Geraldo Martins: Duas Verdades e Oito Mentiras

Ponto de vista de Geraldo M. Martins ( educador, sociólogo e administrador. Atualmente, coordenador da Pastoral da Ecologia da Diocese da Campanha. gemartins@uol.com.br)

DUAS VERDADES E OITO MENTIRAS

Penso que a maioria dos brasileiros deve ter ficado decepcionada com pronunciamento da Presidente Dilma na noite dessa sexta feira, 21 de junho. Minha expectativa era de que nossa Chefa de Estado anunciaria algo mais contundente para responder aos anseios que o povo vem progressivamente manifestando nas ruas. Esperava por exemplo o anúncio de sua convincente decisão de que estaria enviando ao Congresso, com urgência urgentíssima, um projeto de emenda constitucional para convocação imediata de uma Assembleia Constituinte exclusiva para que possamos ter a esperada reforma política. Podia até ser uma medida heroica, pois todo mundo sabe da falência moral e representativa da maioria dos parlamentares. Mas, pelo menos estaria ficando ao lado do clamor popular. Por isso, foi um discurso longo e decepcionante que pode ser resumido em duas verdades e oito mentiras.

VERDADE 1 – VIOLÊNCIA – Ninguém discordará da convocação da Presidente: “Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil”. Foi também o apelo da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros – CNBB. Apenas teria que ser complementada que essa vergonha não esta só nas depredações ocorridas nas manifestações. Haveria de ser incluída a violência gigantesca contra as populações indígenas, contra o meio ambiente, contra os direitos humanos e uma lista enorme de outras como a violência do trânsito, do tráfico, da carga tributária, da falta de atendimento médico que matam diariamente mais de mil pessoas.

VERDADE 2 – DEMOCRACIA – Ninguém poderá discordar também que a democracia precisa ser fortalecida, defendida e aprimorada. Dilma se lembrou da sua geração afirmando que “O Brasil lutou muito para se tornar um país democrático”, mesmo tendo que pegar em armas, assaltar bancos e partir para a guerrilha. Sem dúvida, a democracia e seu corolário, a liberdade é o maior valor e a maior conquista da sociedade para a convivência cívica. Ruy Barbosa já sentenciava: A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras. Mas também não podemos nos iludir com uma falsa democracia sequestrada e vilipendiada pelos donos do poder, pelos políticos e por todas as formas de corrupção. Indiscutivelmente, não temos uma democracia participativa.

ENGANAÇÃO 1 – REFORMA POLÍTICA – Reconhecendo que um dos principais focos dos protestos é a rejeição do sistema político vigente que está falido e extremamente corrompido, a Presidente prometeu que agora vai se esforçar para promover uma ampla reforma política. Mas o que fez o governo até agora? Esse é o mote de todas aas campanhas eleitorais e nessa última foi veementemente defendida pela candidata. Bom, agora até faz sentido, pois a campanha para 2014 já está nas ruas. Mas não deixa de ser uma tremenda enganação. Se a promessa fosse uma prioridade para valer, teria defendido e anunciado uma imediata convocação de uma ASSEMBLEIA CONSTITUINTE ESPECÍFICA para tratar dessa reforma. Uma representação política autêntica precisa ter legitimidade e não apenas o cumprimento das formalidades eleitorais.

ENGANAÇÃO 2 – GASTOS COM A COPA DO MUNDO – A Presidente minimizou os gastos afirmando que o dinheiro não saiu dos cofres públicos, mas das empresas e dos Estados. Ora o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e a imprensa já se fartaram de denunciar o superfaturamento, os custos elevados e os desvios de recursos públicos para obras dos estádios, aeroportos, etc. O pior é que a maioria delas foram obras faraônicas e afrontosas diante de muitas carências da população principalmente nas áreas de saúde de saneamento.

ENGANAÇÃO 3 – MOBILIDADE URBANA – Dilma anunciou que convidará governadores e prefeitos para aperfeiçoar as instituições e anunciar novos planos de ação, como o Plano Nacional de Mobilidade Urbana. Ora, para a realização da Copa estão sendo gastos 12 bilhões de reais contemplando apenas os acessos viários de carros para estádios, hotéis e aeroportos. Nenhuma prioridade foi dada ao transporte coletivo para as massas de trabalhadores urbanos. As ruas estão congestionadas. Além do preço das passagens, há que se pagar um enorme desperdício de tempo. Quem estimulou o transporte individual isentando os carros do IPI?

ENGANAÇÃO 4 – AS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS – O discurso defendeu os partidos e o sistema eleitoral sem os quais não poderia haver uma verdadeira democracia. Mas será que o voto é realmente livre? Não vivemos sob uma ditadura dos partidos que impigem aos eleitores seus candidatos? Por outro lado, é impossível ignorar o anacronismo e o abastardamento do regime presidencialista que depende de coalizões espúrias e barganhas interesseiras e nefastas, como é hoje chamado o peemedemismo e os partidos de mentirinha, segundo o Ministro Barbosa.

ENGANAÇÃO 5 – LIVRE ACESSO Á INFORMAÇÃO – Mais uma conversa para engamelar, pois a Lei de Acesso à Informação já existe há tempo para todos os poderes da República e governos estaduais e municipais. Porque estão o Planalto decreta sigilo sobre todas as informações de gastos das viagens presidenciais ao exterior? Porque o governo apoia a PEC 37,  já conhecida como PEC da impunidade, pois pretende tirar o poder de investigação do Ministério Público?. Caso seja aprovada, ela inviabilizará algumas investigações como: desvio de verbas, crime organizado, abusos cometidos por agentes dos Estados e violações de direitos humanos. E depois, a presidente fala em tom solene que “a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor”.

ENGANAÇÃO 6 – ROYALTIES PARA A EDUCAÇÃO – Essa ladainha já rola desde o primeiro mandato de Lula. Quem vai acreditar que o Congresso Nacional irá destinar 100% dos royalties para a educação? Seria essa a fórmula salomônica de resolver a disputa entre os estados produtores e não produtores? Como explicar essa prioridade se o governo está financiando universidades na África?

ENGANAÇÃO 7 – MELHORIA DO SUS – A presidente prometeu “trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde”. Só se forem médicos desempregados na Europa ou de países em crise econômica que estejam dispostos a aceitar a remuneração miserável que os médicos brasileiros recebem e por isso se veem forçados a abandonar o SUS para sobrevirem. E o que dizer do estado caótico dos hospitais com suas filas enormes de pacientes sem atendimento? Imaginem quantos hospitais não poderiam ter sido construídos e equipados com os gastos de apenas um dos estádios megalomaníacos?

ENGANAÇÃO 8 – COMBATE À CORRUPÇÃO – Bom, essa mentira não precisa de comentários. Basta ver as negociatas com congressistas e a leniência com as obras superfaturadas. Não seria enganação se a presidente anunciasse que iria reduzir pela metade os quarenta ministérios que expressam uma autêntica corrupção institucional.

 

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

2 thoughts on “Geraldo Martins: Duas Verdades e Oito Mentiras”

  1. A REVOLTA DOS 20 CENTAVOS
    Eu acho que a maioria das pessoas estão nas passeatas por motivos intuídos, mas ainda não claramente formulados. Por isso esta tendência de pauta muito grande e até contraditória. Porque isto? O que acontece? É que em uma democracia representativa as aspirações da população são levadas ao governo pelos seus representantes após debater as propostas. E o que acontece na realidade? Uma panelinha dentro dos partidos escolhe em que você vai poder votar. Inicialmente o PT tinha uma tradição de democracia interna que está sendo cuidadosamente desmontada pela
    cúpula do partido. A própria candidatura da Dilma foi enfiada pela garganta abaixo do partido, que neste aspecto também, está se tornando igual aos outros. Assim não há correias de transmissão entre o povo e as estruturas do legislativo e executivo. Assim o que resta? Gritar na rua as suas verdades e necessidades, afrontar os poderes, a procura de quem o ouça. O procedimento democrático, de baixo para cima, nos partidos é uma urgente necessidade. O partido deveria ser o avalista dos candidatos que apresenta para cargos eletivos ou e confiança, sendo punido com exclusão de pelo menos duas candidaturas em caso de cassação. Como pode o partido ter exclusividade de indicação de candidatos e não responder por seus atos?
    Todos no fundo querem a mesma coisa, serem ouvidos e levados em consideração fora do período eleitoral, querem troca de informações, querem acompanhar o forjar de seu destino, como indivíduo participante e não como tutelado.
    O sistema de voto distrital seria um bom começo, mas só vai passarem em uma constituinte específica sem participação de políticos partidários Os políticos podem dizer que a mensagem passada pelas ruas é difusa, contraditória, confusa, e podem até dizer que não entendem, mas o que não escutarem agora vai ser gritado em seu ouvido, em outra esquina e em outro dia.

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