A querela das cartilhas – 2

João Batista de Araujo e Oliveira enviou a seguinte carta a Hélio Schwartsman, que está compartindo também com este blog:

Prezado Jornalista Hélio Schwartsman:

Muito salutar e prudente sua intervenção no debate sobre alfabetização. Sem elencar os vários e importantes méritos do mesmo, e sem apontar algumas impropriedades justificáveis pela sua qualificação, permita-me aprofundar dois aspectos. Em deferência à sua formação filosófica, falarei de condições necessárias e suficientes.

Das condições necessárias. Você coloca nos devidos termos o que o Ministro Fernando Haddad propôs: um debate sobre alfabetização. Ele não falou em métodos nem em cartilhas. No artigo que publiquei a convite da Folha, listei quatro tópicos que me parecem essenciais para o debate avançar e que seria importante discutir nessa ordem: o que é alfabetização, quais os métodos mais eficazes, quais os materiais mais eficazes e como avaliar para saber se o aluno sabe ler e escrever. É infrutífero falar de métodos ou materiais (cartilhas) sem um acerto sobre o conceito de alfabetização. Essa discussão só vingará se o Ministro da Educação criar o foro e um mecanismo adequado para conduzi-la e chegar a bom termo – como já ocorreu na maioria dos países. Estabelecer uma política adequada de alfabetização é a condição necessária para alfabetizar. E isso depende essencialmente da revisão dos Parâmetros Curriculares Nacionais de alfabetização pelo MEC.

Das condições suficientes. Aqui há duas vertentes. A primeira trata das condições suficientes para alfabetizar. Se tivermos clareza sobre o tema, materiais e métodos adequados, caberá às Secretarias, escolas e professores prover as condições suficientes. Felizmente alfabetização é uma etapa que pode ser vencida pela esmagadora maioria das crianças – independentemente de QI ou nível sócio-econômico. Esta é uma batalha que o Brasil pode vencer em espaço relativamente curto de tempo – e que independente da Grande Revolução Educacional. É possível mobilizar o país e as escolas para assegurar a alfabetização das crianças.

A outra vertente são as condições suficientes para a escola funcionar e para a alfabetização se tornar num instrumento útil para a escola e para a vida. As pesquisas do Instituto Montenegro confirmam a forte associação entre anos de escolaridade e compreensão. Com até 3 anos de escolaridade, apenas 15% das pessoas atingem um nível básico de compreensão. Com até 7 anos de escolaridade, esse número passa para 55%. Essas pessoas são capazes de fazer sentido do que lêem, mas ainda não possuem as condições para uma leitura crítica. Fazer a escola funcionar requer muito mais do que alfabetizar. Mas sem primeiro alfabetizar, a escola nunca vai funcionar. Só alfabetizar não resolve, mas ainda não conseguimos nem fazer isso bem, para a maioria das crianças.

Entendo que a falsa polêmica de que trata seu artigo se refira às pessoas que se recusam a discutir a especificidade da alfabetização em nome de uma revolução educacional. Não vi ninguém defender que apenas cartilhas, métodos ou mesmo que a alfabetização, por si só, resolve todos os problemas da educação.

Apenas para concluir: Piaget está para a Ciência Cognitiva da Leitura e para a Psicologia Cognitiva contemporânea como as idéias de Haeckel sobre ontogênese e filogênese estão para a pesquisa do genoma. Ambos merecem toda nossa admiração e respeito, e no máximo dois parágrafos em livros de história dessas ciências. Oxalá os seguidores de Piaget estivessem à altura de seus calcanhares!

A querela das cartilhas

Hélio Schwartsman (não é meu parente!) publica hoje na Folha de São Paulo um artigo sobre “A Querela das Cartilhas”. Ele vê mérito nos diferentes métodos, acha importante o tema, mas conclui que “daí não se segue que nossos péssimos índices de sucesso na alfabetização sejam conseqüência direta da presença ou da ausência de cartilhas e outros materiais didáticos. Candidatos mais verossímeis para explicar os fracassos da escola pública na alfabetização são o despreparo dos professores, as classes superlotadas, a falta de estímulos à leitura no ambiente familiar, o pouco envolvimento da comunidade no processo educacional e o acesso limitado das crianças à pré-escola. Mudanças na forma de ensinar sempre podem produzir ganhos incrementais. Mas defender esse tipo de discussão não implica aceitar a falsa polêmica que se esboça. Pelo contrário, devemos rejeitá-la. Ela apenas lança uma cortina de fumaça sobre o crime continuado que há anos perpetramos contra o país ao não tornar a educação básica a prioridade nacional.”

Tudo a favor de fazer da educação uma prioridade nacional. Mas a questão dos métodos de ensino, que não se reduz ao uso ou não uso das antigas cartilhas, não pode ser desqualificada. Os filhos dele, como os meus, aprendem a ler praticamente “sozinhos”, pelo ambiente cultural em que vivem. São candidatos ideais para escolas e métodos experimentais de qualquer tipo. Já os de famílias pobres e pouco educadas, se não recebem uma educação bem estruturada e sistemática e resolvem de forma efetiva a alfabetização inicial, não aprendem nunca. É o que mostra a altíssima correlação entre nível socioeconômico das famílias e desempenho escolar das crianças no Brasil. É claro que se não há professores minimamente qualificados, se os professores faltam ao trabalho ou são substituidos a toda hora, se a escola é um caos e não tem o mínimo de recursos, não há método que funcione. Mas sabemos também que pouco adianta melhorar os salários dos professores e obrigá-los a ter diplomas de nível superior e de pós-graduação se eles não aprendem e utilizam métodos adequados de ensino, apoiados por bons materiais didáticos, e acompanhados por procedimentos regulares de avaliação. Nossas secretarias de educação gastam muito dinheiro em todo tipo de programas de qualificação de professores, e os resultados destes esforços são desconhecidos, e provavelmente nulos.

Para avançar na área da educação não basta a boa vontade e o bom senso, e nem mesmo dinheiro: é necessário também pesquisar e entender o que funciona e o que não funciona. Hoje, por exemplo, há uma idéia generalizada de que a falta de pré-escola é uma das causas do fracasso escolar no país. A pré-escola vem se expandindo enormemente nos últimos anos, consumindo recursos que poderiam estar sendo aplicados na melhoria da educação fundamental, mas não há sinal de que, com isto, a qualidade da educação básica esteja melhorando. Pesquisas fora do Brasil comprovam que um bom investimento na educação pré-escolar é muito importante para garantir bons resultados futuros. Mas quem disse que a pré-escola brasileira é um “bom investimento na educação”, e não, simplesmente, um sistema de creches de qualidade desconhecida, sobretudo para a população mais pobre?

Faz parte da tarefa de colocar a educação como prioridade nacional ir além do sentido comum, e entender melhor os problemas específicos e os possíveis resultados de determinadas políticas. Em relação aos métodos pedagógicos, o que necessitamos é sair da situação que havia até agora em que o governo impunha um método único, de validade questionada em todo o mundo, para uma situação em que o setor público estimule a pluralidade de métodos e avalie de forma sistemática os resultados, fazendo com que o melhor prevaleça. É só um pedaço do problema, mas um pedaço muito importante.

Contribuição de Claudio de Moura Castro: o relatório de Mr. Saturnino

Cláudio de Moura Castro, que dispensa apresentações, nos envia o seguinte texto, preparado para um livro comemorativo a ser publicado pela Linha Direta:

Saturno envia ao Brasil um disco voador. Para evitar as dificuldades de pronúncia, chamemos de Mr. Saturnino o chefe da missão exploratória do MEC de lá. Seus termos de referência: entender a nossa educação. Para isso, compra todas as revistas e periódicos sobre o assunto. Metodicamente, põe-se a analisar o que dizem.

Mr. Saturnino fica impressionadíssimo. Lê centenas de artigos exibindo teorias complexas e abstratas. Há duelos doutrinários, travados em linguagem rebuscada e adjetivação exaltada. Fala-se de Vygotsky, Piaget, Paulo Freire, Foucault, Habermas, Deleuze, e muitos outros. Denuncia-se a ‘sociedade disciplinar’, em coro com Foucault. Disparam-se estocadas nos ‘conteudistas’ (Mr Saturnino não entendeu o termo, mas concluiu que seriam pessoas abomináveis) e nos incautos que defendem um tal método fônico. Exalta-se o ‘espírito crítico’, a ‘transversalidade dos conhecimentos’ e a ‘formação do homem integral’. Que país avançado é esse Brasil!

E como deve ser boa a sua educação, já que tão doutos ‘scholars’ sequer julgam necessário deter-se nos seus resultados. De fato, não há registros de problemas dignos de nota – pelo menos, as revistas não os mencionam.

Embevecido, despacha para Saturno um relatório, sugerindo que lá se adotem as teorias discutidas tão calorosamente no Brasil.

Mas fazia parte dos termos de referência de sua missão visitar outros países mais ricos. Imagina ele que lá encontraria teorias ainda mais sofisticadas. Ordena ao seu piloto que faça um plano de vôo para visitar a Coréia e Cingapura, famosas pela excelência de suas escolas. Mas enquanto a tripulação checa mapas e rotas, alguém lembra que são países com uma pedagogia muito peculiar. Os educadores acreditam que basta sentar e estudar até aprender. O segredo do sucesso seria o caráter obsessivo dos estudantes. Uma aberração da personalidade.

Mr. Saturnino pede então planos de vôo para a Finlândia, país que teria a melhor educação no mundo e mais a França e Inglaterra, países com ensinos de enorme fama. Cansado de tantas teorias, organiza visitas às escolas desses países, para ver como conduzem suas salas de aula. A perplexidade toma conta de sua equipe.

As escolas adotam livros-texto e estes são usados metodicamente nas aulas, orientando o passo a passo da aprendizagem. Não é curioso que os educadores não se rebelem contra a tirania e autoritarismo dos manuais? Pelo pouco que entendeu do que seriam ‘conteudistas’, concluiu que na Europa os professores o são, cometendo uma horrenda heresia.

Havia lido que ‘a linguagem serve para articular a experiência do grupo que a usa, formando um modo de expressão que varia, dependendo da constituição desse grupo, de sua história e da própria evolução da linguagem’. Na Europa, o texto escrito tem um único significado que dever ser buscado pelo aluno e mostrado nas provas. Que falta de sensibilidade cultural!

Havia também aprendido no Brasil que ‘o aluno é um ser concreto, produto de uma realidade social e econômica, política e cultural. Essa realidade é o ponto de partida para o processo de apropriação do saber sistematizado, na busca de superação de uma visão desarticulada de mundo, em direção a uma consciência crítica. Nesse processo, o aluno desempenha o papel de construtor e reconstrutor do próprio conhecimento’. Mas Europa adota currículos oficiais e detalhados. O que acontece na sala de aula está indicado nos regulamentos ministeriais. Depois de ler tanto sobre o construtivismo, ficou chocado de constatar que, na Inglaterra, é o governo central quem decide as formas de ‘construir socialmente o conhecimento’. Pior, os regulamentos indicam o que ensinar, como ensinar e como distribuir o tempo da aula entre diferentes atividades.. Mais confusa ainda ficou a sua cabeça ao verificar que, com a introdução de tão abjeto detalhamento para as aulas, o ensino na Inglaterra havia dado um salto considerável.

Nota outra heresia. Nos países visitados, o método fônico é o único aceito pelas autoridades. Na França o método global foi até proibido pelo Ministro. Mr Saturnino fica abismado de ver que, na Cidade da Luz, pairam as trevas sobre os melhores métodos de alfabetização.

Ainda ressoando em sua cabeça as advertências de Foucault, mostrando que a escola (tal como prisões e quartéis) é uma ‘instituição de sequestro’. Mr. Saturnino fica abismado ao ver na França uma disciplina férrea na sala de aula: ninguém conversa. E os recalcitrantes se arriscam a uma reguada, aplicada com competência pela professora – e sob o beneplácito da lei. Tudo errado pensou, não leram a imperecível obra de Foucault, seu compatriota, onde denuncia uma escola onde há a necessidade de ‘criar mecanismos de vigilância e as conseqüentes punições para aqueles que, por um motivo ou outro, não se adaptassem a um modelo preestabelecido de perfeição humana’. Como é possível tal ignorância, se os longínquos brasileiros citam Foucault a cada momento?

E a interdisciplinaridade, conquista teórica irreversível de pensadores de vanguarda? Vejam só, adota-se uma grade curricular, onde cada professor ensina a sua disciplina, com mínimas visitas à ciência do vizinho. Pobres europeus, não descobriram que é preciso ‘romper com a segmentação e o fracionamento’ e, assim, ‘compreendê-lo como expressão e base do projeto político e pedagógico da escola, culturalmente determinado’.

No Brasil havia aprendido que a avaliação ‘será enriquecedora, desde que seja parte de um processo de construção de saberes e conhecimentos, sobre intencionalidades e conteúdos, metodologias e fins propostos com conseqüentes tomadas de decisão’. A bem da verdade, não estava seguro haver entendido, mas ficou impressionado com a erudição. Foi um choque ver na Europa ‘ditados’, ‘para casa’, provas e redação (esta última, com estrutura fixa e definida no currículo nacional). Competem todos febrilmente pelas notas e até pelas medalhas. Um brasileiro havia se queixado de que ‘parte de nossa sociedade ainda utiliza régua e compasso para medir os indivíduos em função de suas conquistas’. Mas na Europa, é a régua e compasso para todos (e as vezes, a régua sozinha, para golpear a munheca do infrator). Uma lástima.

Ainda mais decepcionante foi ver como funciona a burocracia escolar da Europa. Os diretores são escolhidos pelo Ministério da Educação, sem qualquer consulta às bases. Os diretores ousam mandar, tampouco consultando alunos ou professores. No Brasil, Mr. Saturnino havia prestado atenção às denúncias contra o autoritarismo. Mas parece que os europeus não descobriram tais abusos do poder.

Outra surpresa foi descobrir que há inspetores nacionais que, sem mais nem menos, visitam as escolas. Arrogantemente, vão se sentar nas salas de aula, de prancheta em punho, anotando os erros e acertos dos professores. E pobre do mestre que barbeirar seriamente. Suas promoções tornam-se mais problemáticas. Sobre tal assunto, lembra-se haver lido que no Brasil isso seria inaceitável, uma verdadeira agressão à escola e à dignidade do professor.

Finalmente, registrou que os pobres alunos são obrigados a assistir aulas por até seis horas todos os dias. E são massacrados com intermináveis deveres de casa.

Interessado no comportamento bizarro dos professores, perguntou-lhes o que achavam de Vigotsky e de Piaget. O primeiro, não conheciam. Mas conheciam Piaget: era um excelente relógio suíço, embora muito caro. Mr Saturnino estava completamente perdido. Como era possível que os professores não houvessem se dedicado com afinco a ler as obras completas desses dois luminares? Como seria possível dar boas aulas sem tal conhecimento?

Mr Saturnino termina as visitas profundamente desapontado com as escolas européias. Fazem tudo errado. Os grandes teóricos mandam fazer, elas fazem o contrário. Está decidido, no seu relatório vai botar os europeus nos seus medíocres lugares. Tanta riqueza material e tanto atraso pedagógico, diante de um Brasil pobre, mas sábio em assuntos de educação.

Temendo a sabatina que poderia vir de algum superior ranzinza, Mr Saturnino resolve olhar um pouco os resultados das avaliações – que não são jamais mencionadas nas revistas brasileiras que leu. Há um tal SAEB, indicando que, na quarta série, metade dos alunos lê mal e entende menos ainda. O INAF indica que três quartos da população adulta é analfabeta funcional. Em uma prova internacional de 1991, o Brasil heroicamente conquista o penúltimo lugar, escapando do último, porque Moçambique estava em plena guerra civil. Mas no PISA, em 2001, o Brasil não escapa e fica em último lugar.

Em contraste, a Finlândia sai em primeiro lugar, no mesmo PISA. Inglaterra e França obtêm posições invejáveis. Como é possível? Esses europeus fazem tudo errado e terminam com os sistemas de melhor desempenho!

Nesse momento, Mr Saturnino não entende mais nada. Sua primeira dúvida é muito simples. Por que, as mentes tão portentosas e ilustradas do Brasil nunca escrevem que a educação do país obtém resultados tão pífios? Em vez disso, as discussões são sempre sobre teorias abstratas e sobre planos grandiosos para transformar radicalmente o mundo. A segunda dúvida é pouco lisonjeira para os geniais autores que leu. Se suas teorias são tão boas, por que não permitiram ao país obter melhores resultados – que mais não fosse, melhores que seus visinhos?

Coincidiu sua estada em Paris com o lançamento do Beaujolais nouveau. Sentado em uma brasserie, bebericando uma amostra da nova safra, dá voltas à imaginação. Como seria possível que os melhores resultados estivessem em uma Europa tradicional e autoritária, ainda praticando uma educação que as melhores cabeças do globo afirmavam estar irremediavelmente errada. Em contraste, o Brasil, totalmente au courrant de todas as teorias recentes, tinha uma educação pra lá de lamentável.

Auxiliado pelo Beaujoulais, vem a inspiração! O PISA e outros tais resultados eram medidas rasteiras de habilidades mecanicistas. Nada a ver com as conseqüências imensuráveis de uma educação liberadora e integral. Os testes eram uma medida apenas da qualidade da produção de ‘robozinhos’, dóceis e intelectualmente castrados. A verdadeira meta de uma educação deveria ser a criatividade e a construção do ‘homem integral’. A Europa produz robôs enquanto a boa educação produz cidadãos conscientes e criativos. Pronto. Estava resolvido o dilema.

Satisfeito, paga a conta e sai vagando alegremente pelo Quartier Latin. Por puro acaso, passa pelo Liceu Louis, le Grand, um dos melhores da França. Casualmente, pega um folheto, explicando que, no século XVIII foi necessário construir um calabouço com capacidade para 100 alunos, pois andavam muito rebeldes. Mais uma confirmação do autoritarismo das escolas.

Contudo, ao caminhar pelos bulevares, vai vendo os nomes de ruas, estátuas e monumentos. Neles se festejava a memória de escritores, escultores, pintores, atores, compositores e cientistas franceses. Eram centenas, famosos pelo mundo afora. Mr. Saturnino ficou pensando. Será que todos levaram reguadas da professora?

Nesse momento, Mr. Saturnino só tem uma preocupação: descobrir uma maneira de interceptar seu relatório sobre o Brasil, antes que seja visto pela burocracia do seu MEC.

Métodos de alfabetização: contribuicao de Luiz Carlos Faria da Silva

O professor Luiz Carlos Faria da Silva, do Departamento de Fundamentos de Educação da Universidade Estadual de Maringá, manda a contribuiçao abaixo sobre o tema.

(várias pessoas continuam recebendo copias destas notas com caracteres chineses ou outros no lugar das letras acentuadas. Quando isto ocorrer, é melhor clicar no link do blog ao final da mensagem, e ver o texto original na Internet).

Eis o que diz Luiz Carlos:

O termo construtivismo não é de uso científico. Ele tem uso formalizado somente na alta Matemática e na Arte. Em educação não há definição formal de construtivismo. Menos ainda de alfabetização construtivista. Ao contrário, há tantas noções de construtivismo quanto pedagogos. Alfabetização construtivista é uma expressão cujo conteúdo é completamente lábil. Logo…

Não existe no Brasil, há pelo menos 25 anos, curso de Pedagogia ou Letras que ensine o que é e como se aplica a instrução fônica na alfabetização. Pelo contrário. Quando se fala hoje em instrução fônica pensa-se no ba-be-bi-bo-bu. Isso é apresentado como contra-exemplo, há quase 30 anos, em todas as Faculdades de Educação e Letras do país. Mas não é instrução fônica.

É de doer a desinformação científica revelada nas reportagens e cartas veiculadas ultimamente pelo Jornal Folha de São Paulo na cobertura do “debate” sobre alfabetização. Quando é coisa de jornalistas e leitores, menos mal. Mas quando é coisa de doutores em educação, inclusive de altos dirigentes da universidade e da educação nacional, é grave.

Levantamentos parciais indicam que a instrução fônica (desenvolvimento de consciência fonêmica e ensino explícito e sistemático do princípio alfabético), como meio de quebrar o código alfabético, está ausente da formação de educadores há décadas no Brasil.

Ora, a consciência fonêmica e o domínio do princípio alfabético são, segundo amplo consenso entre pesquisadores de todo o mundo, os fatores com maior capacidade de predição do sucesso na alfabetização em todas as língua alfabéticas.

Há evidências científicas suficientemente acumuladas de que o desenvolvimento da consciência fonológica trás benefícios inclusive para o aprendizado de leitura em língua cujo sistema de escrita é logográfico ou morfo-silábico, como o chinês, silábico, como o kanji japonês, ou alfabético como o hangul coreano, conforme mostra Charle Perfetti, pesquisador do LRDC – Learning Research Development Center, na University of Pittsburgh e do CNBC – Center for Neural Basis of Cognition, além de Ying Liu e Julie Fiez, também do LRDC, e Li-Hai Tan, da Hong Kong University.

Qualquer consulta aos dados sobre média de idade dos professores brasileiros mostra que é ínfimo o número de alfabetizadores e/ou professores de Ensino Fundamental cuja formação superior terminou há mais de 25 anos. A idade média dos professores de pré-escola e classe de alfabetização era, por volta de 1996, de 32 anos. E os professores de 1ª á 4ª séries tinham em média, nessa mesma época, 35 anos. A informação é do Censo do Professor de 1997 feito pelo MEC/INEP.

Detalhe: a porcentagem de professores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental no Brasil graduados em curso superior já era de 48% há dez anos, segundo o mesmo Censo do Professor de 1997. Hoje essa porcentagem é certamente muito maior. E a média de idade dos professores, tudo leva a crer, caiu.

Sendo assim, quantos serão hoje no Brasil, e onde atuarão professores de Ensino Fundamental, diretores de escolas, supervisores pedagógicos, assessores de Secretários de Educação e técnicos dessas secretarias, que terminaram suas formações pedagógicas de nível superior há mais de 25 anos, portanto, fora da influência da concepção de educação e de alfabetização hegemônica em todos os centros de formação superior de educadores do país nas duas últimas décadas do século XX?

Onde se pode encontrar, nesse período, uma prova sequer de concurso para professor ou especialista em educação das redes públicas de ensino cujas questões não estivessem alinhadas com essa concepção educacional?

Os que terminaram seus cursos de Pedagogia a partir de 1985 nunca ouviram, a respeito de alfabetização, nas Faculdades de Educação, outra coisa a não ser Lev Vygotsky, Paulo Freire, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Telma Weisz e Magda Soares.

Há mais de 25 anos no Brasil não se ensina nada nos termos dos achados científicos que todas as revisões de literatura dos últimos anos confirmam, em todo o mundo:

a – No NRP Report nos EUA.

b – No Rapport 2005-123 do ONL na França.

c – No Rose Review, do Dfes na Inglaterra.

d – No National Inquiry into the Teaching of Literacy Report, na Austrália.

e – No Shapira Committee em Israel.

f – No balanço dos achados científicos dos estudos que o NICHD financiou em seu programa de pesquisas, iniciado em 1965, a fim de que cientistas de todo o mundo explicassem: como as crianças aprendem a ler? Por que algumas aprendem mais facilmente que outras? O que funciona melhor para ensinar a ler cada um desses tipos de crianças?

Nós testamos habilidades de leitura de crianças de 2ª série de escolas municipais de três cidades do Paraná. Os testes foram elaborados por João Batista Araújo e Oliveira, aplicados sob minha supervisão. E tiveram relevância estatística para toda a coorte de alunos de 2ª série das redes em que os testes foram aplicados. Com os critérios de desempenho em leitura baseados no Beginning to Read: Thinking and Learning About Print, da Marilyn Jaeger Adams e no Early Reading Instruction: What Science Really Tells Us About How Do Teaching Reading, da Diane Mcguinness.

É uma tragédia. Mais de 60% dos alunos não alfabetizados no início da 2ª série. Isso é comum nas redes públicas de escolas do Brasil. Os dados do SAEB apresentam indícios de que isso ocorre. E nós o comprovamos diretamente. Os alunos seguem a vida escolar aos trancos. Acumulam fracassos até a 4ª série. A falta de êxito na alfabetização dificulta o domínio da leitura. E o malogro no domínio da leitura lesa a capacidade de ler para aprender da 5ª série em diante.

Resultado? Uma legião de alunos ineptos para usar a leitura como meio de se instruir. Todos com diploma de 8ª série.

Isso é obra de quem?

De marcianos?

Ou do baronato de doutores das faculdades de educação e letras associados ao establishement burocrático-pedagógico, às ONGs, aos grupos de influência e de pressão que dominam a educação nacional, pública e privada, desde a redemocratização no final da década de 70 e início da década de 80?

Tomara que não inventem uma disputa política PSDB / PT para ver quem é responsável por isso. Em questão de alfabetização e de didática há mais acordo entre o PSDB e o PT que entre o Malan e o Palocci.

Aqui no Brasil as coisas não serão diferentes do que ocorre na França atualmente (vocês conhecem o affaire Laforgue?) e do que ocorreu nos EUA se quisermos realizar a recuperação da efetividade da educação escolar na alfabetização e ensino de leitura.

A Linnea Ehri, Panel Member do National Reading Panel, conta, em um memorial de sua vida de pesquisa científica, feito para a conferência de recepção de um prêmio da Society for the Scientific Studies of Reading, o seguinte, falando sobre um artigo seu cuja publicação foi rejeitada pela Reading Research Quarterly, a revista da IRA – International Reading Literacy:

Normally my reaction to negative reviews is, first, to let the anger subside, and then to consider the criticisms and try to devise ways to address them, either with logic or additional data. However, in this case, there was nothing to address. The entire study had been rejected as insignificant. So we sent the paper to Child Development, a highly respected journal, where it was published (Ehri & Roberts, 1979). A year later, we conducted another similar study with findings supporting the first study (Ehri & Wilce, 1980). We submitted this study to the same reading journal, now with new editors. This time it was accepted for publication and in fact received an award from IRA, indicating that this research did have value.
However, the resistance to reading research that focused on words, phonemes, and letters only grew stronger in subsequent years, as more data appeared supporting its importance for learning to read. What kind of resistance was this? Unfortunately, it was not scientifically conducted studies. Quite the contrary. Science was denounced as a means of providing answers to questions. Name calling tactics were employed. For example, I recall attending a symposium, entitled “Researching Whole Language” at the 1989 AERA meeting. Rich West, Keith Stanovich and I stood at the back of a very crowded room. We found ourselves the target of criticism as one speaker contrasted whole language research to traditional research. He criticized traditional researchers for going into schools and conducting studies that have not been designed through collaboration with the teachers and do not address needs that teachers feel are most important. He branded these researchers “academic rapists.” This was clearly an attitude shaping tactic intended to turn educators against an approach to research that had produced evidence challenging whole language beliefs.
Another example of the use of maligning language to prejudice educators occurred during a conference that was organized by IRA and the Center for the Study of Reading for the purpose of presenting the latest research to publishers of reading programs. Marilyn Adams was on the program talking about the book she had just written, Beginning to Read: Thinking and Learning about Print (Adams, 1990) which reviewed much of the research on beginning reading processes that I and others had published. Joanna Williams and I were discussants for Marilyn’s presenta-tion. Later in the day, another discussant who was a whole language advocate expressed disagreement with Adams and branded all of us “phonicators.” Since then Marilyn has been the target of many such attacks. Her book has been referred to as the work of the devil. At an IRA meeting, many people heard a whole language leader assert publicly that Marilyn should be “shot with a silver bullet,” implying that she was a vampire.

E Laurent Laforgue, da Academia de Ciências da França, Professor do IHÉS – Institut des Hautes Études Scientifiques, Medalha Fields em 2002, equivalente ao Prêmio Nobel no campo das matemáticas (não há Prêmio Nobel de Matemática), no número de fevereiro da Revue Parlamentaire:

Nous les défenseurs de l’école nous adressons aux personnalités politiques de toutes les sensibilités. L’école est la plus précieuse institution de la République et ne pourra être sauvée de la ruine que si toutes les tendances politiques reconnaissent la nécessité d’une rupture radicale avec les politiques suivies depuis trente ou quarante ans. L’annonce par M. de Robien d’un retour aux méthodes alphabétiques-syllabiques est remarquable car elle rompt avec ce que les responsables de l’Éducation nationale ont dit et imposé depuis des décennies. J’espère que ce premier pas important sera suivi de beaucoup d’autres.

Vamos ver até quando o Brasil vai ser enganado por pedagogias ineficazes. Até quando a sociedade vai tolerar esse crime de lesa-pátria?

A escola brasileira em geral não sabe mais ensinar a ler. O país joga uma montanha de dinheiro fora. Enquanto não reaprendem a ensinar crianças a ler, vão aumentando o número de dias letivos, fazer Ensino Fundamental de 9 anos, escola de tempo integral. Mais aula e mais tempo de permanência numa escola ineficaz para ensinar a ler significa mais dinheiro malbaratado. E a sociedade inchará ainda mais com gente que desiste da escola, que não encontra nela nenhum valor e utilidade social pelos quais valha a pena lá permanecer.

No início de tudo está o fracasso na alfabetização.

É o Efeito Mateus.

Um Ministro que sabe disso e não toma atitudes imediatas não me parece corajoso.

PS.: Pai de um menino de 7 anos e meio e de uma menina de 6 anos aos quais fui obrigado a proteger da alfabetização em escola regular. Eles foram alfabetizados em casa, por mim e por minha esposa, antes que o Estado brasileiro me obrigasse a matriculá-los na escola.

Contribuições de João Batista Araujo e Oliveira ao debate sobre alfabetização

A nota de outro dia, sobre as prioridades da educação, parece estar gerando um debate salutar, que pretendo ir colocando neste blog. Exitem duas formas de contribuir para o debate. Uma é colocando um comentário debaixo dos textos. Outra, quando for um texto for mais elaborado, é enviando para mim, para colocar como nota separada. Nos dois casos, eu me reservo o direito de moderar a discussão. Quanto a contribuiçao é significativa, ela é também enviada a uma lista de pessoas que acompanham este blog. Quem quiser entrar na lista, é só enviar um email solicitando.

A contribuição de hoje é de João Batista de Araujo e Oliveira, que, nas “credenciais” que apresenta abaixo, só fala das coisas mais recentes, deixando de lado uma vasta experiência de trabalho no Brasil e no exterior em prol da educação. Com a palavra João Batista:

Minha contribuição se resume em quatro partes. Na primeira, em um parágrafo, apresento minhas credenciais. Na segunda faço dois conjuntos de afirmações categóricas para focar o debate. Na terceira, analiso três momentos do debate iniciado pela Folha, dois deles veiculados no blog do Simon. Concluo sugerindo termos para o debate.

I – Apresentando credenciais

Há 5 anos tento, sem sucesso, estimular a comunidade científica e profissional do Brasil a participar do debate sobre alfabetização infantil. Publiquei dois artigos na Revista Ensaio, há um terceiro artigo no prelo a ser publicado pela revista do SESC no próximo mês, alguns artigos em jornais, dois livros (ABC do Alfabetizador e Alfabetização de Crianças e Adultos) e coordenei, em 2003, o relatório Alfabetização Infantil: Novos Caminhos. Junto com a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados convidamos todas as instâncias formais como o CONSED, UNDIME, CRUB, ANPED, CNE, ABC e outros para discutir o relatório – sem qualquer resposta. Tentamos sensibilizar os ministros Cristóvam Buarque e Tarso Genro, sem sucesso. Recentemente o Ministro Fernando Haddad se sensibilizou com a questão e convidou o país ao debate. A Folha de São Paulo convidou-me para apresentar os termos da questão. Começaram a aparecer artigos, mas até hoje nenhum deles se referiu ao meu artigo ou, de modo particular, às quatro questões que nele coloquei. Portanto, considero que o debate não se iniciou. Jornais não costumam ser os veículos mais adequados para esse fim. Quem sabe o blog do Simon será o forum desse debate. Se algum leitor concordar ou discordar do que disse nesses publicações supra-referidas ou no que direi hoje, que compareça ao debate que este blog se propõe a acolher. O resto, possivelmente, continuará a ser bate-boca e jogo de platéia.

II- Fatos científicos sobre alfabetização

1. Alfabetizar significa dominar o código alfabético, ou seja, as relações fonema-grafema, com suas valências respectivas. Esta definição, consagrada por Stanovich (não vou citar referências aqui) é adotada universalmente entre os pesquisadores desta área – normalmente congregados sob o paradigma da Ciência Cognitiva da Leitura. Basta olhar as 20 revistas científicas mais importantes e rigorosas que publicam artigos sobre alfabetização para confirmar essa definição. Alfabetização, portanto, é diferente de compreensão (letramento). A prova mais cabal: um adulto analfabeto (ou seja, uma pessoa que comprende, mas não lê). A confusão estabelecida sobre o tema, especialmente entre os chamados construtivistas (termo indefinível no que se refere à alfabetização) é apenas uma confusão – como se pode ver por exemplo nos artigos que vêm sendo publicados na Folha pelos auto-declarados especialistas em alfabetização (não sabia que os havia tantos no Brasil, onde será que eles publicam seus trabalhos sobre o tema?). Mas essa confusão tem efeitos importantes sobre currículos, programas de ensino e avaliação. Na escola pública brasileira, por exemplo, ninguém sabe em que série se alfabetizam os alunos (os mais “progressistas”dizem que é um processo permanente…) Todas (poucas) avaliações que conheço no Brasil sobre alfabetização não medem alfabetização, medem compreensão. Se o aluno erra, continuamos sem saber se foi alfabetizado, pois não sabemos se não leu ou se não compreendeu. Como a maioria desses testes de compreensão é oral, também não se sabe se compreendeu porque sabe compreender ou porque leu e compreendeu. Quem tratar dessa questão, no Brasil, onde esses termos se confundem, tem que definir com clareza do que está falando.

2. Alfabetizar é uma habilidade relativamente simples, mas não trivial. Não fomos programados geneticamente para aprender a ler, mas com um pouco de ajuda conseguimos fazê-lo – e o fazemos com razoável sucesso desde o tempo dos Sumérios, há mais de 3.500 anos, e mesmo antes de termos uma pedagogia da alfabetização ou uma ciência cognitiva da leitura. Isso significa que podemos usar vários métodos para alfabetizar. Da mesma forma que podemos usar vários instrumentos para pregar pregos na parece, inclusive batendo com a cabeça. Quem frequenta a literatura científica sabe, no entanto, que alguns métodos são mais eficazes do que outros. Nos últimos 30 anos sabemos que os métodos fônicos são os mais eficazes. E mais, aprendemos porque o são. E mais: sabemos que os métodos fônicos que ensinam o código de maneira sistemática e explícita (vide as competentes meta-análises de Dianne McGuiness) são MUITO mais eficazes do que os demais. Num país em que não conseguimos alfabetizar a maioria dos alunos (vide SAEB e o PISA, que é mais eloquente), não me parece adequado tentar redescobrir a roda e concluir que todos os métodos podem ensinar. A contribuição acadêmica que me parece legítima é identificar aplicações adequadas do método que se comprovou mais eficaz. E a contribuição dos responsáveis pela política pública seria a de estimular a adoção desses métodos – a exemplo do que se faz em TODOS os países desenvolvidos cujo sistema de escrita é alfabético.

III- Três momentos do debate

1. Deplorável a afirmação do ex-Presidente FHC de que o debate entre construtivistas e método fonético (ele deveria ter dito fônico) é estéril. O Brasil está atrasado até para esse debate, que se tornou muito profícuo nos demais países. Todos os países desenvolvidos e especialmente França, Estados Unidos e países do Reino Unido (e agora Austrália) – que foram as maiores vítimas de idéias equivocadas sobre alfabetização – levantaram a questão, e mesmo sem ter conseguido consenso entre educadores – seus governos mudaram suas políticas de alfabetização. Na Inglaterra os métodos fônicos são obrigatórios; na França recomendados (e os métodos ditos “globais”são interditados), e nos Estados Unidos somente os sistemas educacionais que adotam métodos fônicos se qualificam para receber fundos federais. Tudo isso é de conhecimento público, está na internet e não precisa ser documentado. Mas também não pode ser ignorado.

2. No site do Simon Ana Cristina Collares, se qualifica (não sou pedagoga) e, ao mesmo tempo faz declarações contundentes como “as pesquisas que comprovam a eficácia desse método possuem também várias falhas e seus resultados são discutíveis.” Só posso sugerir que minha colega submeta um artigo a qualquer um dos principais jornais científicos que trata da questão criticando a metodologia das análises e metaanálises mais recentes de Snow, Stanovich, Adams, o National Reading Report ou o livro já referido de McGuiness. É assim que se dá o debate científico. Ainda acredito que há uma diferença entre doxa e episteme.

No entanto, Ana Cristina levanta uma questão que vale a pena discutir, pois reflete um erro comum de compreensão dos termos do debate. Ela afirma que quem aprende pelo método fônico fica atrás em compreensão de textos. Esse tipo de afirmação é próprio de quem confunde alfabetização com compreensão de textos. O maior preditor de compreensão de textos é a compreensão oral (o que pode ser medido ANTES e independentemente da alfabetização). O melhor preditor de alfabetização ANTES da pessoa estar alfabetizada é o domínio do princípio alfabético (que supõe o desenvolvimento da consciência fonêmica). Dominar o princípio alfabético significa saber que as letras representam som (para o leitor não especializado: isso é diferente de dominar o código alfabético, que são as valências específicas atribuídas às letras ou grafemas, e que se constitui no cerne da alfabetização). Já o melhor preditor de compreensão entre alunos alfabetizados é a fluência de leitura. O maior determinante da fluência de leitura, por sua vez, é o domínio do código. Desde o início da década de 80 Stanovich já comprovou que o bom leitor é aquele que lê todas as letras e automatiza o código, o mau leitor é aquele que precisa do contexto para ler. Contexto ajuda a compreender e retarda a leitura. O segredo da alfabetização é ensinar a ler bem, para que o aluno possa compreender. Ler bem é condição necessária, não suficiente, para a compreensão. O erro da Ana Cristina – como da maioria dos especialistas em alfabetização no Brasil – decorre da confusão dos conceitos do que seja ler e compreender. E, claro, de confundir evidências científicas com opiniões particulares.

3. Fora do âmbito do blog, lemos há poucas dias resultados preliminares de uma pesquisa assinada pelo prof. Creso, da PUC/RIO. A novidade apresentada é que não há diferença entre métodos. Não tive acesso aos dados – apenas ao que está no jornal. Cabe-me, portanto, apenas fazer alguns alertas, pois à primeira vista parece que estamos prestes a redescobrir a roda.

Uma das maiores dificuldades dos cientistas que pesquisam o método fônico é compreender como uma criança pode ser alfabetizada por métodos globais ou outros (como o de fazer hipóteses, adivinhar o sentido da palavra ou usar pistas para descobrir o que está escrito). E sabemos que isso funciona, que pessoas se alfabetizam dessa forma. A questão é saber como isso ocorre. Fernando Capovilla (USP) investigou essa questão. Ao invés de perguntar ao professor pelo seu método, analisou com rigorosa metodologia as práticas efetivas de sala de aula. E concluiu que o aluno aprende a ler melhor (ele mediu leitura, não compreensão) em função do tempo gasto no ensino das relações entre fonemas e grafemas. E isso independia do professor dizer que é isso ou aquilo. Essa pesquisa está devidamente publicada. Portanto, qualquer discussão sobre esse tema deve começar a partir daí. Ignorar o que já foi descoberto é tentar redescrobir a roda. Os estudos já citados de McGuinness corroboram esses achados de Capovilla. O relatório Rose, publicado na Inglaterra ao final de 2005, corrobora a superioridade dos métodos fônicos sistemáticos (e sintéticos). O debate científico avançará se novas pesquisas desconfirmarem esses achados ou refinarem esses conhecimentos. Resta esperar pelas contribuições científicas que a pesquisa do professor Creso irá trazer ao estado da arte, por enquanto o jornal A Folha de São Paulo apenas diz que redescobrimos a roda.

4. Da natureza do debate intelectual e científico

Um debate intelectual só existe se tiver como objetivo e critério a busca da verdade. Há cinco anos estudando este assunto – e partindo do zero, sem qualquer preconceito ou conhecimento específico do assunto – tenho me pautado por esse princípio. Não consigo compreender como pessoas intelectualmente honestas possam ignorar ou omitir as evidências científicas a respeito. Como não consigo entender como intelectualmente honesta a recusa ao debate, pois isso não ajuda a buscar a verdade – ainda que seja a precária e fugidia verdade científica. Nem sempre esses debates são polidos – em outros países o bate-boca foi ainda maior do que estamos assistindo. E frequentemente levam ao tribalismo – incitados pelo maniqueísmo (fônicos vs. construtivistas).

Um debate científico possui dois outros requisitos. O primeiro é de natureza lógica: os conceitos têm que ser definidos com clareza e consistência (ex. O que é alfabetizar, o que é compreender, o que é letramento). O que é método. O que é método fônico (uma ilustre pesquisadora nacional disse na Folha que o método Paulo Freire é fônico!!!!). E também disse que método depende de professor – portanto não existe método. As conclusões têm que ser lógicas, seguindo os métodos da indução ou da dedução.

O outro requisito é o respeito aos procedimentos. A ciência evolui testando e descartando hipóteses. Teorias são apenas explicações – as que sobrevivem são as que explicam mais,melhor e de forma mais econômica. Teorias não são peças de museu a serem colocadas em altares privados. Não existe uma teoria fônica da alfabetização – existem milhares de estudos empíricos convergentes, que explicam, de maneira mais ou menos adequada, como o cérebro aprende a ler e como melhor podemos ajudá-lo. Essas pesquisas são publicadas em revistas acadêmicas, revistas por pares. Quanto melhor a revista, mais difícil publicar. São essas as referências que contam, e que precisam ser trazidas para um debate acadêmico, com respeito ao saber acumulado.

Nesse espírito, reitero minha disposição ao debate. Se algo do que disse acima e em minhas publicações estiver errado, ilógico ou não fundamentado, que se apresente o contraditório.

Fernando Henrique e a Educação

É a primeira vez, acho, que leio algo de Fernando Henrique Cardoso sobre educação, no artigo “Fazer a Diferença”, publicado hoje, 2 de abril, no O Globo e outros jornais. Ele tem toda a razão em dizer que são temas como este devem ser discutidos na campanha eleitoral, em vez de ataques pessoais ou querelas ideológicas vazias.

No entanto, acho que ele se equivoca em dois pontos fundamentais. Primeiro, ao criticar o governo por ter levantado a questão sobre os métodos de alfabetização e materiais didáticos, que ele desqualifica como “discussão estéril”. Eu tenho criticado muitas coisas feitas pelo atual governo na área da educação, e por isto me sinto à vontade para dizer que, longe de ser uma discussão estéril, é um tema de importância fundamental, e o Ministro Fernando Haddad foi muito corajoso ao colocar na mesa um tema que em sido tabu na educação brasileira, por causa das ideologias pedagógicas dominantes. A percentagem de crianças que passam pelas escolas e permanecem analfabetas no Brasil é altíssima, e isto tem muito a ver com os métodos equivocados, ou falta de métodos, no processo de alfabetização. Existe sólida evidência em todo o mundo de que o método fônico produz melhores resultados, sobretudo para crianças que vêm de famílias mais pobres, onde os pais não conseguem suprir a má qualidade das escolas. Vejam, por exemplo, o que diz o National Reading Panel, dos Estados Unidos:

The meta-analysis revealed that systematic phonics instruction produces significant benefits for students in kindergarten through 6th grade and for children having difficulty learning to read. The ability to read and spell words was enhanced in kindergartners who received systematic beginning phonics instruction. First graders who were taught phonics systematically were better able to decode and spell, and they showed significant improvement in their ability to comprehend text. Older children receiving phonics instruction were better able to decode and spell words and to read text orally, but their comprehension of text was not significantly improved.

Não é o método sozinho, naturalmente – ele deve estar acompanhado de materiais didáticos apropriados, e de sistemas regulares de avaliação e correção de resultados. A formação de professores é muito importante, mas não adianta exigir diplomas de nível superior se os cursos não formam os professores com as metodologias adequadas.

O outro equívoco de FHC é a ênfase que ele coloca no uso de computadores nas escolas. O que se sabe é que, se a escola é de boa qualidade, o computador pode ser um instrumento de trabalho importante para o aluno; se a educação é má, o uso do computador se transforma em um fim em si mesmo, que pouco ou nada acrescenta. Programas de introdução de computadores em escolas são necessariamente caros, despertam o interesse e a mobilização dos lobbies de venda de equipamento e sistemas, mas seu uso não é nada trivial, e seu impacto tende a ser muito pequeno. Eis como uma autora resume a questão, a partir de dois livros sobre o assunto:

With the advent of new technological advances, teachers can become facilitators of learning in a resource-rich environment rather than disseminators of information. A problem-based, student-centered, non-linear approach to education – one that encourages students to take responsibility for learning – is in order. To make that pedagogical shift, teachers must receive quality professional development. They need to know how to infuse technology into their everyday curriculum rather than how to use particular software programs. They also need ongoing support and mentoring from instructional leaders. The thrill of using technology in the classroom is compelling. However, it must be tempered by concern for productive use and an awareness of the possible negative effects of computers on young learners. Keeping students’ physical well-being in mind, teachers must carefully arrange computers in the classroom (taking ergonomics into account) and set time limits for computer use. An informed, balanced approach to technology infusion is key. (Katie Kashmanian. The Impact of Computers in Schools)

A novas tecnologias de informação podem ter grande impacto nas modalidades de educação continuada e na educação de jovens e adultos, áreas aonde o Brasil avançou muito pouco até agora. Mas, na educação fundamental, acredito que é o contrário do que diz FHC: as questões de método são fundamentais, e o uso de computadores, um desvio de prioridade, e muito provavelmente, um desperdício de recursos.

Alfabetização: luz no fim do tunel?

A Folha de São Paulo de hoje, 11 de fevereiro, dedica uma página à notícia de que o Ministério da Educação resolveu enfrentar o tabu e abrir espaço para a adoção do método fônico na alfabetização infantil, em contraponto ao chamado método construtivista que, em suas diversas modalidades, é adotado nos parâmetros curriculares adotados oficialmente no Brasil. Na matéria, o jornal entrevista a João Batista de Araujo e Oliveira, que fala do consenso internacional que existe hoje sobre a superioridade do método fônico, sobretudo em relação a crianças oriundas de famíias menos educadas e menos favorecidas, que geralmente não conseguem se beneficiar de metodologias aparentemente mais abertas. O Ministro é cauteloso, não chega a tomar posição a favor de um método ou de outro, mas só o fato de considerar esta possilidade e abrir espaço para discutir o tema já é uma grande contribuição.

Pelo que entendo, além de dar melhores resultados com crianças com menos capital cultural familiar, o método fônico tambem requer o desenvolvimento de materiais pedagógicos bem definidos e estruturados, que são necessários sobretudo para professores com pior formação. Em algumas de suas versões mais extremas, os defensores do método construtivista rejeitam a adoção de qualquer tipo de material pedagógico que já venha pronto, como algo autoritário e impositivo. É claro que estes materiais podem ser dispensados quando o professor é excelente e o aluno vem de um ambiente intelectualmene estimulante, mas, quando uma destas duas condições não se dá, o resultado tende a ser desastroso.

A matéria da Folha diz, em algum ponto, que o método construtivista foi adotado durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e algumas pessoas poderiam pensar que a oposição entre os dois métodos é uma oposição ideológica entre PSDB e PT. Nada mais equivocado, e seria uma pena que a questão passasse a ser vista sob este prisma. Trata-se de uma questão de natureza técnica e pedagógica, que pode e tem sido testada, e sobre a qual temos que avançar, para ir reduzindo os níveis alarmantes de analfabetismo funcional que existem em nossas escolas.

Avaliação Educacional

A editora Vozes acaba de publicar o livro Dimensões da Avaliação Educacional, editado por Alberto de Mello e Souza. Haverá um lançamento no seminário da ANPAE no Hotel Glória, Rio de Janeiro, no dia 17/11, às 15:30h. Eu escrevi o primeiro capítulo, que está disponível em versão preliminar. Os outros autores são Stephen Heyneman, Ignacio Cano, Ruben Klein, Nilma Fontanive, José Francisco Soares, Serge Mouchon e Cláudio de Moura Castro.

Boa leitura!

A caixa preta do ensino médio

Junto com o Instituto Unibanco, o IES organizou um seminário em São Paulo, no dia 20 de outubro, sobre “Educação Brasileira: Diagnósticos e Alternativas”, aonde o interesse era ver o que as pesquisas nos dizem sobre os problemas centrais e as alternativas de política para Educação brasileira. Sem surpresa, os apresentadores concentraram sua atenção na má qualidade da educação básica, que amplia os problemas de iniqüidade do país, e na dificuldade que temos tido em avançar em relação a isto: fazer com que os professores saibam alfabetizar, tornar as escolas, e seus diretores, mais conscientes e mais responsáveis pelo seu desempenho, e fazer com que os recursos para a educação fundamental aumentem e sobretudo não se dispersem.

Uma das participantes foi Alvana Bof, da UNESCO, que falou sobre a educação de jovens e adultos (EJA), e abriu espaço para discutir um pouco as questões do ensino médio, que acabam sempre espremidas entre os problemas do ensino fundamental e as grandes mobilizações ao redor do ensino superior. Ela mostrou como existe um grande número de jovens e adultos que, ou abandonaram a escola antes de completar o ensino médio, ou continuam cursando escolas médias noturnas, apesar de já estarem acima da idade correspondente, entre 15 e 17 anos. Os programas de EJA buscam recuperar este tempo perdido, proporcionando de forma compacta e flexível, e com o uso de novas tecnologias de educação semi-presencial, a formação básica correspondente ao segundo grau, em um prazo muito mais curto. Por que tantos jovens adultos persistem nos cursos regulares, quando existe esta alternativa? A explicação, segundo Alvana, seria que estes programas têm baixo prestígio e reconhecimento social, apesar de que, segundo Cláudio de Moura Castro, os candidatos ao vestibular das Faculdades Pitágoras originários da EJA não sejam piores dos que se originam dos cursos médios regulares.

Uma outra explicação, certamente, é que os cursos de EJA não preparam os estudantes para os vestibulares mais competitivos. Os vestibulares, ao exigirem conhecimentos enciclopédicos dos estudantes, têm sido apontados como um dos principais responsáveis pela má qualidade dos nossos cursos de ensino médio, aonde nada se aprofunda e tudo se decora. Porque, então, não transformar o sistema flexível do EJA na modalidade predominante de formação para o nível médio, com um bom padrão de avaliação ao final (que chegou a ser tentado pelo Ministério da Educação no governo passado através de um projeto denominado “ENCEJA”, não implementado), e deixando que os candidatos aos vestibulares mais competitivos se preparem por conta própria através de “cursinhos” especializados? Maria Helena Guimarães Castro reagiu horrorizada à minha idéia, dizendo que eu estava propondo voltar atrás na conquista que teria sido a ampliação do número de anos de educação obrigatória no país (que já é de onze anos, e que agora o governo está querendo ampliar para doze ou treze, com o início da educação fundamental obrigatória aos seis anos, e a ampliação do ensino médio de três para quatro anos). Eu penso, realmente, que não tem sentido forçar o aumento da duração do ensino formal de má qualidade, e que seria possível pensar em um sistema de educação média muito mais diversificado e flexível do que se tem hoje, sem cair na antiga falácia de forçar os jovens menos qualificados a seguir cursos profissionalizantes que acabam se transformando, na maioria dos casos, em cursos de segunda ou terceira classe.

Tive a oportunidade de retomar o assunto alguns dias depois no Fórum Mundial de Educação realizado pela OECD em Santiago do Chile, aonde me pediram para comentar a apresentação de Andréas Schleicher sobre os resultados do PISA. O PISA é o exame comparado sobre as competências dos jovens de 15 anos em vários paises do mundo, do qual o Brasil participou duas vezes, em 2000 e 2003, sempre ficando bem na lanterninha. Segundo Schleicher, o Brasil melhorou algo entre 2000 e 2003, embora nada que o retirasse do péssimo nível em que está: 25% dos jovens brasileiros da amostra pesquisada em 2003 estão abaixo do mínimo da escala de desempenho em matemática de 5 pontos do PISA, e mais da metade ficou abaixo do nível 2. Estes péssimos resultados refletem a má qualidade do ensino no Brasil como um todo, e o fato de que 25% dos jovens de 15 anos, que entraram na amostra de 2003, ainda não têm a escolaridade média que lhes corresponderia. No entanto, o nível é ruim mesmo entre os alunos das melhores escolas: entre os 10% melhores alunos brasileiros, 70% ficaram abaixo da pontuação média geral do PISA. Ou seja: não só o Brasil fracassa na média, o que seria de se esperar, mas também fracassa na ponta, mostrando que não existe, no país, um padrão aceitável de qualidade da educação média que possa ser adotado como referência para o conjunto.

Nos meus comentários, retomei alguns pontos da discussão do seminário IETS -Instituto Unibanco, enfatizando o papel deletério dos vestibulares, e chamando a atenção para a potencialidade de reforçar a adoção de padrões de desempenho para o nível médio como o ENEM, e criar formas mais flexíveis e socialmente prestigiadas de obtenção das qualificações do nível formal de educação média. Livre da pressão dos vestibulares e da massa de estudantes mais velhos que precisam a qualquer custo de seus títulos, para não ficar excluídos definitivamente do mercado de trabalho, o ensino médio regular poderia ir evoluindo como nos paises mais desenvolvidos, com mais ênfase em formação em habilidades centrais (língua nacional, língua estrangeira, raciocínio matemático, raciocínio científico e indutivo) e menos no acúmulo de informações irrelevantes, e com um currículo mais moderno e voltado para o mundo real em que os estudantes vivem.

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