O Mundo que se Pensa: Homenagem a Bruno Latour

Estou compartilhando o convite para o evento organizado pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo dedicado a a rever a obra do autor que faleceu no dia 09 de outubro de 2022, no qual terei prazer em participar.

Quando: dia 22/03/2023, das 9:30 às 12:30
Onde: Sala Alfredo Bosi, Rua Praça do Relógio, 109, Cidade Universitária, São Paulo. Haverá também transmissão on line.

Este evento integra a programação do mois de la Francophonie.

Abertura: Guilherme Ary Plonski (IEA-USP) e Nadège Mezié (Consulado Geral da França em São Paulo)

Exposição:

Simon Schwartzman (Departamento de Política Científica e Tecnológica, IGC/Unicamp)

Stelio Marras (IEB-USP)

Michel Lussault (Ecole Normale Supérieure de Lyon) – online

Moderação:

Elizabeth Balbachevsky (DCP/IEA/NUPPS-USP)

Leitura de trechos da obra de Bruno Latour:

Isaque Almeida (France Alumni Bresil)

Transmissão:

Acompanhe a transmissão do evento em www.iea.usp.br/aovivo

Inscrições

Evento público e gratuito | Sem inscrição

Evento em português/francês | Com tradução simultânea

Não haverá certificação

Organização

Consulado-Geral da França em São Paulo

IEA

Apoio

France Alumni Brasil

A volta do orçamento participativo

(Publicado em O Estado de São Paulo, 10 de março de 2023

Segundo matéria de Guilherme Balza no O Globo de 2 de março, o Ministério do Planejamento, de Simone Tebet, estaria se preparando para fazer ressurgir das cinzas os mecanismos de orçamento participativo. Adotado pela prefeitura do PT de Olívio Dutra em Porto Alegre nos anos 90, o sistema ficou famoso no início, até ser abandonado tempos depois. Pelo projeto, ao invés de ser simplesmente revisto e aprovado pelo legislativo, a partir de proposta formulada pelo executivo, o orçamento federal seria formulado a partir de uma sucessão de fóruns nacionais e regionais formados por representantes de organizações da sociedade civil, consultas a uma plataforma digital on-line, e reuniões plenárias por todo o país. Para Simone Tebet, que quase desapareceu do cenário político depois que foi nomeada para o Ministério do Planejamento, seria a oportunidade para percorrer o país, ganhar visibilidade e se fortalecer politicamente.

O que tornou famosa a experiência de Porto Alegre, que percorreu o mundo, foi que ela parecia colocar na prática o ideal da democracia direta, em que, como na Grécia antiga, os cidadãos tomavam suas decisões em praça pública, diferente da democracia representativa, em que são os eleitos, e não os eleitores, que resolvem como gastar os recursos públicos. Temas como habitação, transportes, educação, saúde, e outros, eram discutidos pela população, que se informava e tornavam explícitas suas demandas e prioridades, que o governo depois deveria implementar.  O outro lado da valorização da mobilização e deliberação popular, que inspirou este sistema, foram as notórias limitações das instituições representativas, em que vereadores e deputados, uma vez eleitos, atuam em benefício próprio ou de determinados grupos de interesse, e não da população como um todo.

A experiência de Porto Alegre acabou se esgotando por uma série de razões. Só uma parte pequena dos orçamentos pode ser objeto de deliberação popular, já que os gastos de pessoal, infraestrutura e muitos outros são fixos. Na prática, não é o “povo” que participa destas deliberações, mas os militantes mais ativos da “sociedade organizada”, que nem sempre representam fielmente os interesses e valores da população mais silenciosa. As demandas são sempre muitas, mas os recursos são sempre limitados, há que estabelecer prioridades e atender a necessidades técnicas e de planejamento de médio e longo prazo que exigem elaboração complexa e não podem ser resolvidos em assembleias populares.

O orçamento participativo pode, no máximo, ser experimentado nas prefeituras, para decisões locais, mas dificilmente em nível regional ou nacional, pelo grande número de pessoas envolvidas e a complexidade dos temas. A experiência de Porto Alegre já estava se esgotando quando Lula foi eleito em 2002, e os governos do PT nunca tentaram replicá-la no governo federal.  Em seu lugar, foi estimulada a criação de conselhos e fóruns nacionais como os de educação, saúde, segurança pública e muitos outros que, em princípio, deveriam funcionar como pontes de ligação entre a sociedade civil e o governo em suas diferentes instâncias.  Na educação, o fórum teve um papel central na elaboração das diferentes versões do Plano Nacional para o setor, e existe hoje, no Congresso, a proposta de institucionalização de um sistema nacional de educação cujo foco é criação de inúmeras “instâncias de negociação” para administrar as relações entre os governos nacional, estaduais e municipais nesta área. O PNE nunca serviu efetivamente para melhorar a educação do país, embora tivesse contribuído para aumentar seus custos, e nada faz crer que o tal “sistema nacional” de educação que está em vias de ser aprovado possa produzir melhores resultados.

Por mais interessantes e educativas que possam ser estas experiências de participação e deliberação direta, elas não substituem a necessidade de um executivo tecnicamente competente, capaz de usar os orçamentos como instrumentos de política pública de médio e longo prazo, e nem de um legislativo capaz de colocar as prioridades da sociedade, e não os interesses privados ou corporativos de cada deputado, em primeiro lugar.  A Câmara de Deputados, com representantes eleitos por um sistema eleitoral defeituoso e notória pelos escândalos que começam com os “anões do orçamento” dos anos 80 e culminam no orçamento secreto de 2022, não inspira confiança, e contamina o executivo ao vender caro seu apoio. Assim, é forte a tentação de deixar o sistema representativo de lado e substitui-lo pela suposta democracia direta, ignorando suas óbvias limitações e o risco totalitário que ela comporta. 

Nas eleições de 2022, Simone Tebet representou uma tentativa de resistir ao populismo, abrindo espaço para um sistema político representativo renovado. Sabemos que não conseguiu ir muito longe, ficando a esperança de que, em um governo de coalizão, ela contribuísse para a renovação e aperfeiçoamento do sistema político, dando ao processo orçamentário a importância politica e a qualidade técnica que ele precisa ter.  Ressuscitar o velho orçamento participativo não parece ser o melhor caminho para isso.

O futuro das forças armadas

(Publicado em O Estado de São Paulo, 10 de fevereiro de 2023)

A tentativa frustrada de Jair Bolsonaro de jogar as “suas” forças armadas na aventura de um golpe não deu certo, detida que foi pela atuação firme do judiciário e pelo profissionalismo dos principais comandantes, mas serviu para recolocar na agenda a questão do papel dos militares na sociedade brasileira.  O governo Lula procurou reagir aplacando os militares, oferecendo apoio a seus projetos de modernização e reunindo os comandantes com empresários, acenando com o ressurgimento da fracassada indústria nacional de armamentos, tentada pelo regime militar na década de 70. Quem sabe que, assim, eles deixariam a política de lado, e ficariam tranquilos em suas casernas?…

É preciso ir mais a fundo, e nas últimas semanas muitas ideias e propostas têm circulado sobre como repensar o papel das forças armadas, em substituição à antiga doutrina de segurança nacional que imperou durante a guerra fria, e que se tornou obsoleta com o fim do regime militar em 1985 e a dissolução da União Soviética em 1991. 

Esta doutrina sempre teve duas caras. Uma, o princípio reiterado de que a “função precípua” das forças armadas seria a defesa do país contra eventuais inimigos externos em uma guerra convencional, que, fora a Guerra do Paraguai e contingente da FEB na Segunda Guerra, nunca se materializou. A outra, a atuação em questões internas, como a construção das redes de telégrafos dos tempos de Rondon, a presença na região Amazônica e nas áreas de fronteira e a doutrina de segurança nacional, justificando os governos militares após 1964. Também fez parte desta doutrina vários projetos militares de desenvolvimento tecnológico, incluindo o programa nuclear do Almirante Álvaro Aberto, nos anos 50, o projeto de submarino nuclear da Marinha, o Centro Tecnológico da Aeronáutica em São José dos Campos e as empresas de indústria bélica – Engesa, Avibras e Embraer. Destes, o único claramente bem-sucedido foi a Embraer, que se transformou em uma multinacional privada de natureza predominantemente civil. As forças armadas brasileiras consomem anualmente cerca de 1.6% do PIB, 115 bilhões de reais, 80% dos quais para pagamento de pessoal, um contingente de cerca de 350 mil pessoas na ativa, e existem propostas para aumentar estes gastos ainda mais. Quanto desta antiga doutrina ainda é válida, e quanto precisaria ser modificada, dado o novo cenário da política internacional, as revoluções havidas na tecnologia militar e civil, e a consolidação da democracia brasileira? 

A doutrina oficial está consubstanciada em três documentos encaminhados pelo Ministério da Defesa ao Congresso Nacional em 2020, a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Documentos como estes deveriam ser periodicamente revistos e aprovados pelo Congresso, mas na prática eles não têm sido discutidos, e nem chegam à opinião pública. Lendo estes documentos, nota-se a ênfase em três prioridades estratégicas de cunho tecnológico, a nuclear, a espacial e a cibernética. Felizmente, o Brasil renunciou há décadas à pretensão de desenvolver armas nucleares, e o projeto do submarino nuclear, que se arrasta há mais de 30 anos, corre o risco de resultar em equipamentos que já nascem tão obsoletos quanto nossos porta-aviões.  O programa especial sofreu um golpe terrível com tragédia de Alcântara de 2003, quando 21 especialistas morreram em uma explosão do que seria o lançamento do primeiro foguete espacial brasileiro, e desde então as tecnologias espaciais evoluíram enormemente, ficando cada vez mais longe de nosso alcance. A área de segurança cibernética é cada vez mais crucial para garantir o funcionamento da sociedade brasileira em todos os aspectos, e exigiria, para ser bem-sucedida, uma concentração de investimentos e recursos humanos que estamos longe de fazer.

Parece claro, olhando este conjunto, que uma política atualizada de segurança nacional deveria se concentrar em alguns temas e áreas críticas de natureza local, como a proteção das fronteiras, da costa e da região amazônica, do meio ambiente e dos recursos nacionais. É preciso evoluir para um contingente muito menor, tecnicamente qualificado e apoiado por equipamento tático, com capacidade de deslocamento e intervenção rápida, e não em equipamentos mais pesados e típicos de guerras convencionais passadas. O serviço militar obrigatório, que já não funciona, precisa ser substituído por um contingente mais profissional e mais aberto a especialistas de formação civil. Para a defesa estratégica contra eventuais inimigos externos, não temos como agir sozinhos, e precisamos participar de alianças e instituições que contribuam para a defesa dos regimes democráticos, da estabilidade política e da cooperação internacional, nas esferas econômicas, ambientais e de manutenção da paz. Para o desenvolvimento de nossa tecnologia, precisamos de uma economia aberta e fortes parcerias entre instituições militares e civis, públicas e privadas.

A questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as forças armadas, renovadas, podem e precisam dar ao país.

As transformações da Educação Superior Brasileira – 2010-2020

(Publicado no Jornal da Unicamp, 26 de Janeiro de 2023)

O tema

O sistema de educação superior brasileiro passou por sua mais importante reforma em 1968, que incorporou o princípio da integração entre ensino e pesquisa, tomando como referência a organização das universidades de pesquisa dos Estados Unidos, com seus departamentos e institutos de pesquisa, sistemas de crédito, professores doutores e alunos em tempo integral. Um dos resultados importantes desta reforma foi que, na medida em que a pesquisa científica se desenvolveu no país, ela se deu no interior de suas universidades. 

Mas, ao tentar emular o sistema norte-americano, os reformadores não tomaram em conta o fato de que as universidades de pesquisa naquele país eram somente uma parte pequena de um amplo sistema de educação superior de massas, com milhares de instituições com outras características. Nos anos seguintes, o sistema da educação superior brasileiro também se expandiu, indo muito além da capacidade das universidades de pesquisa idealizadas na década de 60. Deste então, a legislação brasileira procurou se adaptar à nova realidade de um sistema complexo de instituições públicas e privadas, de ensino e pesquisa, presenciais e à distância, sem que, no entanto, houvesse uma reforma abrangente que desse conta da diversidade que se instalou.

O Projeto

O projeto “Pesquisa da Pesquisa e da Inovação”, conduzido pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da UNICAMP, com apoio da FAPESP, tem por objetivo entender os diferentes contextos e modalidades de apoio à pesquisa científica e tecnológica no país, e parte deste trabalho consiste em examinar em maior profundidade como a educação superior no país vem se transformando, e o lugar que o ensino de graduação, os cursos de pós-graduação e a pesquisa ocupam neste sistema.

Entre 2010 e 2020, o acesso à educação superior brasileira aumentou em cerca de 30%, de 6.6 para 9 milhões de estudantes, somando os matriculados em cursos de graduação e pós-graduação estrito senso. Não foi um crescimento homogêneo: o ensino superior brasileiro, como no resto do mundo, é fortemente diferenciado, com universidades públicas e privadas, grandes redes de ensino à distância, instituições seletivas e de acesso mais simples.

Para melhor entender esta diferenciação, em um trabalho anterior, propusemos uma classificação das instituições de ensino de graduação e pós-graduação em 9 tipos, tomando em consideração, sobretudo, o porte das instituições, em termos do número de alunos matriculados; sua natureza jurídica ou institucional; e o peso relativo de sua dedicação aos cursos de graduação em suas diferentes modalidades (bacharelado, licenciatura, cursos tecnológicos) e pós-graduação estrito senso (mestrados e doutorados) 1.

As bases de dados

Para ter uma visão de conjunto, foi necessário, em um primeiro momento, unificar as bases de dados do Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, INEP, com informações referentes aos cursos de graduação, e da CAPES, com informações referentes aos cursos de pós-graduação, tomando como referência o ano de 2018. Posteriormente, tivemos acesso ao conjunto de dados da CAPES para o período 2004 a 2020 e do INEP para o período 2010 a 2020, organizados pela FAPESP.

Como INEP e CAPES não utilizam os mesmos e códigos nem os mesmos critérios da identificar as entidades, nem para organizar as informações (mantendo juntas ou separadas, sem critério uniforme, instituições e suas diferentes partes ou localidades), e como os microdados da CAPES não foram submetidos a um tratamento de sistematização e limpeza apropriados, como os do INEP, foi necessário um trabalho minucioso de organização dos dados, incluindo a criação de um dicionário comum de entidades e uma série de decisões sobre agregação e eliminação de informações inconsistentes. A estes dois conjuntos de dados acrescentamos as informações sobre publicações científicas oriundas do Web of Science, e outros dados do INEP referentes ao fluxo de características socioeconômicas dos estudantes de graduação.

A integração destas diferentes bases de dados permite uma série de análises sobre as características e evolução recente do ensino superior brasileiro, que serão apresentadas em documentos de trabalho sucessivos.

Tipologias

Existem duas maneiras de desenvolver uma tipologia, por metodologias estatísticas que permitem agrupar as entidades conforme suas semelhanças ou diferenças, e pelo uso de critérios mais ou menos arbitrários, mas apoiados na observação dos dados mais relevantes. Em um texto recente, Maria-Ligia Barbosa e colaboradores fizeram uma análise hierárquica de clusters dos principais componentes de um grande conjunto de dados das instituições de ensino superior brasileiras, a partir das informações do Censo da Educação Superior do INEP de 2019 que levou à identificação de quatro grupos: 1) faculdades privadas, de pequeno porte e inclusivas (35% da matrícula); 2) faculdades de pequeno porte com ênfase em formação vocacional e STEM (1.3% da matrícula); 3)  grandes universidades privadas (40% da matrícula); e 4) grandes universidades públicas de orientação acadêmica (27% da matrícula) 2.

Para este projeto, também experimentamos como diferentes técnicas de agrupamento, como, por exemplo, a análise de proximidade ilustrada no gráfico 1. É um gráfico tridimensional, que tem como principais vetores a proporção e alunos em cursos de pós-graduação, o tamanho das instituições, em número de alunos, e a proporção de alunos em cursos vocacionais, ou tecnológicos. Embora interessante, neste tipo de análise o resultado depende do número de variáveis que entra na análise, e o resultado não necessariamente inclui dimensões importantes que conhecemos. 

Mais promissor tem sido o uso intencional de algumas variáveis que consideramos estratégicas para melhor entender a diferenciação que de fato vem ocorrendo no sistema. Estamos retomando, neste projeto, a classificação de 9 tipos de instituições de ensino superior brasileiro, que tem como principais eixos o seu tamanho, a natureza jurídica (públicas, privadas e filantrópicas), a proporção de alunos em cursos de pós-graduação, e a proporção de alunos em cursos curtos, tecnológicos ou vocacionais. O quadro 2, abaixo, apresenta a tipologia que está sendo utilizada, com alguns indicadores relativos às características dos estudantes matriculados, para o ano de 2020, que variam de forma significativa entre os diferentes tipos. Ela permite distinguir com clareza diferentes tipos de instituições públicas, e traz informações adicionais sobre instituições de pequeno porte voltadas para a pesquisa e pós-graduação, que as outras abordagens não identificam. 

O acesso a dados de diferentes anos permite, ainda, ter uma visão inédita da evolução do ensino superior brasileiro, como no gráfico abaixo, no qual se pode observar que o crescimento foi quase que exclusivamente concentrado no primeiro tipo de instituição, as instituições privadas de grande porte, voltadas sobretudo para a educação à distância e noturna.

O mesmo tipo de análise pode ser feito sobre a pós-graduação, podendo-se observar que 48.5% dos alunos de doutorado em 2020 estavam concentrados nas 13 instituições que fazem parte do grupo 2; e elas ainda concentravam 35% da produção de artigos de instituições brasileiras indexados no Web of Science (base de dados InCites) nos últimos 10 anos.

Tal como já ocorre nos Estados Unidos e outros países3; 4, a existência de uma base de dados integrada e em permanente atualização, e uma tipologia apropriada, podem se tornar um instrumento poderoso para o conhecimento apropriado e aperfeiçoamento contínuo de seu sistema de educação superior em suas diversas dimensões.

Referências

1                SCHWARTZMAN, S.; SILVA, R. L.; COELHO, R. R. Por uma tipologia do ensino superior brasileiro: teste de conceito. Estudos Avançados, v. 35, p. 153-186,  2021. ISSN 0103-4014.  

2                BARBOSA, M.-L.  et al. Higher Education in Brazil: Institutional actions for the retention of students in public and private sectors. In: PINHEIRO, R.;BALBACHEVSKY, E., et al (Ed.). The impact of COVID-19 on the institutional fabric of higher education:  Accelerating old patterns, imposing new dynamics, and changing rules?: Srpinger, 2023 (forthcoming).   

3                MCCORMICK, A. C. Classifying Higher Education Institutions: Lessons from the Carnegie Classification Clasificación de las instituciones de educación superior: lecciones de la Clasificación Carnegie. Pensamiento Educativo. Revista de Investigación: Educacional Latinoamericana, v. 50, p. 65-75,  2013.  

4                VAN VUGHT, F. Mapping the higher education landscape: Towards a European classification of higher education.   Springer Science & Business Media, 2009.  ISBN 904812249X.  

Esperanças na Educação

(Publicado em O Estado de São Paulo, 13 de janeiro de 2023)

Com Camilo Santana e Izolda Cela na liderança no Ministério da Educação (MEC), surge a esperança de que o País consiga, finalmente, enfrentar o grave problema do analfabetismo funcional, em que as crianças permanecem na escola mas não aprendem a ler nem escrever como deveriam. Eles trazem a experiência do Ceará, que tem conseguido dar às crianças das escolas municipais de uma das regiões mais pobres competências de linguagem e matemática equivalentes às dos Estados mais desenvolvidos. O segredo é uma ação sistemática e persistente que combina materiais pedagógicos estruturados, com o uso de componentes fônicos, e forte integração entre as redes municipais e o governo do Estado, com avaliações permanentes, apoio e estímulo ao bom desempenho.

A esperança é que a mesma atitude inovadora que transformou a educação fundamental no Ceará possa ocorrer nos outros níveis da educação, em que, é preciso reconhecer, a experiência dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2003 deixou muito a desejar. Entre 2002 e 2015, o orçamento do Ministério da Educação passou de R$ 18 bilhões para R$ 180 bilhões ao ano, as redes públicas se expandiram, a escolaridade cresceu, mas a qualidade da aprendizagem aumentou muito pouco, e a produtividade do País se manteve estagnada. Ao final do ensino fundamental, no 9.º ano, continuamos entre os piores países do mundo na avaliação internacional do Pisa, e muitas crianças já ficaram para trás; temos uma reforma do ensino médio mal iniciada em 2017, que ficou pelo caminho; e um sistema de educação superior ainda moldado em uma legislação de meio século atrás, em que metade dos estudantes que entram não terminam, e metade dos que terminam não conseguem um trabalho de qualificação correspondente a seus títulos. Temos também um sistema de pós-graduação e pesquisa caro que se expandiu, mas com resultados sofríveis em termos de qualidade da pesquisa e impacto na inovação e na melhoria da qualificação geral da força de trabalho do País.

Para cada uma dessas áreas existem diagnósticos que precisam ser aprofundados e ações a serem feitas que precisam ir muito além da simples reconstrução do desastre administrativo e financeiro dos anos de Jair Bolsonaro. A reforma do ensino médio precisa ser completada, com a implantação de percursos de formação diferenciada, reforço da educação técnica e um novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) compatível com um sistema de formação plural.

No ensino superior, a expansão das universidades e institutos federais levou a um sistema caro e pouco eficiente. A última reforma do ensino superior brasileiro vem dos anos 1960, antes que a demanda por educação superior começasse a aumentar, e nenhum governo desde então se empenhou em ampliar a diferenciação do sistema público, fora dos bacharelados e licenciaturas tradicionais, nem conseguiu regular o sistema privado. O regime de cotas não foi suficiente para dar acesso aos estudantes mais carentes, que acabam sendo atendidos, de forma precária, por um sistema privado comercializado que hoje cobre mais de 75% das matrículas. Dos 8.5 milhões de estudantes de nível superior em 2021, 1.3 milhões vinham de domicílios com renda per capita de meio salário mínimo ou menos, e, destes, dois terços estavam no setor privado (dados da Pnad Continua de 2021).

É preciso identificar com clareza as diferentes missões das instituições públicas – ensino profissional, formação tecnológica, pós-graduação e pesquisa, desenvolvimento regional, formação de professores – e dar a cada uma estímulos e autonomia apropriados para que façam melhor o que esteja a seu alcance, e não desperdicem recursos naquilo que não querem e não podem fazer. O setor privado precisa ser mais bem regulado, o atual sistema de credenciamento e avaliação do ensino superior está obsoleto, e existem propostas para sua revisão que precisam ser aprofundadas e implementadas.

O modelo elitista permitiu que o Brasil desenvolvesse um setor razoável de pesquisa e pós-graduação das universidades públicas, mas concentrado em poucas instituições. Já é tempo de desfazer o sistema excessivamente centralizado e burocratizado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), também concebida há 70 anos atrás e que não cumpre mais seus objetivos. A ideia de que a pós-graduação e a pesquisa são duas faces da mesma moeda é tão obsoleta quanto o antigo mantra da “indissociabilidade do ensino e da pesquisa”, que diziam que existia nas universidades alemãs de 200 anos atrás, e que persiste em nossa legislação. É verdade que a maior parte da pesquisa brasileira de qualidade ainda ocorre nas principais universidades, mas tem pouco impacto, e a maioria dos cursos de pós-graduação hoje, sobretudo de mestrado, é de qualificação profissional.

Pelos dados mais recentes da PNAD contínua do IBGE, havia, em 2021, 1.315 mil estudantes em cursos de especialização “lato senso”, não regulados, sobretudo no setor privado; e 280 mil em cursos de mestrado e 175 mil em cursos de doutorado regulados pela CAPES, estes sobretudo no setor público. Como se pode ver no gráfico acima, a renda domiciliar per capita destes estudantes de pós-graduação é duas ou três vezes maior do que a dos estudantes dos cursos superiores, os quais, por sua vez, têm renda domiciliar duas vezes maiores do que a dos estudantes de nível médio. São estudantes de famílias de alta renda que podem precisar de financiamento, mas não precisam de bolsas para estudar nem da regulação que tolhe a autonomia das instituições de encontrar seus próprios caminhos. A pesquisa e a formação de alto nível precisam de apoio e incentivos, mas isso não se faz pela centralização burocrática e pulverização de recursos em dezenas de milhares de bolsas de estudo para todo tipo de cursos.

A nova equipe do MEC tem todas as condições para reconhecer esses problemas e buscar novos caminhos. Tomara que consiga.

As três agendas da transição

(Publicado em O Estado de São Paulo, 9 de dezembro de 2022)

Vendo as primeiras propostas dos grupos de trabalho da equipe de transição do governo Lula, é possível notar três agendas principais. A primeira, indispensável, é a de desfazer as ações de terra arrasada do bolsonarismo na saúde, educação, política ambiental, cultura, ciência, tecnologia e no estímulo ao ódio, ao armamentismo e à violência política. A segunda, preocupante, são as tentativas de fazer o relógio andar para trás, e retomar aos modos de trabalho e políticas desastrosas, econômicas e sociais, que levaram ao país à maior recessão de sua história, desencadeando uma crise política que resultou no desastre do bolsonarismo. E a terceira, que seria a mais importante, mas que até agora quase não aparece, é a de iniciar políticas públicas inovadoras, capazes de lidar de forma efetiva com as condições de pobreza e precariedade da população brasileira e fazer o país retomar um ritmo saudável de desenvolvimento econômico e social.

A boa notícia é que, nas últimas décadas, houve um esforço muito significativo de estudiosos e pesquisadores de diversas tendências para entender por que tantas políticas públicas bem-intencionadas redundaram em fracasso, e propor alternativas. Em 2011, antes que a crise que se armava se tornasse mais visível, ajudei a organizar, com Edmar Bacha, uma série de seminários sobre os temas de saúde pública, previdência, políticas de renda, educação e segurança pública, com a participação de cerca de 20 especialistas, publicados depois em um livro sobre Nova Agenda Social [1]que o Brasil deveria seguir. Não por acaso, o livro buscava retomar as questões do documento sobre Agenda Perdida de 2002[2], em que um grupo notável de economistas, entre os quais José Scheinkman, Marcos Lisboa, André Urani  e Ricardo Paes e Barros mapearam as políticas econômicas e sociais que poderiam permitir ao país retomar o crescimento e reduzir a desigualdade social. Mais recentemente, outro grupo de economistas preparou um projeto detalhado de um amplo Programa de Responsabilidade Social[3] para implementar políticas integradas de renda mínima, poupança e seguro familiar, reunindo os diversos programas sociais que hoje se superpõem. E, em um livro recente, Marcos Mendes reuniu 30 autores que descreveram em detalhe 25 políticas econômicas e sociais equivocadas dos últimos anos que contribuíram para empobrecer o Brasil[4]. Existem muitas outras boas propostas, nas áreas de energia, legislação trabalhista, administração pública, meio ambiente, etc. 

Na educação, ciência e tecnologia, áreas que conheço mais de perto, existe o paradoxo de que o Brasil, até Bolsonaro, multiplicou várias vezes os gastos públicos em todos os setores, sem que a produtividade melhorasse, ou os estudantes aprendessem mais, ou que a desigualdade de resultados diminuísse, ou que nosso sistema de pesquisa e inovação tornasse a economia mais competitiva. É preciso salvar a educação brasileira da asfixia, mas não será pela simples retomada dos gastos que ela vai melhorar. É necessário rever a fundo o que deu errado até aqui, encarar os fatos e tomar as decisões. Sabemos que nenhum sistema de educação pública é melhor do que a qualidade de seus professores, mas nunca tivemos uma política organizada e sistemática de seleção, formação e qualificação de nosso professorado. Estamos vivendo uma transição demográfica que faz com que tenhamos cada vez menos alunos, podendo pagar melhor a professores mais qualificados, e é preciso não perder esta oportunidade. No ensino superior, continuamos falando das maravilhas das políticas de cotas, ignorando que temos um sistema público elitista e disfuncional, cuja última reforma data de sessenta anos atrás. Ele só consegue atender a 25% dos estudantes, e funciona como uma grande peneira que atrai milhões para um exame nacional que seleciona menos de 300 mil estudantes por ano, dos quais a metade nunca completa seus estudos, deixando a grande maioria sem qualificação e à mercê de um mercado selvagem de credenciais de valor desconhecido.

O que explica a pouca presença destas propostas inovadoras na agenda política do novo governo é o modo de trabalho do Partido dos Trabalhadores, que, ao invés de 50 profissionais qualificados para administrar a transição, preferiu reunir centenas de representantes dos mais diversos setores que sejam simpáticos ao PT e tenham força e habilidade para se fazer presentes.  Organizar assembleias, criar direitos e distribuir benefícios são excelentes formas de obter apoio, mas não são o melhor caminho para implementar políticas corajosas que rompam com a rotina e contrariem grupos de interesse organizados.  Uma vez eleitos, governos devem identificar com clareza seus objetivos, buscar os melhores diagnósticos e as melhores pessoas e tomar decisões que atendam ao interesse geral da sociedade, ainda que contrariem determinados setores. A transição até aqui parece ainda fazer parte da campanha eleitoral. A partir de janeiro, vai ser preciso governar.


[1] Bacha, Edmar e Simon Schwartzman. 2011. Brasil: A Nova Agenda Social. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2011.

[2] Lisboa, Marcos B, Aloísio Pessoa Araújo, Ricardo Paes de Barros, José Márcio Camargo, Leandro Piquet Carneiro, Reynaldo Fernandes, Pedro Cavalcanti Ferreira, Naércio Aquino Menezes-Filho, Pedro Olinto, Affonso Celso Pastore, Samuel de Abreu Pessoa, Armando Castelar Pinheiro, Maria Cristina Pinoti, José Alexandre Scheinkman, Rozane Bezerra Siqueira, Maria Cristina Trindade eAndré Urani. A  Agenda Perdida: Diagnósticos E Propostas Para a Retomada Do Crescimento Com Maior Justiça Social. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – IETS, 2002.

[3] Botelho, Vinícius, Fernando Veloso, Marcos Mendes, Anaely Machado e Ana Paula Berçot, Programa de Responsabilidade Social –  Diagnóstico e Proposta,  São Paulo, Centro de Debate de Políticas Públicas, 2020 

[4] Mendes, Marcos, ed. 2022. Para não esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil. Rio de Janeiro: Autografia Edição e Comunicação Ltda.

Sergio Fausto: desintoxicação política

(artigo de Sérgio Fausto, publicado em O Estado de São Paulo, 16 de novembro de 2022)

Levará tempo para dissipar o veneno que impregnou a atmosfera política brasileira nos últimos anos. A boa gestão da economia pelo futuro governo é condição necessária para que isso ocorra. Mas não é condição suficiente. 

A impregnação vem de longe, ao menos desde 2014, quando se fez “o diabo” para reeleger Dilma e, em seguida, para apeá-la do poder. O processo ganhou intensidade e escala sem precedentes nos últimos quatro anos e atingiu seu ponto de saturação máximo nesta campanha eleitoral. As cenas vistas nos últimos dias mostram aonde chegou o delírio promovido pelo autoritarismo bolsonarista. 

O ovo da serpente começou a ser chocado quando a disputa normal entre as forças democráticas se tornou uma luta destrutiva entre “nós” e “eles” e se acirrou a competição por mais recursos privados para o financiamento da atividade política, com as consequências conhecidas. A Lava Jato saiu dos trilhos, mas os esquemas de corrupção eram reais. A dura travessia do mandato presidencial que agora se encerra deve servir de lição definitiva para que o erro e o pecado não se repitam. 

Além da antipolítica, o bolsonarismo mobilizou um anticomunismo primitivo e o temor à dissolução dos valores e da família tradicionais, instrumentalizando o cristianismo para ambos os fins. Criou fantasmas, inflados à base de notícias fraudulentas e distorções da realidade factual, para despertar sentimentos paranoicos de ameaça. A desinflação desses fantasmas é essencial para o País voltar à normalidade. 

Toda paranoia requer um grão de verdade para ganhar asas e se descolar da realidade. A resistência do PT a chamar os regimes autoritários ditos de esquerda na América Latina pelo que são (ditaduras, nos casos de Cuba e Nicarágua, e quase ditaduras, no da Venezuela) e a criticar a violação de direitos humanos nesses países serviu de alimento para a mensagem infundada de que, com Lula, o Brasil caminharia para o socialismo. Para piorar, houve prodigalidade nos empréstimos estatais feitos a grandes empreiteiras brasileiras para a realização de obras nesses países. Juntando uma coisa e outra, a extrema-direita formou a dupla de ataque comunismo-corrupção. Desarticulá-la requer do novo governo deixar claro, por palavras e atos, que não se moverá, na política externa, por velhas paixões ou eventuais simpatias ideológicas (ao contrário do que fez o governo Bolsonaro). 

Também em relação ao conservadorismo moral, trata-se de colocar a bola no chão. Na análise das pesquisas qualitativas que há muito tem feito com grupos evangélicos, a socióloga Esther Solano chama a atenção para o fato de que, entre eles, estão longe de ser uniformes as opiniões sobre gênero, sexualidade e família. Há unanimidade na rejeição ao que, aos olhos de mulheres pobres conservadoras, é percebido como uma tentativa de imposição de padrões morais estranhos ao universo ao qual pertencem. Mas existe amplo espaço de diálogo sobre temas como a violência contra as mulheres, as desigualdades de gênero no mercado de trabalho e a sobrecarga feminina no cuidado com crianças e idosos da família. O fortalecimento de políticas públicas voltadas para atenuar ou resolver esses problemas limitará as possibilidades de manipulação de temores de ordem moral pela extrema-direita. Além de implementá-las, o novo governo deve fazer a mediação política entre os grupos progressistas engajados com a agenda de gênero, sexualidade e direitos reprodutivos e a maioria mais conservadora na sociedade e, principalmente, no Congresso, para não cair em armadilhas como a do impropriamente chamado “kit gay”. 

Outra tarefa inadiável será restabelecer a normalidade das relações entre civis e militares, que começou a sair dos eixos no governo Dilma Rousseff e descarrilou com Bolsonaro. De um lado, é preciso desmilitarizar o governo e, de outro, prestigiar as Forças Armadas como instituição do Estado brasileiro. Cicatrizar as feridas abertas pelo golpe de 1964 e pela violação de direitos humanos durante o regime autoritário levará tempo. Não se trata de esquecer o que ocorreu no passado, mas sim de concentrar a atenção no que é preciso fazer agora, sem agravar tensões contraproducentes. 

Na mesma linha, importa despolitizar a Polícia Rodoviária Federal, reforçar a gestão profissional da Polícia Federal e restabelecer a autonomia da Procuradoria-Geral da República. A instrumentalização maior ou menor desses órgãos do Estado em favor do projeto político de Bolsonaro foi parte central da estratégia de ataque às instituições democráticas. Que o projeto tenha fracassado não exime de responsabilidade aqueles que dele participaram. Quem, comprovadamente, tenha atuado no financiamento e na organização de atos visando a ameaçar a ordem democrática e a integridade física de ministros do STF, coagir eleitores e jornalistas, entre outros crimes, deve sofrer as consequências do que fez, assegurados o pleno direito de defesa e a presunção de inocência. 

Extensa e complexa, a agenda de normalização do País deve ser enfrentada com serenidade, mas com firmeza.

Em defesa das ciências

(publicado em O Estado de São Paulo, 11 de novembro de 2022)

No calor da campanha eleitoral, poucos tiveram tempo para registrar, no Brasil, a morte de Bruno Latour, um dos fundadores da Sociologia da Ciência, em 9 de outubro. Nos últimos anos, Latour se dedicou ao tema das mudanças climáticas, tratando de entender e explicar a enorme dificuldade que a humanidade tem de lidar com o problema[1]. De um lado, o Intergovernmental Panel on Climate Change, grupo das Nações Unidas que reúne os cientistas que trabalham com o tema, publica dados e projeções cada vez mais dramáticos sobe o avanço do aquecimento global e seus impactos; de outro lado estão desde os que dizem, como Donald Trump, que o problema não existe até os que reconhecem que algo pode estar acontecendo, mas é um problema distante, e querem resolver primeiro de quem é a culpa e quem vai pagar a conta.

O que Latour e outros sociólogos da ciência mostraram, quase meio século atrás, é que a ciência e sentido comum não são maneiras opostas de ver as coisas, uma baseada em evidências e provas, e outra em opiniões e impressões, mas maneiras semelhantes pelas quais as pessoas constroem consensos sobre o mundo em que vivem[2]. A ideia de que a ciência é feita de consensos, e não de fatos que se sustentam por si mesmos, deixou muitos cientistas indignados, achando que, se fosse assim, então verdades e ilusões seriam a mesma coisa, dependendo dos interesses de cada um.

Latour respondeu a isso mostrando que os consensos não se constroem somente entre pessoas, mas também com coisas, e dependem de grandes redes de pessoas, organizações, objetos e seres vivos para se consolidar[3]. Desde a Grécia antiga astrônomos, observando o sol e a lua, suspeitavam de que a Terra era redonda, mas isso só se tornou um fato consolidado e aceito quando, 500 anos atrás, os portugueses começaram a navegar pelo mundo e mapear os continentes. Existem hoje grandes cadeias de consenso que conectam, na mesma rede, astrônomos, geólogos, empresas de transporte e os aviões e navios que levam cargas e passageiros de um lugar para outro. É assim, também, que pesquisadores em Química e Biologia se conectam com grandes laboratórios, hospitais, a indústria farmacêutica, as vacinas, os vírus, a farmácia da esquina e a nós, com nossas mazelas.

No entanto, quando se trata do clima, estas redes de consenso não se dão da mesma forma. Os pesquisadores constroem modelos de como a Terra vem se aquecendo, por causa sobretudo das emissões de carbono. Mas não há continuidade entre o aquecimento, com suas manifestações cada vez mais evidentes, como o derretimento das geleiras, a elevação do nível dos mares e a sucessão das secas e ciclones, e o comportamento da maioria dos governos e das pessoas. Mais amplamente, ainda que exista um consumo cada vez mais amplo de tecnologias derivadas das ciências, há uma tensão crescente entre o conhecimento produzido pelas universidades e centros de pesquisa e parte significativa da opinião pública, que muitas vezes ganha a forma de movimentos políticos e ideológicos que se voltam contra as ciências, as pessoas e as instituições que as produzem.

Latour, em seus livros mais recentes, tratou de explicar esta situação por uma teoria extremamente complexa[4], mas que tem, como parte importante, a crítica à arrogância dos próprios cientistas, que, ingenuamente, acreditam que, pelas posições que ocupam e pelas evidências que acumulam, deveriam ser seguidos por todos, sem se dar conta da necessidade de se mobilizar para construir estas cadeias e redes de consenso que se podem observar com as ciências e tecnologias mais estabelecidas.

Não se trata de algo novo. Por mais que os países ocidentais tenham avançado na construção de grandes sistemas educacionais centrados na difusão da ideia de sociedades baseadas no modo de trabalho e nos conhecimentos desenvolvidos pelas ciências, mesmo nesses países a maioria da população continuou vivendo no mundo de suas experiências de sentido comum, compartilhando sistemas de crença religiosa e cultural em ressonância com suas identidades. O que as ciências do clima trazem de diferente é que, para evitar a catástrofe que se anuncia, serão necessárias mudanças profundas e rápidas no modo de vida das pessoas e na sua relação predatória com a natureza, que são difíceis de aceitar.

Assim como na Ecologia, as ciências econômicas mostram que há situações que favorecem ou dificultam a criação da riqueza e a redução da pobreza e da desigualdade, que não dependem simplesmente do desejo de políticos, governantes e grupos de interesse. A mensagem que Bruno Latour nos deixa é de que, na Ecologia, como na Economia, estaremos nos suicidando se insistirmos em ignorar os processos globais que os pesquisadores nos estão revelando. Mas só superaremos isso se conseguirmos tratar estes fatos, e a própria ciência, não como conceitos abstratos e longínquos, mas como partes de redes complexas de interpretações e relacionamentos com a natureza, os recursos, as pessoas e modos de vida que precisam ser compreendidos e, se necessário, reconstruídos.


[1] Latour, Bruno.Down to Earth: Politics in the New Climatic Regime: John Wiley & Sons, 2018; Facing Gaia: Eight Lectures on the New Climatic Regime: John Wiley & Sons, 2017,

[2] Latour, Bruno and Steve Woolgar. 1986. Laboratory Life the Construction of Scientific Facts. Princeton, N.J: Princeton University Press, 1986; Latour, Bruno, Science in Action:  How to Follow Scientists and Engineers through Society. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1987,

[3] Latour, Bruno. La Clef De Berlin; et autres leçons d’un amateur de sciences: La Découverte, 1993.

[4] Latour, Bruno. Reassembling the Social—an Introduction to Actor Network Theory: Oxford University Press, 2005; Politics of Nature: How to Bring the Sciences into Democracy: Harvard University Press, 2004.

Francisco Soares: diálogo para definir as novas políticas educacionais

A aliança que venceu as eleições é constituída basicamente de pessoas que aceitam a democracia como o valor essencial. Pelos mapas de votação, pode-se inferir que esse grupo é composto majoritariamente pelos pobres, com presença menor, mas significativa, de pessoas das classes médias e um número diminuto de ricos. Por motivos políticos, éticos, financeiros ou de mera sobrevivência, essas pessoas votaram em um projeto que assume compromissos claros com a democracia, com a manutenção de convivência pacífica entre os brasileiros e com a busca da prosperidade para todos. Entendem que isso, entretanto, não é possível se o Brasil mantiver os níveis atuais de desigualdade e exclusão.

Contudo, os que agora se encontram em um mesmo barco, têm posições diferentes sobre muitos assuntos. Um diálogo, que precisa começar logo, deve definir a direção a ser seguida. Se cada um remar em uma direção, agarrando-se às suas posições originais, o barco ficará parado e será afundado, logo ali na frente, pelas enormes dificuldades que os próximos anos trarão. Esse diálogo, idealmente, deve ocorrer em ambiente que aceite a expressão de dúvidas, no qual se busque ouvir e compreender, mais do que convencer, e que procure superar o “nós e eles”. Muito difícil construir um diálogo nestas bases, mas atalhos não ajudam. Por exemplo, os que querem distribuir renda devem falar com os que querem gerar renda, os que defendem direitos têm de entender os que defendem a melhoria da eficiência do Estado; os que se preocupam pela educação de determinados grupos populacionais precisam ouvir os que pensam e defendem políticas universais, os que enfatizam a necessidade de melhorias nos indicadores sociais precisam considerar os argumentos dos que se preocupam com as desigualdades regionais e entre grupos sociais.  

Restrinjo-me à educação básica, etapa sobre a qual posso falar com mais propriedade e legitimidade, que, entretanto, não inclui todas as questões educacionais que precisam ser discutidas. O debate deveria se iniciar buscando confrontar as diferentes interpretações do estabelecido no artigo 205 da Constituição. Esse artigo estabelece, na visão de muitos, mas não de todos, que a educação tem a missão de garantir, a todos, os aprendizados que permitam o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Aceitando-se que o desenvolvimento de aprendizados está no âmago do conceito de educação, o debate precisa convergir para formas concretas de como o preceito constitucional influenciará as rotinas das redes e escolas. Nesse sentido, deve tratar de três temas essenciais – o que ensinar? como ensinar? como avaliar? –, além do tema da gestão, responsável por ações que harmonizem em cada escola e rede as três dimensões do projeto pedagógico.

Na primeira dimensão – o que ensinar? –, é preciso definir o papel da BNCC nas políticas educacionais dos próximos anos. No caso do ensino fundamental, esse documento é visto por atores importantes do debate educacional como inconcluso, pois não houve esforço para capacitas as redes e escola para o desenvolvimento de tarefas que implementam concretamente os comandos pedagógicos da BNCC. No entanto, há amplo espaço para convergência, ao se trazer, para o centro do debate, a ideia de que os estudantes aprendem o que fazem. Como consequência, a política pública necessária seria definir, de forma participativa, mas fundada na ciência e em experiências bem-sucedidas nacionais e internacionais, quais são as tarefas que os estudantes devem ser capazes de fazer ao fim do ensino fundamental. Essas tarefas estariam à disposição dos docentes para uso no ensino e na avaliação.

Um tema especialmente premente é decidir o que fazer com os estudantes que, tendo ficado afastados por quase dois anos das escolas, não se alfabetizaram adequadamente. No momento, é dramática a situação no chão de muitas escolas, principalmente as que atendem a crianças cujas famílias não puderam lhes dar algum apoio durante a pandemia. A rotina pedagógica das escolas precisa ser adequada para as necessidades atuais dos estudantes. Isso exige um projeto nacional, para o que felizmente o Brasil possui expertise e o diálogo aqui defendido especificará.

No caso do ensino médio, são muito grandes as dificuldades para se chegar a uma convergência. A reforma começou com uma medida provisória, uma opção legal que alienou muitos atores. Além disso, a especificação do modelo se deu por meio de indicações ainda mais abstratas do que as usadas no ensino fundamental. Os conceitos de formação geral básica e itinerários não tiveram conceituação clara nos documentos legais, o que impactou enormemente as opções feitas pelos estados. No entanto, há currículos feitos e decisões tomadas, que precisam ser consideradas na política nacional para o ensino médio, especialmente no ENEM. Mesmo os que apontam as imperfeições do modelo tal como implementado devem perceber a importância da expansão do ensino técnico e a transformação do ensino médio em uma etapa de tempo integral, presentes na reforma.

O segundo tema – como ensinar? – só pode ser tratado no âmbito da escola. Aqui, o diálogo necessário é especialmente difícil, pois, na coalizão vencedora, há os que pensam a escola apenas a partir da posição dos docentes e os que pensam a escola como instrumento do Estado para a garantia do direito de aprender dos estudantes. Não são duas visões excludentes, mas, até aqui, as políticas apoiadas em uma visão têm tido pouca preocupação com a outra.  Outra versão desta dicotomia é a falsa divisão entre recursos/processos e resultados. Os recursos e processos que não levem a resultados aceitáveis para os estudantes são ruins; resultados inaceitáveis indicam problemas nos recursos e nos processos. Precisamos de uma visão compreensiva de recursos/processos e resultados. Uma proposta que circula na periferia do debate pode ser a chave para uma convergência. As escolas de educação básica poderiam se transformar em escolas de tempo integral para os docentes e para os estudantes. Essa é a forma de organização das escolas de educação básica em muitos países. Nesse contexto, seriam tratados os temas dos salários docentes, da formação continuada, do acompanhamento da permanência e do aprendizado dos estudantes e da melhoria da infraestrutura. Essa é, entretanto, uma transformação para uma década.

Para definir o terceiro tema – como avaliar? –, o debate deve enfrentar o atual domínio do uso das avaliações para produzir medidas de desempenho dos estudantes, minimizando a geração de informações sobre o aprendizado.  O sistema atual é capaz de indicar onde estão os problemas, mas não tem capacidade de indicar o que deve ser feito. Além disso, para muitos, o sistema atual usa formas de medida inadequadas, por ser baseado em expectativas de aprendizagem que exigem quase sempre processos cognitivos superficiais, deixando de verificar se os estudantes estão preparados para as tarefas que a vida lhes colocará e que exigem processos cognitivos mais complexos. Além de sua utilidade pedagógica, a avaliação gera dados que permitem monitorar os resultados da educação. As formas atuais de monitoramento não consideram, entretanto, os estudantes que estão fora da escola – exatamente os que mais precisam do sistema educacional –, nem as desigualdades entre grupos sociais. Felizmente existem dados que podem ser usados para mudar esse perfil, ainda que não haja um caminho único. Nesse caso, as bases para uma convergência estão estabelecidas.

Há outros temas nos quais as discordâncias serão possivelmente menores. Por exemplo, a necessidade de recuperar recursos que foram retirados da educação básica e o fim do atendimento clientelista, que nos últimos anos tornou-se padrão e, ainda, a volta de acesso amplo aos dados necessários para o monitoramento

A democracia abre espaços para a expressão de conflitos e cria ao mesmo tempo as condições para a sua resolução, através de suas instituições que devem promover diálogos com esse propósito. No entanto, nenhum grupo social conseguirá implantar completamente sua agenda. Neste ponto, é apropriado retomar a fala de Ulisses Guimarães na sua luta pela redemocratização, quando repetia com frequência Fernando Pessoa, dizendo “Navegar é preciso”; ou seja, cabe aos vencedores, neste momento, tomar as iniciativas para construir uma educação para todos que atenda às necessidades de um país que precisa ser próspero e mais justo. Isso precisa estar acima dos interesses e ideais pessoais.

Johan Galtung: my Norwegian Mentor

(transcribed from the International Peace Research Institute – Oslo, PRIO blog, October 24, 2022)

Johan Galtung, PRIO’s founder, is 92 today. We take this opportunity to publish an  essay by one of his former students, Simon Schwartzman.

The author is seated in front to the left in this picture from January 1965. Behind him, three other PRIO visiting staff, Paul Smoker, Manolo Mora y Araujo, and Malvern Lumsden. To the right, PRIO’s core staff at the time, Ingrid Eide [Galtung], Mari Holmboe Ruge, and Johan Galtung. Photo: Unknown

In 1963, I met Johan Galtung for the first time. He was to become one of my important mentors. This is the story of how that came to be.

FLACSO

In 1961, I was finishing my BA in sociology and political science at the School of Economics of University of Minas Gerais, Brazil. I had been a full-time student, had a contract as a research assistant, and expected to work and teach at the University once graduated. In that year, we had a visit from Lucien Brams, a French sociologist working at FLACSO in Santiago, Chile. He was on a mission to recruit students for their program. I was selected, together with three other colleagues, and went to Santiago in early 1962 to start the course.

The Latin American Faculty of Social Sciences (FLACSO) was created in 1957 by UNESCO through a broad international agreement with the participation of almost all Latin American countries. The two-year course at the master level included about twenty students recruited from all parts of Latin America, who received a fellowship to live in Santiago. At the time, Santiago was the Latin American version of Geneva, home to several international organizations such as the United Nations’ Latin American Economic Commission (CEPAL/ECLAC), the Latin American Center for Demography, the Latin American School of Economics (Escolatina), and UNESCO’s Regional Office for Education. FLACSO was located in a park at the Nuñoa neighborhood, close to the Pedagogical Institute of the University of Chile. The classes were in Spanish, but most of the readings were in English, a language I barely mastered at the time; most of my reading till then had been in Portuguese, Spanish or French.

When I arrived in February 1962, FLACSO had two permanent faculty members. Peter Heintz, the director, a Swiss sociologist, taught sociological theory, while Lucien Brams, from France, taught research methodology. Peter Heintz had lived in Spain and Paris. Under the Swiss sociologist René König, he had written a doctoral thesis on Pierre-Joseph Proudhon, the philosopher of anarchism and forerunner of Marxism. Brams had studied with Georges Friedmann, the founder of sociology of work in France. He had also participated, with Alain Touraine and Torcuato Di Tella, from Argentina, in a comparative study of working-class consciousness in two settings in Chile, the Lota coal mine and the steel mill of Huachipato. Other courses were taught by Chileans from other institutions and visiting professors from Europe and North America who came for a semester or so.[1]

FLACSO did not bring sociology to Latin America, as it was already thriving in institutions such as the Universidad de Buenos Aires, Universidade de São Paulo, Universidad Nacional Autónoma de México, El Colegio de México, and others. But it was influential in bringing in an empirical approach as well as modernization theories that had developed mostly in the US since Second World War.

So far, these had had little penetration in the region, which was mostly influenced by the French intellectual tradition. Despite their different backgrounds, both Heintz and Brams assumed that the future of sociology lay in the development of middle-range theories as argued by Robert K. Merton, and this is what they tried to convey to the students.

Those were the years when sociologists, especially in the United States, sought to develop a theory of modernization based on the works of Talcott Parsons, in contrast to Marxism. We were able to get acquainted with these theories thanks to a course on Parsons’ sociology by François Bourricaud and another given by Alex Inkeles, who was coordinating a large international comparative project on modernization in Chile and elsewhere. The Chilean Luis Ratinoff brought us up to date with the international literature and methodology of social stratification. We had a course on the sociology of work with Henry Landsberger and another with Nathan Keyfitz, one of the founders of modern demography. The most memorable, however, was perhaps Edgar Morin‘s course on ‘the Marxisms’, in which he outlined the great debates that preceded and followed official Soviet Marxism in Europe.

Johan Galtung

The big news in 1963 was the arrival of Johan Galtung at FLACSO. In his early thirties, Galtung had a solid background in mathematics and logic and a history as an active participant in the peace movement. He had gone to jail in his native Norway for refusing to do military service, when he used the opportunity to write a book about Mahatma Gandhi and peaceful resistance, jointly with his teacher, the philosopher Arne Næss, who was also a pioneer in environmental philosophy.

After graduating in mathematics and sociology in Norway, Galtung had gone to Columbia University in New York, where he taught under the aegis of Paul Lazarsfeld, one of the founders of American quantitative sociology. He came to Chile with his then wife, Ingrid Eide [Galtung] and children. Thanks to his salary as an international civil servant, they were able, for the first time, to buy a big American car and rent a nice house in Santiago, which they enjoyed with some amusement. In addition to the methodology course, in which he replaced Lucien Brams, Galtung offered courses in Mathematical sociology, Sociology of conflict, Norms, roles and status, and Functionalism. He learned Spanish very quickly and was an extraordinary teacher, with very well-structured classes that combined logic, mathematical reasoning, data, and social theory. His classes were supplemented by practical exercises that almost always consisted of interpreting a set of data or discussing the results of a research.

His main project that year was the research methodology book he was writing as the course progressed. I watched the classes fascinated, understanding for the first time what data were for and what it meant, in practice, to build and test hypotheses and theories. To analyze the data by calculating simple proportions, he taught us to use a slide rule and to make tabulations with perforated cards. The methodology he proposed was artisanal. It started with one or two variables and progressively increased the complexity, but without arriving at very sophisticated statistical models or making use of the processing capacity of computers, which were beginning to become accessible. The most advanced classes we had, in addition to the basic concepts of sampling, correlation and regression, were those on latent and manifest functions, which are at the basis of modern item response theories applied to education. More broadly, these functions are also used in the analysis of ‘big data’ developed with the computational resources of artificial intelligence.

Galtung’s methodology book was published in 1967, but it did not have the impact I had imagined, perhaps because it was born out of date: it was too artisanal in terms of research, without incorporating the computing resources that was were becoming available. By then, too, his interest in research methodology had waned. It was increasingly replaced by the themes of conflict, war, and peace, which had resulted in the creation, in 1959, of the Peace Research Institute Oslo(PRIO), on his initiative.

Galtung’s relationship with his Latin American students was not easy. There were cultural differences that are difficult to explain but played a part. Certainly, there were important affinities in political values, in the defense of peace and in the critique of post-war American imperialist policy, and, more generally, in the critical view of the hierarchical nature the relations between central and dependent countries (or ‘international feudalism’, as he preferred to say). But, like Heintz, Galtung had difficulty, or lack of interest, in dealing with the more structural historical perspectives, Marxist, post-Marxist or Weberian, which were dominant in Europe and influenced the Latin American social sciences. In those years, Raul Prebisch, at the UN Economic Commission for Latin America in Santiago, was already writing about the economic imbalances between industrialized and rural-based economies that became one of the foundations of dependence theory. Gino Germani in Argentina was writing about populism and fascism, and FLACSO’s sister organization in Rio de Janeiro, the Latin American Center for Research in Social Sciences, was engaged in an ambitious project on issues of race.

Neither Heintz nor Galtung bothered to learn and bring these issues and this literature to their courses, and this may have influenced the difficulties that may have encountered in the relationships with their students and, ultimately, in the limited impact they had in social sciences that developed later in the region.

Oslo

In early 1964 I returned to my university in Belo Horizonte and was assigned to teach political science in the school year that usually started in February. On March 31st, the civilian government was deposed in a right-wing military coup, and the universities were closed. Before going to Chile, I had participated in different student political organizations on the left. But now I assumed that, after two years as a student in a UNESCO institution. with a fellowship from the Organization of American States, I would not be targeted as dangerous leftist. However, just before the university reopened, in April, I was arrested together with a few other university faculty, and remained in jail for about six weeks. After this I was released, but the university was instructed not to allow me to teach, and the military started a prosecution for vague ideological crimes that could eventually lead to a long incarceration. Learning of my situation, Galtung sent me an invitation to come to Oslo to work at PRIO for one year, with a small fellowship.

I arrived in Oslo in December 1964 from Paris. It was night and the snow on the streets reflected the yellow lights from the streetlamps. The Galtungs invited me to a Christmas dinner at their house that ended with a sleigh ride through the woods. I stayed at Sogn Studentby, a cluster of student buildings on a hill. Each building had seven bedrooms, one for each student, while the kitchen and bathrooms were shared. We also had a central laundry room where, from time to time, we exchanged used bedding for clean ones. The purse was small, less than two hundred dollars a month, which was barely enough to pay the rent, eat and buy the very expensive Benson & Hedges cigarettes. Students generally bought paper and tobacco and rolled their own cigarettes; I tried, but I never got it right. They also made their own beer, warm and without foam, which looked more like pee.

The Peace Research Institute, created by Galtung a few years earlier as a section of the Institute for Social Research, originally operated out of the building of the mother institute, but by 1964 had moved to its own space. To get there, I took a tram that stopped every 15 minutes at the station about two kilometers away. In winter it was necessary to calculate the time to leave the house, so as not to miss the train and have to wait outside the station in the freezing air.

At Easter, the Galtungs invited me to stay at their country house for a few days, and when we arrived, they gave me a pair of skis to go from the car to the house, in the middle of the snow. They had no idea that I had never put skis on my feet. There was no other way and I barely managed to crawl and fall several times until I reached the house. Over time, I learned to move with the cross-country skis to the point of going skiing to the Institute when it snowed and taking short walks through the countryside. Oslo was a small city, but spread over a large area, with many open spaces and few large buildings. It seemed quite egalitarian, you couldn’t tell poor from the rich on the streets, and the impression was that everyone had just arrived from the countryside.

The Institute’s staff was lean: Johan Galtung, when he was there, Ingrid, his wife, Mari Holmboe Ruge, one of the founders, and a few others. There was also the young Nils Petter Gleditsch, who, like Johan years before, had refused military service for reasons of conscience. In return, he was assigned to work at the Institute in administrative activities, under the supervision of Johan himself, and forbidden to use the time to study or do anything that would bring any advantage over the young men serving in the Army. Throughout the year, students from other countries arrived, such as Malvern Lumsden, from Britain, Birgit Elvang, from Denmark, and Naomi Shapiro, from the United States. Manolo Mora y Araujo and Nilda Sito, former FLACSO colleagues who had gone to study in France, also came to PRIO for a short period. I felt that there was a certain expectation that I, as a political refugee, would wear the shirt of the Latin American revolutionaries, and a certain frustration that I did not play this role.

Besides Portuguese, the only language I spoke was Spanish, which I learned in Chile. At PRIO, the only ones who spoke Spanish were Johan and Ingrid. My French was enough to read the newspaper Le Monde, which I bought with some day’s delay at the newsstands, but not to talk. I had only started to read English with some fluency at FLACSO. Before going to Norway, still in Brazil, I started taking English conversation classes. In Oslo, I hired a private teacher to continue studying English, since learning Norwegian was way beyond my ability. In a short time, I was already speaking in English with a certain ease, a language that practically all Norwegians spoke. As the Institute was international, events were held in English, even though I was the only foreigner in the room. At social gatherings, everything started in English as well, but as more akvavit was poured, Norwegian took over, and I was left out.

Among the Norwegians, without significant internal political problems, the themes that mobilized them were the Campaign for Nuclear Disarmament and the boycott of fruit imported from South Africa, because of apartheid. A South African was elected president of the student association, but as I saw it, his main interest was taking the opportunity to get close to the beautiful Norwegian girls. Sex in Norway was natural and uncomplicated, but the puritanism emerged in the strict control of alcohol, which could only be sold in government stores and consumed with a meal in some restaurants. So, when they could drink, Norwegians got drunk easily.

In the student residence, I related mainly with the Chilean Pedro Sáinz, who had gone there to study with the economist Ragnar Frisch and whom I met again many years later — me, as president of the Brazilian Institute of Geography and Statistics, the IBGE; him, as director of statistics at United Nations Statistical Commission for Latin America, ECLAC. One of our companions was a Hungarian who had taken refuge in Norway after the deposition of Imre Nagy in 1956 and who lived in hiding, fearing that he was being watched by the Russians.

Galtung may have invented the term Peace Research. He said it was inconceivable that there was so much research on wars and conflicts and almost nothing on peace. To help create this area of ​​study, he founded the Journal of Peace Research, still edited at the Institute. An inspiring source was the Quaker couple Kenneth and Elise Boulding, with their lives dedicated to the themes of peace: he, an economist, was the author of important works on systems and conflict theory; she was a sociologist.

Despite the Cold War, and because of concerns about a possible nuclear conflict, an informal bridge of communication had been created between Russian and Western scientists, especially physicists, expressed through a manifesto, published in 1955 by Albert Einstein and Bertrand Russell, on the dangers of nuclear weapons. The network became known as the Pugwash Movement, after a small town in Canada where the first of a series of international conferences on science and international politics was held. Making use of game theory, these scientists developed the concepts that would serve as the basis for the Treaty on the Non-Proliferation of nuclear weapons, signed between the great world powers in 1968.

Galtung’s idea was to contribute to this effort from the perspective of the social sciences, studying the networks of relationships between countries, developing conflict resolution models, the use of non-violence and peaceful resistance in internal disputes, among other topics. One of the ideas was to deal with data on countries and their relationships, in the same way that sociology dealt with data on people and their networks. This was becoming possible with the emergence of comparable demographic, economic, political and institutional national data, which were beginning to be organized into data banks. This is what I worked on throughout the year 1965, which I spent in Norway.

Camelot

At the beginning of 1965, just after I arrived in Oslo, Galtung returned to FLACSO in Chile and it was from there that he caused a stir by denouncing the famous ‘Camelot project’, an affair I followed through the letters he sent to Oslo. It was a project conceived by the American government, with resources from the Pentagon, to study Latin American societies and political systems. It may have been an initiative of the military or, more likely, of social scientists interested in studying the region who managed to get the Pentagon to finance them under the argument that it would be a way to prevent more revolutions like Cuba’s.

The fact is that the money involved in this project was much greater than that spent on studies at the time by civilian sources, allowing Latin American researchers to be hired at prices well above those offered in the region’s markets. In initial contacts with local researchers, the military origin of the resources did not appear, but Galtung found out and wrote a letter exposing it, published in Chilean newspapers. He was accused by the project’s proponents, among them respectable figures in the American social science establishment, of trying to prevent the most important social sciences study on the region ever conceived.[2]

The project was never implemented. It was cancelled by the State Department, which interpreted it as an inappropriate intrusion of the Pentagon in their area of responsibility. After a few years, Galtung began a new career associated with what would become known as ‘the new left’, which took him to different parts of the world. He did not return to FLACSO, left PRIO and, always publishing and occupying different positions, culminated his work with the creation of Transcend International, a network dedicated to the dissemination of his ideas and proposals for peace.

Galtung taught me how to think analytically and to understand the central intuitions of quantitative and statistical analysis, which I carried with me all my professional life. When I had the opportunity to apply for a doctoral degree, my first choice was the Department of Sociology of Columbia University, where Galtung used to work with Robert K. Merton and Paul Lazarsfeld. However, I ended up going to study political science in Berkeley, and never expanded my competence in mathematics and statistics as I should have. At Berkeley, I chose International Relations as one of my fields, expecting to follow up on PRIO’s experience, but gave more emphasis to comparative politics of political behavior. My doctoral dissertation was on the development and transformation of Brazil’s state and political systems [3]

Since Oslo, I exchanged occasional letters with Galtung and read some of his articles but did not follow them very closely. I always shared his concern with issues of human rights, expressed in national and international manifestations of social inequality, oppression and social violence, but with emphasis on a comparative and historical perspective, making use of quantitative and statistical information when available, but not centered on them. At some point, I turned to the issues of sociology of science, education and social policy, without which, I believe, social justice cannot be achieved.

One might have expected the intellectual influence of Johan Galtung in the social sciences in Latin America to be much stronger than it was, given the brilliance of his analysis and his strong commitment to social justice. I don’t have an explanation for that, but it may have something to do with the disconnect between his approaches and those of the social scientists in the region, which I had witnessed in FLACSO half a century ago.

The author

Simon Schwartzman (born in Belo Horizonte, Brazil, 1939) obtained a PhD in Political Science at the University of California, Berkeley in 1973, and pursued his academic career in Brazil, working at the Getúlio Vargas Foundation, Candido Mendes University, University of São Paulo and other places. Between 1994 and 1999 he was the president of Brazil’s national statistical office, the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Further reading

[1] On the early years of FLACSO, see Rolando Franco (2007) La FLACSO Clásica (1957–1973) – Vicisitudes de las Ciencias Sociales latinoamericanas [The Classic FLACSO (1957–1973) – Vicissitudes of the Latin American Social Sciences], Santiago, Chile: Calatonia.

[2] Cf Irving Louis Horowitz (1967) The Rise and Fall of Project Camelot. Cambridge, MA: MIT Press, which includes a chapter by Johan Galtung (‘After Camelot’, pp. 281ff.)

[3] Regional Cleavages and Political Patrimonialism in Brazil, doctoral dissertation, Department of Political Science, University of California at Berkeley. It was published in Portuguese in several editions, the most recent being Bases do autoritarismo brasileiro (Bases of Brazil’s authoritarianism). Rio de Janeiro: Editora Unicamp, 2015.

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