Mercado e qualidade da educação: os exemplos lá fora

– Na Inglaterra, o governo cria um novo programa para aumentar dramaticamente os recursos públicos e privados das universidades de elite, conforme artigo no The Guardian

– Nos Estados Unidos, a Universidade de Phoenix, maior instituição privada do país, voltada para estudantes que trabalham, enfrenta problemas de qualidade, segundo o New York Times

Retrocessos

UNESCO e IPEA:

O Jornal O Globo de hoje, dia 8 de feverero, publicou a seguinte carta de Yvonne Maggie:

“O Globo de 7 de fevereiro divulgou uma pesquisa da Unesco e do Inep que aponta para uma defasagem no desempenho escolar de estudantes “brancos” e “negros”. Que “negros” e “brancos” são esses? São as crianças e jovens que se autodeclararam? Foram os mestres ou os pais que responderam os questionários do censo escolar? E onde foram parar os “pardos”? A solução proposta pelos pesquisadores é “tratar desigualmente os desiguais”. O que significa isso? Abolir a escola universal? Fazer turmas separadas para “negros” e “brancos”? Currículos diferenciados? Espantoso que a Unesco e o Inep que têm tido uma tradição de luta pela universalização da escola no Brasil estejam agora propondo separar supostas “raças”. Diante dos enormes desafios da educação no Brasil convém mesmo criar uma nova “pedagogia racial” ensinando às crianças desde cedo que há duas “raças” no Brasil cada qual com a sua especificidade intrínseca?”

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SAEB e ENEM

Todos os jornais noticiaram a grande queda nos resultados das provas de conhecimento do Ensino Básico (SAEB) e do ENEM. Esta queda acompanha outros indicadores preocupantes que já vinham sendo observados, particularmente em relação ao ensino médio: o sistema parou de crescer, embora a cobertura seja ainda muito pequena; a deserção escolar aumentou; e as taxas de repetência, que haviam caido na década de 90, já não caem mais. Parece que ninguém sabe o que fazer com esta tragédia nacional.

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INDEC – Na Argentina, o governo não gostou dos dados da inflação divulgados pelo equivalente ao IBGE de lá, o INDEC, e demitiu a coordenadora dos índices de preços, colocando em seu lugar uma pessoa de sua confiança. Lá, como aqui, a agência nacional de estatística é uma repartição pública como outra qualquer, e o governo tem autoridade para nomear e demitir quando e quem quiser. Já o dano que isto provoca para a credibilidade do país são outros quinhentos…

Reforma da educação: aonde começar?

Todos concordam que a reforma da educação é importante, mas, na hora de dizer o que deve ser feito, e por onde começar, ninguém se entende, ou se apresentam propostas que não levam a nada, ou até pioram as coisas.

João Batista Araujo e Oliveira, que tem trabalhado sobre o tema por muitos anos, no Brasil e no exterior, tem respostas muito especificas sobre o que deve e o que não deve ser feito, a partir de uma visão global e um diagnóstico bastante claro e objetivo da situação da educação brasileira nos seus diferentes níveis.

Recomendo a todos a leitura do livro, e a ajuda para divulgá-lo entre as pessoas que ocupam cargos de decisão ou formadores de opinião.

O livro pode ser aquirido da Editora Alfa e Beto, 31-3262-3229, por email ou no site do Programa Alfa e Beto.

O aumento do trabalho infantil e a educação

Ontem eu publiquei uma nota comparando os dados da PNAD / IBGE de 2004 e 2005, tratando de entender o aumento do trabalho infantil ocorrido neste período, e sua possível relação com a redução da matrícula escolar, que vem aparecendo no censo escolar do Ministério da Educação. Ao contrário do que eu havia dito naquela nota, que por isto foi retirada, os dados na PNAD não acusam a redução da matrícula escolar, e sim um pequeno aumento, além de uma redução pequena, mas salutar, na proporção de jovens de 15 a 17 anos que ainda estão no primeiro grau. Minha hipótese, de que o aumento do trabalho infant poderia se dever a uma piora da situação escolar, não pode ser verificada com estes dados. Quando entender melhor o que está passado, digo.

Discriminação e desempenho acadêmico


Será que as pessoas que são discriminadas têm pior desempenho nos estudos que as que não o são? Os dados do questionário socio-econômico dos participantes do ENEM sugerem que não. Uma percentagem significativa dos participantes que se consideram negros – 52.4% – dizem que já sofreram discriminação racial, assim como 15.2% dos pardos e 16.7% dos amarelos, ou orientais. No entanto, o desempenho no ENEM, tanto de pardos quanto de pretos, não está relacionado à discriminação, mas ao nível sócio-economico das familias.

É claro que ser e dizer que é discriminado são coisas diferentes: algumas pessoas podem ser discriminadas sem se dar conta, e outras podem ser especialmente sensíveis a qualquer forma de preconceito. Mas a reação a isto tanto poderia ser de se prejudicar pela discriminação recebida como de reagir contra ela, e não se deixar abater. Os dados do ENEM sugerem que as pessoas que se sentem discriminadas não se deixam abater, e se desempenham da mesma forma ou até melhor do que os outros, dentro das limitações de sua condição social e de seu meio.

O “Eduquês” em Portugal

Nuno Crato, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, tem trabalhado também com os temas da educação, criticando o predominio do que ele chama de “pedagogia romântica” ou “eduquês” em seu país. Ele tem na Internet um artigo entitulado “A Pedagogia Romântica e a Falta de Senso (2003) e é autor do livro “O ‘Eduquês’ em Discurso Directo – Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista” (2006).

(Agradeço à Dra. Cristina Fontana pelas indicações acima).

Guiomar Namo de Mello: Os candidatos e as prioridades para a educação

A campanha eleitoral está esquentando, e o tema da educação aparece nas pesquisas como o mais importante, na percepção do público. O que devemos esperar e cobrar dos candidatos, neste terreno? Eis o que propõe Guiomar Namo de Mello:

Para as próximas eleições, é importante que os candidatos estabeleçam com clareza quais são suas prioridades na educação. Não podemos continuar com listagens que abrigam de tudo um pouco, satisfazendo a todas as correntes ou posições, tudo com o mesmo valor. As prioridades podem ser as que são sugeridas abaixo, ou outras. Mas não se pode continuar com um discurso esgarçado para agradar a todos. Os pés começaram a aparecer na ponta do cobertor. Até para cada um poder posicionar-se sem falsas esperanças. É preciso finalmente dizer o que é mais importante e por que. Aí vão minhas sugestões.

• Que tudo seja passado por um crivo inicial: total prioridade para a escola regular, a boa e velha escola pública na qual estão matriculados a maioria dos alunos. Dessa forma, tudo que for para reforçar, acelerar, enriquecer, a escola regular, será mais prioritário. O resto é o resto.

• Prioridade absoluta para mais recursos pedagógicos, humanos e técnicos para as escolas regulares. Meta e prazo para o país ter todas as crianças estudando pelo menos 05 horas relógio por dia. Uma vez que essa jornada escolar estiver consolidada, então pensar em rede física e recursos humanos para uma jornada de 06 horas. Mais do que isso vira instituição total e escola é escola, não é internato, quartel, ou convento.

• Estabelecer metas e prazos para alcançar níveis de aprendizagem por ciclos, séries, segmentos, o que seja, mas que seja pactuado com os atores principais e que sejam feitas campanhas todos os dias, todos os meses dos anos, falando dessas metas, da necessidade de todos se esforçarem para alcançá-las: pais, vendo se a escola está no rumo das metas; imprensa com critério para olhar o que existe, o que falta, o que está certo ou errado; formadores de opinião e decisores, antenados para as metas. Essa campanha teria que veicular conteúdos deste teor:

• Nenhum aluno de escola pública do país vai deixar de aprender o equivalente a um ano de escolaridade. Na primeira série, na segunda série e assim por diante, esse ano de escolaridade terá de produzir os seguintes avanços…

• Junto, uma campanha que de tanto repetir, persuada e ensine a olhar o que a escola tem que fazer, mostrando que só a escola pode fazer isso. Nenhuma outra instituição. Comprometer os mídia com a divulgação disso. Fazer merchandising disso nas novelas, nos programas de auditório, no Faustão, nos programas da Igreja Universal, onde houver audiência. Repetir tanto que o povo vai aprender. Não há nenhuma razão para que a escola seja um mistério para as pessoas do povo.

• Com esse critério, deixam de ser prioritários, embora valiosos, os demais adereços que vêm sendo colocados na escola regular: ações assistenciais, pós escola, escola de tempo integral, etc. etc. As funções assistenciais têm que ser retiradas das escolas. Nada há a dizer para justificar isso. E se não for possível fazer uma coisa tão simples quanto essa, me pergunto se vale a pena ser governo…

• As iniciativas de CIEPS (Brizola), CIACS (Collor), CAICS (Collor), PROFICS (Pinotti), CEUS (Marta), e PÓS ESCOLA (Pinotti), não seriam prioritárias. Está na hora de tomar um partido claro, nítido, sereno e direto sobre isso. A grande maioria das nossas crianças tem casa, pai e mãe. As que se encontram em situação de risco, vivendo na rua, têm que receber um atendimento específico e customizado para essa situação. Como política pública, a educação escolar não precisa ser integral, nem no tempo diário de permanência nem na abrangência de toda a vida da criança. Sem essa clareza nossos dirigentes e gestores continuarão achando que é legítimo adotar medidas e programas assistencialistas e pirotécnicos, comprometendo os poucos nichos de política educacional séria que existem.

• É preciso se posicionar contra todo e qualquer encurtamento da escola regular: é uma vergonha ainda existam escolas que funcionando em três turnos diurnos, o que dá menos de 03 horas relógio de efetivo trabalho diário! Quem não se indignar com uma coisa dessas não merece ser governo.

• O funcionamento básico de todas escolas regulares sob padrões de qualidade aceitáveis é uma prioridade que não pode ser deixada subentendida. Esse padrão deve ser explicitado, e pelo que diz a pedagogia do bom senso seria: pelo menos 05 horas de 60 minutos de jornada diária; jornada do professor com pelo menos 20% para trabalho de planejamento e capacitação; módulos de materiais básicos a serem definidos (livros, materiais didáticos, publicações) e um compromisso de que esses materiais chegarão a todas as classes de todas as escolas e a todos os seus alunos; módulo básico de materiais de aprendizagem e desenvolvimento profissional para os professores – porque no curto prazo eles terão que aprender na escola onde estão para ensinar – com garantia de que chegará a todos os professores individualmente, não por escola para serem fotocopiados; instalações físicas adequadas para a jornada de alunos e professores com o currículo básico do ensino fundamental e médio. Esse pacote básico deve ser pactuado com os diferentes atores, gestores, parceiros.

• Ensino fundamental de nove anos: Não temos o direito de jogar fumaça na realidade: o ensino fundamental com 05 horas diárias, 200 dias letivos, durante 08 (oito) anos, dá um total de 8.000 horas de escolaridade. Se forem 09 (nove) anos, mantidas as 04 horas atuais (um número otimista porque muitas escolas funcionam com menos de 04 horas relógio por dia), 200 dias letivos, dá um total de 7.200 horas de escolaridade. Portanto, se é para aumentar o tempo de permanência na escola, melhor seria ampliar a jornada diária do que acrescentar uma coorte ao ensino fundamental. Basta fazer a conta. Considerando no entanto que tornou-se politicamente incorreto ser contra os nove anos de escolaridade (a propósito eu votei contra no Conselho Nacional de Educação), pelo menos os sistemas municipais e estaduais deveriam ter autonomia para decidir como querem organizar esses nove anos. Já há muito municípios no Sul e Sudeste nos quais o último ano da pré-escola está universalizado, isto é, todas as crianças já estão na pré-escola aos 06 anos completos. Porque raios eu teria que tirá-las com cinco anos da pré-escola para começar o fundamental com 06 anos se ela já está na escola? O fato de ela estar no último ano da pré-escola ou no primeiro ano do ensino fundamental vai mudá-la? Vai mudar suas necessidades? E se todos os alunos já tem pelo menos nove ou até mais anos de escolaridade porque a pré-escola se universalizou, porque então não estender para o primeiro ano do ensino médio o ano a mais?

A melhor maneira de desmistificar a proposta de ensino fundamental de nove anos é o compromisso para valer quanto à eliminação do fracasso escolar no ensino fundamental, porque é urgente ser honesto e reconhecer que o Brasil há décadas e décadas tem um ensino fundamental de 09, 10, 11, 12 anos. Por causa da repetência, cada concluinte do fundamental já representou até 12 anos de escolaridade. A média atual, alcançada a custa de um enorme esforço para acelerar as crianças e regularizar o fluxo, é de 9.7 anos. Até pouco tempo só os ricos no Brasil faziam o fundamental em 08 anos. E uma fração reduzida dos pobres excepcionais. Todos os demais já faziam e já fazem o fundamental em no mínimo 09 anos. Diz o discurso mistificador que são as crianças mais pobres que precisam entrar antes na primeira série, aos 06 anos. Que são elas as que mais ganham com 09 anos de escolaridade! Ora bolas, não são exatamente elas as que mais repetem? Portanto não são elas que já fazem o fundamental em bem mais de 8 anos? É uma lógica infernal essa!

A verdade é que se não tivesse repetência o país já poderia ter universalizado não só o fundamental como o médio e a educação infantil. Basta imaginar, em 100 anos de Século XX, quanto o Brasil gastou com repetência!!! Dava para ter o melhor sistema de educação do mundo, gastando o dobro do custo aluno que se gasta hoje. Não acham que está na hora de fazer essa conta? Quanto foi que o Século XX cobrou aos brasileiros pela repetência? E isso só em recursos financeiros, sem falar da auto estima, porque, como diz o comercial do Credicard, essa não tem preço. O discurso portanto tem que ser – uma vez assumida a inevitabilidade do ensino fundamental de nove anos – um compromisso com o país, os pais, a opinião pública, os contribuintes, os tomadores de decisão, os formadores de opinião, que vamos diminuir o ensino fundamental para 09 anos. Vamos diminuir porque a partir de agora, a duração será só de 09 anos e apenas 09, nunca mais do que 09 anos. Será um compromisso do tipo: daqui em diante nenhuma criança vai ser deixada para trás, obrigada a fazer a escola obrigatória em 10, 11 ou 12 anos. daqui em diante 09 anos será o limite. Nunca mais vamos fazer uma criança voltar para trás e fazer a mesma coisa outro ano, mais outro e mais outro. Daqui em diante nunca mais um aluno vai repetir em geografia num ano, voltar a fazer todas as disciplinas no ano seguinte e, ao final, repetir novamente só que em… matemática.

• Prioridade deve ser dada a todo e qualquer esforço para enriquecer, reforçar, acelerar, recuperar a escola regular. Deixar dessa mentirinha de abrir escola para a comunidade aos fins de semana. Desde os anos 80 muitas prefeituras de começaram a fazer isso. Nunca melhorou um só vintém a aprendizagem dos alunos. O melhor uso das escolas nos finais de semana seria para fazer o que não dá para fazer nos dias úteis, por falta de espaço/tempo, gente, vontade, um tudo. E o que é que não dá tempo de fazer durante a semana? Ensinar e aprender mais matemática, mais português, ciências, história e geografia. Portanto prioritários neste caso seriam todos os programas de reforço, aceleração e melhoria da aprendizagem. E lembrem, se tivermos metas definidas de aprendizagem não é difícil saber o que está faltando ou onde as coisas estão difíceis numa escola ou mesmo para um aluno!. Para isso valeria a pena gastar contratando professores temporários, ou agregando horas na jornada dos atuais, que ganhariam mais para continuar ensinando nos fins de semana. Isso tudo num programa organizado e supervisionado pelos professores regulares e pela direção da escola.

• Escola 24 horas, seria o ideal! Aí daria para inventar coisas do tipo: usar estagiários que fazem licenciaturas à noite e lutam para conseguir fazer estágio. Eles poderiam ser os professores residentes de fim de semana, continuando o trabalho feito com o professor dos dias da semana. Seria um programa para todas as crianças voluntário. Aposto que a aceitação pelos pais seria grande. E muitas vezes não tem dinheiro para levar os filhos ao cinema, ao teatro, nem mesmo ao zoológico. Quanto mais passear no shopping. E não me digam que seria chato. Só se o trabalho for mal feito. Se for didaticamente bem feito pode perfeitamente seduzir as crianças de periferia.

Da mesma forma no ensino médio deveria ser prioridade aproveitar todo o tempo disponível para reforçar a aprendizagem dos conteúdos curriculares. Sobretudo porque a maioria do ensino médio público é noturno. Aqui também alunos de curso de licenciatura de física, biologia, história, etc., poderiam ter um grande projeto de estágio e iniciação. Uma residência escolar de fim de semana, uma escola 24 horas…

No caso do ensino médio esses horários de fins de semana poderiam também ser ocupados com programas de preparação profissional de variada duração. Desde cursos de nível técnico, que se iniciariam concomitantemente e seriam concluídos ao final do ensino médio ou mesmo após, até cursos de curta duração para atender às estratégias de sobrevivência desses jovens no curto prazo. Eles precisam trabalhar para continuar estudando. Como aliás já fizemos vários da geração que hoje tem 50, 60 anos… Convênios com escolas técnicas públicas ou privadas da região poderiam reverter em real benefício para esses alunos pobres, na verdade trabalhadores que estudam à noite.

• Quanto aos professores da educação básica: Grande prioridade teria dar bolsas de estudos, créditos ou quaisquer outros subsídios (as prefeituras poderiam completar até mesmo com uma bolsa de manutenção ou um salário de residente) para os jovens que quiserem fazer curso de formação de professores. Mas as instituições teriam que passar por uma avaliação para se qualificarem como instituições que podem receber bolsistas financiados pelo dinheiro público (não a avaliação pedante e cartorial da comissão de especialistas do MEC, outra, de um conselho especial só para cuidar nacionalmente da política de formação docente, junto com estados e municípios)

• A qualidade da formação dos professores para escolas regulares de educação básica, é outra prioridade. Não adianta dizer que vai formar os professores em nível superior. A qualidade não acontece por milagre só porque é ensino superior. Do jeito que são os cursos de formação atual, não tenho medo de afirmar que os velhos cursos normais, de nível médio porém decentes, eram melhores. Ter nível superior não garante qualidade, chega de cartorialismo e mistificação. Tem que afirmar que o professor será formado em curso superior qualificado e que o governo vai tomar as providências necessárias para garantir isso. Por exemplo, só vai conceder bolsa ou crédito para alunos, se o destino forem instituições com selo de qualidade do MEC, do Conselho ou de qualquer outra instância que será criada para isso. Sem comissão de especialistas da SESU por favor que na área de formação de professores, elas são um desastre!!!!

• Isso leva à proposta de que o governo federal, em colaboração com os governos estaduais e quem sabe até municipais, crie sistemas de certificação de competências docentes para professores ingressantes e, periodicamente, para re-certificação da competência dos professores em exercício.

• Carreira dos professores da educação básica. Nos anos 80, começamos a falar que a carreira de professor era um impeditivo para o ensino de qualidade. Já se vão portanto quase 30 anos. Estamos todos 30 anos mais velhos, de cabelos brancos. E continuamos dizendo que a carreira de professor é impeditivo para várias medidas que teriam de ser adotadas para melhorar o ensino. Já deu para aprender que sem quebrar estes ovos não tem omelete:

• Aposentaria aos 25 anos: precisa acabar, ser no mínimo igual à do trabalhador comum. A idéia de duas carreiras, uma na qual ingressariam os novos e outra para aposentados e em serviço, é também uma idéia dos anos 80. Se tivéssemos feito isso naquele momento já teríamos todos os professores na carreira nova. Daqui há 30 anos estaremos ainda falando a mesma coisa?

• Poder ter salários diferenciados para disciplinas nas quais faltam professor; para professores que são mais esforçados e comprometidos e cujos alunos aprendem melhor, ou mais depressa.

• Desarmar o falso discurso que número de alunos por turma afeta, a qualidade. Só se for um número absurdo de 50, 60 alunos. Caso contrário não há nenhuma evidência de que 20 alunos aprendem mais do que 30.

• Criar incentivos ou prêmios para esses professores esforçados e comprometidos. Fazer campanha mostrando que é possível ensinar a criança brasileira, sobretudo a mais pobre.

• Instituir compensações e prêmios para sistemas (municipais ou estaduais) que experimente inovar em matéria de carreira de professor e seus impactos sobre a organização do trabalho na escola. Por exemplo: porque todos os professores têm que ser iguais e ganhar igual? Uma parte dos alunos de qualquer escola aprende com mais facilidade do que outros. Tem alunos que aprendem apesar da escola. Esses “easy students” poderiam ser atribuídos a auxiliares, supervisionados por professores “seniors”. As classes mais difíceis deveriam ficar com os professores mais qualificados, da mesma forma que os pacientes mais graves são acompanhados mais de perto pelos médicos mais experientes. Um hospital funciona com uma enfermeira especializada para um número de auxiliares técnicos, atendentes, etc. Será que dá pra pensar em algo parecido na escola? Alguma perspectiva nova, por favor.

Universidade, meritocracia e saberes universais

Eduardo Luedy, comentando neste blog o manifesto sobre os “direitos iguais na República Democrática” (veja baixo), diz que, se a universidade é uma instituição meritocrática, e os currículos são baseados em saberes universais, então as cotas não se justificariam. Mas ele desconfia tanto de uma coisa quanto de outra, e acredita que, no fundo (ou nem tão no fundo assim), tanto a meritocracia quanto a noção de saberes universais são pretextos para manter a desigualdade e a discriminação.

São questões importantes, que não permitem respostas apressadas. Sabemos que a relação entre resultados nos exames vestibulares e resultados nos cursos superiores é imperfeita, como é imperfeita a relação entre o desempenho nos cursos e na vida profissional. Nada indica, por exemplo, que os 10% mais qualificados mas que não passaram em um vestibular de medicina seriam piores médicos do que os 10% menos qualificados que passaram. Se a seleção fosse feita por sorteio, neste grande grupo intermediário, os resultados seriam provavelmente os mesmos. Uma vez obtidos, os diplomas funcionam como pontos nos concursos e promoções, licença para o exercício de determinadas profissões, e engordam os currículos no mercado de trabalho, além de trazer prestígio a seus portadores, mesmo que tenham sido péssimos alunos, ou freqüentado escolas de fim de semana. Se os privilégios não dependem do conhecimento nem do mérito, porque usar o mérito como critério de seleção, que só beneficia os filhos das classes médias e altas?

De fato. Mas acontece que os benefícios obtidos pelos títulos enquanto tais beneficiam seus portadores, mas não a sociedade como um todo, porque não passam de sinecuras. O interesse de um indivíduo pode ser o de obter um título com o mínimo possível de esforço, e aproveitar ao máximo da legislação e dos mitos que garantem os privilégios dos portadores do diploma que recebe. O interesse da sociedade, por outro lado, é o de associar ao máximo o diploma à competência, e eliminar os privilégios associados à simples posse de credenciais. O país precisa de profissionais competentes nas diversas áreas, e isto justifica os investimentos públicos na educação superior e na pesquisa; mas não precisa de um sistema de privilégios e de prestígio baseado na distribuição de credenciais educacionais de um tipo ou outro.

Nem sempre é fácil ver este conflito de interesses, porque a defesa dos privilégios profissionais – por exemplo, quando os advogados querem impedir a criação de novas faculdades de direito, quando os médicos tentam limitar as atribuições de outros profissionais de saúde, quando o sindicato de sociólogos obriga as escola a contratar seus filiados para dar aulas nas escolas em todo o país – é sempre feito em nome da qualidade profissional e do interesse da sociedade. No entanto, os profissionais mais bem formados estão, em geral, muito mais preocupados com a qualidade real do diploma que possuem do que com a defesa dos cartórios profissionais. Esta mesma divisão entre os que valorizam os conteúdos e os que valorizam os títulos existe no interior das universidades. Para algumas instituições e pessoas dentro delas, o que importa é fazer prevalecer os valores da competência e do mérito competência no ensino e na pesquisa, não só porque isto beneficia os mais competentes, mas também porque torna mais legítima sua demanda por financiamentos públicos e reconhecimento de sua autoridade profissional. Para outros, no entanto, o que vale são os direitos adquiridos e as posições conquistadas.

Se este raciocínio é correto, então as políticas públicas que incentivam o mérito no ensino superior estão alinhadas com o interesse da sociedade e contribuem para fazer com que as instituições de ensino valorizem cada vez mais o mérito e o desempenho, tanto de alunos quanto de professores e pesquisadores; e vice-versa. Nesta perspectiva, sistemas de cotas para categorias de alunos, na medida em que dissociem o acesso do mérito, são claramente contrárias ao interesse público.

Mas isto não esgota o problema, porque, como sabemos, o mérito está associado às condições educacionais e econômicas das famílias de origem dos estudantes, e, como foi dito no início, nem sempre os sistemas de seleção das universidades refletem o mérito verdadeiro, medido por outros critérios. Existem várias maneiras de enfrentar estes problemas: investindo na preparação de grupos em situações de desvantagem, melhorando suas condições de competitividade; mudando os critérios de seleção para as universidades, saindo do atual sistema rígido de provas para outros que possam tomar outros fatores em consideração; e ampliando e diversificando mais o sistema, de forma a permitir que, no lugar de algumas poucas hierarquias de prestígio, exista uma pluralidade cada vez maior de alternativas.

O que traz à baila o segundo ponto levantado por Eduardo Luedy, o da existência ou não de saberes universais. Esta foi uma grande discussão nos Estados Unidos, aonde se dizia que as universidades tradicionais mantinham o culto da cultura do White Dead Men, e que era necessário substituí-la pelas culturas dos negros, das mulheres, dos jovens e das pessoas vivas, sem falar nas diferentes tradições culturais da Ásia e da África. Como toda a polarização, ela tinha algo de verdadeira, e muito de bobagem. Aplicada às humanidades, faz bastante sentido buscar, recuperar e fortalecer outras tradições culturais, associadas a diferentes identidades, ainda que com o risco de que, nestas novas tradições, as ideologias prevaleçam sobre os conteúdos literários, artísticos e filosóficos das diferentes correntes. Mas não faz sentido abandonar as tradições intelectuais mais importantes da cultura ocidental, que, de fato, um patrimônio universal e inestimável que, de fato, foi construido predominantemente por homens brancos já falecidos. Aplicada às ciências e à tecnologia, os riscos são maiores: é muito difícil defender hoje a existência de uma física, biologia ou matemática branca ou negra, ariana ou judaica, burguesa ou proletária, latino-americana ou imperialista. A globalização do conhecimento técnico e científico é um fato que tem conseqüências de muitos tipos, algumas delas bem negativas, e ainda persistem tradições técnicas e científicas que são peculiares a determinados contextos. Mas o caminho, evidentemente, não é o de criar espaços reservados para saberes particulares, definidos por critérios raciais, nacionais ou de classe, e sim criar condições para que todos participem e se beneficiem dos conhecimentos e das competências que se desenvolvem e estão disponíveis em um mundo cada vez mais global.

De novo, isto não esgota o problema. O mundo do conhecimento é fragmentado (quem fala ainda hoje da “unificação das ciências?”), e os sistemas de ensino superior, ao invés de insistirem no predomínio absoluto das hierarquias tradicionais do saber científico, devem estar abertos à pluralidade e convivência de diversas formas de qualificação profissional e produção do conhecimento, competindo entre si.

Em resumo: apesar de suas dificuldades, o princípio do mérito não pode ser abandonado no ensino superior; e a solução para os problemas de iniqüidade de acesso e resultados deve passar pelo apoio aos que dele necessitam e pela diversificação cada vez maior de caminhos e possibilidades, e não pela redistribuição pura e simples dos benefícios de um sistema de privilégios que precisa ser superado.

Como nos tempos do Estado Novo: obrigatoriedade da sociologia e filosofia no ensino medio

Tenho recebido uma chuva de mensagens pedindo apoio para a campanha para tornar obrigatório o ensino de sociologia e filosofia no ensino médio. O principal promotor desta campanha é o sindicato dos sociólogos de São Paulo. A Lei de Diretrizes e Bases diz que os estudantes oriundos do ensino médio devem demonstrar ” domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Ora, quem sabe sociologia e filosofia são os sociólogos e filósofos formados nestas disciplinas, e quando a lei passar a ser cumprida, eles serão contratados para dar estes cursos, criando um grande mercado de trabalho para estas profissões e, ao mesmo tempo, formando melhores cidadãos para o pais. Bom para os sociólogos e filósofos profissionais, e bom para todo mundo. Certo?

Não, errado! No passado, a tradição era que o governo definia, nacionalmente, os currículos de todos os cursos, que eram obrigatórios para todas as escolas. A conseqüência era que o ensino se dava de forma burocrática, ritualizada, e os estudantes tinham que aprender um amontoado de conhecimentos inúteis e mal dados, que eram esquecidos rapidamente. Em grande parte, isto ainda é assim. A Lei de Diretrizes e Bases de 1996, ainda que de forma imperfeita, buscou mudar isto. Ela estabelece, de forma bastante ampla, que os estudantes devem adquirir conhecimentos de ciências naturais, linguagem e ciências sociais e humanas, e que os governos, nos seus diferentes níveis. devem estabelecer as “competências e diretrizes” da educação em seus diversos níveis, “que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos” dos diferentes cursos. Ela menciona filosofia e sociologia (erradamente, me parece), da mesma forma que poderia mencionar disciplinas tradicionais do ensino médio, como geografia e historia, e disciplinas que obviamente deveriam existir, como o direito, a economia, a computação e a estatística. Em principio, cada escola deveria poder organizar seu programa de estudos como achasse melhor, e os estados e municípios poderiam estabelecer requisitos mais específicos para seu âmbito de atuação, que as escolas deveriam atender, sem perder sua autonomia.

Mas o publico, de uma maneira geral, não entendeu isto, e os governantes tampouco. As demandas pelo ensino obrigatório de diferentes disciplinas não para de crescer: educação ambiental, língua castelhana, agora sociologia e filosofia – porque não antropologia e demografia, e trazer de volta a historia e geografia, e mais a economia e o direito, sem falar das novas áreas cientificas e técnicas, como computação, biotecnologia e nanotecnologia? E a teologia, ou religião? Milhares de novos professores seriam contratados para estes cursos obrigatórios, e os alunos que se virem para entender e memorizar todos estes novos conteúdos!

Isto não tem como dar certo. Do ponto de vista dos alunos, este tipo de educação enciclopédica, formada pela soma de pequenos fragmentos de conhecimentos das diversas disciplinas, não faz o menor sentido. O estudantes precisam dominar a linguagem verbal e simbólica das matemáticas, e é importante que entendam o que são as ciências, o que é o mundo das relações sociais e econômicas, e o que são as instituições. Isto pode ser feito de muitas maneiras diferentes, e existem formas de verificar se de fato estes conhecimentos básicos estão sendo adquiridos e incorporados (vejam por exemplo as avaliações internacionais da OECD, o PISA). O mais importante não é o conhecimento extenso, de um monte de fragmentos, mas o conhecimento o mais aprofundado possível de algumas áreas, com as quais as escolas possam ter mais afinidade. No nível médio, algumas escolas podem preferir se aprofundar na formação literária, outras na formação em ciências biológicas, outras na formação filosófica ou sociológica, ou em determinadas línguas estrangeiras. Idealmente, os alunos, e suas famílias, deveriam poder escolher as escolas conforme suas especialidades. Mesmo não havendo esta possibilidade, se a escola trabalhar bem seus temas, o mais provável é que todos os alunos se beneficiem.

Meus colegas do sindicato de sociólogos que me perdoem, mas sociologia não é, nunca foi e provavelmente nunca será uma profissão, e sim uma disciplina acadêmica, com fronteiras pouco definidas e conteúdos muito variáveis. Como disciplina, ela se aproxima mais de áreas como a filosofia, antropologia e economia do que das profissões estabelecidas como o direito ou a medicina. Os conhecimentos relativos ao mundo das relações sociais, assim como das questões da ética e da moralidade, não são privilégios dos sociólogos e filósofos portadores dos respectivos diplomas, mas estão presentes, de diversas formas, em outras disciplinas, como a teologia, a antropologia, o direito, a historia e a critica literária. Fazer com que as escolas contratem, obrigatoriamente, pessoas com diplomas de sociólogo ou filosofo não é nenhuma garantia de que os estudantes irão adquirir conhecimentos relevantes nestas áreas, inclusive porque a Lei de Diretrizes e Bases não diz, nem teria como dizer, que conteúdos específicos em sociologia ou filosofia os estudantes deveriam aprender. Dada a qualidade geralmente precária dos cursos superiores de sociologia e filosofia no pais, criar esta obrigatoriedade seria, simplesmente, enrijecer ainda mais o currículo escolar, e tornar o ensino médio pior ainda do que já é .

Eu vejo um papel importante para sociólogos e filósofos em relação ao ensino médio, que é o de pensar e propor, a partir de seus conhecimentos, conteúdos que poderiam ser de interesse das escolas, preparando livros e materiais pedagógicos de qualidade, e tratando de convencer as escolas da importância de seus conhecimentos para a formação dos jovens. Mas isto deve ser feito de baixo para cima, a partir do trabalho com as escolas, e não de cima para baixo, pela promulgação de leis de ensino obrigatório, como nos velhos tempos do Estado Novo.

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