No Escuro

tunelPublicado na Folha de São Paulo, 27 de outubro de 2014.

Escrevo na véspera do segundo turno, sem saber o resultado. As eleições deveriam ser uma oportunidade para que a sociedade se revigore, com uma liderança enriquecida pelo confronto de ideias e fortalecida pelo apoio da sociedade. Infelizmente, o que se viu neste final de campanha foi um país fraturado, em um momento em que a economia estagnou e as políticas sociais tradicionais parecem ter se esgotado, com a desigualdade persistindo, o desastre da educação que não melhora e o agravamento da violência urbana.

Expressei por diversas vezes minha convicção de que a oposição tem um melhor diagnóstico, melhores quadros e mais condições de construir consensos e avançar; seu grande problema no governo seria a perspectiva de uma oposição empedernida que levasse o país à paralização.

Os exemplos do primeiro governo Lula, ao endossar o Plano Real, substituir o fome zero pela bolsa família e manter os sistemas de avaliação da educação, assim como o do início do governo Dilma, ao parecer enfrentar a corrupção em seu ministério e assumir uma posição mais clara, internacionalmente, em defesa dos direitos humanos, e, mais recentemente, ao buscar a participação do setor privado nos investimentos, mostraram que o PT tem condições de atuar de forma pragmática e buscar sair das amarras ideológicas e das práticas políticas que predominaram até aqui, com a vantagem que teria o apoio da oposição se efetivamente procurar avançar.

Então, há razões para algum otimismo. Apesar da polarização da campanha, buscando dividir o país entre “nós” e “eles”, existem alguns consensos que sobre os quais se pode construir: as conquistas sociais precisam ser mantidas e aprofundadas, a corrupção na administração pública precisa ser contida, a economia precisa recuperar seu dinamismo, a educação precisa melhorar, a violência precisa ser enfrentada, as questões ambientais, climáticas e energéticas precisam tratadas seriamente, e o sistema representativo precisa ser repensado.

Não será possível continuar lidando com estas questões como quando o dinheiro fluia para o governo pelo aumento de impostos, pelos ventos favoráveis do comércio internacional ou pelo endividamento crescente, e as políticas públicas eram sinônimo de distribuir benefícios e garantir privilégios. Persiste ainda a ideia de os recursos públicos são infinitos, de que 2+2=5, quando corre o risco de ser 3 ou menos. Sair desta ilusão é difícil, porque requer contrariar interesses e expectativas de tantos que querem sempre mais, sem abrir mão de nada nem admitir que a mágica não existe, e que Deus não é brasileiro.

Existe sempre a tentação de tentar sair desta situação pela intolerância, dogmatismo e acirramento dos confitos, substituindo o pragmatismo do possível pelo absolutismo das convições, colocando o país em um plano inclinado de conflito, desorganização e decadência, que olhando em volta vemos que pode não ter fim. Existe espaço para se pensar novamente em um pacto social, em benefício do país?

 

 

 

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

3 thoughts on “No Escuro”

  1. Simon, como de hábito, admiro tua reflexão. Depois de assistir ao debate entre Bolivar Lamounier e Marcio Pochman, antes das eleições, acho inevitável ficar mais pessimista. O último apresentou um diagnóstico de que está tudo bem, estaríamos no limiar de um tempo de amplas possibilidades abertas. Na beira do abismo, muitos acham que saída é correr para frente. Infelizmente, parece que o risco da bolivarianização (não no sentido do Bolivar Lamounier, claro) não pode ser afastado.

  2. No segmento da educação, por exemplo, há um crescente orçamento recorde no governo do PT. E ela não melhora. É necessário questionar o modelo, e esse espaço contribui muito para reflexão.

  3. Bom ler esse comentário hoje, depois do fim perturbador das “eleições do ódio”. Infelizmente, creio que a resposta à sua pergunta ao final do texto está parcialmente respondida. Setores da inteligenzzia brasileira ligados ao atual governo, seja pelo lado que for, ainda que não abertamente partidário, comemoram de maneira sectária e revanchista. Seria só um discurso de celebração? Não acho. Conhecendo os personagens, vejo nisso uma intenção de exercício autoritário do poder no bom e velho estilo “nós” contra “eles” e em “vamos mostrar quem manda aqui”.

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