essay on the Constructivist and Contextual Nature of Science , Pergamon Press, 1981, p. 137.

6. A proposta de colocar a ciência ao inteiro serviço da economia teve início na União Soviética, e encontrou grande repercussão no período pré-guerra entre os intelectuais esquerdistas da Inglaterra, liderados por J. D. Bernal. O tema foi retomado mais recentemente na Europa, na tradição marxista, pela controvérsia gerada pela teoria da "finalização", segundo a qual os conhecimentos científicos passariam por diferentes estágios, o último dos quais caracterizado pela sua maleabilidade em função de demandas externas. Veja, entre outras referências, G. Bohme e outros, "Finalization of Science", Social Science Information, XV, 306 - 330; W. van den Daele, "The Political Direction of Scientific Development", em E. Mendelsohon, ed, The Social Production of Scientific Knowledge, Dordrecht: Reidel, 1977; e A. Rip, "A Cognitive Approach to Science Policy", Research Policy 10, 1981, 294 - 311. Proposta semelhante ocorre também entre economistas de corte liberal, que só conseguem enxergar o complexo "pesquisa e desenvolvimento" como um fator de produção integrado.

7. Björn Wittrock, "Useful Science and Science Openness", em M. Gibbons e B. Wittrock, eds., Science as a Commodity Threats to the Open Community of Scholars, Essex: Longman, 1985, p. 163. Ver também B. Wittrock, "Social Knowledge, Public Policy and Social Betterment: a review of current research on knowledge utilization in policy-making", European Journal of Political Research 10, 1, 83-89; e T. Hausén e M. Kogan, eds., Educational Research and Policy: How do they relate?, Oxford, Pergamon Press, 1984.

8. Robert A. Jones, "On Merton's 'History' and 'Systematics' of Sociological Theory", in Loren Graham, Wolf Lepenies and Peter Weingart, Functions and Uses of Disciplinary Histories, Reidel, Sociology of Sciences Yearbook, 1983, p. 136.

9. Veja S. Rothblatt, The Revolution of the Dons: Cambridge and Society in Victorian England. New York, Basic Books, 1968; e Fritz K. Ringer, The Decline of the German Mandarins -- The German Academic Community, 1890-1933, Cambridge, Harvard University Press, 1973. A importância da competição entre universidades por professores na constituição do sistema de ensino superior na Alemanha, e posteriormente nos Estados Unidos, foi enfatizada por Joseph Ben-David em "The Universities and the Growth of Science in Germany and the United States", Minerva 7 (1968-9), 1-35; e Centers of Learning: Britain, France, Germany United States, An Essay prepared for the Carnegie Commission on Higher Education, New York, McGraw Hill, 1977.

10. O caso mais dramático talvez seja o da geografia, disciplina que muitos consideram ter perdido sua identidade própria ao se subdividir em uma série de áreas independentes e bem constituídas - economia regional, demografia, geociências - mas que ainda persiste como curso superior, e até mesmo com suas pós-graduações, em função de sua permanência no ensino secundário. Algo semelhante, ainda que de forma menos marcante, ocorreu com os cursos de história, cuja identidade acadêmica foi mais preservada, mas que encontram ainda grandes dificuldades em redefinir seus papéis. O melhor exemplo nas ciências naturais talvez seja a "história natural", que não permaneceu nos currículos do ensino secundário, e da qual só resta, aparentemente, a carreira de "naturalista" em nossos museus.

11. Não é que a exposição aos meios de comunicação de massas leve necessariamente a um estilo de trabalho "digestivo" e simplificado, na linha do Reader's Digest americano. A cultura de massas gera também sua contra-cultura, que adota muitas vezes o incompreensível e o absurdo e o mágico como símbolos de reação ao establishment dominante. Este culto ao incompreensível vem acompanhando de há muito as artes plásticas contemporâneas, e suas manifestações mais recentes em nosso meio incluem deste o extraordinário sucesso editorial de Humberto Eco até a voga tardia da psicoanálise lacaniana. Nos dois extremos, o que não existe é a possibilidade do uso mais intenso, sistemático e complexo do raciocínio e da persuasão. As afinidades entre a fascinação pelo obscuro e o obscurantismo propriamente dito, que se manifesta na grande voga da literatura do ocultismo, ainda estão por ser estabelecidas.

12. Trata-se evidentemente de uma suposição, na falta de dados mais precisos. Os estudos de Sérgio Costa Ribeiro sobre candidatos ao vestibular mostram que os estudantes tendem a se auto-selecionar para as carreiras às quais podem ser admitidos, e evitam os vestibulares para os quais não têm maiores chances, o que não significa que estejam contentes com as opções que fazem.

13. Este tema faz parte da discussão sobre o dogma da "indissolubilidade entre o ensino e a pesquisa", incorporado à reforma universitária brasileira de 1968. Ele tem sido tratado no exterior como a questão da "research connection", cujo aspecto problemático é cada vez mais evidente. Em um texto recente pode-se ler que "the commonest definition of a research connection seems to be for instruction to incorporate training in scientific methods. But anybody setting out to construct a course of scientific method for a subject having no natural connection with research can expect to run into difficulties. There are not just one scientific method, there are many, and they vary from one research field to another. But the diversity of methods is not the biggest difficulty. it is more serious if methods are taught without any problems to refer to". Stefan Björklund, The Research Connection, Estocolomo, NBUC, Studies of Higher Education and Research, 1990:1, p. 2.

14. O Brasil teve uma experiência importante desta associação nos anos 70, quando a Editora Abril publicou inúmeras séries de fascículos de muito boa qualidade sobre os mais variados assuntos, escritos por autores recrutados nas Universidades, e que eram vendidos aos milhões em bancas de jornal por todo o país. Uma explicação deste sucesso, que não voltou a se repetir, é que este projeto editorial abriu para muitas pessoas uma alternativa de trabalho ao clima repressivo que reinava nas universidades naqueles anos. Com a abertura política, esta motivação teria desaparecido.

15. Derek Bok, Higher Learning, Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1986 (há tradução brasileira).

16. Science in Action, p. 150-152. A tradução é minha.