Os Círculos Bolivarianos Leonel Brizola

Pela revista Piaui, versão cabocla do “New Yorker” produzida por João Moreira Salles, aprendi que temos, no Rio de Janeiro, os Círculos Bolivarianos Leonel Brizola, que participaram ativamente da homenagem que a Assembléia Legislativa do estado prestou a Hugo Chávez, concedendo-lhe a Medalha Tiradentes. Nunca tinha percebido a afinidade óbvia entre Brizola e Chávez, mas faz todo o sentido.

Também fiquei sabendo quem é Lícia Fábio, dona de um dos principais camarotes do carnaval da Bahia; algo da disputa entre Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha na elaboração de grandes projetos arquitetônicos para São Paulo, com interferências diversas de Jânio Quadros, Paulo Maluf, Marta Suplicy e o Partido Comunista, entre outros; e também, no texto de Guilherme Wisnik, sobre o estilo bunker da arquitetura da Daslu, tão distinto dos monumentos à modernidade à la Walter Benjamin que são os grandes magazines europeus e shopping centers americanos. Ah, e tem também a história do coreano que estava organizando o festival de rock da Coréia do Norte, e acreditava piamente, por um tempo, nas virtudes democráticas de Kim Jong-Il. E muito mais.

Tudo isto para dizer que Piaui vale muito bem os $7,90 que custa, apesar de alguns textos que não justificam o nome dos autores, como a brincadeira de Ivan Lessa sobre a mistoriosa briga de Garcia Márquez com Vargas Llosa dentro de um cinema, ou o texto do próprio Vargas Llosa sobre a privada e a pobreza, ou o de Woody Allen sobre como comia Zaratrusta.

Mas pode ser que eu não estivesse com o humor apropriado, e a qualidade dos textos não tem como ser sempre a mesma. O principal, me parece, é a idéia central da publicação, de fazer uma crônica informada do quotidiano, acreditando na inteligência do leitor. Fica a recomendação.

Chile: descolando da América Latina

Com o PIB mas alto da região, segundo relatório recente do FMI, o Chile deixa cada vez mais de ser um país “latino-americano”, e se transforma em um país moderno e desenvolvido. Isto se vê com facilidade andando por Santiago, com a arquitetura moderna dos bairros altos, a recuperação do centro histórico, a modernização dos transportes urbanos e as obras rodoviárias por toda parte; e as ruas cheias de gente fazendo compras e enchendo bares e restaurantes, tanto na região elegante da Providencia como na parte antiga da Plaza de Armas e do Mercado Central. Os índices de pobreza no Chile vêm caindo a cada ano, e a distribuição dos gastos sociais é uma das melhores da região. A zona da antiga e decadente Avenida da República é hoje uma área fervilhante de universidades e institutos técnicos privados, freqüentados todos os dias por mais de 50 mil estudantes, sem falar nas universidades tradicionais como a do Chile e a Católica. Até as águas do Rio Mapocho parecem correr mais limpas. Com a proximidade da festa nacional de 18 de setembro, as ruas se enfeitam de bandeiras, e por toda parte se fala da comemoração da “Chilenidad”.

Também há problemas, e muitos. No dia 11 de setembro, aniversário do golpe de Pinochet, grupos de extrema esquerda encapuzados atacaram lojas e repartições públicas com bombas molotov, uma delas provocando um incêndio no palácio presidencial de La Moneda; uma greve dos serviços médicos havia paralisado o atendimento à população; e professores e estudantes das escolas municipais ameaçam com greves e mais manifestações, enquanto o governo tenta resolver os problemas através de comissões de trabalho e negociações que parecem não terminar. Na última década, o governo chileno aumentou muito os investimentos em educação, o ensino médio está praticamente universalizado, a jornada completa se expande rapidamente por toda a rede escolar; mas os resultados do Chile no teste de Pisa são tão ruins quanto os do Brasil ou do México.

Em que medida o que acontece hoje no Chile, de bom e de ruim, tem a ver com as reformas liberais introduzidas durante regime Pinochet? Estas reformas foram mantidas, com modificações, pelos governos de centro-esquerda da Concertación, e o consenso do país, inclusive nos governos socialistas de Lagos e Michelle Bachelet, é que não faz sentido voltar aos velhos tempos, de uma sociedade burocratizada e paralisada. O Chile tem hoje a economia mais competitiva da América Latina, aonde se pode, com mais facilidade, abrir e fechar um negócio, e aonde a abertura ao comércio internacional é maior. Este tipo de economia tem também seus perdedores, e isto explica, talvez, a virulência dos ataques da extrema esquerda, apesar do grande apoio da presidente Michelle Bachelet entre a população.

E existe também o cobre, cujo preço no mercado internacional aumentou enormemente nos últimos anos, gerando grande quantidade de recursos, ao lado das indústrias de exportação como o vinho, as frutas e o salmão. Mas o Chile, diferentemente de outros paises que se enriqueceram com o petróleo, investe a longo prazo e cuida para que a riqueza do cobre não inflacione a economia nem sobre-valorize a moeda, evitando, desta forma, a “doença holandesa” que é a praga dos paises que se enriquecem desta maneira.

Mas o mais importante de tudo, talvez, seja a maturidade política que sempre existiu no país de alguma maneira, sobreviveu aos anos de chumbo da ditadura, e hoje é, possivelmente, a principal diferença entre o Chile e a maioria dos outros paises do continente. Os partidos políticos têm princípios e programas, os políticos são pessoas honradas, há pouca corrupção e pouco espaço para o populismo barato que conhecemos tão bem. Temas controversos – como a política de distribuição da “pílula do dia seguinte” para adolescentes, a reforma da educação, ou as relações sempre difíceis com a Argentina – são discutidos de forma civilizada pela imprensa, o judiciário é independente e acatado e, com a exceção da extrema esquerda alienada, todos respeitam e valorizam as instituições e os processos democráticos de decisão.

Que dá inveja, dá…

Por ti America – comentários de Luisa Schwartzman

Luisa Schwartzman tem o seguintes comentários sobre a exposição do CCBB:

Fiquei impressionada com a coleção de peças pré-colombianas na exposição “Por Ti America.” Conseguiu-se juntar peças de várias épocas, de várias partes das Américas, com diversas funções e características. Peças lindas, verdadeiras obras de arte, algumas peças monumentais, peças bem antigas etc. Pena que o público ficou sem saber o que era aquilo, nem pode usar a oportunidade aprender mais sobre a história dos povos pré-colombianos, não sei se por ideologia ou por falta de competência mesmo.
Pode ser que seja verdade – como diz a exposição – que todos os povos da America pré-colombiana tinham elementos culturais comuns, e é interessante saber até que ponto isso é fato. No entanto, eu achei pena que a exposição se limitou a dizer isso, e mesmo assim em termos muito vagos. Vários desses povos tem histórias ricas e complexas que estão documentadas, e seria legal se a gente pudesse saber mais sobre isso. E já que diversidade está na moda, seria bom a gente entender a diversidade de culturas e experiências desses povos também. Não tem nenhuma ordenação e explicação que nos ajude a entender as histórias específicas de cada grupo, nem como essas histórias se entrelaçam ou não.
Tem muito pouca explicação sobre os objetos, muitas vezes a explicação quase não dá pra ver, por causa da iluminação e do pouco contraste entre a letra e o fundo. A maior peça do acervo, um totem imenso, não vem com uma linha para explicar o que é aquilo, quem fez aquilo, porque, ou pelo menos como trouxeram aquilo para o museu.
A idéia de que civilização é um conceito arbitrário e de que existe um contínuo entre escrita e desenho faz sentido para mim. O que não quer dizer que escrita e desenho sejam a mesma coisa. O fato de que os Maias inventaram a escrita não significa que eles sejam melhores do que outros povos ameríndios, mas esse fato deveria ser mencionado, especialmente dado que existem dois livros maias na exposição e, de novo, nenhuma linha sobre eles. A escrita dos Maias contam parte da sua história, nos falam de parte de sua vida. A escrita é uma forma de nos comunicar algo, e dado que a escrita dos Maias foi decifrada, é possível saber exatamente o que eles queriam contar. O que os livros Maias contam a gente não vê na exposição. Se os organizadores acham que existe um contínuo entre escrita e desenho, que os desenhos também contam histórias de forma não óbvia, tudo bem, eu dou toda a força, mas me contem então o que os desenhos dizem, me contem o que a escrita diz, em vez de usar isso de desculpa para não me contar nada, e apagar a história desses povos.
Outra conseqüência dessa ideologia homogeneizadora é que não existe nenhuma linha sobre uma peça no museu que eu reconheci como um instrumento de cálculo que os Incas usavam. É uma peça com vários fios, cada um com vários nós. Eu reconheci porque já tinha ouvido falar, mas quem nunca ouviu falar não ia saber. Será que, para não dizer que os Incas eram mais civilizados que outros povos, a gente tem que esconder o fato de que eles tinham inventado maneiras relativamente complexas de calcular? A gente não pode saber nem para que servia aquele instrumento, quanto mais saber como funcionava?
E eu não queria saber mais somente sobre as chamadas “civilizações.” Eu também quero saber sobre os outros povos. Por exemplo, no museu tem urnas funerárias lindíssimas feitas por povos que moravam na Amazônia. Quem eram eles? Existe alguma pesquisa que recupera algo de sua história, de sua religião, de sua cultura? Essas urnas nos ensinam algo sobre isso? Também fiquei sem saber.
Eu resolvi escrever porque gostei tanto das peças, achei que a gente estava perdendo uma ótima oportunidade de entender melhor sobre a história do continente. Contar essa história é mais fácil que colecionar as peças. Porque não contam? Onde estão as pessoas que passaram anos e anos estudando sobre os povos ameríndios pré-colombianos? Existem livros e livros sobre o assunto. Porque não usar um pouco do material? Talvez ainda esteja em tempo de acrescentar mais explicações, e realizar assim o potencial da exposição.

Soy loco por ti America!

Muito interessante a exposição de arqueologia pré-colombiana no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, com mais de 300 peças de vindas de vários paises, e uma apresentação visual impecável, assinada por Alex Peirano Chacon, e participação ativa de Helena Bomeny e da equipe do CPDOC. Senti falta da contribuição do Museu de Antropologia do México, que tem o mais importante acervo sobre as civilizações pré-colombianas existente, e fiquei frustrado com as poucas peças do belíssimo Museu do Ouro do Banco Central da Colômbia. Mas, para quem ainda não teve a chance de visitar estes museus, a exposição do CCBB é obrigatória.
O que eu não gostei foi concepção que guiou a montagem da exposição. A ideologia politicamente correta aparecia nos textos dos murais: toda a América tem um passado comum, apesar da incrível diversidade das civilizações pré-colombianas (inclusive as do Brasil, representadas por poucas mas belas peças marajoaras e de Santarém, mas nada acima do México, já que o Canadá e os Estados Unidos não aparecem), e por isto temos que aprender a amar-nos uns aos outros; não existem sociedades mais civilizadas do que outras, viver nu na selva brasileira ou nas grandes cidades maias era uma questão de opção, muitas vezes, entre a liberdade e a opressão; e as civilizações pré-colombianas, com sua matemática, astronomia e técnicas agrícolas, era tão ou mais avançadas quanto as da Europa ou Ásia (mas não era que não existiam civilizações mais ou menos avançadas?).
O pior que é que esta ideologia parece ter tido um impacto muito ruim sobre a exposição. As peças são reunidas por algum critério de semelhança, sem permitir uma visão separada das diferentes culturas e tradições; a relação entre os temas das salas e as peças apresentadas é tênue ou inexistente; e muitas peças não têm nenhuma indicação de o que são, e de onde vêm. Para dar dois exemplos: no segundo andar existe um enorme e magnífico totem que eu gostaria de saber se é original ou uma réplica, e de aonde veio, porque não tem nenhuma informação sobre ele; e, em uma sala dedicada ao tema da escrita e da comunicação (aonde se diz que todas as formas de comunicação visuais são iguais, dos desenhos das cavernas aos alfabetos fonéticos), existe um quipu maia, que era um sistema de notação matemática feita por nós em cordas, sem uma linha sequer para dizer ao público do que se trata.
Fiquei com gosto de quero mais, com menos ideologia e mais informação para o público.

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