Jacques Schwartzman: O Ensino Superior no Programa de Desenvolvimento da Educação

O seguinte artigo foi publicado no Estado de Minas de 31 de maio de 2007:

Ainda que, acertadamente, a maioria das ações deste novo Programa se dirijam ao ensino básico, ele também inclui cinco importantes medidas para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). A primeira e mais audaciosa delas é a proposta de se dobrar as vagas oferecidas em 10 anos, através da ampliação de cursos noturnos, redução da evasão para 10% e aumento da relação aluno professor de 10 para 18. Estimula também maior flexibilidade nos currículos, permitindo a maior circulação de alunos entre instituições e cursos e, reduzindo a especialização precoce. As Instituições Federais de Ensino Superior poderão propor ao MEC um projeto dentro dessas linhas e assim obter o respectivo financiamento. Segundo alguns cálculos preliminares, o orçamento poderá ser acrescentado em 2,1 bilhões de reais, o que representaria uma adição de 20% em relação ao que se pratica hoje, não considerando os inativos. Esta proposta parte do entendimento de que existe um certo grau de capacidade ociosa de professores, funcionários e espaço físico, o que deve ser verdadeiro, embora em graus diferentes entre as IFES. Um outro mérito da proposta é a adesão voluntária e a possibilidade de se obter o financiamento com combinações diferentes de metas, em termos de evasão, cursos noturnos e ampliação de vagas diurnas. As IFES também poderão traçar seus projetos de tal forma que não se prejudique a qualidade dos cursos de graduação e o funcionamento da pós-graduação onde ela for significativa.

Uma outra proposta, aparentemente simples, poderá trazer importantes mudanças na política de pessoal das IFES e afetar positivamente a qualidade dos gastos em Pessoal docente. Trata-se de um banco de horas que substituirá os atuais procedimentos. Desde muitos anos, o governo libera para as IFES um certo número de cargos de professor, constante dos quadros de cada uma delas. Ao obtê-lo, procura contratar professores em dedicação exclusiva, o que certamente é melhor para elas do que contratar professores em tempo parcial. A consequência é que a maioria das IFES têm em seus quadros hoje cerca de 90% de professores neste regime, algumas chegando a 100% . Isto eleva desnecessariamente as despesas com pessoal, mesmo porque nem todos podem ou querem fazer pesquisa, e muitos cursos profissionais se beneficiariam com a contratação de mais professores em 20 horas, que trariam a sua experiência prática para dentro da Universidade Na nova lógica seria possível contratar 3 professores de 20 horas ao invés de apenas 1 em dedicação exclusiva. Esta é uma decisão que cabe a cada IFES e certamente contribui para a sua tão almejada autonomia. Restaria incluir no projeto professores horistas(que poderiam substituir os atuais de 20 horas) que
não precisariam de estar na carreira docente,mas poderiam trazer sua vivência profissional sem se preocupar com publicações e títulos de pós-graduação.

A modernização da lei dos estágios é necessária para que ele seja mais um instrumento de aprendizagem( inclusive valendo créditos) e não se constitua numa mão de obra barata graças a isenção de encargos sociais.

As modificações no Programa de Financiamento Estudantil – FIES (aumento do prazo de carencia para o dobro do tempo do curso) e o Programa Universidade Para Todos – PROUNI (utilização dos certificados dos alunos do FIES no PROUNI para pagamento de débitos fiscais) certamente aumentarão a oferta de vagas no sistema privado, embora seja difícil avaliar o seu impacto.

Finalmente, é lançado mais um programa de incentivos , liderado pela CAPES, que procura reter no Brasil jovens doutores. Ele não é exclusivo para as IFES, podendo participar outras IES, Centros de pesquisa e empresas privadas,mediante projetos que demonstrem uma inserção relevante dos recém graduados.

Este conjunto de medidas não exaure a lista de problemas que as IFES enfrentam, mas certamente trará mais eficiência e levará mais racionalidade nos processos decisórios.

Jacques Schwartzman , Diretor do Centro de Estudos sobre Ensino Superior e Politicas Públicas, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Censura e auto-regulação na TV

Demétrio Magnoli tem razão ao alertar, no seu artigo sobre “O Censor Utópico” no O Globo de hoje (31/5/2007), contra a censura prévia dos programas de TV e espetáculos audiovisuais pelo Departamento de Justiça e Classificação Indicativa do Ministério da Justiça. Não se trata de censura no sentido de impedir que certos programas, espetáculos ou filmes sejam exibidos, nem que sejam proibidos para determinados grupos de idade. O que se busca é classificar os espetáculos e programas para os diversos grupos de idade, informar os pais e responsáveis para que regulem o acesso das crianças, e regular as horas e locais em que estes espetáculos poderão ou não ser exibidos. O risco é que esta classificação seja feita de forma ideológica, conforme os preconceitos e valores peculiares do censor e dos “voluntários” que a portaria 1.100 do Ministério da Justiça de julho de 2006, que regula esta matéria, prevê que sejam recrutados para este trabalho, sem especificar de onde sairiam.

Mas qual é a alternativa? Por quê os valores peculiares dos marqueteiros da TV ou do cinema comercial, fortemente condicionados pelos números do IBOPE, seriam superiores aos do Ministério da Justiça?

Não é uma questão simples, que se resolva protestando em nome da liberdade toda vez que alguém menciona este problema. Na sociedade brasileira como em todas, as pessoas têm valores e preferências diferentes, e não se pode permitir nem que umas censurem a livre expressão das outras, nem que algumas poucas se dêem ao direito de invadir a privacidade e ferir os valores e a susceptibilidade de setores significativos da sociedade, nem mesmo em nome das preferências da maioria. Na dúvida, o direito à expressão é sempre melhor do que a censura, mas há limites claros, como por exemplo em relação à pedofilia, ao incitamento ao racismo ou ao uso de drogas.

Fora destes limites extremos, as coisas são muito mais complicadas. A portaria diz que as classificações deverão ser feitas “de forma objetiva, democrática e em co-responsabilidade com a família e a sociedade”, como se fazer isto fosse a coisa mais fácil do mundo. Na prática, pode significar, simplesmente, convidar os companheiros do Ministro ou do Secretário para participar.

A solução adotada pelos países democráticos tem sido a auto-regulação. Os produtores de cinema e outros espetáculos, voluntariamente, criam suas próprias normas, códigos de ética e sistemas de classificação. buscando captar o que poderiam ser os valores predominantes da sociedade, e ajustam seus horários e conteúdos a estes padrões. Se já existisse um sistema como este no Brasil, seria muito mais difícil ao Ministério da Justiça impor sua classificação própria. Na sua ausência, a TV brasileira é uma das mais permissivas no mundo, na exibição descontrolada de cenas de sexo e violência que invadem as casas das pessoas a toda hora do dia e da noite. Na sua ausência, denúncias como as de Demétrio Magnoli, por mais verdadeiras que sejam, perdem muito de sua credibilidade.

Ciclos e promoção automática

Tenho recebido várias solicitações para dizer o que penso sobre o tema dos ciclos e da promoção automática dos alunos das escolas públicas, que entrou na agenda por causa de recente resolução da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, e está provocando forte reação por parte do sindicato de professores. Voce é contra ou a favor?

Para quem não está acompanhando: a idéia de ciclos é que os alunos, em vez de serem avaliados e aprovados ou não a cada ano, são avaliados depois de um ciclo de dois, três e até quatro anos. Dentro do ciclo, não existe reprovação. Ao final do ciclo, talvez, mas não é recomendado. Assim, se o primeiro ciclo inclui as três primeiras séries do ensino fundamental, os alunos teriam três anos para aprender a ler e a escrever, cada qual no seu rítmo, e niguem seria reprovado ao final do primeiro ano.

Resumindo o que penso, eu sou contra a reprovação, mas também contra os ciclos. A reprovação na escola não ajuda a melhorar o desempenho e a integração das crianças na escola; ao contrário, ela funciona como um mecanismo para eliminar os que têm mais dificuldades de aprender, e que acabam abandonando a escola depois de várias repetências – normalmente os mais pobres. E os dados mostram que o desempenho dos alunos das escolas que reprovam tende a ser pior do que o das escolas que não o fazem.

Se o aluno não aprende, a obrigação da escola é detectar o problema enquanto é tempo, e dar a ele um atendimento especial, com aulas de reforço, atendimento individualizado, e outros meios de que possa dispor. Nas séries mais adiantadas, os interesses e motivações dos alunos começam a se diferenciar, e as escolas, ou os sistemas escolares, devem se capacitar para lidar com alunos diferentes, alguns voltados para uma educação mais acadêmica, outros para uma formação mais prática e profissional, por exemplo. As crianças e jovens precisam conviver com seus grupo sde idade, e as escolas não podem discriminar e estigmatizar os alunos que não conseguem determinados níveis de aprendizado em algumas matérias.

Mas será que, tirando a reprovação, não ficaria a idéia de que ninguém precisa aprender e ser avaliado, e que tanto vale se esforçar quanto não se esforçar? Se acontecer isto, é um desastre, embora possivelmente não tão grave quanto a reprovação tradicional. Não é necessário assustar e amedrontar as crianças para que elas tenham interesse em aprender. É possível também dar incentivos positivos, prêmios, conceitos mais altos, medalhas, o que for, para valorizar o desempenho. E é necessário, principalmente, avaliar constantemente o desempenho dos alunos, para ver quem está ficando para trás, e corrigir o problema antes que ele se torne irreversível. Tudo isto, aliás, está dito e previsto na portaria da Secretaria da Educação que deu origem a esta celeuma.

É por isto que eu sou contra o sistema de ciclos. O sistema de ciclos supõe um currículo extremamente aberto, que varia de escola para escola e de professor para professor, cria grandes problemas por exemplo, quando os alunos são transferidos de uma escola para outra, e impede a avaliação regular. É possível, e necessário, ter curriculos escolares com conteúdos e sequências muito mais definidos, que possam ser acompanhados pelos sistemas de avaliação.

Em resumo: uma política efetiva de eliminar a reprovação requer um acompanhamento muito mais rigoroso dos alunos, e sobretudo de sua evolução no tempo, enquanto que os ciclos supõem um currículo muto mais aberto, com avaliações muito mais espaçadas e frouxas. Creio que são coisas incompativeis.

A outra questão que tem sido levantada é se os professores da rede pública estariam preparados para esta nova maneira de lidar com a questão da reprovação. Provavelmente não, como não estão preparados, como deveriam, para garantir que 100% dos seus alunos estejam alfabetizados aos 8 anos de idade. É preciso um trabalho importante e sistemático não só de preparação dos professores, mas também de sistemas de apoio e materiais pedagógicos que eles devem utilizar para obter os resultados que se espera das escolas.

Maria Tereza Goudard Tavares: Alfabetização em São Gonçalo

Recebi da Professora Maria Tereza Goudard Tavares a seguinte nota, a respeito do que publiquei antes com o título de “Os burros de São Gonçalo“:

Caro Senhor Simon,

Agradeço o espaço de discussão, saudando o seu compromisso com o diálogo democrático. Em linhas gerais foram estas as minhas palavras aos jornalistas que me entrevistaram por telefone, com relação à adoção do programa Alfa – Beto:

I – Quanto ao uso do programa e a sua implementação junto à rede a partir de 2007, achamos ser necessário que se realize um profundo diagnóstico das condições estruturais e materiais da rede, destacando às condições de trabalho das professoras alfabetizadoras e das escolas em que as mesmas trabalham;

II- A questão da prioridade no uso da verba pública municipal nas compra dos kit´s do programa – É bom ressaltar que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) vem sendo desenvolvido com sucesso nos municípios do estado do Rio de Janeiro, é que em São Gonçalo, os livros tem chegado às escolas, em especial, às classes de alfabetização, sem ônus para SME / Prefeitura de São Gonçalo;

III – A forma pela qual a SME / SG definiu a adoção e a implementação do Programa Alfa – Beto. Defendemos que a professora deve ter o direito de participar da escolha de seu método de trabalho, e que a adoção de um método único, seja este filiado a qualquer matriz epistemológica, não dá conta da multiplicidade dos saberes e fazeres no processo de alfabetização.

Nesse sentido, achamos que a Secretaria Municipal de Educação, ciente de seu papel político e pedagógico deve avaliar com muita acuidade e serenidade a adoção do Programa Alfa – Beto, bem como a sua implementação generalizada na rede. Ressaltamos que à adoção pouco democrática e verticalizada do método único, fere inclusive, o preceito legal garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), que garante ao docente a liberdade de ensinar.

Atenciosamente,
Prof. Drª. Maria Tereza Goudard Tavares (UERJ/FFP)
Conselheira Municipal de Educação de São Gonçalo

Sem surpresas no Bolsa Familia

Depois de muita expectativa, sairam os primeiros resultados da pesquisa de avaliação do Bolsa Familia feita pelo CEDEPLAR a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social, que estão disponíveis no site do MDS. A pesquisa compara uma amostra de familias que recebem a bolsa com um grupo de renda semelhante que não recebe.

O principal resultado encontrado é que as famílias, tendo um pouquinho mais de dinheiro, gastam mais em alimentos, como seria de se esperar. Em relação à educação, é como já sabíamos – quase não há relação entre a bolsa e resultados na educação. Há uma pequena melhoria da frequência escolar em algumas regiões, mas não se sabe se isto é um efeito da bolsa ou, como tenho sugerido, do fato de que as bolsas podem estar sendo dadas, preferencialmente, a crianças que já estão na escola. Em alguns casos, os estudantes do bolsa familia têm níveis de reprovação maior do que os que não se beneficiam dela.

Nada que justifique o tamanho e as pretensões do programa, do ponto de vista da educação. A nova proposta parece ser de dar um dinheirinho a mais para os estudantes que passem de ano. Já é tempo de entender que política de renda e política educacional são coisas diferentes, e separar claramente as duas coisas, dando à área de educação os recursos e a prioridade que ela necessita.

A fábula dos burros de São Gonçalo

A adoção, pelo Município de São Gonçalo, do programa de alfabetização desenvolvido pelo Instituto Alfa Beto, liderado por João Batista de Oliveira, vem provocando uma série de reações agressivas por parte do Sindicato Estadual dos Professores de Educação do Rio de Janeiro. O ataque começou com uma nota “plantada” na coluna de Alcelmo Gois no O Globo (16/5/2007) dando a entender que os alunos estavam sendo forçados a dizer que eram burros (quando na realidade era uma brincadeira associada ao processo de aprendizagem), e continua com uma série de acusações e denúncias ao Ministério Público, por supostas irregularidades, conforme O Globo de hoje, 17/05/2007.

A acusação principal é que o método adotado utiliza o recurso da repetição, que os professores consideram “ultrapassado”, mas que, segundo João Batista, é essencial para a consolidação dos conhecimentos. Segundo a professora Maria Tereza Goudard Tavares, da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, conforme a matéria do jornal, o problema é que “os professores são transformados em repetidores” (ou seja, devem trabalhar conforme um método sistemático e comprovado, e não de qualquer maneira), e que São Gonçalo tem outros problemas: “faltam recursos para laboratórios de informática e muitas escolas nem sequer têm quadras esportivas”, diz ela.

Os resultados de São Gonçalo na Prova Brasil, do Ministério da Educação, mostram que o desempenho dos alunos das escolas da cidade, educados até agora conforme as pedagogias mais “modernas”, está abaixo da média do Estado do Rio, que já é ruim quando comparado a outros Estados do Centro-Sul. Quem sabe que, com mais quadras esportivas e laboratórios de informática, a qualidade melhora?…

Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo


Acabou de sair, pela Editora Record, o livro Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, que reune mais de 50 textos do debate sobre raça, racismo e desigualdades no país que resultou na Carta Pública “Todos têm direitos iguais na República Democrática”, criticando a lei que estabelece as cotas raciais nas instituições federais de ensino superior (Projeto de Lei das Cotas Raciais ou PL 73/1999) e ao chamado Estatuto da Igualdade Racial (PL 3198/2000).

Minha contribuição é um texto denominado “Das estatísticas de cor ao estatuto da raça”, que está também disponível no meu site.

O livro está disponível nas livrarias, e pode ser comprado pela Internet na Livraria Cultura e outros distribuidores.

Adeus aos laptops?

Enquanto, no Brasil, o governo se mobiliza para comprar milhões de computadores para colocar nas mãos dos estudantes, nos Estados Unidos, conforme reportagem do The New York Times, as escolas estão abandonando estes programas, tendo concluido que custos de manutenção, da administração de redes, e dos problemas de disciplina associados à pornografia e ao uso abusivo dos computadores eram maiores do que seus benefícios. De fato, as escolas estão descobrindo que, longe de melhorar o desempenho, os laptops não têm nenhum efeito e até perturbam e atrapalham o desempenho acadêmico dos alunos. Segundo o NYT, a idéia dos políticos de que a tecnologia poderia trazer uma solução rápida e barata para os problemas da educação não funcionou.

O texto do The New York Times está disponível no link abaixo:

Seeing No Progress, Some Schools Drop Laptops

Luiz Carlos Faria da Silva: ainda sobre computadores

Luiz Carlos Faria da Silva, da Universidade Estadual de Maringá, envia a seguinte nota:

Em 9/04/2007 recebi uma informação de que o Claudio Moura Castro enviou ao Simon’s Blog um link com reportagem do Washington Post sobre estudo americano pondo em dúvida a eficácia do gasto com softwares em função dos dados de uma pesquisa americana que mostra não haver diferença significativa entre os desempenhos escolares de estudantes que deles se utilizam e estudantes que deles não se utilizam. Gostaria de observar que eu já lhe enviara esse link em mensagem do dia 5 de abril de 2007, dia em que o Washington Post publicou a notícia. Informei também que minha fonte foi a FEE – Foundation for Economic Education.

Não dá tempo para acompanhar tudo. Eu estou o tempo todo ligado na questão da pedagogias eficazes, particularmente nas pedagogias eficazes para alfabetizar. Mas pelo que leio rapidamente sobre o assunto eu nunca tive dúvida de que essa onda de uso de computadores e softwares para a educação escolar não se sustenta se olhada com rigor.

Computador com acesso à internet só é bom na mão de gente que tem alto nível de formação. E na Escola, é bom na Secretaria. Assim mesmo quando há intranet com a Secretaria da Educação.

Nem mesmo posso afirmar que seria bom na mão de Diretores. Depende do Diretor ou Diretora. Quando vamos a uma escola pública de periferia hoje em dia não se consegue diferenciar Diretora de Servente. (Falo em Diretora simplesmente porque é a maioria). Nem pelo linguajar nem pela indumentária.

Eu trabalhei com projetos em algumas escolas da rede pública há pouco tempo. Havia laboratórios de informática. Mas tudo estava sucateado antes do uso. Numa delas os computadores eram usados pelo filho adolescente da Diretora para jogos de VIDEOGAME.

Eu já vi escola com projetos fantásticos funcionado. Mas foi na televisão. Na televisão, tudo é bonito e funciona. Os alunos são entrevistados e dizem o que nós, os coordenadores dos projetos, queremos ouvir. Autodeclaração não é evidência de nada.

O Brasil não aplica políticas baseadas em evidência. Nunca aplicou. Principalmente em Educação. Mas não é necessário fazer grandes pesquisas para saber o tipo de uso que adolescentes e jovens fazem de computadores com acesso à internet quando disso dipõem. Gastam todo o tempo em jogos, bate-papos, MSN e pornografia. Isso está acontecendo hoje nas barbas de todo mundo. Dê um passeio nas periferias do Rio para ver o que acontece nas Lan Houses. Ou então, deixe computadores com livre acesso à internet, sem controle de conteúdo, nas salas das faculdades espalhadas pelo Brasil. Depois veja as páginas visitadas…

Você acha que farão diferente com computadores nas escolas? Ou com LAPTOPS? É uma empulhação esse negócio de um LAPTOP para cada criança. O que farão com eles?

Há inúmeras Prefeitura no Brasil que gastam dinheiro fornecendo Tênis, Mochila, Uniforme às crianças. Alguém no Brasil sabe dizer o impacto do gasto com esses itens no desempenho escolar? As crianças que receberão esses computadores lêem rudimentarmente. E não sabem contar. Mas o que sabem basta para jogar, bater papo, autofotografar-se e fazer a edição dessas fotos para divulgar no ORKUT e no MSN. É lamentável.

Um abraço,

Totalitarismo Universitário

Pedro Lincoln Leão de Mattos, de Recife, envia o seguinte artigo de José Luiz Delgado, publicado no Jornal do Commércio de 17/4/2007:

Totalitarismo universitário

A muitos escandalizou questão de uma prova de ingresso extra-vestibular da Universidade Federal de Pernambuco, cujo enunciado cometia o grosseiríssimo erro de atribuir a Graciliano Ramos a autoria de “Grande sertão: veredas”. A mim não chocou tanto esse erro. Claro que foi equívoco inadmissível, absurdo, distração brutal, absoluta desatenção, com o agravante da deficiente, ou inexistente, revisão, o pouco ou nenhum controle, etc. Mas tudo isso pode acontecer a qualquer um, é apenas um erro.

Muitíssimo mais me chocou, e me horroriza (até porque obviamente consciente e intencional, não um erro), foi, na mesma prova, o teor da questão anterior pedindo que o candidato apontasse “os exemplos de homens éticos com visão filosófica engajada (para além da hipocrisia)” e dando como alternativas: “a) Bush, Olavo de Carvalho, Editora Abril, Inocêncio Oliveira, Roberto Marinho, b) Dalai Lama, Gandhi, Marina da Silva, Frei Beto, D.Helder, c) FHC, Marco Maciel, ACM, Ratinho, Reginaldo Rossi, d) Leonardo Boff, Irmã Dulce, Ariano Suassuna, Betinho, Zilda Arns, e) Dalai Lama, Gandhi, ACM, Frei Beto, Leonardo Boff”.

Não se tratava de um juízo apenas de fato – por exemplo: indicar os que se dedicaram sobretudo às questões sociais – mas de um juízo de valor: quem seria “ético” e quem não seria, quem teria “visão filosófica engajada” e quem não teria, acrescentando-se que essa visão teria de ser “para além da hipocrisia”, ou seja, que algumas das personalidades arroladas poderiam apenas parecer, mas seriam substancialmente hipócritas. Ora, além de gravemente ofender personalidades públicas como sendo “do mal”, ensejando que elas até processem a Universidade por injúria e difamação, – aquele questionamento é completamente inadmissível numa universidade, que deve ser, por excelência, o lugar da liberdade de pensamento e de crítica.

É possível que eu formule, a respeito deste ou daquele personagem, o mesmo juízo subentendido na redação da questão, mas quero ter sempre a lucidez de distinguir aquilo que é meu pensamento individual (legítimo) daquilo que, como professor, posso exigir dos alunos como critério de aprovação numa prova qualquer. Com que autoridade posso impor a alunos que considerem Bush, Olavo de Carvalho, FHC, ACM, Roberto Marinho, Inocêncio Oliveira, Marco Maciel, por exemplo, como intrinsecamente aéticos, não engajados, hipócritas? E posso, ao contrário, exigir de estudantes que tenham o Dalai Lama, Gandhi, Marina da Silva, Frei Beto, D.Helder, Leonardo Boff, como intrinsecamente éticos, engajados e não hipócritas? Onde fica a liberdade intelectual, o livre convencimento, o juízo honesto que cada um deve, essencialmente, apenas à própria consciência?

O episódio dessa prova é particularmente emblemático. É sintoma claríssimo de uma ditadura do pensamento único, o totalitarismo dos que não aceitam senão uma verdade. Se certa corrente prevalecer vultosamente no Brasil, será com isso que teremos de conviver: a imposição de certos modelos de pensamento, a massacrante intolerância em relação a idéias discordantes? Quem não pensar segundo a ideologia oficial será execrado, isolado, excluído? Ao invés, a vida intelectual não se faz autenticamente senão mediante a mais ampla liberdade de investigação e de crítica. Sem ela, a universidade – e de modo especialíssimo a universidade pública (que não tem dono e não se filia a nenhuma confissão filosófica ou religiosa) – não passará de uma farsa.

Cada vez mais é preciso retornar à imortal lição de Voltaire, de “não concordar com uma palavra do que dizeis, mas sustentar até à morte o direito de dizerdes”. Já é gravíssimo se essa questão não foi anulada. Mas nem a anulação basta. Urge que as autoridades universitárias nítida e firmemente repudiem aquele absurdo e tomem providências concretas enérgicas, para que não pareça que os redatores da prova contam, de algum modo, com o beneplácito e a complacência delas, favoráveis, nessa medida, ao totalitarismo intelectual, à ditadura do partido único, à camisa de força imposta ao pensamento livre (que é a suprema dignidade do ser humano).

José Luiz Delgado é professor universitário.

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