O milagre de Harlem|The Harlem Miracle

Artigo recente no “New York Times” relata como, no Harlem, foi possível criar escolas para crianças de baixo nível socioeconômico que produziram enormes ganhos em pouco tempo, e conseguiram eliminar as diferenças existentes entre estudantes brancos e negros. Estas escolas são conhecidas como “no excuses”, escolas sem desculpas. Elas ensinam bom comportamento, avaliam permanentemente os resultados dos alunos, mudam os professores de baixo desempenho, e dão aos estudantes o apoio e o tempo necessários para trabalhar e se desenvolver. São também “charter schools”, escolas independentes que atuam com apoio público.

Diz David Brooks, o autor do artigo:

To my mind, the results also vindicate an emerging model for low-income students. Over the past decade, dozens of charter and independent schools, like Promise Academy, have become no excuses schools. The basic theory is that middle-class kids enter adolescence with certain working models in their heads: what I can achieve; how to control impulses; how to work hard. Many kids from poorer, disorganized homes don’t have these internalized models. The schools create a disciplined, orderly and demanding counterculture to inculcate middle-class values.

André Medici: as reformas dos sistemas de pensão e saúde na América Latina|André Medici: Pensions and Health Care Reforms in Latin America

André Medici, economista sênior do Banco Mundial, especializado em políticas de saúde, comenta e recomenda abaixo o livro recente de Carmelo Mesa-Lago entitulado “Reassembling Social Security – A Survey of Pensions and Health Care Reforms in Latin America” (New York, Oxford University Press, 2007) que acaba de aparecer. André Medici, senior economist and health policy specialist at the World Bank, reviews and recommends the recent boook by Carmelo Mesa-Lago, “Reassembling Social Security – A Survey of Pensions and Health Care Reforms in Latin America” (New York, Oxford University Press, 2007).

Carmelo Mesa-Lago é um dos mestres no tema de economia da seguridade social na América Latina. Nos últimos 40 anos, suas idéias, livros e artigos têm influenciado muitas gerações de economistas, cientistas sociais e gerentes públicos especializados em temas de previdência social e saúde na Região. O presente livro traz evidências, processos e dados comparativos sobre as reformas da seguridade social nos países da Região ocorridas entre 1980 e 2001.

A obra busca responder, em suas quase 500 páginas, a muitas perguntas polêmicas: Como as reformas de pensões e de saúde na América Latina nos anos noventa buscaram resolver problemas estruturais acumulados pela crise dos antigos sistemas de seguridade social? Que princípios as orientaram? Elas ampliaram a cobertura, a equidade e atenderam as necessidades acumuladas das populações? Houve privatização no contexto das reformas? Se houve privatização, seus impactos foram positivos ou negativos? Como as organizações internacionais e multi-laterais reagiram a estas reformas? Como as reformas atacaram os temas de sustentabilidade da seguridade social a longo prazo? Os objetivos de equilíbrio atuarial e financeiro preconizados pelas reformas foram alcançados? E se foram, prejudicaram os alcances sociais dos sistemas de saúde e de pensões? Como elas tem enfrentado o rápido processo de transição demográfica na América Latina? Poderiam estar ameaçadas pelo contexto da evasão fiscal, da informalidade do trabalho e pelo fechamento da janela de oportunidade demográfica na Região?

A primeira parte do livro analisa os princípios que orientaram as reformas nos marcos das mudanças que ocorrem a partir da considerada década perdida dos anos oitenta. O pioneirismo da reforma chilena – controversial pelo fato de ter ocorrido num contexto ditatorial, onde os atores relevantes não puderam ter voz, mas eficiente em seus resultados, foi o embrião de transformações que levaram organismos internacionais e muitos governos latino-americanos a adotar novos princípios de gestão das políticas de previdência social e saúde nos anos noventa.

Os países que sairam na frente alcançaram os estandares mínimos de cobertura, qualidade e eficiência, mas do total de países da Região, cinco não alcançaram os estándares nos temas de pensões e dez não alcançam os mínimos requerimentos de cobertura de saúde. Além do mais, os sistemas de saúde e pensões acabaram se estratificando, acentuando desigualdades de acesso e qualidade a benefícios e serviços que são injustificáveis quando comparados aos recursos gastos. Sistemas baseados em privilégios (como os de militares, legislativo e judiciário) continuaram a existir e a ser financiados com recursos gerais de impostos pagos por toda a sociedade.

Ainda que o princípio da solidariedade permeie o discurso de todas as reformas, na prática, os sistemas tem se tornado progressivamente mais regressivos e estratificados. Os benefícios pagos e serviços prestados pelos sistemas de seguridade social públicos acabaram tendo um impacto regressivo nas sociedades latino-americanas. Esta estratificação acabou sendo acompanhada por um pluralismo institucional marcado por  forte descoordenação e duplicação, reduzindo a eficiência dos sistemas de pensões e de saúde. Neste contexto, a atuação do Estado, acabou falhando e a gestão pública tem gerado altos  custos administrativos.

Deficits públicos crescentes ameaçam a sustentabilidade dos sistemas de pensões, especialmente os que optaram por manter a gestão baseada em repartição simples.  Mas os sistemas de capitalização individual também tem gerado efeitos negativos como o pagamento de benefícios menores que os esperados. A manutenção de elevados custos administrativos em sistemas compulsórios de capitalização individual, e a ausência de risco associado à gestão financeira dos recursos, faz com que estes sistemas remunerem regiamente as empresas gestoras, mesmo em momentos onde as taxas de retorno líquidas das aplicações são negativas para os assegurados.

A segunda parte do livro analisa os efeitos das reformas de pensões  descrevendo sua taxonomia das reformas, metas e o papel dos atores principais. Temas como a cobertura universal, políticas de igual tratamento, solidariedade, elegibilidade, o papel regulador do Estado, a sustentabilidade financeira, a eficiência e a participação social são abordados de forma comparada.

Poucas evidências existem nos países da Região sobre o papel positivo atribuido aos sistemas privados compulsórios de capitalização individual no aumento das taxas de poupança nacional e melhoria no desempenho dos mercados de capitais. Debilidades na regulação, falta de coordenação dos atores envolvidos e a ausência de monitoramento e avaliação têm dificultado a existência de bons resultados financeiros nesses sistemas.

A terceira parte do livro, analisa as reformas nos sistemas de saúde quanto a universalização da cobertura, equidade, integralidade do acesso, aos papéis dos setores público e privado, gestão de custos, eficiência, participação social e resultados alcançados. Também são feitas considerações sobre a sustentabilidade futura desses sistemas, frente às metas propostas e aos recursos disponíveis para seu financiamento.

Comparando as reformas nos sistemas de saúde e pensões, o autor conclui que que avaliar o impacto das primeiras é mais difícil, dadas a existência de maior diversidade e complexidade nos desenhos, a falta de análises comparadas sobre seus resultados em distintos países e sua formulação mais recente em relação às últimas.

As metas de alcançar cobertura universal em saúde não foram logradas até o momento, mas a inequidade na cobertura diminuiu. Temas como a qualidade percebida dos serviços são também analisados em sete países da região. Apesar dos esforços, poucas reformas alcançaram uma padronização da cobertura e a eliminação ou coordenação do pluralismo institucional previamente existente, mantendo os sistemas fragmentados e as desigualdades no acesso.

Baseado na análise das duas partes anteriores, o autor dedica a última parte a recomendações para aprimorar a seguridade social na Região.

Poucos livros lograram atingir tão ambiciosos propósitos e foram tão bem documentados. A presente obra de Carmelo Mesa-Lago é uma leitura obrigatória para acadêmicos, gerentes e profissionais em temas de políticas de previdência social e saúde. Dada a complexidade e dispersão das evidências existentes na América Latina, este livro, mais do que uma fonte de informação, é um poderoso instrumento de navegação para esta complexa e enevoada área de conhecimento na Região.

Trilhas para o Rio

Trihas para o Rio, de André Urani, é não somente um livro muito interessante e bem escrito, mas uma raridade, e exemplo do que ele diz. Existem muitas coisas escritas sobre praia, bossa nova, música popular, carnaval, mulheres, televisão e futebol, que formam a imagem do Rio romântico e boêmio, assim como sobre a corrupção, a violência e a desorganização urbana que é a outra cara, cada vez mais assustadora, de nosso paraíso tropical. O que quase não existe são análises que buscam explicar como chegamos até aqui, pelas vias do populismo, do deterioro urbano e da perda de vocação e rumos da cidade.

Uma das explicações que André apresenta é que o carioca sempre pensou e se preocupou com o Brasil e o mundo, e deixou de olhar e dar atenção ao lugar em que vive. O Rio não está sozinho nisto, outras cidades no Brasil e no mundo também passaram por crises de desorganização e perda de rumo. Muitas, no entanto, estão encontrando novos caminhos, a partir de um processo de “reinvenção” cujo principal ingrediente é a participação de sua população, naquilo que ela tem de melhor, na busca destas nova trilhas.

O lançamento do livro será no dia 16 de julho na Livraria Travessa do Leblon, Av. Afrânio de Melo Franco 290, 2 andar, Rio de Janeiro (naturalmente).

O novo relatório do crescimento

The Growth Report, documento escrito por uma comissão de notáveis liderada pelo Prêmio Nobel de economia Michael Spence, da qual faz parte Edmar Bacha, está sendo considerado por muitos como o novo “consenso de Washington”, que deixa para trás as receitas simplistas de “estabilidade econômica, menos estado e mais mercado” dos anos 80, e apresenta um quadro muito mais rico e complexo dos fatores que permitem ou não o desenvolvimento econômico dos países.

O desenvolvimento que interessa não é somente o de curto prazo, que pode ocorrer por uma alta súbita dos preços das commodities, como vem ocorrendo ultimamente, mas a capacidade dos países em manter este desenvolvimento através do tempo e transformar a riqueza em benefício para toda a população. Cauteloso, o relatório começa dizendo que não existem receitas prontas, que cada país deve buscar seu próprio caminho, mas nem por isto deixa de apontar os fatores que diferenciam os países que conseguem daqueles que não conseguem se desenvolver.

O primeiro destes fatores é a abertura, não somente aos mercados, mas às idéias, tecnologias e recursos disponíveis globalmente. Estratégias de crescimento para dentro, voltadas para o mercado interno, podem ser menos arriscadas, mas não conseguem ir muito longe. O segundo fator são os investimentos: nenhum país consegue crescer sem altas taxas de poupança, da ordem de 20 a 25%. Estes recursos podem ser obtidos, em parte, no mercado internacional, mas o mais importante é a poupança domestica que os países são capazes de fazer.

Para que estas e outras políticas possam ser implementadas, a principal condição é a capacidade de liderança política e a eficácia dos governos, assim como sua legitimidade – a capacidade de convencer as pessoas de que o investimento no futuro vale a pena. Não é que as economias não possam crescer sem mercados, instituições e políticas adequadas, mas é um crescimento muito mais incerto, e existe sempre o perigo da “doença holandesa” – o crescimento concentrado que mata tudo o que existe em volta. Os governos devem fazer muitas coisas importantes – manter a economia em equilíbrio, desde logo, mas também cuidar da educação, da pobreza, do meio ambiente e da infra-estrutura de comunicação e transportes.

Os governos devem trabalhar, também, pela institucionalização e fortalecimento dos mercados, fazendo as reformas institucionais que sejam necessárias. A economia não pode se desenvolver plenamente sem mercados, mas existe uma grande diferença entre mercados “maduros”, bem institucionalizados, com regras claras sobre os direitos de propriedade, garantias dos contratos e competitividade, e os mercados selvagens que caracterizam muitas das economias dos países em desenvolvimento. Para fazer tudo isto, os governos precisam ser honestos, tecnicamente competentes e capazes de desenvolver políticas de longo prazo, de forma pragmática, que possam ir além dos ciclos eleitorais.

O relatório não chega a condenar a implantação de políticas industriais, que favorecem alguns setores da economia considerados mais dinâmicos, mas não deixa de dizer que atividades empresariais que dependem de subsídios permanentes e preços distorcidos não merecem existir. A função do governo não é proteger empresas, mas pessoas. O relatório reconhece que o desenvolvimento econômico pode gerar desigualdades, e recomenda políticas para corrigir as distorções nos extremos da distribuição de renda, sem com isto restringir a flexibilidade dos mercados.

Finalmente, o relatório reconhece a importância da questão climática, e de toda a questão dos limites ao desenvolvimento, e aí também é cauteloso. Não é verdade que o crescimento da indústria na China vai impedir o desenvolvimento em outras partes: com mais riqueza, haverá lugar para todos. E o limite para o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza vai depender não somente dos limites da natureza, que são reais, mas de nossa capacidade para lidar com eles.

Não há propriamente novidade nestas idéias, me parece , mas, ao serem apresentadas de forma clara e coerente, por uma comissão internacional de credenciais inquestionáveis, elas podem se transformar em divisor de águas entre o que faz sentido e as ortodoxias e heterodoxias que ainda circulam tanto.

Pobreza, população e desigualdade

Participei no dia 5 de novembro, em Belo Horizonte, do “Seminário sobre população, pobreza e desigualade”, organizado pela Associação Brasileira de Estudos Poulacionais e a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento. Meu painel tinha o nome de “Dinâmica populacional e as oportunidades de políticas públicas”, e foi coordenado por Eduardo Rios Neto.

Dos três apresentadores, Eduardo Pereira, do Ministério da Previdência Social, foi o único que tratou efetivamente de dinâmica populacional. Ele mostrou que, com o envelhecimento da população, o sistema previdenciário brasileiro é insunstentável a longo prazo, porque haverá um número crescente de velhos recebendo benefícios para um número decrescente de jovens. E que isto não muda com a economia crescendo, porque, se tiver mais gente pagando a previdência hoje, haverá mais gente também recebendo depois, e vivendo muito mais tempo. O Ministério preparou estes dados, na forma de várias simulações, para apresentar ao Forum Nacional da Previdência Social, aonde estão representados os sindicatos, aposentados, pensionistas, empregadores e o governo federal, e, pelo que parece, ninguém lá gostou da tese de que os benefícios da previdência deveriam mudar. O problema é que os principais interessados na reforma, nossos filhos, que vão ter que pagar a conta ou conviver com um sistema previdenciário falido, não estavam presentes, e não havia ninguém no fórum, aparentemente, que defendesse seus interesses.

O outro apresentador foi Pedro Olinto, do Banco Mundial, que antecipou os principais resultados de uma avaliação que o Banco está fazendo de um grande número de programas de tipo Bolsa Família que o Banco vem apoiando e incentivando em um número crescente de países, inclusive o Brasil. O ponto principal foi mostrar como estes programas são, em geral, bem focalizados, e de fato melhoram em alguma medida as condições de vida das populações mais pobres. O que me pareceu mais novo foi a conclusão de que os programas não tem impacto sobre o acesso à escola em países em que a quase totalidade da população já está na educação básica, como no Brasil; e que o impacto sobre a qualidade da educação parece ser inclusive negativo. Eu já vinha dizendo e discutindo isto há vários anos, e fico contente em ver que agora o Banco Mundial reconhece isto. Aliás, se entendi bem, a avaliação do bolsa família brasileiro feita por Eduardo Rios-Neto mostra a mesma coisa.

Em minha apresentação, eu mostrei dados da PNAD sobre a evolução da educação brasileira nos diferentes níveis, e discuti um pouco sobre cada um deles e sobre as prioridades. Um dos dados que mostrei foi como o acesso ao ensino médio, que havia crescido muito na década de 90, parece estar estacionando a um nível muito baixo, inferior a 60% de cobertura nas regiões mais ricas (veja o gráfico), quando deveríamos estar caminhando para os 100%, e isto sem falar na qualidade, que, por tudo que sabemos, está muito mal. A expansão do ensino superior, enquanto isto, parece ser a prioridade do governo federal, sem preocupação aparente com sua qualidade, o que parece ser um erro evidente de foco.

O impacto da ampliação da bolsa família para os jovens (2)

A publicação dos dados da PNAD 2006 permite uma análise mais fina do possível impacto da anunciada ampliação da bolsa família para jovens de 16 e 17 anos (antes, eu tinha feito uma primeira análise com os dados de 2005).

Até agora, o auxílio era dado para todas as famílias que tenham até 60 reais de renda familiar per capita, e para famílias com filhos até 15 anos que tenham renda familiar per capita de até 120 reais. O auxílio para cada família é de 60 reais mensais, mais 15 reais por até três filhos. Com a constatação que o programa estava mal focalizado do ponto de vista da educação, porque a grande maioria das crianças até 15 anos está na escola de qualquer maneira, o governo anunciou que vai ampliar o auxílio também para famílias com jovens de 16 e 17 anos. Há ainda a promessa de aumentar estes valores, mas eles foram utilizados aqui para estes cálculos.

O tamanho do problema.

O Brasil tem hoje cerca de 7 milhões de jovens de 16 e 17 anos de idade, dos quais 5.5 milhões estudam, e 1.5 milhões não.. Dos que estudam, 1.7 milhões trabalham, e outros 570 mil dizem que estão buscando trabalho. Dos 1.5 milhões que não estudam, 620 mil também não trabalham. Dos 5.5 milhões que estudam, 1.6 milhões estão ainda no ensino básico, o que significa que têm grandes chances de não completar sua educação. O problema, portanto, é fazer com que os 1.5 milhões for a da escola completem sua educação, e que os 1.6 milhões que estão atrasados não fiquem pelo caminho. Pouco mais de 3 milhões precisando de alguma política educativa.

O tamanho da solução

Quantos destes poderiam se beneficiar da ampliação da bolsa família? Para estimar isto, é necessário eliminar as famílias que têm mais de 120 reais mensais de renda familiar per capita; e também as famílias com menos de 60 reais mensais, porque já se qualificam para a bolsa de qualquer maneira. Além disto, se a família tiver um outro filho em casa de até 15 anos, ela já se qualifica, e a inclusão do jovem de 16 e 17 anos vai acrescentar somente 15 reais mensais à família, isto se ela já não ver três filhos estudando.

Fazendo todas estas eliminações, chegamos a um total de 318 mil jovens e suas famílias. Destes, 179 mil estudam, e, entre os que estudam, 45 mil trabalham, o que mostra que o trabalho não é necessariamente um impedimento para o estudo. Dos 138 mil que não estudam, 38 mil trabalham, e 28 mil buscam trabalho; 80 mil não fazem nada. Dos que estudam, 90 mil estão ainda no ensino fundamental, e mais 30 mil na primeira série do ensino médio.

Na melhor das hipóteses, pois, a ampliação do programa para jovens de 16 e 17 anos poderia trazer de volta à escola 130 mil jovens, e apoiar outros 80 ou 90 mil em risco de abandonar por excesso de atraso escolar – menos de 10% do grupo alvo.

Isto supondo, naturalmente, que a bolsa seria suficiente para que eles de fato voltassem à escola. A renda média dos que estudam, trabalham e têm remuneração é de 104 reais mensais; a dos que trabalham e não estudam, 150 reais, ou metade, aproximadamente, da renda familiar (são famílias pequenas, que não têm outros filhos menores), e dificilmente eles trocariam seu trabalho por uma bolsa de metade do valor, E supondo, também que o atraso ou o abandono da escola se deva à necessidade de trabalhar, coisa que o grande número de estudantes que estudam e trabalham, assim como o de jovens que nem estudam nem trabalham, mostra que está longe de ser verdade.

Não custa repetir: a principal causa do abandono escolar é a má qualidade da escola, e sua incapacidade de dar aos jovens, principalmente os mais pobres, conhecimentos e competências que lhes interessem e que eles possam assimilar. Nada contra dar uma pequena bolsa a 318 mil famílias necessitadas. Mas isto não tem nada a ver com educação.

Politicas sociais e reformas educacionais

Quais são os novos desafios para as políticas sociais na América Latina? No próximo dia 8 de agosto estarei falando sobre isto no “Forum Latinoamericano de Políticas Sociais”, que a Escola de Governo da Fundação João Pinheiro está promovendo. Fala-se muito de uma “nova geração de políticas sociais”, que substituiriam as mais antigas, e que seriam representadas sobretudo pelos novos programas de transferência de renda como o Bolsa Familia e seus similares em outros países. O que pretendo dizer é que, na verdade, precisamos fazer bem as coisas mais antigas que nunca fizemos: desenvolver um Estado profissional e competente, regular a relações entre o setor público, o setor empresarial e as organizações da sociedade civil, e tratar as políticas sociais, sobretudo na educação. como investimento na capacitação do país, e não, simplesmente, como distribuição de benefícios. O problema, claro, é como chegar lá, e infelizmente, não tenho uma fórmula mágica para isto. O texto preliminar de minha apresentação está disponível aqui.

No dia 13 estarei em Brasilia, participando do primeiro de uma série de três seminários internacionais organizados pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Deputados sobre “A Educação no Século XXI: modelos de sucesso”. A grande pergunta é porque não conseguimos sair do atoleiro da educação de má qualidade, enquanto outros países, a partir de condições semelhantes às nossas, tiveram muito mais sucesso. A primeira sessão tratará das reformas da Irlanda e Coréia, que são grandes casos de sucesso, e a mim me tocou falar sobre o Chile, que tem uma história muito interessante de políticas educacionais audaciosas, mas sem conseguir ainda os resultados dos demais. A idéia básica, aqui, novamente, é que é preciso fazer bem aquilo que outros países já fazem: definir com clareza os conteúdos que os estudantes devem aprender, formar bem os professores, para que saibam o que e como ensinar, e avaliar permanentemente o trabalho das escolas, incentivando os bons resultados e ajustando o percurso quando necessário. A versão preliminar de meu texto está disponível aqui.

Sem surpresas no Bolsa Familia

Depois de muita expectativa, sairam os primeiros resultados da pesquisa de avaliação do Bolsa Familia feita pelo CEDEPLAR a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social, que estão disponíveis no site do MDS. A pesquisa compara uma amostra de familias que recebem a bolsa com um grupo de renda semelhante que não recebe.

O principal resultado encontrado é que as famílias, tendo um pouquinho mais de dinheiro, gastam mais em alimentos, como seria de se esperar. Em relação à educação, é como já sabíamos – quase não há relação entre a bolsa e resultados na educação. Há uma pequena melhoria da frequência escolar em algumas regiões, mas não se sabe se isto é um efeito da bolsa ou, como tenho sugerido, do fato de que as bolsas podem estar sendo dadas, preferencialmente, a crianças que já estão na escola. Em alguns casos, os estudantes do bolsa familia têm níveis de reprovação maior do que os que não se beneficiam dela.

Nada que justifique o tamanho e as pretensões do programa, do ponto de vista da educação. A nova proposta parece ser de dar um dinheirinho a mais para os estudantes que passem de ano. Já é tempo de entender que política de renda e política educacional são coisas diferentes, e separar claramente as duas coisas, dando à área de educação os recursos e a prioridade que ela necessita.

A responsabilidade criminal dos jovens

O assassinato brutal de uma criança, arrastada pelas ruas por assaltantes no Rio de Janeiro, volta a colocar em pauta a questão da imputabilidade legal dos menores. Será que tornar os jovens a partir de 16 anos responsáveis pelos seus crimes melhoraria a situação?

Pessoalmente, acho que não deveria haver uma regra única. Os rapazes que chegaram a este nivel de violencia dificilmente se recuperam. Como disse a mãe da criança assassinada, eles já não têm coração. Na maioria dos casos, eles saem da prisao diretamente de volta para atividades criminosas, inclusive porque nao conseguiriam trabalho. Como regra geral, é claro que os menores devem ter um tratamento diferenciado, voltado para a recuperação, como diz a legislação brasileira, mas os juizes deveriam ter um certo espaço para decretar punições mais severas em situaçoes extremas – acho que é assim na Inglaterra e em outros países.

Mas o problema é muito mais sério, e nao se alteraria com uma simples mudança de legislaçao – milhões de jovens que nunca conseguirão entrar no mercado de trabalho por nao terem um minimo de competência, e criados em uma cultura de marginalidade e criminalidade nas grandes cidades. E o sistema prisional, tanto para menores quanto para maiores, é um desastre, já é imenso, e só fortalece a cultura da criminalidade.

Esta stiuação não tem solução de curto prazo, mas precisa ser enfrentada por vários lados ao mesmo tempo. O mais importante, e mais difícil, é criar condições para que os jovens nao entrem na atividade criminosa. Isto depende de educação, e também de melhorar a condição de vida nas comunidades em que este jovens nascem e crescem. Ao mesmo tempo, é preciso reduzir a impunidade. Grande parte dos crimes que ocorrem não são punidos, e os benefícios do sistema progressivo que permite o regime semi-aberto a liberdade condicional, que deveriam ser individualizados, acabam sendo aplicados a todos. E finalmente, o sistema prisional, tanto para menores quanto para maiores, precisa ser melhorado, dando condições efetivas de recuperaçao para a maioria dos presos.

Como estas coisas nao sao feitas, o que acaba predominando é o pior dos mundos: a violência policial e das “milícias,” com o assassinato diário de grande número de jovens, criminosos ou não. Não há de ser uma simples mudança de legislação que vai resolver isto. Mas é claro também que a atual legislação não ajuda.

O aumento do trabalho infantil e a educação

Ontem eu publiquei uma nota comparando os dados da PNAD / IBGE de 2004 e 2005, tratando de entender o aumento do trabalho infantil ocorrido neste período, e sua possível relação com a redução da matrícula escolar, que vem aparecendo no censo escolar do Ministério da Educação. Ao contrário do que eu havia dito naquela nota, que por isto foi retirada, os dados na PNAD não acusam a redução da matrícula escolar, e sim um pequeno aumento, além de uma redução pequena, mas salutar, na proporção de jovens de 15 a 17 anos que ainda estão no primeiro grau. Minha hipótese, de que o aumento do trabalho infant poderia se dever a uma piora da situação escolar, não pode ser verificada com estes dados. Quando entender melhor o que está passado, digo.

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