As novas cotas e o ENEM

O Globo de hoje, 1 de maio de 2009,  publica uma entrevista minha sobre as cotas para deficientes para o ensino superior que a Câmara de Deputados acabou de aprovar, e sobre o ENEM. O texto, transcrito abaixo, está disponível aqui.

SÃO PAULO – Para o sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o sistema de cotas raciais e para deficientes físicos nas universidades é uma medida demagógica, que não atende às reais necessidades desses grupos e não soluciona os problemas da educação brasileira.

O Globo: Os resultados do Enem servem de referêcia para os pais escolherem a melhor escola para os filhos?

SIMON SCHWARTZMAN: É uma referência, mas não a única. Se você está interessado que seu filho passe no vestibular, então você escolhe a escola que tem o melhor resultado. Mas essas escolas podem ser muito duras com as crianças, ter um nível de exigência que não faz sentido. Já uma escola com resultado muito ruim tem baixa qualidade, e os pais devem pedir satisfações à instituição. Ter uma boa classificação no Enem pode ser um dos critérios de escolha, mas às vezes o bom resultado vem porque os alunos são tratados à base do chicote. Então, é bom perguntar: você quer isso para seu filho? Tem gente que não quer.Novo Enem não terá prova de língua estrangeira, filosofia e sociologia

Qual sua opinião sobre as cotas para deficientes e as cotas raciais?

SCHWARTZMAN: O problema do ensino superior não passa pelas cotas. Isso é demagógico, pois não atende às reais necessidades dos mais pobres ou dos deficientes. Que deficiente precisa de cota? O que está na cadeira de rodas? Isso não impede que ele seja um bom aluno e faça vestibular normalmente. Ele vai precisar de outras coisas que facilitem sua mobilidade. Se é uma deficiência visual, é preciso oferecer instrumentos adequados para que o aluno possa superar suas limitações. Se é criada uma regra geral, o que vai acontecer é que vão aparecer deficientes aos montes.

De modo geral, como o senhor avalia a qualidade do ensino no Brasil?

SCHWARTZMAN: Mesmo o melhor não é bom. Temos um problema de qualidade de cima a baixo.

O senhor acha viável a substituição do vestibular pelo novo Enem?

SCHWARTZMAN: O Enem não vai substituir o vestibular. Ele serve como referência para parte do vestibular nas instituições do Brasil que ainda têm processo seletivo. A maior parte não tem mais vestibular. O setor privado praticamente não tem, e no setor público o vestibular só vale para as áreas mais competitivas. O novo Enem vai funcionar como uma referência que pode ser útil. Mas as universidades que têm cursos mais concorridos vão continuar a ter um sistema de seleção adicional.

O Enem é um bom instrumento para avaliar a qualidade do ensino no Brasil?

SCHWARTZMAN: É um exame que tem problemas, tanto que o Ministério da Educação está trocando e Enem por outro exame. Mas é melhor do que nada. O ideal de uma prova desse tipo é que ela pudesse funcionar como referência para os cursos de ensino médio no Brasil. Mas é uma prova muito mal feita, tanto é que não dá para comparar os resultados de um ano para o outro. A questão de não ser obrigatório também é um problema.

Como o senhor avalia os resultados do Enem de 2008?

SCHWARTZMAN: É basicamente o já se sabia. As escolas públicas são ruins, as particulares são melhores, algumas federais se destacam. Há desigualdade na qualidade de ensino tanto de escolas públicas quanto privadas. Mas, na média, o setor público está muito ruim.

Quais as razões da diferença de qualidade entre o ensino privado e público?

SCHWARTZMAN: Há muitas razões. O ensino privado recebe alunos de maior poder aquisitivo, de famílias com maior escolaridade. As escolas particulares estão interessadas em ter melhores resultados, pois estão competindo no mercado. Na escola pública, grande parte do ensino médio funciona de noite, não tem sistema de estímulo à qualidade, recebe os alunos mais pobres, com mais limitações.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

One thought on “As novas cotas e o ENEM”

  1. “O Enem é um bom instrumento para avaliar a qualidade do ensino no Brasil?

    SCHWARTZMAN: É um exame que tem problemas, tanto que o Ministério da Educação está trocando e Enem por outro exame. Mas é melhor do que nada. O ideal de uma prova desse tipo é que ela pudesse funcionar como referência para os cursos de ensino médio no Brasil. Mas é uma prova muito mal feita, tanto é que não dá para comparar os resultados de um ano para o outro. A questão de não ser obrigatório também é um problema.” (Simon Schwartzman, in. O globo 01/05/2009)

    Caro prof… Schwartzman,

    Em primeiro lugar, meus respeitos e estima, mesmo virtual.

    Recebo periodicamente as comunicações e leio com atenção suas reflexões sobre o tema – Educação no Brasil. Agradeço-lhe por socializá-las. Estou ciente de que não são meras opiniões. Trata-se de abordagem conceitual gestada na experiência e na reflexão conduzindo os leitores, também, à reflexão. Entretanto, volta e meia, em sala de aula, em entrevistas com articulistas e especialistas ou na mídia em geral a citação acima em destaque é recorrente, então, por que isso acontece? A educação está entregue aos incompetentes? Aos manipuladores? Aos irresponsáveis? Será que não há no Ministério da Educação pessoal qualificado para elaborar e executar um projeto educacional livre do viés político-ideológico e demagógico que os governos tem implementado na educação levando-nos a ficar à reboque dos países que a trata com responsabilidade e prioridade?

    Essa desqualificação permanente encaminha-nos ao ceticismo e leva-nos a outra questão (que ouço de alunos) estudar para quê professor? Estou apenas querendo meu título para me dar bem, fazer concurso, ser promovido, ascender socialmente. Dessa forma a educação e seus agentes são um engodo.

    Por outro lado, uma formação intelectual quando dotada de responsabilidade leva o cidadão à promoção e assunção das mudanças culturais, científicas e tecnológicas com reflexos positivo na economia, daí, dando como consequência à equidade social e o bem estar individual e coletivo.(cada individuo segundo suas aptidões e méritos).

    Agora, quem é responsável pela transmissão da educação? (aqui educação quero dizer: um conjunto de formulações desenvolvidas, introgetadas e propagadas socialmente segundo o tempo e o lugar). O Estado é o responsável? ora, o Estado, no sentido iluminista do termo está atuando como empresa das formulações ideológicas, educacionais e culturais, assim, engessando a criatividade e o “desenvolvimento” da cidadania em prol da economia de consumo. Portanto, um Estado paternalista, controlador, beneficente, e ao mesmo tempo, numa contradição, também é opressor à medida que privilegia facções sociais em detrimento de outras. Se assim aceitamos – Eis em ação o Leviatã Hobbesiano.

    Talvez, digo talvez , pois a responsabilidade de orientação, encaminhamento e formação, seria daquela que chamaríamos no passado de “Família” o núcleo base da sociedade como apregoa o Capítulo VII da Constituição Brasileira de 1988. A criança iria à escola para aprender e apreender o conhecimento de produção acadêmica socializado e no seu respectivo nível. Mas, essa família a psicologia, a sociologia e a filosofia se encarregaram de implodir em prol das liberdades individuais de decidir o que fazer; onde, como e com quem quer viver ou conviver independente das consequências dos atos voluntariosos praticados pelos indivíduos ou comunidades liberais e que, sutilmente, contaminam os menos letrados. Resta-nos, a família das relações, não necessariamente de parentesco, esse tipo de arranjo, mesmo efêmero e ainda em formação é a formatação contemporânea da família, na qual, cessam os compromissos de formação e educação de seus rebentos, transferindo-o para o Estado paternalista e “beneficente”, em cujos quadros de pessoal especializado a ele vinculado não detém as competências necessárias para tal substituição.

    Prega-se a cidadania, mas a cidadania, hoje, representa a assunção de obrigações sócio-culturais onde todos assumem obrigações econômicas. Fora desse contexto o indivíduo tende à alienação e a morte social. Precisa-se de cidadão que consumem tal qual ratos vorazes. As inclusões: social, mercado, digital etc. etc. são formas de sugar os parcos recursos monetários do individuo miserável através da motivação na publicidade e propaganda mostrando-lhe seus pares em destaque. Pouco ou nada se lhe dá em troca, ao contrário, bloqueia-lhe a iniciativa e a liberdade como pessoa. Pelo tempo que o homem vive sobre a face da terra esse cidadão-consumidor já estaria desperto. E, ainda, pode piorar porque são os multiplicadores do seu “status quo”.

    Havemos também de nos lembrar que, no caso brasileiro, cerca de milhares de famílias (V.Sa.. já confirmou isso em outros artigos) vivem e convivem em níveis de plena miséria material e intelectual. Como não se tem meios imediatos de resgatá-las resta-nos conceder-lhes os benefícios sociais e esperar sua redenção.
    Por outro lado, somos todos responsáveis – culpa-se o passado, a sociedade, a humanidade pelas mazelas do presente. Na verdade somos todos, individualmente, responsáveis hoje, pelos nossos atos de hoje. Não nos encorajamos em enfrentar o problema de frente, sempre tangiversamos. É hora de as organizações não governamentais, as Escolas e as Universidades em conjunto com as forças econômicas produtivas de bens e serviços se desarmarem de suas ideologias e interesses próprios e, em um grande consenso, engajar professores, estudantes, profissionais liberais, empresários e trabalhadores num projeto factível e adequado à realidade para o resgate desses que vivem à mercê de suas próprias desgraças.

    Por fim, agradeço-lhe a recepção deste comentário.

    Cordialmente,

    José Clodoaldo Fontana

    Vitória, E. Santo

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