Escreve Samuel Pessoa, economista da Fundação Getúlio Vargas:
Gostaria de compartilhar consigo meu posicionamento sobre o tema.
Em um primeiro momento sinto-me como as pessoas do grupo dos panglossianos. Acho, de fato, que nosso sistema político funciona melhor do que imaginamos e tenho muito receito que ao tentar melhorar o sistema acabemos reformando em direções ruins.
Um dos maiores problemas que vejo é que várias pessoas desejam ou defendem uma reforma política com a finalidade de reduzir a corrupção. Parece-me que se há um problema é melhor atacar a fonte principal do problema. A fonte primária da corrupção não é nosso sistema político mas sim nosso sistema jurídico. Há duas características que reduzem a praticamente zero a possibilidade de um corrupto ser punido. Primeiro, há uma quantidade imensa de recursos e, adicionalmente, o escopo do recurso é total (isto é, qualquer ato processual pode ser objeto de recurso). Segundo, a enorme complexidade processual faz com que seja quase impossível existir um processo sem que haja algum erro processual de sorte que as pendências acabam inválidas antes que elas sejam julgadas no mérito. Finalmente, é possível que haja um terceiro fator, que é a inexistência, pelo menos na prática, do princípio da razoabilidade da evidência (ou da prova). Isto é, quando se acumula um conjunto suficientemente grande de evidência numa direção inverte-se o ônus da prova. Esse deveria ser o princípio ao menos no processo civil (nos EUA esse princípio é aplicado mesmo em processo penal). No entanto, a impressão que tenho é que essa inversão de ônus da prova que ocorre em outros sistemas jurídicos em função do princípio da razoabilidade da prova (beyond any reasonable doubt) é encarada pelos juristas brasileiros como um atentado ao princípio de presunção da inocência. Se não mexermos nesses aspectos do funcionamento do nosso código de processos acredito ser muito difícil reduzir a corrupção com a reforma política.
Dessa forma, se acredito que redução da corrupção depende essencialmente da reforma do judiciário, para quê reforma política? Evidentemente para reduzir a fragmentação do legislativo de sorte a produzir maiorias mais estáveis. Em segundo lugar reduzir o custo da política. Gostaria de atingir ambos os objetivos mexendo o mínimo no sistema atual de sorte a manter suas virtudes. Quando se trata de mudança institucional sou muito conservador. Penso que em geral quando avaliamos custos e benefícios de uma nova instituição somos tentados a superestimar os benefícios da alternativa (e subestimar os custos) e a subestimar os benefícios do status quo (e a superestimar os custos). Dessa forma penso que o processo de evolução institucional deve ser incremental.
Tenho muito medo com voto distrital unimodal – uma maioria frágil poderia alterar radicalmente as instituições. Não me parece apropriado para uma sociedade tão heterogenia quanto a brasileira. Distrital misto parece-me um franktein que não tem funcionado muito bem onde foi adotado. Atemoriza-me a lista fechada. Penso que uma mudança simples seria reduzir o distrito eleitoral. Poder-se-ia considerar que o máximo permitido para um distrito eleitoral seria de oito deputados. Os estados menores que tem somente oito deputados continuariam da forma como estão. Os estados maiores seriam divididos em distritos – na proporção da população – de no máximo oito deputados. Por exemplo, São Paulo teria uns dez distritos de sete deputados cada. Dentro de cada distrito manteríamos o modelo atual: voto proporcional com lista aberta. Cada indivíduo somente poderia candidatar-se em um distrito eleitoral. Essa medida reduziria o custo da campanha e funcionaria como uma cláusula de barreira reduzindo a fragmentação partidária. Segundo Lijphart no seu “Modelos de democracia” (página 179) distritos de 8 deputados corresponde a uma cláusula de barreira de aproximadamente 10% (relativamente elevada).
O que me parece interessante nessa proposta é que ela muda em muito pouco nossa prática eleitoral e não tenta repactuar a representação legislativa entre os estados o que me parece ainda muito difícil além de não ser a fonte dos maiores problemas de nossa democracia (apesar de ser uma fonte de injustiça representativa, evidentemente). Com relação a fidelidade partidária acho que deveria ser uma opção do partido. Não gosto de uma proibição ao troca-troca de partidos. Prefiro que se reduza o estímulo a que as pessoas alterem de partido. Finalmente, acredito que poderíamos evoluir numa melhor normatização do financiamento, tornando crime o caixa dois – recentemente rebatizado de “recursos não contabilizados” – e impedindo que empresas prestadoras de serviço ao estado contribuam.