Claudio Monteiro Considera: Pobres Alunos

Recebi o texto abaixo de Claudio M. Considera, professor de economia da Universidade Federal Fluminense:

Pobres Alunos

Os professores da Universidade Federal Fluminense estão em greve junto com os de outras 44 universidades federais. Reclamam pelo cumprimento de um acordo celebrado com o governo anterior que, além de promover um reajuste salarial escalonado, cuja última parcela foi recentemente determinada por uma Medida Provisória, previa a elaboração de um novo plano de carreira docente que redundará em novos reajustes salariais. Os demais itens de pauta são os acessórios de sempre: melhoria nas condições de trabalho, rejeição à privatização do ensino superior, etc. O governo já havia anunciado desde o início do ano que não haveria reajustes salariais das carreiras de servidores públicos devido à gravidade da crise internacional e seus impactos na economia brasileira. Do ponto de vista dos reclamantes são justas as reivindicações e por consequência justa a greve para negociá-la com o governo.

O que argumento a seguir é que a greve é falsa, covarde e, portanto injusta. Em primeiro lugar, trata-se de uma greve que paralisa unicamente as atividades docentes dos professores na graduação. Todas as demais atividades desses mesmos professores continuam: os que atuam também na pós-graduação continuam a fazê-lo, pois se as paralisarem, os alunos perdem suas bolsas e os órgãos de financiamento cortam as verbas dos cursos. Em segundo lugar, todas as atividades de pesquisa dos professores continuam: se assim não for o financiamento das pesquisas cessa e o professor perde seu status de pesquisador junto aos órgãos financiadores. Em terceiro lugar, as participações dos professores em seminários, intercâmbios e outros eventos acadêmicos nacionais e internacionais são cumpridos religiosamente, alguns inclusive realizados nas próprias universidades que estão em greve. Em quarto lugar, os professores que ministram aulas nos programas de pós-graduação lato-senso pagos, continuam a fazê-lo, caso contrário não serão pagos e serão cortados do programa. Portanto, trata-se de uma falsa greve.

Mas, é uma greve real para os alunos de graduação que têm seus cursos, sonhos e calendários de vida interrompidos por um período indeterminado. Os prejuízos para esses alunos são irreparáveis. Em primeiro lugar, a interrupção do curso a um mês do seu término deixa em aberto o tema abordado até o início da greve, sem a necessária conclusão que amarra o assunto desenvolvido. Em segundo lugar, a tal reposição das aulas raramente é cumprida na mesma quantidade e qualidade de um curso regular sem interrupção. Em terceiro lugar, formaturas não serão realizadas no período previsto e sem os diplomas os alunos perderão empregos, vagas em cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior, possibilidade de participar de concursos públicos, etc. Em quarto lugar, a greve prejudica principalmente os alunos mais pobres, pois os que podem pagar já optaram por universidades particulares onde sabem o dia da matrícula e o dia da formatura, se seu desempenho for adequado. Isto sim contribui para a privatização do ensino superior. Por isso é uma greve covarde praticada contra um ator sem defesa.

Finalmente cabe uma reflexão sobre o significado de uma greve no setor público, particularmente no sistema de ensino. Lembremos que no setor privado a greve afeta o lucro do empresário que fará uma avaliação entre o reajuste salarial de seus empregados, a redução de seu lucro e de sua capacidade de competir em termos de preços e qualidade com seus concorrentes. No setor público, não existe empresário nem lucro para ser prejudicado. O prejudicado é a sociedade em geral e em particular os alunos (da graduação). Não sei qual a melhor forma de luta; cabe aos dirigentes sindicais pensarem sobre essa questão. Lembro que o último acordo foi negociado por meses sem necessidade de greve.

Outro aspecto é a forma em que tais decisões são tomadas; assembleias minúsculas, em que participam e votam professores aposentados. Quem já participou dessas assembleias sabe que sua direção prolongará sua duração até o tempo necessário para que fiquem presentes aqueles, que a direção do movimento, têm certeza votarão na sua proposta. Qual a representatividade de uma assembleia de 102 professores (incluindo os aposentados) para decidir em nome de mais de 3000 professores como ocorreu na Assembleia da UFF?

Por isso, por ser falsa e covarde trata-se de uma greve injusta.

 

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

5 thoughts on “Claudio Monteiro Considera: Pobres Alunos”

  1. Sabe Prof. Simon,

    Penso que está longe de ser injusta a greve. Embora alguns digam que em relação a maioria da população somos muitissimo bem pagos, não consigo entender um reajuste escalonado que, retirado o IR e basicamente focado em penduricalhos das gratificações, se resume a 20 reais.
    A sensação é que estão brincando com nossa inteligencia e transportando uma culpa pela docencia e formação de quadros para o país. A continuar assim, de fato, as melhores cabeças não estarão mais a caminho das universidades brasileiras, como aconteceu em grande parte com a educação básica. Não desmereço a educação básica, mas tenho certeza que os melhores educadores não estão optando por permanecer ali.

  2. Quando o professor Cláudio diz “Não sei qual a melhor forma de luta; cabe aos dirigentes sindicais pensarem sobre essa questão”, ele simplesmente tira o corpo fora ou é impressão minha? Gostaria imensamente que ele, uma também cabeça pensante da Universidade Brasileira, ajudasse a encontrar outra maneira de se conseguir alguma coisa sem greve, no Serviço Público. E que nos informe a respeito!

  3. Prezado Marcos Magalhães ,

    Estou na UFF desde 1980 e quando não tínhamos democracia fiz minhas greves e lutei contra a ditadura desde quando era aluno da  própria UFF. Desde que passamos a ter um regime democrático nunca mais cometi essa leviandade! Prezo muito minha função de educador e respeito meus alunos!
    Deixe de ser romântico! Não há qualquer sacrifício para os professores, nenhuma punição. Todos continuam a receber seus salários e complementacoes de toda ordem! E, mesmo eu que não concordo em paralisar meu curso agora a três semanas do seu termino estou condenado a interromper minhas atividades docentes. Não haverá matriculas para o semestre seguinte enquanto durar a greve,
    Espero que você continue a ter o respeito dos seus alunos!
    Cláudio Considera

  4. Prezado Professor Simon e seus leitores:

    Aplaudo vivamente o texto do Professor Cláudio Considera. Perfeito.

    Mauro Braga

  5. Prezado Cláudio,

    Não generalize, por favor. São comentários irresponsáveis como estes que nada ajudam em solucionar os problemas das universidades e, ainda, nossos enquanto docentes.

    Apenas um claro contra-exemplo: na UnB, sim, paramos graduação e pós. Obviamente existem professores que não aderem à greve, mas estes não são maioria. Então, caro, não seja leviano e irresponsável.

    Estou cansado de ver por aí comentários e textos a exemplo deste que escreves. Fala-se sobre a ineficácia da greve, do prejuízo que elas trazem. Contudo, não vi um autor sequer ter atuado ou indicado caminhos, tempestivamente, para que esse recurso não tivesse que ser adotado. Não vi nenhum professor que pragueja contra a greve, uma vez tendo alcançado resultados, abrir mão de qualquer ganho conseguido dolorosamente por aqueles que aderiram à greve.

    Vejo, sim, um comportamento mesquinho, moralmente condenável, que o senhor, como professor de economia, deve conhecer: o problema do “free rider”, ou seja, aqueles que nada fazem para auxiliar, muitas vezes atrapalham, e se beneficiam com as ações e ônus dos demais.

    Por fim, lembro que os docentes têm negociado, sem apelo à greve, desde 2009 o plano de carreiras e, obviamente, a valorização da tabela remuneratória. Por duas vezes consecutivas, em 2010 e 2011, apesar dos mesmos argumentos que hoje nos apresentam – o prazo de 31 de agosto para fechamento da LOA – o prazo foi “convenientemente” vencido, empurrando a solução para o ano seguinte. O acordo no final de 2011, cujo principal aspecto era o fechamento da negociação da carreira até 31 de março, não foi atendido e protelado. Até hoje não temos qualquer proposta concreta sobre nosso plano. Como professor de economia, acredito que conheces dentro da teoria do jogos a questão de ameaças críveis no contexto de atualização de crenças. Significa que, se um determinado momento não tomas uma atitude conforme prometida, o outro jogador vai entender como blefe e continuar agindo da forma que mais o convém.

    Então, meu caro, não sejas tolo, nem falte com a justiça. A greve é justa, não é covarde, e informo muitos professores pararam suas aulas na pós.

    Não sei qual sua história na universidade, mas eu estou lutando para continuar sendo professor, porque, meu caro, está ficando muito difícil não partir para outro cargo público. Estou na universidade por opção e não por falta dela.

    Quanto às assembléias, bom, entendo que: (1) todas são convocadas com prazo mínimo legal definido; (2) em todo processo democrático, se não compareces, delegas a decisão aos presentes; (3) se quiseres mudar a situação, compareça às assembléias… quem sabe não consegues convencer outros docentes do seu ponto de vista?

    Sinceramente,
    Marcos Magalhães

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