Ali Kamel: Não Somos Racistas

O livro de Ali Kamel, sob o título acima, reune muitas das coisas que ele vem escrevendo no “O Globo” sobre o tema, e estou transcrevendo abaixo um trecho, acompanhado de um comentário de Jerônimo Teixeira sobre “as falácias da política de cotas raciais”. Estes textos já circularam em minha lista, por sugestão de Maria Cristina Barreto.

Segundo Ivonildo Leite, “quanto mais não seja, os dois textos a seguir são interessantes para, no mínimo, tornar a discussão sobre cotas mais plural. Um tanto mais audaciosa talvez seja a pretensão de pautar o debate pela racionalidade, indo além do discurso “politicamente correto”, que, por não fazer nenhuma distinção entre ideologia e ciência, cria embaraços para as próprias causas que defende.”

Já Luisa Schwartzman discorda: “eu nao acho que os dois textos tornem a discussao mais plural. Pelo contrario, eles a tornam tao plural quanto sempre foi desde que comecou. Ou seja, as pessoas ou sao contra ou a favor das cotas. Só existem esses dois pontos de vista? Ninguém consegue pensar em mais nada? Nao tem meio-termo?

NÃO SOMOS RACISTAS

Ali Kamel

Foi um movimento lento. Surgiu na academia, entre alguns sociólogos na década de 1950 e, aos poucos, foi ganhando corpo até se tornar política oficial de governo. Mergulhado no trabalho jornalístico diário, quando me dei conta do fenômeno levei um susto. Mais uma vez tive a prova de que os grandes estragos começam assim: no início, não se dá atenção, acreditando-se que as convicções em contrário são tão grandes e arraigadas que o mal não progredirá. Quando acordamos, leva-se o susto. Eu levei. E, imagino, muitos brasileiros devem também ter se assustado: quer dizer então que somos um povo racista? Minha reação instintiva foi me rebelar contra isso. Em 2003, publiquei no Globo um artigo cujo título dizia tudo: “Não somos racistas.”

Depois dele, publiquei outros tantos e, hoje, vendo-os no conjunto, tenho a consciência de que fui me dando conta do estrago à medida que ia escrevendo. Escrevi sempre na perspectiva de um jornalista, de alguém especializado em ver o imediato das coisas. Outros lutaram em seus campos, sempre com muita propriedade. Gente como os historiadores José Roberto Pinto de Góes, Manolo Florentino, José Murilo de Carvalho e Monica Grin, os antropólogos Yvonne Maggie, Peter Fry e os sociólogos Marcos Chor Maio, Ricardo Ventura e Demétrio Magnoli e o jornalista Luis Nassif, entre tantos outros, tentaram alertar a sociedade brasileira para o perigo nos jornais, em artigos especializados, em seminários e em livros.

Na perspectiva de jornalista, de alguém mais próximo do cidadão comum, espantei-me diante de algumas descobertas. Um exemplo, o conceito de negro. Para mim, para o senso comum, para as pessoas que andam pelas ruas, negro era um sinônimo de preto. Nos primeiros artigos, eu me debatia contra uma leitura equivocada das estatísticas oficiais acreditando nisso. Certo dia, caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aqueles que não eram brancos. Cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom? Nada disso, agora ou eram brancos ou eram negros. De repente, nós que éramos orgulhosos da nossa miscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores, fomos reduzidos a uma nação de brancos e negros. Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não era o meu.

O debate em torno de raças no Brasil sempre foi intenso. Deixando de lado todo o debate entre escravocratas e abolicionistas, o século XX foi todo ele permeado por essa discussão. Nas primeiras décadas do século passado, o pensamento majoritário nas ciências sociais era racista. Mas até ele reconhecia que o Brasil era fruto da miscigenação. O racismo era decorrente justamente dessa constatação: para que o país progredisse, diziam os sociólogos, era preciso que se embranquecesse, diminuindo a porção negra de nosso povo. Foi Gilberto Freyre quem mais se destacou em se contrapor a um pensamento tão abjeto como este.
Freyre não foi o autor do conceito de “democracia racial”, não foi ele quem cunhou o termo, hoje tão combatido. Aliás, era avesso a tal conceito, porque o que ele via como realidade era a mestiçagem e não o convívio sem conflito entre raças estanques. Usou em discursos a expressão uma ou duas vezes, a partir da década de 1960, mas sempre como sinônimo de um modelo em que a miscigenação prevalece. Jamais edulcorou a escravidão. Casa grande e senzala, a obra-prima de Freyre, dedica páginas e mais páginas ao relato das atrocidades que se fizeram contra os escravos. Está tudo ali, todos os sofrimentos impostos aos escravos: o trabalho desumano nas lavouras, as meninas menores de 14 anos, virgens, violadas na crença de que o estupro curaria a sífilis, as mucamas que tinham os olhos furados e os peitos dilacerados apenas por despertar os ciúmes das senhoras de engenho. Freyre não omite nada; expõe. É claro que também reconhece no branco português uma elasticidade, sem o que não poderia ter havido mistura. É claro que descreve certo congraçamento entre o elemento branco e o negro.

Essas características de Casa grande e Senzala, no entanto, foram tão realçadas com o decorrer do tempo que muitos hoje acreditam, erradamente, que Freyre escondeu os horrores da escravidão para fazer do Brasil mais do que uma democracia racial, um paraíso.

O papel de Freyre, porém, foi outro, muito mais marcante. No debate com o pensamento majoritário de então, o que Freyre fez foi resgatar a importância do negro para a construção de nossa identidade nacional, para a construção da nossa cultura, do nosso jeito de pensar, de agir e de falar. Ele enalteceu a figura do negro, dando a ela sua real dimensão, sua real importância. A nossa miscigenação, concluímos depois de ler Freyre, não é a nossa chaga, mas a nossa principal virtude.

Hoje, quando vejo o Movimento Negro depreciar Gilberto Freyre, detratando-o como a um inimigo, fico tonto. Os ataques só podem ser decorrentes de uma leitura apressada, se é que decorrem mesmo de uma leitura.

Como bem tem mostrado a antropóloga Yvonne Maggie, a visão de Freyre coincidiu com o ideal de nação expresso pelo movimento modernista, que via na nossa mestiçagem a nossa virtude. Num certo sentido, digo eu, a antropofagia cultural só poderia ser mesmo uma prática de uma nação que é em si uma mistura de gentes diversas. Esse ideal de nação saiu-se vitorioso e se consolidou em nosso imaginário. Gostávamos de nos ver assim, miscigenados. Gostávamos de não nos reconhecer como racistas. Como diz Peter Fry, a “democracia racial”, longe de ser uma realidade, era um alvo a ser buscado permanentemente. Um ideal, portanto.
Isso jamais implicou deixar de admitir que aqui no Brasil existia o racismo. É evidente que ele existia e existe, porque onde há homens reunidos há também todos os sentimentos, os piores inclusive. Mas a nação não somente não se queria assim como sempre condenou o racismo. Aqui, após a Abolição, nunca houve barreiras institucionais a negros ou a qualquer outra etnia. E para combater as manifestações concretas do racismo – inevitáveis quando se fala de seres humanos – criaram-se leis rigorosas para punir os infratores, sendo a Lei Afonso Arinos apenas a mais famosa delas.

Mas a partir da década de 1950, certa sociologia foi abandonando esse tipo de raciocínio para começar a dividir o Brasil entre brancos e não-brancos, um pulo para chegar aos que hoje dividem o Brasil entre brancos e negros, afirmando que negro é todo aquele que não é branco. Nos trabalhos de Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Oracy Nogueira e, mais adiante, Carlos Hasenbalg, se a idéia era “fazer ciência”, o resultado sempre foi uma ciência engajada, a favor de negros explorados contra brancos racistas. A idéia que jazia por trás era que a imagem que tínhamos de nós mesmos acabava por ser maléfica, perversa com os negros. Era como se o ideal de nação a que me referi tivesse como objetivo o seu contrário: idealizar uma nação sem racismo para melhor exercer o racismo. O papel da ciência, “para o bem dos negros”, seria desmascarar isso, tirando o véu da ideologia e substituindo-a pela realidade do racismo. Esse raciocínio levava, porém, ao paroxismo de permitir a suposição de que um racismo explícito é melhor do que um racismo envergonhado, esquecendo-se de que o primeiro oprime sem pudor, enquanto o segundo, muitas vezes, deixa de oprimir pelo pudor.

AS FALÁCIAS DA POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA ANÁLISE DEMOLIDORA DE ALI KAMEL

Jerônimo Teixeira

No início dos anos 1930, às vésperas da ascensão do nazismo, as posições pacifistas do físico alemão Albert Einstein geravam rancor entre seus compatriotas. Com o título de 100 Autores contra Einstein, um livro coletivo foi publicado para atacar suas idéias. Einstein respondeu com sua inteligência característica: “Por que 100 autores? Se eu estivesse errado, um só bastaria”.

A anedota merece ser lembrada a propósito da recente guerra de abaixo-assinados gerada pela Lei de Cotas e pelo Estatuto da Igualdade Racial – projetos de lei que visam a estabelecer políticas de “ação afirmativa” para favorecer os negros, com cotas raciais nas universidades e no funcionalismo público. Há pouco mais de um mês, um manifesto contrário ao estatuto, assinado por 114 intelectuais, foi entregue ao Congresso. Os movimentos sociais que apóiam as cotas responderam de bate-pronto com outro abaixo-assinado, este com 330 signatários.

Agora, quando a poeira da discussão já começava a assentar (e a votação do estatuto na Câmara dos Deputados ficou para o ano que vem), o diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, lança um livro fundamental para entender a questão. Não Somos Racistas (Nova Fronteira; 144 páginas; 22 reais) demonstra que as chamadas “ações afirmativas” são uma resposta irracional para um problema fictício – o racismo institucional, que não vigora no Brasil.

O engano fundamental das políticas raciais estaria, de acordo com Kamel, em considerar que a sociedade brasileira é constitutivamente racista. Existe racismo no Brasil, mas ele não é um dado predominante da cultura nacional e não conta com aval de nenhuma instituição pública. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, prontuários médicos e outros documentos oficiais informem a raça de seu portador, o Estatuto da Igualdade Racial está na verdade desprezando uma longa tradição de mistura e convivência em prol de categorias raciais estanques e estúpidas. É, na prática, um exercício de discriminação racial, sancionado pelo Estado.

A miscigenação, dado central da sociedade brasileira, é o fato recalcado pelos defensores das cotas. A lógica beligerante implícita do estatuto e da lei de cotas é de que existem dois grandes grupos no Brasil: os brancos, opressores, e os negros, oprimidos. Isso se revela até no uso das estatísticas do IBGE – e um dos pontos fortes de Não Somos Racistas é a clareza com que o autor (que, além de jornalista, tem formação em ciências sociais) destrinça números para desmontar a falácia das cotas. Nas contas dos que defendem medidas do gênero, os negros são 48% da população, mas representam 66% dos brasileiros pobres. Kamel parte da mesma fonte – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE – para observar que, na verdade, os negros são uma minoria (veja o quadro). Os filhos da miscigenação, definidos como “pardos”, são mais numerosos e têm um lugar ambíguo no discurso racial. Sendo, em geral, descendentes de africanos e de europeus, por que deveriam ser considerados apenas “negros”? Pardos e negros, somados, representam, sim, a maioria dos pobres brasileiros – em números absolutos, 38 milhões. Mas o contingente de brancos pobres também é enorme. Como justificar uma política de avanço “racial” que deixaria para trás a massa de 19 milhões de brancos pobres?

Os mulatos mais claros serão favorecidos ou esquecidos por essas políticas de discriminação? O Estatuto da Igualdade Racial, como se vê, é uma receita para que os cidadãos brasileiros recebam tratamento desigual por parte do Estado.

A pobreza, argumenta Kamel, é a chaga social renitente do Brasil. Ela não discrimina: atinge brancos, negros, mulatos. “Negros e pardos são maioria entre os pobres porque o nosso modelo econômico foi sempre concentrador de renda: quem foi pobre (e os escravos, por definição, não tinham posses) esteve fadado a continuar pobre”, observa Kamel. Negros, brancos e pardos, diz o autor, só sairão da pobreza por força de políticas que incluam a todos – especialmente com investimentos consistentes em educação.

Kamel também é muito eficiente ao traçar o histórico das equivocadas políticas raciais debatidas hoje. A idéia de que o Brasil é racista foi, de acordo com o autor, inventada a partir dos anos 1950 por cientistas sociais como Florestan Fernandes – e Fernando Henrique Cardoso. Foi em consonância com as idéias expostas na obra do sociólogo – como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional – que o presidente Fernando Henrique implementou as primeiras políticas de “ação afirmativa” no funcionalismo público. A distorção que Kamel chama de “nação bicolor” teve início ali, e ganhou uma continuidade “canhestra” no governo Lula. Caberá aos deputados eleitos neste ano dar um ponto final nessa escalada, recusando o Estatuto da Igualdade Racial. Seria salutar que todos eles lessem Não Somos Racistas.

Debate sobre cotas no CEBRAP – 2

O debate sobre cotas nas universidades lida com uma dimensão do ensino superior no Brasil, a do acesso, mas não só deixa outras questões importantes de fora, como que acaba ocupando todo espaço do debate público sobre a questão universitária, que fica em segundo plano.

Em minha apresentação no CEBRAP, chamei a atenção para o fato de que o sistema de ensino superior brasileiro é fortemente estratificado, tanto no sentido de que a maior parte dos alunos vêm de camadas sociais médias e altas, como no sentido de que a estratificação se dá no interior das instituições. Anteriormente, as instituições públicas tendiam a ser de melhor qualidade, gratuitas e de difícil acesso, enquanto que as privadas, além de pagas, eram de pior qualidade, e aceitavam qualquer tipo de aluno. Hoje, existem muitas instituições públicas tão ruins quanto muitas privadas, e diferenças importantes dentro de cada instituição; um número crescente de instituições privadas de elite, sobretudo nas áreas de administração e direito; e um segmento crescente de educação superior privada de acesso gratuito, com poucos requisitos de entrada, e financiado pelo governo federal através do ProUni. Para os estudantes que entram nos cursos e instituições de pior qualidade, públicos ou privados, pagando ou sem pagar, com ou sem cotas, as chances são altas de que aprendam pouco e mal, abandonem o curso antes de diplomar, e, mesmo se conseguirem o diploma, deixem de obter os benefícios que esperavam que ele trouxesse. Na medida em que o ensino superior se expanda, o mais provável é que sejam os segmentos de má qualidade que cresçam, porque estes são os mais baratos, e com isto aumentem estes problemas, a um custo crescente para a sociedade, em dinheiro e frustração.

O caminho não é deter a expansão, mas tornar o sistema mais diversificado e mais eficiente. A diversificação consiste em criar alternativas reais ao modelo dominante de ensino superior, calcado nas antigas profissões liberais, e abrir espaço para diferentes tipos de formação, para pessoas com diferentes interesses e condições de estudo. Hoje, em toda a Europa, discute-se o modelo de Bologna, que combina um nível inicial de três anos para todo o ensino superior, mais acadêmico ou mais aplicado, seguido de um período de formação profissional de dois anos (equivalente ao mestrado), e outro adicional de três ou quatro anos para a formação de alto nível; esta discussão, até agora, não chegou ao Brasil. Se as universidade públicas fossem mais eficientes, elas poderiam, com os mesmos recursos que tem hoje, melhorar sua qualidade e atender a mais alunos. Para se tornarem mais eficientes, elas precisam deixar de funcionar como repartições públicas, assumir a responsabilidade pela gestão plena de seus recursos materiais e humanos, e serem cobradas por seus resultados.

Como não há recursos para continuar financiando a expansão do ensino superior público e gratuito, diante das prioridades muito maiores da educação básica e média, é necessário recolocar a questão do ensino superior público gratuito, e o espaço adequado do ensino privado. A expansão depende hoje, fundamentalmente, do setor privado, que já atende à 70% da matrícula no ensino superior do país. O atual governo, apesar de tratar o setor privado quase como delinqüente, no projeto de reforma que elaborou, foi o primeiro da história recente do país a subsidiá-lo diretamente, através da isenção de impostos do ProUni. É importante criar um marco regulatório adequado tanto para o setor público quanto para o setor privado, para estimular a qualidade de ambos, assim como os espaços para novas modalidades de educação nos mais diversos níveis, e para diferentes públicos.

Parece que esquecemos, finalmente, que uma das funções fundamentais do ensino superior é a formação de alto nível e a pesquisa científica e tecnológica. Isto está dito em todos os documentos públicos, frequentemente em termos da famosa “indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão”. O que não se diz é que, em todo mundo, a excelência só se consegue em algumas poucas instituições, geridas por critérios estritos de qualidade e desempenho, e com níveis de financiamento muito superiores às demais. Sem uma politica deliberada de excelência e concentração de recursos, associada a um processo bastante amplo de diferenciação e ampliação do acesso, não iremos a nenhuma parte.

Em um contexto mais amplo de reformas, cabem, certamente, políticas compensatórias para aumentar a diversidade dos jovens que chegam às universidades, desde que acompanhadas de programas educacionais adequados e apoio financeiro para que o acesso ao ensino superior não seja uma simples farsa; e sem que as pessoas precisem ser catalogadas e etiquetadas pelas autoridades conforme a raça de seus avós.

Discriminação e desempenho acadêmico


Será que as pessoas que são discriminadas têm pior desempenho nos estudos que as que não o são? Os dados do questionário socio-econômico dos participantes do ENEM sugerem que não. Uma percentagem significativa dos participantes que se consideram negros – 52.4% – dizem que já sofreram discriminação racial, assim como 15.2% dos pardos e 16.7% dos amarelos, ou orientais. No entanto, o desempenho no ENEM, tanto de pardos quanto de pretos, não está relacionado à discriminação, mas ao nível sócio-economico das familias.

É claro que ser e dizer que é discriminado são coisas diferentes: algumas pessoas podem ser discriminadas sem se dar conta, e outras podem ser especialmente sensíveis a qualquer forma de preconceito. Mas a reação a isto tanto poderia ser de se prejudicar pela discriminação recebida como de reagir contra ela, e não se deixar abater. Os dados do ENEM sugerem que as pessoas que se sentem discriminadas não se deixam abater, e se desempenham da mesma forma ou até melhor do que os outros, dentro das limitações de sua condição social e de seu meio.

Debate sobre cotas no CEBRAP

No dia 11 de agosto participei de um “debate sobre cotas” no CEBRAP, em São Paulo, juntamente com Antônio Sérgio Guimarães. O ponto principal de minha apresentação foi que a educação superior brasileira tem problemas importantes, mas que as cotas, raciais ou sociais, não são a resposta, porque elas partem de um entendimento errado a respeito de quais são estes problemas, tanto em relação ao acesso ao ensino superior, quanto ao sistema de ensino superior brasileiro em si. Estou resumindo abaixo a primeira parte, e a segunda fica para um próximo blog.

No início, procurei mostrar, com dados da PNAD de 2004 (a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE), que as diferenças de acesso à educação pelos diferentes grupos de cor, na definição do IBGE, vem se alterando rapidamente. Na população total, mais ou menos metade das pessoas se declaram “brancas” nas pesquisas, uns 45% se declaram “pardos”, e uns 5% se declaram “negros” (daqui em diante utilizarei estas denominações sem aspas). Na população de mais de 20 anos, existem 4,1 vezes mais brancos do que pardos e pretos com educação superior no Brasil (7,7 e 1,8 milhões, respectivamente), refletindo o passado de desigualdades. No ensino médio, a diferença cai para 1,4 vezes (15,7 para 10,9 milhões). A maioria destas pessoas já não está mais estudando. Entre os que estão estudando hoje, a diferença no ensino superior é muito menor, de 2.6 vezes (3 ,4 para 1,3 milhões), e no nível médio, é de 1.1 vezes (4,5 para 4,1 milhões), ou seja, praticamente igual à distribuição da população. No ensino fundamental, já não existem diferenças. A explicação é simples: na medida em que o sistema educacional se amplia, o acesso se torna maior, e a metade não branca da população brasileira, que é também a mais pobre, vai encontrando mais espaço.

A grande expansão do ensino médio dos últimos anos já começa a pressionar o ensino superior, e, para ver o que está acontecendo nesta passagem, fiz uma análise dos dados mais recentes do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, tornados acessíveis pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, o INEP.

Os dados do ENEM não são representativos da população, já que a participação é voluntária, mas já incluem um grupo bem significativo de pessoas. Em 2005 se inscreveram cerca de 3 milhões de jovens, dos quais cerca de 2 milhões fizeram as provas e responderam a um questionário socioeconômico, que continha uma pergunta sobre “cor”, igual à do IBGE. A distribuição é muito semelhante à da população, com 45% de brancos, 38.4% de pardos e 12% de pretos – este último o dobro, em termos proporcionais, do que na população como um todo. Analisando os resultados da prova objetiva, encontramos, como era de se esperar, uma grande variação do desempenho em função da educação e da renda das famílias de origem dos candidatos, e também diferenças por cor. A média dos brancos na prova objetiva é 42,9; dos pardos 36,9; e dos pretos, 35,6; uma diferença, portanto, de 7.3 pontos entre brancos e pretos. A média para todo o país é de 40 pontos. Em termos de renda, as médias são de 31,6 para as famílias com até 1 salário mínimo, e 59.6 para as famílias 10 a 30 salários mínimos – 28 pontos de diferença, portanto. A diferença entre os filhos de mães só com educação primária e com educação superior é de cerca de 20 pontos. Dentro de cada grupo de renda ou educação familiar, as diferenças de grupos de cor persistem, mas em menor grau: entre brancos e pretos (excluindo os pardos), as diferenças são de 2 pontos entre as famílias de um salário mínimo, e 10 pontos entre famílias de 10 a 30 salários mínimos; 3,1 pontos para filhos de mães que só completaram o antigo primário, e 12% para filhos de mães com educação superior.

Estes dados mostram, primeiro, que as diferenças de renda e educação familiar, e não a cor, são os principais correlatos dos resultados do ENEM, que, por sua vez, são uma indicação razoável da chance de a pessoa entrar em uma universidade mais competitiva. Segundo, que existem diferenças entre os grupos de cor que persistem nos diferentes grupos de renda e educação familiar. E, terceiro, que estas diferenças aumentam na medida em que aumenta a renda e a educação das famílias, como se os ganhos em educação e renda das famílias pretas (e, em menor grau, pardas) não fossem suficientes para que os filhos obtenham ganhos equivalentes em seu desempenho escolar.

Alguns economistas têm descrito estas diferenças não explicadas estatisticamente como “discriminação”. No entanto, não há evidência de que seja esta de fato a explicação das diferenças. Elas podem se dever, por exemplo, ao fato de que os ganhos sociais e econômicos das famílias pardas e negras sejam mais recentes, que os cursos superiores dos pais tenham sido completados em carreiras e instituições de menor qualidade, e que estas famílias ainda não tenham conseguido acumular o “capital cultural” que é o requisito para o bom desempenho escolar. Uma indicação do que pode estar ocorrendo pode-se ver na percentagem de pessoas que estudaram em escolas particulares, cuja qualidade em geral é maior, nos níveis mais altos de renda e educação. Entre as famílias entre 9 e 15 mil reais mensais de renda, 59% dos brancos estudaram em escolas particulares, assim como 61% dos pardos, mas somente 28.6% dos pretos. Entre as famílias cujas mães têm nível superior completo, 40% dos brancos, 30% dos pardos e 18.7% dos pretos estudaram em escola particular.

O ENEM tem várias perguntas sobre percepção e experiência de discriminação. Muito poucos se dizem preconceituosos, mas cerca de 30 a 40% vêm preconceitos nos colegas e nas próprias famílias. Mais da metade dos pretos, e 16% dos pardos, dizem que já sofreram discriminação. Mas ter ou não sofrido discriminação não afeta os resultados no ENEM.

É possível, no entanto, que as crianças pretas e pardas estejam sofrendo formas de discriminação que não aparecem nas estatísticas, e que podem estar afetando seu desempenho? É claro que é possível, e até mesmo provável. Mas o que as estatísticas mostram é que, com ou sem discriminação, o que mais determina as diferenças de resultado e de oportunidades educacionais são a renda das famílias, a educação dos pais, e outras variáveis como o tipo de escola que o jovem freqüentou. É importante conhecer melhor, enfrentar e corrigir os problemas de discriminação, assim como os fatores que levam muitas famílias, mesmo educadas e ricas, a não proporcionar a seus filhos as condições adequadas para que estudem e se desenvolvam. Mudar tudo isto é difícil, caro e complicado. Criar cotas raciais nas universidades por decreto é simples e barato. Mas não resolve, e acaba desviando a atenção de aonde estão os verdadeiros problemas.

Fico devendo a segunda parte da discussão, sobre o sistema universitário brasileiro e o que fazer com ele.

A solução dos cinco por cento (com a permissão de Sherlock Holmes)

No excelente trabalho sobre Desigualdade de Renda no Brasil, preparado por uma equipe do IPEA e outros especialistas, está dito o seguinte, sobre o tema da discriminação no mercado de trabalho:

“Quando pretos e brancos igualmente produtivos, têm a mesma ocupação, no mesmo segmento do mercado de trabalho, e os brancos recebem remuneração maior, dizemos que existe discriminação salarial contra os pretos. Além da cor, trabalhadores podem ser discriminados por várias características, tais como idade, sexo, religião etc. A despeito desta representar talvez a manifestação mais injusta da desigualdade, sua importância quantitativa é limitada, uma vez que responde por apenas 5% da desigualdade entre trabalhadores e por uma fração desprezível da desigualdade entre famílias”.

As principais razões das diferenças de renda são, primeiro, a produtividade do trabalho; depois, a educação; e, terceiro, a segmentação do mercado do trabalho, sobretudo geográfica – pessoas com as mesma qualificações e atividades ganham salários distintos conforme a região que vivem, por exemplo. Em outras partes do trabalho, os autores assinalam que as diferenças existentes entre os grupos de cor no Brasil se dão sobretudo através das diferenças educacionais, que, por sua vez, influenciam a produtividade do trabalho.

Esta análise ajuda a colocar em perspectiva a discussão bastante estéril que vem ocorrendo a respeito das propostas de política racial no Brasil. Se ela é correta (e me parece que é), ela mostra que, se as políticas raciais fossem implantadas, e eliminassem a desigualdade, elas poderiam resultar em uma redução de não mais de cinco por cento da desigualdade no país (mesmo considerando que existem outras discriminações que não as raciais). Grandes reduções só podem ser obtidas com a melhoria da produtividade do trabalho, a melhoria da educação, o redirecionamento dos gastos sociais, e a integração dos mercados de trabalho no país, processos que, bem ou mal, vêm ocorrendo, mas precisam ser mais intensificados.

Isto não significa que políticas contra a discriminação social não sejam necessárias. Mas o efeito destas políticas só seria maior se elas não se limitassem a eliminar a discriminação, mas criassem novas formas de discriminação positiva – ou seja, garantindo maior renda para pessoas menos produtivas e menos educadas, desde que tenham determinadas características raciais. Muitas das propostas existentes vão exatamente neste sentido.

É importante notar também que o conceito de “discriminação” utilizado pelos autores do trabalho é residual, ou seja: eles chamam de discriminação as diferenças de renda que não podem ser explicadas por diferenças de produtividade, educação e localização geográfica, principalmente. Mas podem haver outras explicações para estas diferenças que não sejam discriminação, e que precisariam ser melhor conhecidas.

Edward Telles: O debate sobre políticas raciais

Edward Telles, professor do Departamento de Sociologia da UCLA (University of California Los Angeles), envia a seguinte contribuição:

Políticas raciais: um debate franco e plural

Na semana passada, a imprensa brasileira divulgou a iniciativa de um conjunto de intelectuais, ativistas e artistas que levou a Brasília um documento contra a adoção das PLs Lei das Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Na mesma data em que os representantes dessa iniciativa reuniam-se em Brasília com o presidente da Câmara dos Deputados e do Senado para entrega formal do documento, Demétrio Magnoli, colunista desta Folha, acusou-me publicamente no seu artigo de 29 de junho passado de “pescar um documento público da Internet e falsificar (seu) título”. Meu ato ilícito teria consistido, segundo o colunista, em denominar tal documento como o “Manifesto da Elite Branca” e divulgá-lo, em seguida, no boletim eletrônico da Brazilian Studies Association (BRASA).

Vamos aos fatos para evitar que o debate sobre racismo no Brasil não fique comprometido por práticas intimidadoras que buscam deslegitimar aqueles que, como eu, fundamentados em vários anos de pesquisa e análises empíricas rigorosas, defendem políticas de cunho racial. Com sua circulação na sociedade brasileira, foi-me enviado, bem como a outras pessoas, por email, cópia de tal manifesto. Constava do email o título “Manifesto da Elite Branca” no subject line. Sugeri aos coordenadores da BRASA, Professores Marshall Eakin e James Green, que o fizessem circular no seu site, dando, assim, acesso aos brasilianistas para debate. Ciente do título repugnante – “Manifesto da Elite Branca” – que constava como “assunto” no email, mas fiel às fontes, mencionei no site da BRASA que o documento circulava na Internet com tal denominação. Fiz aquilo que fazemos todos que usamos a Internet para veicular idéias, debates e propostas. Coloquei à disposição o documento, informando como estava sendo veiculado.

Sou acadêmico e na qualidade de estudioso das questões raciais comparativas, fui selecionado em 1996 pela Fundação Ford para ser Program Officer no seu escritório do Rio de Janeiro, onde permaneci até 2000. Porque trabalhei nessa Fundação na área de direitos humanos, Magnoli me descreve como intelectual ativista que defende os direitos das “minorias.” Na minha visão, compartilhada não apenas por colegas brasileiros igualmente funcionários da Ford, mas também por inúmeros outros acadêmicos, atuantes e representantes de diversos setores da sociedade brasileira, sempre foi importante investir nas demandas de grupos minoritários, sejam negros, mulheres, gays ou indígenas, para fazer valer suas vozes e suas lutas no processo democrático.

No meu livro, Race in Another America: The Significance of Skin Color in Brazil (2004), que ganhou da American Sociological Association o prêmio de melhor livro em 2006, explico com rigor por que sou a favor de políticas que consideram a cor das pessoas, para além daquelas que devem ser garantidas sem discriminação de qualquer tipo a todos os cidadãos de um país. Os princípios da universalidade deveriam ser suficientes para regir nossas sociedades, porém não bastam nas sociedades contemporâneas, pois não conseguem desarmar a discriminação com base na cor da pele. Em meus estudos mostro que as taxas de mobilidade social brasileiras revelam que crianças pobres porém brancas têm maior chance de chegar a posições de classe média do que crianças igualmente pobres, mas negras.

A grande desigualdade racial no Brasil se apóia em uma estrutura hiper-desigual e também por haver barreiras à entrada de negros na classe média, o que tem produzido uma elite brasileira quase inteiramente branca. A primeira causa deve ser tratada com medidas universalistas capazes de reduzir a desigualdade entre todos os brasileiros, mas a segunda só pode ser enfrentada com políticas compensatórias de cunho racial, especialmente aquelas que facilitam a entrada de negros nas universidades. Não podemos ignorar a raça na construção de uma democracia inclusiva, posto que ela é critério da exclusão. Dadas as especificidades brasileiras, políticas sociais que procuram reduzir ou até mesmo superar o enorme fosso racial no Brasil têm de ser engenhosas e criativas. Julgar, porém que se possa ignorar a questão racial nos seus desenhos, seria ilusório.

Martin Luther King, defensor das políticas universalistas, dizia que, contar apenas com elas, “não é realista”. Quando um homem se lança na corrida com três séculos de atraso, é praticamente impossível superar a defasagem que o separa dos que largaram na frente. Milagres não existem. Vontade política, sim. Tardava que o debate sobre a questão racial fosse enfrentado com coragem pela sociedade brasileira. Para que se avance nele é essencial que ganhe as páginas desta Folha e de toda a imprensa. Contudo, se avançar no debate significa destruir quem pensa diferente, falsear intenções e escamotear a verdade, então o risco de sermos ineficazes e inócuos na nossa ação é grande. E com isso, não estaremos ajudando a combater com efetividade o racismo.

Intelectuais lançam manifesto contra cotas

O jornal O Globo publicou a seguinte matéria sobre o manifesto, na sexta feira 30 de junho:

Intelectuais lançam manifesto contra cotas

Texto entregue aos presidentes do Senado e da Câmara pede rejeição de projetos que reservam vagas em universidades

BRASÍLIA. Um grupo de 114 intelectuais, artistas e ativistas do movimento negro, entre eles o cantor e compositor Caetano Veloso, o poeta Ferreira Gullar e a professora Yvonne Maggie, lançou ontem manifesto contra o projeto de lei que institui a política de cotas nas universidades federais e o que cria o Estatuto da Igualdade Racial, com reserva de vagas para negros no ensino superior e no serviço público. Cinco dos signatários entregaram o documento aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Intitulado “Carta Pública ao Congresso Nacional – Todos têm direitos iguais na República democrática”, o texto pede aos parlamentares que rejeitem os dois projetos. O argumento é que a adoção de políticas específicas para negros pode acirrar conflitos raciais ao dar status jurídico ao conceito de raça, além de não atacar o problema estrutural da desigualdade no país, que é a falta de acesso universal à educação de qualidade.

Aldo disse ter restrições ao modelo de cotas raciais adotado nos Estados Unidos, com reserva de vagas para negros tal qual prevê o Estatuto da Igualdade Racial e, em menor escala, ao projeto de cotas nas universidades federais proposto pelo MEC, que reserva 50% das vagas para alunos da escola pública, com subcota para negros e índios.

Pré-vestibulares para os pobres

O manifesto é assinado pelo ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Simon Schwartzman e pela ex-secretária de Política Educacional do Ministério da Educação Eunice Durham, ambos no governo Fernando Henrique. Eunice é favorável à criação de cursos pré-vestibulares para a população pobre.

– Políticas contra a pobreza são necessárias e incluem necessariamente a população não-branca. Mas não se trata somente de abrir espaço e sim de dar oportunidades de estudo e trabalho a quem necessita. O que explica a pobreza de grande parte da população não-branca no Brasil não é a discriminação, mas a falta de oportunidades, que afeta também um grande número de brancos, e que não podem ser discriminados – disse Schwartzman em entrevista por e-mail.

– A universidade não é prêmio para a injustiça passada. Não se repara injustiça premiando descendentes de quem foi vítima da injustiça – disse Eunice.

Autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racial, o senador Paulo Paim (PT-RS) disse que a proposta tem o objetivo de reparar a população negra pelo sofrimento e pela falta de oportunidades decorrentes da escravidão. Paim afirmou que ainda são raros os negros que ocupam cargos na direção de empresas ou instituições bancárias:

– Esse é um manifesto da elite, pois dar espaço aos negros não interessa. Hoje temos política de cotas para mulheres nos partidos políticos e ninguém reclama.

Manifesto sobre as propostas de política racial para o Brasil

O seguinte manifesto está sendo divulgado hoje, com mais de cem assinaturas, entre as quais a minha:

Todos têm direitos iguais na República Democrática

O princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos é um fundamento essencial da República e um dos alicerces sobre o qual repousa a Constituição brasileira. Este princípio encontra-se ameaçado de extinção por diversos dispositivos dos projetos de lei de Cotas (PL 73/1999) e do Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000) que logo serão submetidos a uma decisão final no Congresso Nacional.

O PL de Cotas torna compulsória a reserva de vagas para negros e indígenas nas instituições federais de ensino superior. O chamado Estatuto da Igualdade Racial implanta uma classificação racial oficial dos cidadãos brasileiros, estabelece cotas raciais no serviço público e cria privilégios nas relações comerciais com o poder público para empresas privadas que utilizem cotas raciais na contratação de funcionários. Se forem aprovados, a nação brasileira passará a definir os direitos das pessoas com base na tonalidade da sua pele, pela “raça”. A história já condenou dolorosamente estas tentativas.

Os defensores desses projetos argumentam que as cotas raciais constituem política compensatória voltada para amenizar as desigualdades sociais. O argumento é conhecido: temos um passado de escravidão que levou a população de origem africana a níveis de renda e condições de vida precárias. O preconceito e a discriminação contribuem para que esta situação pouco se altere. Em decorrência disso, haveria a necessidade de políticas sociais que compensassem os que foram prejudicados no passado, ou que herdaram situações desvantajosas. Essas políticas, ainda que reconhecidamente imperfeitas, se justificariam porque viriam a corrigir um mal maior.

Esta análise não é realista nem sustentável e tememos as possíveis conseqüências das cotas raciais. Transformam classificações estatísticas gerais (como as do IBGE) em identidades e direitos individuais contra o preceito da igualdade de todos perante a lei. A adoção de identidades raciais não deve ser imposta e regulada pelo Estado. Políticas dirigidas a grupos “raciais” estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância. A verdade amplamente reconhecida é que o principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação, saúde e previdência, em especial a criação de empregos. Essas metas só poderão ser alcançadas pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra privilégios odiosos que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade política e jurídica.

A invenção de raças oficiais tem tudo para semear esse perigoso tipo de racismo, como demonstram exemplos históricos e contemporâneos. E ainda bloquear o caminho para a resolução real dos problemas de desigualdades.

Qual Brasil queremos? Almejamos um Brasil no qual ninguém seja discriminado, de forma positiva ou negativa, pela sua cor, seu sexo, sua vida íntima e sua religião; onde todos tenham acesso a todos os serviços públicos; que se valorize a diversidade como um processo vivaz e integrante do caminho de toda a humanidade para um futuro onde a palavra felicidade não seja um sonho. Enfim, que todos sejam valorizados pelo que são e pelo que conseguem fazer. Nosso sonho é o de Martin Luther King, que lutou para viver numa nação onde as pessoas não seriam avaliadas pela cor de sua pele, mas pela força de seu caráter.

Nos dirigimos ao congresso nacional, seus deputados e senadores, pedindo-lhes que recusem o PL 73/1999 (PL das Cotas) e o PL 3.198/2000 (PL do Estatuto da Igualdade Racial) em nome da República Democrática.

Rio de Janeiro, 30 de maio de 2006.

Adel Daher Filho – Diretor do Sindicato dos Ferroviários de SP-Bauru/MS e MT; Adilson Mariano – Vereador PT Joinville (SC); Alberto Aggio – Professor livre-docente de História, UNESP/campus de Franca; Alberto de Mello e Souza – Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ; Almir da Silva Lima – Jornalista, MOMACUNE (Movimento Macaense Culturas Negras, Macaé-RJ); Amandio Gomes – Professor do Instituto de Psicologia da UFRJ e do PPGHC (IFCS-UFRJ); Ana Teresa Venancio – Antropóloga, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; André Campos – Professor do Departamento de História da UFF e da UERJ; André Côrtes de Oliveira – Professor; Angela Porto – Historiadora, Pesquisadora do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; Anna Veronica Mautner – Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de S.Paulo e colunista da Folha de S. Paulo.; Antonio Carlos Jucá de Sampaio, Professor Adjunto do Departamento de História – UFRJ; Antonio Cícero – Poeta e ensaísta; Antonio Marques Cardoso (Ferreirinha) – Fábrica Cipla (Ocupada pelos Trabalhadores), Joinville/SC; Aurélio Carlos Marques de Moura – Presidente do Conselho Municipal de Cultura da Serra (ES) e da Associação Cultural Afro-brasileira “Ibó de Zambi”; Bernardo Kocher – Professor Departamento de História da UFF; Bernardo Sorj – Professor titular de sociologia UFRJ; Bila Sorj – Professora titular de sociologia UFRJ; Bolivar Lamounier – Cientista Político; Cacilda da Silva Machado – Professora do Departamento de História da UFPR (PR); Caetano Veloso; Carlos Costa Ribeiro – Professor; atuou como especialista contratado no Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente – PNUMA/UNEP; Claudia Travassos – Pesquisadora Titular da Fundação Oswaldo Cruz; Cláudia Wasserman – Professora Adjunta de História da UFRGS; Celia Maria Marinho de Azevedo – Historiadora; Célia Tavares – Professora Adjunta de História (FFP/UERJ); Cyro Borges Jr. – Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Mecânica da UERJ; Darcy Fontoura de Almeida – Professor Emérito, UFRJ; Demétrio Magnoli – Sociólogo e articulista da Folha de S. Paulo; Dilene Nascimento – Historiadora, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; Domingos de Leers Guimaraens – Artista Visual; Dominichi Miranda de Sá – Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz; Egberto Gaspar de Moura – Professor Titular de Fisiologia, Instituto de Biologia, UERJ; Elvira Carvajal – Professora de Biologia Molecular e Genética, UERJ; Eunice R. Durham – Professora titular de Antropologia, Professora emérita da FFLCH da USP; Fabiano Gontijo – Professor Adjunto de Antropologia, Departamento de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Programa de Pós-Graduação em Letras, UFPI; Fernanda Martins – Pesquisadora da Fundação Oscar Niemayer (RJ); Fernando Roberto de Freitas Almeida – Coordenador do curso de Economia da Faculdade Moraes Junior/Universidade Presbiteriana Mackenzie-Rio; Ferreira Gullar – Poeta; Francisco Martinho – Professor de História da UERJ; George de Cerqueira Leite Zarur – Professor Internacional da Flacso e Consultor Legislativo da Área de Educação Superior da Câmara dos Deputados; Gilberto Hochman – Cientista Político pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ; Gilberto Velho – Professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Ciências; Gilda Portugal – Professora de Sociologia da UNICAMP; Gilson Schwartz – Economista, Professor de Economia da Informação da ECA-USP e Diretor da Cidade do Conhecimento (USP); Giselda Brito – Professora Adjunta de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Gláucia K. Villas Boas – Vice-Diretora do IFCS/UFRJ e professora do departamento de Sociologia da UFRJ; Guilherme Amaral Luz – Professor do Instituto de História da UFU; Guita Debert – Professora Titular de Antropologia do Departamento de Antropologia UNICAMP; Helena Lewin – Professora Titular aposentada da UFF; Hercidia Mara Facuri Coelho – Pró-reitora, Universidade de Franca (UNIFRAN); Hugo Rogélio Suppo – Professor adjunto de História da UERJ; Icléia Thiesen – Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Memória Social da UNI-Rio; Isabel Lustosa – Pesquisadora Titular da Fundação Casa de Rui Barbosa; João Amado – Mestrando em História da UERJ e professor da rede pública; João Leão Sattamini Netto – Economista, membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Comodante do Museu de Arte Contemporânea de Niterói; João Paulo Coelho de Souza Rodrigues – DECIS, UFSJ; John Michael Norvell – Professor Visitante, Pitzer College, Claremont, CA EUA; José Augusto Drummond – Cientista político, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB); José Carlos Miranda – Diretório Estadual do PT SP, Coordenação do Comitê por um Movimento Negro Socialista (MNS); José Roberto Ferreira Militão – Advogado, AFROSOL-LUX – Promotora de Soluções em Economia Solidária; José Roberto Pinto de Góes – Professor da História da UERJ; Josué Pereira da Silva – Professor de sociologia, IFCH, UNICAMP; Kátia Maciel – N-Imagem – Escola de Comunicação da UFRJ; Kenneth Rochel de Camargo Jr. – Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ; Laiana Lannes de Oliveira – Professora de História da PUC (RJ); Lena Lavinas – Professora do Instituto de Economia da UFRJ; Lilia K. Moritz Schwarcz – Professora Titular de Antropologia da USP; Lucia Lippi Oliveira – Socióloga, pesquisadora e professora do CPDOC/FGV; Lúcia Schmidt – Professora Adjunta da Faculdade de Engenharia da UERJ; Luciana da Cunha Oliveira – Mestranda em História pela UFF e professora da rede pública de ensino; Luiz Alphonsus de Guimaraens – Artista Plástico; Luiz Fernando Almeida Pereira – Professor de Sociologia da PUC-Rio; Luiz Fernando Dias Duarte – Professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ; Luiz Werneck Vianna – Professor titular do IUPERJ; Madel T. Luz – Professora Titular do Instituto de Medicina Social da UERJ; Magali Romero Sá – Historiadora, Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ; Manolo Florentino – Professor de história, IFCS/UFRJ; Marcos Chor Maio – Sociólogo, Fundação Oswaldo Cruz; Maria Alice Resende de Carvalho – Socióloga, professora do IUPERJ; Maria Conceição Pinto de Góes – Pós-Graduação em História Comparada, UFRJ; Maria Hermínia Tavares de Almeida – Professora Titular de Ciência Política da USP; Maria Sylvia de Carvalho Franco – Professora Titular de Filosofia, Unicamp; Mariza Peirano – Professora titular de antropologia, UnB; Mirian Goldenberg – Professora de Antropologia IFCS-UFRJ; Moacyr Góes – Diretor de cinema e teatro; Mônica Grin – Professora do departamento de História da UFRJ; Monique Franco – Professora FFP/UERJ; Nisia Trindade Lima – Socióloga, Fundação Oswaldo Cruz; Oliveiros S. Ferreira – Professor de Política na PUC-SP e USP-SP; Paulo Kramer – Professor do Departamento de Ciência Política da UnB; Peter Fry – Professor titular de antropologia UFRJ; Priscilla Mouta Marques – Professora de Português e Literaturas Brasileira e Africanas de Língua Portuguesa, auxiliar de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz; Ronaldo Vainfas – Professor Titular de História Moderna da Universidade Federal Fluminense; Renata da Costa Vaz – Diretora do Sindicato Servidores Públicos Municipais Campinas/SP; Renato Lessa – Professor titular do IUPERJ; Ricardo Ventura Santos – Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e Professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, UFRJ; Rita de Cássia Fazzi – Professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC (MG); Roberto Romano – Professor Titular de Filosofia, Unicamp; Roney Cytrynowicz – Historiador; Roque Ferreira – Coordenador Nacional da Federação dos Trabalhadores sobre Trilhos – CUT, Conselho Comunidade Negra Bauru-SP; Serge Goulart – Integrante do Diretório Nacional do PT; Sergio Danilo Pena – Professor Titular do Depto. Bioquímica e Imunologia da UFMG; Silvana Santiago – historiadora; Silvia Figueiroa – Historiadora, Professora do Instituto de Geociências da UNICAMP; Simon Schwartzman – Presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro; Simone Monteiro – Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz; Ubiratan Iorio – Professor Adjunto da UERJ e Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep); Uliana Dias Campos Ferlim – Cantora e professora, mestre em história; Vicente Palermo – Instituto Gino Germani, Buenos Aires, Conicet, Argentina; Wanderley Guilherme dos Santos – Cientista político; Wlamir José da Silva – Professor Adjunto de História da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ); Yvonne Maggie – Professora titular de antropologia IFCS/UFRJ; Zelito Vianna – Cineasta.

As organizações da sociedade civil e a democracia

No dia 25 de maio, participei do 4o. Congresso GIFE sobre investimento social privado, em Curitiba, aonde apresentei os resultados  do Censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, que me coube analisar (publicado em dois volumes, um geral, e outro específico sobre as ações na área de educação.. O GIFE tem hoje mais de 90 associados, e reúne as principais instituições privadas que desenvolvem investimentos sociais no país. Estima-se que os associados do GIFE gastem cerca de 1 bilhão de reais por ano, sobretudo na área da educação. É muito dinheiro, mesmo se comparado com os gastos públicos do setor educacional – cerca de 15 bilhões por parte do governo federal e 40 bilhões dos governos estaduais, além dos gastos dos municípios e das famílias.

No passado, os investimentos sociais das empresas eram feitos sobretudo como filantropia, ou como instrumento de marketing institucional. Hoje, cada vez mais, o tema da responsabilidade social das empresas ganha o primeiro plano, e uma questão que se coloca é se as empresas não estariam, de alguma forma, tratando de desempenhar uma função que seria eminentemente pública. Em um extremo, estes investimentos podem estar suprindo carências que seriam da responsabilidade do setor público, aonde ele não consegue chegar. No outro extremo, estes gastos poderiam estar abrindo espaços para novas experiências e desenvolvendo novos modelos de atuação que poderiam beneficiar a sociedade como um todo. Entre os dois, estes gastos podem estar tendo uma função filantrópica importante, mas limitada ao âmbito de atuação das instituições, sem impactos externos mais amplos. Os dados do Censo, ainda que limitados, sugerem que é ainda sobretudo isto o que está acontecendo.

O tema reapareceu, de uma outra forma, na reunião sobre “Sociedade civil e democracia na América Latina: crise e reinvenção da política” organizada pelo Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e o Instituto FHC em São Paulo, nos dias 26 e 27. O paper inicial de Bernardo Sorj colocou a questão: em que medida as instituições políticas tradicionais – os partidos políticos, o Congresso, o próprio executivo – estariam sendo substituídos por ONGS – as organizações não governamentais – e qual a conseqüência disto para a Democracia? O caso do Chile, apresentado por Ernesto Ottone, serviu como evidência de que a verdadeira democracia se constrói com partidos políticos e instituições públicas consolidadas, elementos que faltam ou estão em crise em outros paises da região – Argentina, Brasil, Peru, Bolívia.

Não é uma discussão simples, e é claro que as instituições que participam do GIFE são muito diferentes do que normalmente se pensa quando se fala das novas ONGs. Para de Tocqueville, a base da democracia americana, duzentos anos atrás, era justamente a fortaleza das organizações da sociedade civil que, segundo autores mais recentes (Robert Putman, Bowling Alone) estariam desaparecendo, ou se transformando em lobbies e grupos de pressão. Que espaço existe ainda, na América Latina, para as instituições políticas mais tradicionais, e o que se pode esperar da combinação entre governos de base plebiscitária e estes novos atores sociais?

George Zarur: aprendizes de feiticeiro

George de Cerqueira Leite Zarur, consultor legislativo da área de educação da Câmara dos Deputados, publicou no O Globo de 11 de maio de 2006 o seguinte artigo sobre o tema das políticas raciais:

Estamos todos sentindo que o Brasil em que vivemos é muito pior do que o Brasil de algumas décadas atrás.

Há muitos séculos, estamos construindo nossa identidade na esperança de uma sociedade onde, conforme todos já ouvimos, em algum momento, “será construída uma nova civilização em que serão derrubadas as barreiras de raça, religião e classe”. Vivemos o desenvolvimento econômico contínuo por mais de setenta anos e nossa pele morena era motivo de orgulho. Havia e há muito preconceito, mas a miscigenação era entendida como nossa grande vantagem sobre os Estados Unidos e os países anglo-saxões, que discriminam ostensivamente por raça.

Embora a segregação legal tenha sido abolida nos Estados Unidos, ela continua central à cultura norte-americana, como demonstra um aspecto absolutamente crítico, o residencial, pois os negros vivem em guetos, em sua enorme maioria. São segregados por premissa, pois não é importante para os anglo-saxões classificar alguém como “mulato”. A oposição é entre “brancos” e “não brancos”. A idéia de “pureza da raça” branca é muito forte, uma vez que basta ter uma gota de “sangue negro”, para alguém ser classificado como negro. Ser negro nos Estados Unidos, é como ser portador de uma doença genética.

O Brasil está negando sua identidade, ao abandonar a miscigenação como valor central à sua cultura. Há diferentes fatores atuando neste sentido. A freada de trinta anos no desenvolvimento econômico é um deles. Outro é o desespero com a corrupção e os caminhos da política. Nossa auto-estima está no chão. Assim, em vez de resgatar nossa identidade de nação brasileira – barco do qual somos todos passageiros e tripulantes – estão querendo acabar com o nosso projeto cultural de muitos séculos e construir nações separadas de negros e de brancos, como acontece nos Estados Unidos. O direito à diferença, eixo central da democracia, é confundido com a associação espúria entre raça e cultura.

Um outro fator que contribui para a importação do modelo norte-americano de racismo é o custo zero de algumas “políticas públicas”. Um caso característico é o das cotas para negros, hoje abolidas nas universidades americanas, propostas no Brasil em substituição a medidas realmente eficazes, como a melhoria da qualidade da educação básica. Não é o orçamento da União ou o das universidades que paga a conta das cotas. É a classe média supostamente branca que cede as vagas à classe média supostamente negra; ou o favelado sertanejo nordestino, considerado “branco”, que as cede ao seu vizinho; ou o irmão mais claro, classificado como “branco” que as cede ao irmão mais escuro, considerado “pardo”. Como no Brasil, a classificação ainda é pela cor da pele e não pelo “sangue” (idéia que estão tentando disseminar), há na mesma família irmãos “pardos” e “brancos”. Os primeiros têm direito a cotas e os outros, não.

Pais e mães de filhos mais ou menos morenos, sabemos que será muito difícil explicar-lhes porque só um irmão tem direito a cotas nas universidades. Como será muito difícil explicar ao imigrante nordestino a razão pela qual seu vizinho tem direito a cotas e ele não. E assim, toda a sociedade será fatiada por um novo critério, o da contaminadora gota de sangue negro. Daí, o aparecimento de comitês de identificação racial ou de leis visando a imposição de documentos raciais, pois, com exceção das pessoas de pele muito escura, ninguém sabe, com certeza, o que é um “negro” no Brasil. E para complicar, há ainda, a chamada “raça social”, pois o jogador Ronaldo se considera “branco”, como os demais mestiços ricos se percebem. Mesmo o critério americano da “gota de sangue” seria de impossível aplicação no Brasil, sem o apagamento do índio do nosso passado – um verdadeiro etnocídio simbólico – uma vez que nossa cor morena
se deve tanto a negros como a índios.

O sistema de classificação brasileiro, onde se reconhece pardos, mulatos, sararás, cafuzos, mamelucos, etc. dissipa o conflito, por sua ambigüidade. O sistema norte-americano, ao opor de forma absoluta, “brancos” a “não brancos” estimula o conflito. Fiz pesquisa em um gueto negro nos Estados Unidos. Vivi, também, em uma comunidade branca sulista norte-americana. Nunca imaginei que pudesse existir tanto ódio ou, pelo menos, tanta indiferença, por razões raciais!

Diferenças étnicas causam os mais horrorosos conflitos e guerras pelo mundo afora. Não é razoável que aprendizes de feiticeiro os tragam para o Brasil!

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