O FEBEAPÁ do ENADE, revisited!

enad“MEC: um em cada 4 professores se forma em curso ruim”, diz   O Estado de São Paulo, dando como ruim uma notícia que, se fosse verdadeira, seria ótima: 3 em cada 4 professores se forma em um bom curso!

Mas é claro que não é nada disto.  Como os resultados das provas do ENADE são “normalizados” em uma distribuição simétrica, sempre vai haver mais ou menos um quarto no nível inferior, mais ou menos um quarto no nível superior, e muitos cursos no meio.  Este mesmo tipo de bobagem aparece em outras notícias, que procuram comparar resultados de áreas diferentes, como se as pontuações fossem comparáveis. Também não faz sentido comparar os resultados de um ano para outro, porque as provas variam de ano a ano, e todas são “normalizadas” cada ano.

O fato é que o ENADE não trabalha com conceitos de “bom”, “ruim” ou mais ou menos, mas, simplesmente, ordena os cursos em uma escala de 5 pontos, distribuições parecidas para cada área como a do quadro ao lado, feito para todas as áreas em conjunto. Se todos os cursos forem muito bons, ou muito ruins, a distribuição vai ser sempre a mesma.

A culpa das bobagens é, em parte, da imprensa, que já deveria ter entendido isto, e não continuar a repetir  os mesmos equívocos ano a ano. Mas a culpa também é do MEC, que  continua produzindo e publicando estes índices apesar dos grandes problemas que existem na maneira em que são calculados, coisa também já suficientemente discutida (veja “O Conceito Preliminar dos Cursos e as boas práticas de avaliação da Educação Superior”).

Nos debates sobre a avaliação da educação,  eu sempre fui a favor da utilização de dados quantitativos e comparáveis; mas o mal uso reiterado destas metodologias dá muita força aos argumentos dos que sempre se opuseram a elas.

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FEBEAPÁ:  para as novas gerações, que não sabem, trata-se do Festival de Besteiras que Assola o País, frase criada décadas atrás por Estanislao Ponte Preta.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

7 thoughts on “O FEBEAPÁ do ENADE, revisited!”

  1. um dos problemas é que o MEC vê a imprensa não informar corretamente a natureza do dado divulgado e não diz nada! Como no caso do ENADE, as autoridades do MEC tambem reconhecem que o ENEM não é concebido e não se presta para separar escolas entre boas e ruins. Mas se o sabem, porque não corrigem? Porque o MEC não vem a público e aponta o equívoco? Porque asssite calado a um processo que está distorcendo o ensino médio? Ja ouvi de pai de aluno uma frase reveladora sobre o ENEM: “Já entendi. Jovem brasileiro bem preparado é aquele que responde à pergunta do Ministro da Educação do jeito que o Ministro da Educação gosta”. Será que é isso mesmo?

  2. Apenas um pequeno reparo: o autor da trilogia FEBEAPÁ foi STANISLAW PONTE PRETA, pseudônimo de Sergio Porto. E não ESTANISLAO (sic). No mais, concordo integralmente com o articulista.

  3. é lamentável, para não dizer repugnante, a forma como o MEC trata a avaliação não só da Educação Superior como também da Educação Básica – no caso, o IDEB. Tal escalonamento, baseado na psicometria, tem um alvo certo: garantir a privatização da educação através da competição meritocrática banal entre instituições.

    Desde 1907 as pesquisas quantitativas balizam as pesquisas em avaliação no Brasil e, a partir de 1932, mais especificamente na avaliação educacional. Obviamente que a análise de números é importante para se verificar a qualidade de um curso, mas quando se resume à isso tende a cair num buraco sem fim.

    Até quando serviremos apenas para as estatísticas de Lula e FHC, com Provão ou ENADE?

    Segue link de texto sobre os problemas do ENADE.

    http://instintocoletivounb.blogspot.com/2008/11/instinto-coletivo-boicotar-o-enade-e.html

    Até mais

    Rafael Ayan
    Ex-coordenador da ExNEPe

  4. As observações de Schwartzman reforçam a percepção de que as avaliações e as políticas públicas têm se mostrado incapazes para promover um salto qualitativo da educação superior. Continuam, também, fracassando no que se refere à democratização. Mesmo com a expansão promovida nos últimos anos, pouco se tem alcançado no que se refere à redução das desigualdades e à promoção de uma efetiva inclusão social. Os próprios resultados das avaliações revelam que a maioria dos cursos considerados de má qualidade são parcialmente financiados com bolsas do ProUni. Isso significa que os mais pobres continuam penalizados, mesmo quando apoiados por alguma política pública. Das duas uma: ou as avaliações estão equivocadas ou estamos diante de um modelo ultrapassado de educação universitária. Quem sabe as duas coisas.

    Os professores Simon Schwartzman, Moura Castro (comentário acima) e outros educadores já discutiram exaustivamente essas questões. Infelizmente, o FEBEAPÁ continua e deverá continuar por muito tempo. Há razões muito fortes. A primeira é inerente aos modelos de avaliação. Como sabemos, as avaliações oficiais são construídas predominantemente com base em análises quantitativas de insumos (pessoal docente e administrativo, instalações, infra-estrutura, recursos financeiros etc.) ou de produtos, como é o Exame Nacional de Cursos. Entretanto, essas avaliações são carentes ou omissas na utilização de abordagens por processos. Sabe-se que são esses os que melhor favorecem a gestão e a melhoria da qualidade das atividades educativas, porquanto possibilitam ações corretivas e agregam valor e qualidade aos serviços educacionais.

    Outra dificuldade estaria na crescente heterogeneidade do sistema de educação universitária o que torna inadequadas as práticas de avaliação com base nos critérios acadêmicos padronizados e aplicados a realidades distintas de ensino e aprendizagem. Daí a enorme precariedade das informações obtidas sobre a qualidade dos cursos.

    Por fim, acreditamos que a razão principal está na engrenagem credencialista ligada à estrutura corporativa das profissões. Apesar de reconhecida e denunciada, há bastante tempo, ela continua regendo as políticas e os sistemas de organização e de avaliação da educação universitária. Nesse sentido, não é surpresa a repetição anual desse panorama de degradação qualitativa das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes (ENADE). É verdade que a imprensa e as corporações profissionais também contribuem para esse equivoco. Na realidade, a raiz do problema está na “presunção de que os diplomas são equivalentes” e que habilitam profissionalmente. Isso explica “a proliferação de ‘fábricas de diplomas’ com pouco ou nenhum conteúdo”. O estudantes procuram obtê-los como credencial comprovante da sua qualificação ou como passaporte cartorial para acesso ao mercado de trabalho. É o que conclui o Prof. Simon Schwartzman no seu texto “O conceito Preliminar dos Cursos e as boas práticas de avaliação da Educação Superior”.

    Portanto, somente quando os cursos forem considerados e percebidos como um processos essencialmente de formação, ficando a certificação profissional a cargo de outras instâncias e sistemas avaliativos, é que a “qualidade” passará a ser um referencial de valor máximo para a demanda e para a oferta de cursos universitários. Será o fim do FEBEAPÁ. Não mais bastará ter o diploma. Será preciso comprovar conhecimento e competência. Mas…há forças mais poderosas que imaginamos!!!

  5. Estes cursos provavelmente são ruins, mas isto não significa que os demais sejam bons.

    Não é verdade que o “ruim” ou “bom” sejam sempre relativos. É necessário ter uma idéia clara sobre o que os estudantes de um curso deveriam aprender, e qual o padrão profissional adequado para uma profissão, seja ela de professor, seja de médico ou dentista. É a partir de um padrão como este que se pode dizer quais cursos são “bons” (ou seja, cumprem o mínimo ou mais) e quais são “ruins”, ou seja, estão abaixo do aceitável.

    Embora todas as pessoas tenham idéias sobre o que seja aceitável ou não nas respectivas áreas, não é fácil estabelecer com clareza e exigir padrões claros de qualidade para os cursos superiores, e o atual sistema de avaliação do MEC não enfrenta este problema.

  6. “Ruim” é sempre um conceito relativo. Se estamos no Brasil, analisando cursos brasileiros, e você se formou no pior deles, sim, ele é ruim. Talvez esse curso fosse bom no Congo, mas a notícia falava sobre o Brasil, então, novamente, sim, 1 em 4 professores se forma em um curso ruim, relativo aos outros cursos do Brasil…

  7. O mesmo problema de pontuação e normalizaçao acontece na Capes com os conceitos dos cursos de PG. O presidente do orgão faz questão de normalizar os conceitos e colocar um curso contra outro. “Se um curso sobe a nota, outro tem que cair”, diz o Jorge Guimaraes. Ele não adimite que 2 cursos possam melhorar simultaneamente.

    A falta de inteligencia governamental está em todo lado.

    abraços
    Marcelo Hermes-Lima
    Prof da UnB
    (cientometrista e bioquímico)

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