José Roberto F. Militão: Obama, láh!


José Roberto F. Militão escreve: “Ouso encaminhar, caso queira publicar, a opinião de um afro-brasileiro, contrário a leis raciais que vê com grande otimismo a candidatura e grande esperança a eleição do mestiço Obama. Publicado em 18/01, na ´Afropress´, antes do início das primárias, ainda sem a ênfase da euforia pela vitória nas primárias”. Eis o texto:

A partir do artigo do colega Cadette, de Nova Iorque, temos o perfil do senador Obama e suas credenciais políticas por uma visão privilegiada de um afro-brasileiro, empenhado na luta contra o racismo e com visão privilegiada do ambiente e dos sentimentos dessa campanha presidencial de 2008, nos EUA. 
De fato, o mundo, surpreso e incrédulo, a quem foi apresentado uma novidade extraordinária, um jovem político, de cor, Senador Barack Obama com real possibilidade de ser escolhido candidato a Presidente dos Estados Unidos e nós, militantes por direitos humanos e ativistas contra os ideais do racismo, temos mais uma oportunidade de reflexão sobre o que representa a estampa de um homem de cor, afro-descendente que não se trata de um “afro-americano” genuíno, nem descendente de ex-escravos como nós, condição que o diferencia: nascido nos EUA, é filho de um preto africano com uma mãe branca norte-americana, os pais separados, foi com a mãe em novo casamento, para viver na pobre Indonésia, um país tão pobre quanto o Brasil, de maioria muçulmana. Sua família, entretanto sempre foi cristã.


 O perfil nos revela que foi um dedicado estudante, graduado por duas Universidades, profissionalmente, optou por ser ativista por Direitos Humanos, atuando em bairros pobres da periferia de Chicago. Desde o início da carreira política, as demandas por inclusão social é o núcleo de sua plataforma eleitoral que reitera em todos os discursos como sendo “o mensageiro da esperança e o instrumento de mudanças”. A novidade da trajetória de baixo para cima, parecida com a de Abraham Lincoln e com estampa de pessoa miscigenada e vínculos políticos com a periferia urbana, lembra ser essa mesma a plataforma que levou à vitória a campanha de Lula em 2002.


 Chama a atenção na candidatura que traz o cunho sócio-racial, por sua condição de afro-descendente oriundo de família modesta, militante por direitos sociais na periferia de Chicago e que, a partir dessa militância, se transforma numa importante liderança política. Uma questão que pode assustar a conservadora e racialista sociedade norte-americana é que se afirma com o discurso da “esperança e da mudança” que tem semelhanças (e não identidade ideológica) com a ascensão de Hugo Chavez, na Venezuela, e de Evo Morales, na Bolívia, além do nosso Lula. O que distingue o doutor Obama é ser um bem conceituado advogado, com sólida formação acadêmica na Universidade de Harvard, tradicional formadora das elites.


 Com os referidos políticos da América do Sul, tem em comum, além da origem modesta, a simbologia da mesma improbabilidade que um operário metalúrgico, um jovem militar, um líder indígena e um afro-americano, tivessem de fato, a possibilidade de assumirem lideranças nacionais ainda jovens, com menos de 50 anos. E, menos ainda que tal probabilidade se dê nos EUA, de secular história de conflitos raciais, da mais poderosa potência econômica e militar. Independente dos resultados eleitorais de 2008, o jovem Senador Obama, aos 46 anos, prenuncia que todos serão personagens políticas que vieram para ficar e influenciar o mundo nos próximas trinta anos.


 Diante dessa realidade, o que significará para nós, afro-brasileiros, uma eventual vitória do doutor Obama? A primeira constatação é que ele não representa setores do nosso movimento “negro” adeptos da racialização do Estado. Ele nem foi militante dos “blacks moviments”, o movimento afro-americano e para ser eleito Senador concorreu e venceu um antigo político apoiado pelos movimentos blacks e o fez com a defesa de políticas públicas universais e sem levar avante nenhuma bandeira de “cotas raciais”, apenas acenando com empenho em políticas públicas de Ações Afirmativas que sejam promotoras da igualdade e que neutralize todo tipo de discriminações correntes.


 O Senador construiu a carreira política, como parlamentar e mantém vínculos e compromissos com movimentos sociais. Uma evidente característica estampada no perfil humano de Obama é o fato de ser miscigenado tal como é a maioria dos brasileiros. O fato de não ser descendente de ex-escravos é uma situação inédita que o diferencia para a população branca e para os latinos, asiáticos e africanos pois não tem o raivoso discurso dos descendentes de escravos, vítimas do racismo institucional nos EUA, nem se apresenta como militante dos “direitos dos pretos”, mas na defesa de direitos dos excluídos, que além dos afro-americanos, contempla também os demais segmentos: mulheres, índios, homossexuais, deficientes e idosos.


 É o que se deduz de seu livro (A Audácia da Esperança, 2005), verdadeira plataforma política, em que destaco duas frases simbólicas. A primeira revela o caráter da responsabilidade ética com a formação da juventude distante de conflitos e de violações de direitos: “Eu sonho com uma América com mais engenheiros e menos advogados.” A segunda, é a síntese de uma plataforma de superação de crenças negativas baseadas na crença em raças, no machismo, sexismo e homofobia que sustentaram as culturas defeituosas dos séculos 19 e 20: “Eu rejeito a política baseada apenas na identidade racial, na identidade homem-mulher ou na orientação sexual. Eu rejeito a política baseada na vitimização.”


 De seu discurso político, recolho lições que servem à nossa disputa política-racial da última década. Desde o início da vida política, a questão racial jamais foi tema principal cujo núcleo tem sido a inclusão, a promoção da igualdade, a garantia de oportunidades, o combate à pobreza e melhor distribuição de rendas, naquela que é a maior economia do mundo. No campo social, sua principal proposta é um imenso programa de transferência de renda, no formato “bolsa-família/ renda mínima” de fazer inveja ao Presidente Lula e ao Senador Eduardo Suplicy com a promessa de transferir U$ 80 bilhões de dólares por ano para as famílias mais pobres. O programa de Lula, dispõe de cerca de U$ 6 bilhões por ano.


 Esse programa, se autorizada a implementação pelos votos do povo norte-americano, contrariando toda a cartilha liberal vigente nos Estados Unidos, far-se-ia, em poucos anos, a maior distribuição de rendas jamais imaginada no mundo capitalista. Para viabilizá-lo, promete mobilizar cada distrito, cada cidade, cada Estado e ainda recorrer-se de milhares de organizações civis e também à consolidada rede de fraternidade das igrejas católicas, protestantes e evangélicas, especialmente, nas periferias urbanas.


 Na América de maioria protestante, Obama tem repetido sua adesão à fé cristã, afastando os preconceitos de seu nome africano, que lembra o Islã, e tem ainda como compromisso o fim da Guerra do Iraque e a retirada de todos os soldados, no prazo de 18 meses. Seu mais aclamado discurso, proferido na Convenção do Partido Democrata de 2004 e que o transformou em estrela política, é um ato de declaração de orgulho e de amor à América e, mais ainda, de fé nos valores democráticos da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Ninguém então imaginava viável a candidatura presidencial, que nasce declarando seu amor pelos Estados Unidos, por seu povo e pelos valores daquela sociedade: “Esta noite, nos reunimos para afirmar a imensidão da nossa nação — não por causa da altura de nossos arranha-céus, nem pelo poder de nosso exército, nem pelo tamanho de nossa economia. Nosso orgulho é baseado numa premissa muito simples resumida numa declaração feita há 200 anos: “que todos homens são criados semelhantes, e que a eles são concedidos por seu Criador certos direitos inalienáveis, entre estes a vida, liberdade e a busca da felicidade”. Isso é o gênio verdadeiro de América — uma fé em sonhos simples, uma insistência em milagres pequenos.” “Não há uma América liberal e uma América conservadora — há os EUA. Não há uma América Negra e uma América Branca, uma América de latinos e América de asiáticos — há os EUA… Isso é o gênio verdadeiro da América, uma fé nos sonhos simples das suas pessoas, a insistência em milagres pequenos… Que podemos participar no processo político e que, na maioria das vezes, nossos votos serão contados…”

De fato, vamos viver meses de grande emoção e a confirmar-se a ascensão da candidatura do Senador Obama, os norte-americanos estarão elegendo mais que um político do Partido Democrata. O eleito será um cidadão do mundo, pessoa cosmopolita, símbolo do que, pasmo, testemunhou em 1832 o francês Alexis de Tocqueville em “A Democracia na América”: Ao ver a nova sociedade na América, Tocqueville conscientizou-se em definitivo que o tempo da nobreza havia passado, que a sua classe nada mais tinha a dizer ao futuro: “formamos parte de um mundo que se despede”, escreveu ele à mulher…” “não somos senão que restos de uma sociedade que está se convertendo em pó e que logo não deixará vestígios”. (Raimond Aron).

A já vitoriosa campanha do doutor Obama, mais que as “esperanças e mudanças” prometidas na plataforma política, também traz esse significado de uma “nova era” em prol do conceito da espécie humana, desmoralizando os que dividem a humanidade em “raças” e condicionados pelo vício da crendice em “raças humanas”, ainda defendam, singela e piamente, a ideologia do racismo.
Doravante, todos os racistas do mundo, como categoria social, fazem parte de uma sociedade que está virando pó nesta primeira década, do primeiro século do 3º. Milênio, no ano de 2008 d.C. após séculos de império do racismo, da desigualdade, da hierarquia entre os humanos.

Enfim, por tudo o que representa, e pelo que representará de novidade para as possibilidades humanas no mundo, como cidadão, como brasileiro, como afro-descendente, como militante por Direitos Humanos, como ativista contra a crença em raças humanas e pelo fim de todo tipo de preconceitos e discriminações, também entrei nessa campanha: Obama, láh!!!

Fabio Wanderley Reis – Liderança, Carisma e Barak Obama

Minha nota louvando o discurso da vitória de Obama provocou muitas reações de apoio, e várias advertências dos mais realistas – o caminho vai ser difícil, ele ainda não mostrou a que veio, muitas de suas afirmações são vagas, e ele vai ter que enfrentar e participar de alguma forma da realidade dura do jogo de poder e interesses de Washington. Tudo isto é verdade. Mas a política não é só o jogo frio de cálculos e interesses, tem também um forte componente simbólico e expressivo, e é a combinação entre estas duas coisas, que Obama parece ter, que diferencia os melhores lideres dos operadores calculistas de um lado e dos demagogos populistas de outro.

Fábio Wanderley Reis, escrevendo no Valor Econômico em 4 de fevereiro passado, expressava a mesma idéia:

Mas a promessa de líder realmente estimulante é Barack Obama. Com o especialíssimo background em termos raciais e étnicos e o forte simbolismo associado (pai africano do Quênia, mãe branca do Kansas e, de quebra, meia-irmã semi-indonésia, portando e ligando-se a nomes e sobrenomes que soam como os de inimigos mortais dos Estados Unidos no período recente); podendo reclamar, como o fez, a condição de herdeiro do movimento dos direitos civis; graduado e pós-graduado por algumas das melhores universidades do país; com o vigor intelectual e pessoal que transparece fortemente na qualidade de sua oratória, combinando-se à imagem de integridade para, ao que indica sua carreira até aqui e a campanha que vem conduzindo na disputa da candidatura do Partido Democrata, torná-lo capaz de mobilizar o eleitorado estadunidense de maneira que há tempos não se via; lutando pelo acesso à Presidência nos Estados Unidos [… ] não só do conflito racial ainda presente, mas da ossificação institucional pela partidarização até do Judiciário, do peso eleitoral do dinheiro, da infeliz conjunção do 11 de setembro com Bush no poder e da sombria e desastrada “guerra ao terrorismo”, e agora da crise econômica; tudo parece justificar a expectativa de que a eventual vitória de Obama na eleição venha a redundar em experiência singular e rica em planos diversos. De minha parte, espero que a experiência possa de fato ocorrer.

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(Várias pessoas notaram que, ao contrário do que eu havia entendido, a avó de Obama, a quem ele homenageou no discurso, não foi a queniana, por parte de pai, mas a americana, com quem ele conviveu na juventude. Não foi, portanto, uma refêrencia étnica, mas pessoal).

Roque Callage Neto: Obama e o nível de adesão a uma nova estratégia dos EUA

O colega Simon Schwartzman exaltou em correspondência o comportamento e discurso de Barack Obama em seu anuncio de sagração de candidatura à presidência pelo Partido Democrata, considerando-o “comovente”.Exalta Simon principalmente a ênfase à retomada de visão moral dos Estados Unidos, incluindo saída do Iraque, prioridade à pesquisa de energias não poluentes, internamente o seguro médico a toda a população, cuidado às crianças e à educação extensiva a todos, e crítica aos que usam nacionalismo e religião para assustar a população nos anos Bush. Simon observa Obama como um herdeiro da tradição de Roosevelt e Kennedy, suficientemente abrangente para incluir homenagens a Clinton e Hillary, a mulher que chegou a mais alta disputa na vida pública americana. Homenageou sua avó africana, apresentando-se como um candidato que queria representar todo o país e outros paises também.

Creio que Simon se sentiu justamente impactado pelo discurso enaltecedor, mas gostaria de apresentar argumento cauteloso entre o discurso ideativo e o longo caminho que toca a Obama, inclusive prevendo-o como político já consciente sobre a implementação diferenciada do próprio discurso. Há uma nova coalizão em andamento nos Estados Unidos e ele parece ter noção disto, mas uma consciência ainda não bem definida sobre seus significados precisos e aplicados, cometendo seguidamente zigue-zagues conceituais – como que em busca de elementos doutrinários.

É possível verificar que Obama está reunindo com suas propostas, e pela situação econômica-política, o pessoal de Reagan,Carter, Kennedy, e difusamente, visando alterar o keynesianismo militar de companhias de armamentos em Washington, montado desde Reagan, mas principalmente tornado um sistema de Estado por Bush. Também o histórico sistema de lobbies do welfare corporativo construído pelo Partido Democrata e capturado por Clinton e sua madame com sindicatos e companhias fornecedoras diversas, tradicionais clientes do Estado desde a era Roosevelt.Pretende modificar este tipo de gestão rumo a outro tipo de proposta na direção de comunidades de mudança (como tão bem desenhava Peter Drucker) descentralizadas e multiculturais. Os EUA estão indo céleres na mesma linha do Canadá, alterando sua composição multiétnica, para desgosto de Samuel Huntington, o inteligente conservador democrata que ainda quer o país como white anglo saxon protestant.

A gigantesca dívida gerada por Bush e a concentração de renda foram dois fenômenos gêmeos da manutenção do unilateralismo da linhagem anglo-saxão protestante que justamente cabe agora desmontar, desmontando também a concentração lobbista em Washington, ao mesmo tempo em que externamente, projetar outra política de alianças.

Ao mesmo tempo em que Obama fala em rever o Nafta e ser novamente protecionista com a industria, agradando empresas médias internas e sindicatos, e abandonar o protecionismo agrícola, tem que cortejar todo o setor primário senão perde votos no heartland republicano.

Na politica externa,tem a carta na manga de uma nova aliança planetária com países em desenvolvimento o que quebraria definitivamente o conceito de terceiro mundo e a aliança dos BRICS/ China, sendo também alternativa à Europa na competição global (que é o que supostamente e de forma coerente fará para maximizar oportunidades norte-americanas). Mas não pode falar nisto para não perder votos internos do orgulho republicano de superpotência unilateral – que não precisa de ninguém e não presta contas a ninguém, muito menos alianças heterodoxas com países menores.É neste contexto que se insere o chamado “novo diálogo”.

Se Obama tiver estratégia multidimensional e inteligente dentro do jogo do Partido Democrata, pode apoiar a recandidatura de Hillary ao Senado e não a vice-presidente, escolhendo-a (já que ela tem expertise) como super encarregada para assuntos da América Ibérica e do Hemisfério Americano dentro do Governo, quebrando a barreira de “muro de Berlim” que a América do Sul está montando contra os EUA – e negociando uma aliança americana funcional de novo tipo.

Em vista destas questões sobre cálculos estratégicos, os motivos para uma adesão comovida a projetos dos Estados Unidos permanecem cautelosos – pois com a grande exceção de Wilson nos anos 1920, e do diálogo pan-americano entre Franklin Roosevelt e Oswaldo Aranha de 1942 a 1944, que previa ajuda sem restrições a uma América visionária, solidariedade realmente continental, e um mundo reconstruído, que Truman mediocrizou – os norte-americanos usualmente se detém demais em negociações de alcance limitado a interesse próprio imediato. Por enquanto, Obama e Hillary não parecem dispostos nem a negociar entre eles com este tipo de proposição “ganha-ganha” de longo alcance.

Chapéu para Obama

Comovente, para dizer o mínimo, o discurso de Barak Obama confirmando sua vitória na disputa pela indicação do Partido Democrata. Disse tudo que tinha que dizer, e tudo muito bem dito. A necessidade de que os Estados Unidos voltem a ser moralmente respeitados no mundo; a necessidade de sair do Iraq, embora reconheça as dificuldades; a prioridade que deve ser dada à pesquisa e aos investimentos em energias não poluentes; a necessidade de proporcionar seguro médico a toda a população, e de garantir “no money left behind” para o programa “no child left behind” de educação. Criticou os que usam a religião e o nacionalismo para pressionar e assustar os eleitores e elogiou seu adversário republicano como pessoa, mas não perdoou sua identificação com o governo Bush, sobretudo nas politicas de redução de impostos para os ricos e de poucos investimentos na área social.

Obama se colocou como herdeiro da grande tradição de Roosevelt e dos Kennedy, sem esquecer Bill Clinton, e prestou uma belíssima homenagem a Hillary, que só não vai aceitar a mão estendida se for demasiado orgulhosa. Lembrou que Hillary foi a mulher que mais alto chegou na vida pública americana, mas não falou de si mesmo, como o primeiro negro a chegar a uma posição ainda mais alta. De suas raízes negras, prestou uma homenagem à sua avó africana, e foi o suficiente – ele não pretende ser o candidato de um grupo, ou de uma raça, mas de todo o país, e de outros paises também. Eu, se pudesse, votava nele…

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