Jorge Jatobá: As Escassez de Médicos

doctorsEscreve Jorge Jatobá, da CEPLAN  Consultoria Econômica e Planejamento de Recife:

A Escassez de Médicos

A escassez é central ao conceito da Economia. Se o preço não racionar um bem ou serviço, a fila o fará. Quanto maior a escassez, maior é o preço. Quando o preço não funciona por alguma razão e a quantidade é finita, a fila raciona. No Brasil os médicos são escassos e o acesso aos seus serviços é, por conseguinte, caro, sendo, no setor privado, o privilégio daqueles poucos pacientes que conseguem pagar consultas ou seguros-saúde de elevado custo. Estudo do IPEA (Perspectivas Profissionais, 2013) mostra que dentre 48 carreiras no país, a de medicina é aquela onde há maior escassez. Na rede do SUS o acesso é gratuito, os médicos ainda mais escassos, sendo o racionamento imposto por longas esperas que se manifestam em prolongados períodos para o cidadão ser atendido.

Faltam médicos no país, especialmente aqueles que se dedicam à atenção básica: pediatras, clínicos gerais e geriatras. Há mais especialistas, notadamente em áreas onde os retornos privados são elevados. Jovens médicos são atraídos por especialidades que oferecem altos rendimentos. Se o mercado funcionar livremente serão muito poucos os médicos generalistas envolvidos no atendimento à demanda da população pelos serviços do SUS. O mercado define diferenças de remunerações que desestimulam a oferta desse tipo de médicos. No entanto, os incentivos de mercado nem sempre atendem ao interesse público. Nesta situação exige-se a intervenção do Estado por meio de políticas públicas. O argumento é que se o mercado falhar, o estado tem que entrar em cena para atender ao interesse público. O desafio é saber como! O Governo lançou o Programa Mais Médicos, mas não se pretende avaliar aqui se esta proposta é a mais adequada para atender as necessidades da população brasileira. Discutem-se aqui apenas princípios de política pública e atitudes dos médicos e suas corporações.

O princípio essencial é que a intervenção do Estado não ofereça incentivos errados. Se os incentivos estivessem corretos a distribuição dos médicos no país não seria tão concentrada nos grandes centros urbanos nem teríamos tantos especialistas e tão pouco generalistas. A revisão crítica desses incentivos (ou desincentivos) deve começar nos cursos de formação, estender-se à residência médica e, finalmente, ao jovem médico ingresso no mercado de trabalho. Como estimular, então, a oferta de mais médicos, em geral, e de mais médicos clínicos, em particular? Como aproximar os serviços médicos da população que vive nas periferias das grandes cidades e no interior do país? Cabe aos especialistas em políticas de saúde responder a essas questões. Entretanto, não compete somente ao poder público contribuir para a formulação correta das políticas de saúde. Os médicos, por meio de propostas e iniciativas dos seus conselhos e associações, têm um papel importante a cumprir. Assim, não contribuem para melhorar a política de saúde: i) o Ato Médico, parcialmente e corretamente vetado pela Presidente da República; ii) a resistência dissimulada à importação de médicos, e iii) a criação de uma carreira de estado para médicos do SUS.

O Ato Médico, na versão aprovada pelo Congresso Nacional, era destinado a criar ainda mais escassez e a atender interesses corporativos da classe médica, criando reserva de mercado, não apenas para algumas práticas da saúde, mas também para a sua gestão, uma regulação que coloca os interesses da categoria acima do interesse da sociedade.

A resistência à importação de médicos, dissimulada com o argumento correto do Revalida que testa o conhecimento dos estrangeiros para poder praticar medicina no país, restringe ainda mais a oferta de serviços médicos no curto prazo. A experiência internacional referenda a importação deste tipo de profissionais da saúde e ela deve ser buscada se os médicos brasileiros não ocuparem seus espaços como profissionais e cidadãos de um país ainda profundamente injusto.

Por fim, a demanda por uma carreira de estado assenta-se na estabilidade do emprego, inimiga da eficiência, geradora da acomodação e fonte de ainda maior corporativismo. Os médicos deveriam ter um plano de cargos e salários recompensador com base no mérito e lastreado na CLT. Caso não correspondessem às suas responsabilidades profissionais seriam substituídos após os ritos legais como a grande maioria dos trabalhadores brasileiros. A carreira de estado para médicos criaria mais uma corporação, dentro do setor público, a demandar cada vez mais direitos e a cumprir cada vez menos os seus deveres.



Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

8 thoughts on “Jorge Jatobá: As Escassez de Médicos”

  1. Boa tarde.
    Pena que o assunto ficou um tanto parado.

    Da mesma forma ficaram parados os governos que se sucederam no passado recente. A crise, apontada e cobrada na rua pode ser entendida como a ausência de escolha de um ou melhor de diversos modelos complementares . A partir de um modelo maior.

    Tal modelo maior seria uma opção por saúde de massa , ou social, como queiram. Ou por um outro modelo qualquer, como a da saúde estatal tipo que me parece o adotado por alguns países europeus. Onde pontifica ou pontificava o da Inglaterra.

    Ficou nosso país , no meio do caminho. Com um modelo dito universal ou universalista – o SUS, tendo por raiz a Constituição e, em paralelo um outro dito privado. E de permeio a saúde assistencialista das santas casas. Este último, segundo a imprensa, em grande parte, financeira e , em decorrência, operacionalmente, falido.

    Se o objetivo era prover a população com um SUS, a partir da base, o médico de família ou generalista : Clinico Geral, Geriatra, Pediatra
    , Sanitarista, o que seja, sua formação deveria ter sido estimulada. Ou seja, o modelo de ensino da Medicina deveria ter sido alvo de alterações. Lá atras.

    Hoje , definitivamente não há médicos em quantidade suficiente. Há padrões aceitos de sei lá quantos médicos por tantos habitantes. O que implica em tantos enfermeiros, tantos auxiliares de enfermagem, tantos laboratoristas, tantos isso e aquilo, e mais a planejada e implantada infraestrutura física e logística .

    Em resumo, o dever de casa dos governos recentes não foi feito. Sequer sabe o público quais são as reais necessidades. E fica o mesmo, desassistido. E perdido em meio a mais uma destas zonas cinzentas que se criaram em nosso país : a saúde da população resta dividida entre governo federal, estadual e municipal, planos de saúde, rede assistencial e rede privada. E assiste-se ao eterno jogo de empurra que leva pacientes para os corredores de hospitais, para o abandono, para as filas em upas, upps e outras siglas políticamente e não raro, arquitetônicamente grandiloquentes.

    A Demografia e a expansão da urbanização, o crescimento da ocupação humana em áreas de interior e/ou seu esvaziamento, não são novidade. Parece que se sentou em cima da questão. Sentaram todos os que alguma responsabilidade maior tinham.
    Ajscampello

  2. O autor demonstra não estar familiarizado com o assunto.
    Aplicar regras da Economia Classica na gestao de saúde é um equivoco que somente os desavisados cometem. A titulo de informação sugiro que o articulista se informe melhor procurando conhecer o porque que as leis de Mercado não podem ser utilizadas nesta area da atividade humana.

  3. Falando em incentivos, não consigo ver como o Ato Médico é prejudicial no que tange à formação de mais médicos. Penso que se uma pessoa pode escolher entre fazer uma faculdade de 4 anos em nutrição, fisioterapia ou o que seja e tem como certeza de que após tal faculdade ela muitas vezes poderá tomar o lugar de médico no atendimento, ela irá fazer essa faculdade ao invés de fazer Medicina – pois o incentivo para gastar mais tempo na formação simplesmente não existe.
    Como já disseram aqui nos comentários trata-se de uma regulamentação necessária, que implica inevitavelmente em reserva de mercado.
    O programa Mais Médicos independentemente de qualquer coisa é um programa que cheira a eleitoreiro para dizer o mínimo, ainda mais quando tenta colocar o médico como o grande vilão da história.
    Mais um vez falando de incentivos, se o médico não tem garantia de um bom plano de carreira no interior, para que ele irá se deslocar?

  4. Boa noite.
    Depois do trabalho, participar, como cidadão interessado.

    Pois então, penso que Saúde não é algo que se resolva, apenas com médicos ou com mais dinheiro – investimentos em hospitais,
    postos, etc.

    Pense-se nas diversas e extensas cadeias de produção envolvidas . Desde a mais comezinha gaze e esparadrapo (hoje são necessários diversos tipos deste item tão simples) até a mais complexa e famosa tomografia. Tais cadeias são, hoje, inclusive, internacionais.
    Assim como é internacional a indústria farmacêutica e mesmo a “produção” do conhecimento médico.
    Penso que continua-se, em nosso país a apostar indevidamente na teoria da “bala de prata”. Ato Médico, Programa Mais Médicos. São, a meu ver, tentativas simplistas (talvez corporativistas e/ou políticas) de trazer solução a um dos muitos problemas que vive nosso país. Problemas que são, sempre, muito mais complicados que nossas vãs opiniões. Tanto mais que são , muitos deles, crônicos.
    É fácil apontar que a má resolução destes problemas, crônica, depende dos políticos, do SUS ou do setor privado ou dos profissionais, ou mesmo do longínquo eleitor. Depende de todos nós.
    Boa noite. Ajscampello

  5. Caro economista, em relação aos 3 pontos apontados ao final do texto:
    – a lei do ato médico não tem o objetivo primário de reserva de mercado, e sim de justamente regulamentar a mais antiga das profissões da área de saúde. Todas as outras tem regulamentação e são protegidas por suas respectivas leis. Todas elas reservaram seu mercado. A lei do ato médico não poderia anular o que a lei de outras profissões já define para elas. Pode haver correções de redação necessárias, mas a definição do autor é simplista e baseada apenas em anti-corporativismo;
    – a resistência a importação de médicos que ele chama de “dissimulada” na questão da revalidação, demonstra o preconceito do autor em relação aos médicos. Médicos são profissionais que op´taram por trabalhar (e ganhar por isso) auxiliando os outros (com exceções , é claro, como em todas as profissões). A única razão de nós médicos sermos contra a importação é exatamente a não revalidação de diplomas. Isso não é dissimulação, é uma obviedade, pois o Conselho Federal de Medicina e a Assoc. MEdica BRasileira, representando o pensamento dos médicos, acha que para cuidar de qualquer brasileiro é preciso atestar competência suficiente na medicina e na lingua portuguesa. Acredito que o autor da matéria deva ir, como os politicos PTistas, para o Sirio-Libanes ou similar de Recife quando precisa. Nenhum deles (provavelmente o autor também) não querem ser atendidos por medicos estrangeiros sem diploma reconhecido.
    – por fim, a questão da carreira de estado é discutível. A estabilidade pode ser dependente de avaliações de desempenho, p.ex.. Não discordo totalmente do autor. A questão é se criar uma carreira de verdade, com perspectiva futura com plano de cargos e salários decentes. Como comentei em email anterior, engenheiros tem carreiras em estatais federais com salarios e plano de cargos decentes. Chegam aos 20-30 anos de trabalho (unico) ganhando 50 a 100% mais que um medico com 2 empregos (que tem que correr pra lá e pra cá, com custos financeiros e de saúde maiores). Advogados entram para a carreira publica e ganham isso ou mais, dependendo se defensores, procuradores, juizes ou desembargadores. Contratar profissionais estrangeiros que não são medicos no Brasil, assim como eu não sou médico fora do país, de forma rapida/atabalhoada para tentar reverter queda de popularidade e pagando por periodo curto/limitado 3 a 4 vezes mais que o que o mesmo estado oferece para concursados me parece totalmente inexplicável. Não vai resolver nada.

  6. Um belo artigo. Mas creio que esta separação entre público e provado já não faz mais sentido. Há muito os médicos gritaram “A saúde é nossa”, e aceitamos. Agora somos reféns da idéia de que mais médicos significa mais saúde. Resposta errada. Eu pago UNIMED, que vai para a corporação de médicos, e na minha folha descontam o SUS, que vai para corporação de médicos. Simples.

    1. Caro Sandro, vocÊ paga plano de saúde que vai para empresas, não para a mão de medicos. Os medicos são explorados por elas, inclusive pela própria UNIMED. E você paga para o SUS e isso tb não vai para corporação de médicos, isso vai para o governo federal pagar bolsas, aplicar mal seu dinheiro e para pagar a corrupção desse país. Já foi o tempo que medicos só atendiam clientes particulares e recebiam o quie quisessem diretamente, sem o iontermedio de planos de saude. A unica solução seria uma saude publica eficiente e totalmente estatizada, mas nos moldes que deram certo (Inglaterra, p. ex.). Não nos moldes que o PT propõe.

      1. Quero me corrigir. O $ não vai para os médicos em sentido estrito, mas para o “negócio da saúde” que envolve a corporação médica, os laboratórios, a indústria farmacêutica, a bancada médica. Neste “negócio”, o que menos importa é a saúde da população e sim mante-lo funcionando. Médicos de paletó e gravata, sendo chamados de Doutor, sem ter feito nem mestrado? Que autoridade é esta?

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial