Métodos de alfabetização: contribuicao de Luiz Carlos Faria da Silva

O professor Luiz Carlos Faria da Silva, do Departamento de Fundamentos de Educação da Universidade Estadual de Maringá, manda a contribuiçao abaixo sobre o tema.

(várias pessoas continuam recebendo copias destas notas com caracteres chineses ou outros no lugar das letras acentuadas. Quando isto ocorrer, é melhor clicar no link do blog ao final da mensagem, e ver o texto original na Internet).

Eis o que diz Luiz Carlos:

O termo construtivismo não é de uso científico. Ele tem uso formalizado somente na alta Matemática e na Arte. Em educação não há definição formal de construtivismo. Menos ainda de alfabetização construtivista. Ao contrário, há tantas noções de construtivismo quanto pedagogos. Alfabetização construtivista é uma expressão cujo conteúdo é completamente lábil. Logo…

Não existe no Brasil, há pelo menos 25 anos, curso de Pedagogia ou Letras que ensine o que é e como se aplica a instrução fônica na alfabetização. Pelo contrário. Quando se fala hoje em instrução fônica pensa-se no ba-be-bi-bo-bu. Isso é apresentado como contra-exemplo, há quase 30 anos, em todas as Faculdades de Educação e Letras do país. Mas não é instrução fônica.

É de doer a desinformação científica revelada nas reportagens e cartas veiculadas ultimamente pelo Jornal Folha de São Paulo na cobertura do “debate” sobre alfabetização. Quando é coisa de jornalistas e leitores, menos mal. Mas quando é coisa de doutores em educação, inclusive de altos dirigentes da universidade e da educação nacional, é grave.

Levantamentos parciais indicam que a instrução fônica (desenvolvimento de consciência fonêmica e ensino explícito e sistemático do princípio alfabético), como meio de quebrar o código alfabético, está ausente da formação de educadores há décadas no Brasil.

Ora, a consciência fonêmica e o domínio do princípio alfabético são, segundo amplo consenso entre pesquisadores de todo o mundo, os fatores com maior capacidade de predição do sucesso na alfabetização em todas as língua alfabéticas.

Há evidências científicas suficientemente acumuladas de que o desenvolvimento da consciência fonológica trás benefícios inclusive para o aprendizado de leitura em língua cujo sistema de escrita é logográfico ou morfo-silábico, como o chinês, silábico, como o kanji japonês, ou alfabético como o hangul coreano, conforme mostra Charle Perfetti, pesquisador do LRDC – Learning Research Development Center, na University of Pittsburgh e do CNBC – Center for Neural Basis of Cognition, além de Ying Liu e Julie Fiez, também do LRDC, e Li-Hai Tan, da Hong Kong University.

Qualquer consulta aos dados sobre média de idade dos professores brasileiros mostra que é ínfimo o número de alfabetizadores e/ou professores de Ensino Fundamental cuja formação superior terminou há mais de 25 anos. A idade média dos professores de pré-escola e classe de alfabetização era, por volta de 1996, de 32 anos. E os professores de 1ª á 4ª séries tinham em média, nessa mesma época, 35 anos. A informação é do Censo do Professor de 1997 feito pelo MEC/INEP.

Detalhe: a porcentagem de professores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental no Brasil graduados em curso superior já era de 48% há dez anos, segundo o mesmo Censo do Professor de 1997. Hoje essa porcentagem é certamente muito maior. E a média de idade dos professores, tudo leva a crer, caiu.

Sendo assim, quantos serão hoje no Brasil, e onde atuarão professores de Ensino Fundamental, diretores de escolas, supervisores pedagógicos, assessores de Secretários de Educação e técnicos dessas secretarias, que terminaram suas formações pedagógicas de nível superior há mais de 25 anos, portanto, fora da influência da concepção de educação e de alfabetização hegemônica em todos os centros de formação superior de educadores do país nas duas últimas décadas do século XX?

Onde se pode encontrar, nesse período, uma prova sequer de concurso para professor ou especialista em educação das redes públicas de ensino cujas questões não estivessem alinhadas com essa concepção educacional?

Os que terminaram seus cursos de Pedagogia a partir de 1985 nunca ouviram, a respeito de alfabetização, nas Faculdades de Educação, outra coisa a não ser Lev Vygotsky, Paulo Freire, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Telma Weisz e Magda Soares.

Há mais de 25 anos no Brasil não se ensina nada nos termos dos achados científicos que todas as revisões de literatura dos últimos anos confirmam, em todo o mundo:

a – No NRP Report nos EUA.

b – No Rapport 2005-123 do ONL na França.

c – No Rose Review, do Dfes na Inglaterra.

d – No National Inquiry into the Teaching of Literacy Report, na Austrália.

e – No Shapira Committee em Israel.

f – No balanço dos achados científicos dos estudos que o NICHD financiou em seu programa de pesquisas, iniciado em 1965, a fim de que cientistas de todo o mundo explicassem: como as crianças aprendem a ler? Por que algumas aprendem mais facilmente que outras? O que funciona melhor para ensinar a ler cada um desses tipos de crianças?

Nós testamos habilidades de leitura de crianças de 2ª série de escolas municipais de três cidades do Paraná. Os testes foram elaborados por João Batista Araújo e Oliveira, aplicados sob minha supervisão. E tiveram relevância estatística para toda a coorte de alunos de 2ª série das redes em que os testes foram aplicados. Com os critérios de desempenho em leitura baseados no Beginning to Read: Thinking and Learning About Print, da Marilyn Jaeger Adams e no Early Reading Instruction: What Science Really Tells Us About How Do Teaching Reading, da Diane Mcguinness.

É uma tragédia. Mais de 60% dos alunos não alfabetizados no início da 2ª série. Isso é comum nas redes públicas de escolas do Brasil. Os dados do SAEB apresentam indícios de que isso ocorre. E nós o comprovamos diretamente. Os alunos seguem a vida escolar aos trancos. Acumulam fracassos até a 4ª série. A falta de êxito na alfabetização dificulta o domínio da leitura. E o malogro no domínio da leitura lesa a capacidade de ler para aprender da 5ª série em diante.

Resultado? Uma legião de alunos ineptos para usar a leitura como meio de se instruir. Todos com diploma de 8ª série.

Isso é obra de quem?

De marcianos?

Ou do baronato de doutores das faculdades de educação e letras associados ao establishement burocrático-pedagógico, às ONGs, aos grupos de influência e de pressão que dominam a educação nacional, pública e privada, desde a redemocratização no final da década de 70 e início da década de 80?

Tomara que não inventem uma disputa política PSDB / PT para ver quem é responsável por isso. Em questão de alfabetização e de didática há mais acordo entre o PSDB e o PT que entre o Malan e o Palocci.

Aqui no Brasil as coisas não serão diferentes do que ocorre na França atualmente (vocês conhecem o affaire Laforgue?) e do que ocorreu nos EUA se quisermos realizar a recuperação da efetividade da educação escolar na alfabetização e ensino de leitura.

A Linnea Ehri, Panel Member do National Reading Panel, conta, em um memorial de sua vida de pesquisa científica, feito para a conferência de recepção de um prêmio da Society for the Scientific Studies of Reading, o seguinte, falando sobre um artigo seu cuja publicação foi rejeitada pela Reading Research Quarterly, a revista da IRA – International Reading Literacy:

Normally my reaction to negative reviews is, first, to let the anger subside, and then to consider the criticisms and try to devise ways to address them, either with logic or additional data. However, in this case, there was nothing to address. The entire study had been rejected as insignificant. So we sent the paper to Child Development, a highly respected journal, where it was published (Ehri & Roberts, 1979). A year later, we conducted another similar study with findings supporting the first study (Ehri & Wilce, 1980). We submitted this study to the same reading journal, now with new editors. This time it was accepted for publication and in fact received an award from IRA, indicating that this research did have value.
However, the resistance to reading research that focused on words, phonemes, and letters only grew stronger in subsequent years, as more data appeared supporting its importance for learning to read. What kind of resistance was this? Unfortunately, it was not scientifically conducted studies. Quite the contrary. Science was denounced as a means of providing answers to questions. Name calling tactics were employed. For example, I recall attending a symposium, entitled “Researching Whole Language” at the 1989 AERA meeting. Rich West, Keith Stanovich and I stood at the back of a very crowded room. We found ourselves the target of criticism as one speaker contrasted whole language research to traditional research. He criticized traditional researchers for going into schools and conducting studies that have not been designed through collaboration with the teachers and do not address needs that teachers feel are most important. He branded these researchers “academic rapists.” This was clearly an attitude shaping tactic intended to turn educators against an approach to research that had produced evidence challenging whole language beliefs.
Another example of the use of maligning language to prejudice educators occurred during a conference that was organized by IRA and the Center for the Study of Reading for the purpose of presenting the latest research to publishers of reading programs. Marilyn Adams was on the program talking about the book she had just written, Beginning to Read: Thinking and Learning about Print (Adams, 1990) which reviewed much of the research on beginning reading processes that I and others had published. Joanna Williams and I were discussants for Marilyn’s presenta-tion. Later in the day, another discussant who was a whole language advocate expressed disagreement with Adams and branded all of us “phonicators.” Since then Marilyn has been the target of many such attacks. Her book has been referred to as the work of the devil. At an IRA meeting, many people heard a whole language leader assert publicly that Marilyn should be “shot with a silver bullet,” implying that she was a vampire.

E Laurent Laforgue, da Academia de Ciências da França, Professor do IHÉS – Institut des Hautes Études Scientifiques, Medalha Fields em 2002, equivalente ao Prêmio Nobel no campo das matemáticas (não há Prêmio Nobel de Matemática), no número de fevereiro da Revue Parlamentaire:

Nous les défenseurs de l’école nous adressons aux personnalités politiques de toutes les sensibilités. L’école est la plus précieuse institution de la République et ne pourra être sauvée de la ruine que si toutes les tendances politiques reconnaissent la nécessité d’une rupture radicale avec les politiques suivies depuis trente ou quarante ans. L’annonce par M. de Robien d’un retour aux méthodes alphabétiques-syllabiques est remarquable car elle rompt avec ce que les responsables de l’Éducation nationale ont dit et imposé depuis des décennies. J’espère que ce premier pas important sera suivi de beaucoup d’autres.

Vamos ver até quando o Brasil vai ser enganado por pedagogias ineficazes. Até quando a sociedade vai tolerar esse crime de lesa-pátria?

A escola brasileira em geral não sabe mais ensinar a ler. O país joga uma montanha de dinheiro fora. Enquanto não reaprendem a ensinar crianças a ler, vão aumentando o número de dias letivos, fazer Ensino Fundamental de 9 anos, escola de tempo integral. Mais aula e mais tempo de permanência numa escola ineficaz para ensinar a ler significa mais dinheiro malbaratado. E a sociedade inchará ainda mais com gente que desiste da escola, que não encontra nela nenhum valor e utilidade social pelos quais valha a pena lá permanecer.

No início de tudo está o fracasso na alfabetização.

É o Efeito Mateus.

Um Ministro que sabe disso e não toma atitudes imediatas não me parece corajoso.

PS.: Pai de um menino de 7 anos e meio e de uma menina de 6 anos aos quais fui obrigado a proteger da alfabetização em escola regular. Eles foram alfabetizados em casa, por mim e por minha esposa, antes que o Estado brasileiro me obrigasse a matriculá-los na escola.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

3 thoughts on “Métodos de alfabetização: contribuicao de Luiz Carlos Faria da Silva”

  1. Estou com grandes dúvidas: minha filha de 5 anos completados em 26 de novembro de 2008, demonstra estar “pronta” para ser afabetizada, ou seja, pergunta o que está escrito nas placas de rua, escreve letras juntas e quer saber o que escreveu, etc e tal. Ocorre que ela ainda vai para o jardim II, ou seja, alfabetização mesmo só em 2010. Enfim, acho que vou pagar mais um ano para ela brincar de desenhar sobre as histórias que leu e recortar sobre frutas, família, tipos de alimentos etc. Eu realmente nao gostaria de adiantá-la, porque quase sempre vejo que a criança desistimula em alguma série a frente. No entanto, acho que isso acontece porque a escola e os pais não proporcionam desafios maiores a ela quando isso ocorre. Assim, estou pensando em alfabetizar em casa. Mas outro dúvida: sobre o método. Tenho lido muito sobre o método fônico. Eu fui alfabetizada pelo silábico. O construtivismo eu repudio desde que estudei na faculdade no curso de pedagogia (hoje sou advogada). Acho que o método fônico, no mínimo nos proporciona pronunciarmos corretamente as letras sem engolir letras ao falarmos, como por exemplo, eu sou mineira e faço isso demais. Outro ponto, acho também que devemos dar muita prioridade para a fala, ou seja, a partir dela é que devemos codificar a escrita. Bem, estou mesmo perdida. Se alfabetizo ou nao minha filha de 5 anos. Se fingo que nada está acontecendo e deixo o ano de 2009 correr sem nenhuma intervenção – o que pode ser irresponsável da minha parte. E ainda se contrato uma fonaudióloga e uma pedagoga. Aqui no Distrito Federal, parece haver uma lei que proíbe a alfabetização antes do 6 anos. Mas ainda vou pesquisar melhor sobre isso.Podem me ajudar?
    Observação: Minha filha foi adotada com 2 anos e três meses.Não tinha estímulos algum. Mal sorria e falava. A velocidade com que ela recuperou foi impressionante, a partir do momento que a colocamos na escolinha, mais os nossos constantes estímulos em casa. Por isso, a dúvida, se já foi um dia uma criança desnutrida, vinda de um ambiente sem o menor estímulo para desenvolvimento de fala e aprendizado, será que realmente ela não muita capacidade?
    Att. MIrian Veloso. Brasilia.

  2. Sou professora alfabetizadora e defendo a alfabetização fônica. Nas escolas onde atuo, sou bastante criticada por utilizar o método fônico para alfabetizar, principalmente pelas professoras adeptas ao construtivismo.Domino bem o método, o que me dá muita segurança no trabalho com as crianças e observo respostas muito mais rápidas e eficazes que outros métodos. Observei durante todos estes anos,que o método também beneficia crianças com necessidades especiais, reduzindo o tempo necessário à alfabetização destas, fato este importante, já que estamos buscando a inclusão. Acredito que o método fônico seja o caminho para a obtenção da competência de leitura e escrita no nosso país, podendo resolver grande parte dos fracassos nesta etapa de escolarização.

  3. Excelente contribuição! Não sou da área de educação, mas, como pesquisadora em outros campos e mãe de uma menina alfabetizada pelos arautos dessa pedagogia engajada que você denunciou, sempre me revoltei calada contra o que se passava por lá.
    Infelizmente, acredito que a adesão a essas pedagogias falidas é algo ideologicamente tão forte para nossa elite simbólica que sua competente voz será solitária no que diz respeito à discussão sobre políticas públicas em educação. Apenas registro aqui meu aplauso e ressonância, mais como mãe de uma criança alfabetizada nesses moldes do que qualquer outra coisa.

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