
Minas Gerais
e sua única opção possível
Simon Schwartzman
Comentário ao livro de John Wirth, Minas Gerais
and the Brazilian Federation, 1889-1937. Stanford University Press,
1977, publicado em Isto É, 21 de junho de 1978
Trabalhos como o de Joseph L. Love sobre São Paulo e Robert L. Levine
sobre Pernambuco refletem a recente tendência entre historiadores
e cientistas sociais norteamericanos de deixar de olhar o Brasil
como um todo e tratar de caracterizar as diversas sub-unidades regionais
que compõem o país. Minas Gerais and the Brazilian Federation,
de John D. Wirth, completa esta trilogia sobre nossa história social
e política; e a estes três livros devem ser acrescentados, pelo menos,
os trabalhos de Joseph L. Love sobre o Rio Grande do Sul (Rio
Grande do Sul and Brazilian Regionalism, publicado aqui em 1976
pela Editora Perspectiva), o de Warren Dean sobre São Paulo (A
Industrialização de São Paulo, DIFEL) e a tese de doutoramento,
ainda não publicada, de Aspásia Camargo (Brésil Nordest: Mouvements
Paysans et Crise Populiste, Universidade de Paris, 1973).
O período coberto pelo livro de Wirth corresponde ao ponto alto da descentralização
política da história brasileira e também ao período de concentração progressiva
do poder que culmina com o golpe de Estado de 1937. Estes diversos livros tratam
das características peculiares de cada Estado, mas sem perder de vista o objetivo
mais geral, que é o de entender melhor a história brasileira através da interação
entre suas diversas regiões. Em seu conjunto, eles recuperam a importância
dos fenômenos espaciais e regionais para o entendimento dos processos sociais
e políticos, por tanto tempo limitados a análises exclusivamente institucionais
ou de tipo classista.
O livro de Wirth apresenta um panorama completo e detalhado da geografia, economia,
sociedade, cultura e história política de Minas Gerais, e consegue captar aquele
clima e espírito que forma o chamado "político mineiro". É um trabalho
rico em materiais originais, e cobre toda a literatura brasileira e norte-americana
a respeito. A elite política mineira é analisada através de um banco de dados
computadorizado que foi constituído em colaboração com os autores dos estudos
de São Paulo e Pernambuco, o que permite comparações interessantes entre os
três estados. Dados orçamentários para o período são apresentados de forma
sistemática pela primeira vez.
Políticos à força. Existem muitos temas, levantados pelo livro,
que tocam questões fundamentais para a interpretação da história política de
Minas Gerais e do Brasil. O livro ajuda a desfazer o mito de que a elite mineira
era essencialmente rural. Ele mostra como ela era formada, no seu topo, por
um grupo de pessoas altamente educadas e que vivem preferencialmente em centros
urbanos. Estes homens tinham, evidentemente, vínculos com o campo, mas não
eram membros representantes de seus interesses. Em períodos de estagnação econômica,
seu poder político crescia, por sua especialização crescente em atividades
de mediação política entre o governo nacional e os grupos locais.
Comparado com São Paulo e Rio Grande, o estado de Minas Geais era economicamente
mais débil e dependente do governo central. Esta seria a explicação de por
que os mineiros se transformaram em especialistas de política. Paradoxalmente,
diz Wirth, "Minas não tinha outra escolha a não ser desempenhar um papel
central em questões de interesse nacional."
Depois de 1930, os mineiros se alinharam a Getúlio em seu conflito com os paulistas
e outras tendências de descentralização. Uma nova liderança surgiu - Benedito
Valadares, Gustavo Capanema, mais tarde Juscelino Kubitschek e tantos outros
- que cada vez mais trocava a autonomia e a preocupação com os interesses próprios
de seu estado pelo acesso às ante-câmaras do palácio presidencial. O sucesso
deste grupo pode ser medido pelo controle que o Partido Social Democrata depois
de 1945, que predominou na política brasileira até 1960. Seu fracasso, no entanto,
pode ser visto na incapacidade que teve esta elite de transformar tanta influência
e poder político em benefícios reais para a população de seu Estado, levando
Minas a perder, progressivamente, seu lugar no quadro politico e econômico
nacional.
O Papel da Igreja. O trabalho também traz nova luz à questão
do papel da Igreja Católica na política de Minas e do Brasil. Geralmente se
pensa que o catolicismo mineiro não é senão mais um dos aspectos do tradicionalismo
predominante no Estado. Wirth mostra, no entanto, que a elite política mineira
tendia historicamente a ser leiga e agnóstica - coerente, assim, com a tradição
predominantemente secular da liderança política brasileira. O catolicismo mineiro,
em sua forma militante, é o resultado de um movimento revivalista intenso,
que levou a firmar o predomínio da Igreja em questões de educação. Para Wirth,
este movimento "foi tão bem sucedido que fez com que Minas não chegasse
a desenvolver os conflitos entre setores clericais e seculares que foram tão
importantes na Europa Napoleônica, no México ou na Argentina." Mas o Brasil,
como um todo, não escapou do debate religioso, tão presente na política nacional
nos anos 30 e mais tarde. A questão religiosa tem sido pouco estudada na historiografia
moderna brasileira, e o trabalho de Wirth ajuda a levantar a ponta do véu.
Trata-se, enfim, de obra importante e pioneira, e que merece ser traduzida
o quanto antes.
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