Claudio Considera: Pré-sal: farsa e tragédia

cconsideraClaudio M. Considera envia a seguinte colaboração:

PRÉ-SAL: FARSA E TRAGÉDIA

Claudio M. Considera

Em livro recém-lançado (Educação Básica no Brasil, Ed. Campus, vários autores) Samuel Pessoa, Fernando de Holanda B. Filho e Fernando Veloso chamam a atenção para os poucos anos de educação básica que o Brasil tem, comparativamente a diversos países (mais ricos ou mais pobres), e sua conseqüência para o baixo crescimento que tivemos ao longo dos anos, e para a nossa perversa distribuição de renda.

Samuel e Fernando Holanda nos deixam pesarosos ao se perguntarem pelo motivo do descuido da sociedade com a educação na segunda metade do século passado em diante. Para eles, aos olhos de hoje, é difícil entender que a sociedade tenha se mobilizado pelo “petróleo é nosso” e que não tenha havido movimento equivalente pela universalização e por maior qualidade do ensino básico.

Se nos lembramos dessa época não foi apenas em petróleo que o Estado brasileiro, do período do nacionalismo-desenvolvimentista, investiu pesadamente. Vários setores da infra-estrutura básica, tais como mineração, siderurgia, telecomunicações, energia, portos, foram estatizados sob a alegação de que eram investimentos de longo prazo de maturação e de rentabilidade baixa, incapazes, portanto, de atrair o capital privado, quer nacional ou internacional.

Por 30 anos, até 1980, o Brasil cresceu a taxas espetaculares (7,4% ao ano, em média) e seu PIB em 1980 tornou-se 8,5 vezes maior do que em 1950. Certamente esse crescimento tem como fator fundamental a ação investidora do Estado. De 1980 a 1992, com a falência do Estado crescemos apenas 1,36% e o PIB per capita teve uma redução de 8%.

Em 1992 quando se inicia o processo de privatização, contávamos com mais de 800 empresas estatais em péssimas condições econômicas e financeiras, incapazes de serem recuperadas sem fortes investimentos. Em compensação, a escolaridade média da PEA brasileira em 1980 era de apenas 3,1 anos, apenas 1 ano superior à África subsaariana e bastante inferior aos países de língua inglesa (8,5 anos) e aos maiores países da América Latina, excluindo o Brasil (5,6 anos).

Samuel e Fernando Holanda mencionam ainda estudos que mostram que a incapacidade do Brasil em universalizar a educação básica no momento em que passávamos pelo processo de transição demográfica (quando se passou  a ter altas taxas de crescimento da população) explica diversas características trágicas de nossa sociedade hoje: favelização das grandes cidades, o forte crescimento populacional, a explosão da criminalidade, entre outras, além do aumento da desigualdade e da baixa produtividade do trabalho.

Por sua vez, Fernando Veloso chama a atenção que os países mais ricos (renda per capita superior a 23 mil dólares) em 2000 tinham escolaridade média superior a 8 anos enquanto que o Brasil tinha pouco menos de 6 anos para uma renda per capita de cerca de 7 mil dólares; escolaridade essa inferior à de países com renda per capita inferior à nossa. Mostra ainda que em 2006 essa pouca escolaridade brasileira era de má qualidade, pois nossa classificação no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) no máximo 49a com cerca de 393 pontos quando os dez primeiros colocados tinham acima de 500 pontos.

Frente a esses resultados o Brasil se lançou num programa de re-estatização do setor de petróleo no Brasil, turbinado na primeira semana de setembro pela exploração do pré-sal. A história se repete, agora como farsa e tragédia.

Como farsa, pois a razão ora esgrimida para que o Estado aumente sua participação no setor é oposta àquela da estatização do nacional-desenvolvimentismo: “trata-se de uma atividade bastante lucrativa que não deve ser deixada para o capital privado (nacional ou multinacional)”, embora seus frutos só venham a se concretizar em 10 anos. De fato, é apenas uma desculpa daqueles que acham que o Estado deve ser o proprietário dos recursos produtivos da nação e se ocupar da produção de bens e serviços mercantis.

A história se repete também como tragédia: podemos, com base na nossa história, inferir os resultados dessa opção em continuar investindo pouco e mal em educação: ampliação da favelização, da pobreza e da criminalidade nos anos que estão por vir.

Fico pesaroso em pensar o quão melhor o Brasil seria se os jornais da primeira semana de setembro anunciassem que os recursos (R$100 bilhões = 5 bilhões de barris de petróleo a R$20,00 por barril) que a União gastará para capitalizar a Petrobrás com vistas a exploração do Pré-sal seriam utilizados na educação e os se os jornais de 8 de setembro estampassem em suas manchetes: “O Brasil investirá R$31,5 bilhões para deflagrar uma revolução na educação”, ao invés de comprar armamentos. Isto sim beneficiaria a grande maioria dos pobres deste país, tornando-os mais produtivos, menos pobres, socialmente incluídos e contribuindo definitivamente para o desenvolvimento brasileiro.

Mas, como nos lembraria o Senador Cristovam Buarque, tal ação não rende votos mesmo que voltadas para os mais pobres. A sociedade continua preferindo estatais e armas.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

3 thoughts on “Claudio Considera: Pré-sal: farsa e tragédia”

  1. O sistema de ensino brasileiro avançou, a partir dos anos noventa do século passado, em termos da reconstrução do sistema educacional, da definição de metas, da busca de padronização de processos, da clareza de caminhos a percorrer, da identificação de linhas de pensamento/ação convergentes e conflitantes e conseguiu colocar a educação na boca do povo, e… a educação começou a entrar nos trilhos deste nosso país.

    Ora, Se chegamos até aqui, este grande empreendimento deve-se, em nosso diagnóstico, às discussões que informaram a elaboração da LDB, à contribuição da Conferência de Jontiem e A Educação para Todos no Brasil dos anos de 1990. Este movimento da sociedade em direção á construção da educação para todos, acabou por selar na pauta nacional, a preocupação em pensar a prática, em apresentar soluções concretas e a cobrar resultados. Foi definida e compactuada uma agenda que tentou, minimamente, colocar ordem na casa da educação.

    Este ano, estados e municípios apresentaram seu Plano Decenal de Educação. Qual a proposta a eles subjacentes para os próximos 10 anos do Século XXI? Mais um plano retórico? Ou um desejo que se fará ouvir por quem de direito e de poder? Quem ou como se amarrará o guizo no pescoço do gato, no sentido de aproximar a diversidade dos desejos, enfoques e competências técnicas. Enfim, como costurar uma agenda revolucionária para a educação, na qual todas as vozes se sinta representadas?

  2. Teus pensamentos e considerações são extremamente pertinentes. A revolução na educação ficou apenas na boca de Cristovam Buarque. Muitos acreditam que o PROUNI é uma revolução. Para mim, não passa de uma política demagógica, de conceder verbas de maneira indireta a instituições de ensino superior de má qualidade.
    Com o lançamento da nova campanha presidencial, vamos ver quem irá assumir o ônus de arcar com uma proposta para a educação que seja ao mesmo tempo transformadora e factível.
    cordialmente,
    Roberto Berlinck

  3. Prezado Simon Schwartzman:

    Concordo com o ponto de vista apresentado por Cláudio Considera e Cristovam Buarque, qual seja o de canalizar os recursos oriundos do pré-sal para fazer a educação básica acontecer neste país ou como sugerem: promover a “revolução na educação”. Não há nada mais revolucionário a ser feito, neste nosso país, do que recuperar o déficit histórico de inclusão educativa, herança do Brasil colônia, perdurando na Republica, salvo em curtos momentos de claros de inclusão entreabertos na vida nacional. Parece que não há nada tão difícil e nada tão adiado na agenda nacional. Estamos acostumados a pensar pequeno em se tratando da educação: poucos estímulos para alunos e docentes, poucas horas de inserção sócio-educativa e cultural, ausência de envolvimento da sociedade civil no controle da oferta e, sobretudo, falta de uma política de longo prazo nacionalmente compactuada.

    Ana Maria de Rezende Pinto

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