
Transmissão
de Cargo da Presidência do IBGE ao Dr. Sérgio Besserman Vianna
Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1999.
Simon Schwartzman
Sr. Ministro Secretário de Planejamento e Avaliação, Edward Amadeo, Dr.
Sérgio Besserman Vianna, Presidente da Fundação IBGE, Dr. Eduardo Augusto
Guimarães, Secretário Nacional do Tesouro e ex-Presidente do IBGE; Dr. Roberto
Martins, Presidente do IPEA; demais autoridades presentes, senhoras e senhores,
colegas e amigos do IBGE:
É com muita emoção que participo desta solenidade de transmissão do cargo
de Presidente da Fundação IBGE, instituição que tive a honra de dirigir
por quase cinco anos, inicialmente a convite do então Ministro do Planejamento,
Senador Beni Veras, na presidência Itamar Franco, e posteriormente ao longo
de todo o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao longo
destes anos, creio que aprendi bastante sobre a importância e a natureza
do trabalho de um órgão nacional de estatística com as características do
IBGE, e pude conhecer um grupo extraordinário de profissionais competentes
e responsáveis, verdadeiros servidores e servidoras públicos que fazem de
seu trabalho um sacerdócio, à custa muitas vezes de sacrifícios pessoais,
e sem nenhuma outra gratificação além do sentido do dever cumprido, o de
dar à sociedade brasileira, com competência e isenção, as informações e
dos dados de que ela necessita para saber aonde está, e traçar seus rumos
para o futuro. Ao deixar o Instituto, gostaria de registrar meu profundo
agradecimento e reconhecimento a estas pessoas, muitos dos quais hoje meus
amigos, que são a garantia de que o IBGE continuará o processo de transformação
e modernização que iniciamos, agora sob a direção competente e as novas
orientações de seu novo Presidente, Dr. Sérgio Besserman Vianna.
Não seria este o momento de fazer um balanço do trabalho que realizamos
nestes cinco anos, bastando lembrar que assumi o Instituto no meio de uma
greve desgastante, com o Censo Nacional de 1991 ainda por ser publicado,
com as pesquisas nacionais por amostra de domicílios atrasadas, com um parque
computacional caro e obsoleto, com uma situação orçamentária totalmente
imprevisível; e deixo o IBGE com as pesquisas em dia, com as novas metodologias
das contas nacionais e das pesquisas econômicas implantadas, com uma rede
de computadores moderna, com instalações condignas e adequadas para os trabalhos
da grande maioria de seus técnicos, e sobretudo com o prestígio e o reconhecimento
renovados ante a opinião pública, os meios de comunicação e os próprios
servidores. Estes resultados se devem, em grande parte, à maior previsibilidade
e estabilidade no recebimento de recursos por parte do governo federal,
possível graças à reorganização do Estado brasileiro iniciada a partir do
início do Plano Real. Mas eles se devem, também, a um esforço contínuo e
permanente de identificar os problemas existentes, buscar as soluções possíveis,
e dialogar abertamente com o corpo técnico do Instituto, os governantes,
os parceiros no mundo empresarial, governamental e acadêmico, e com a imprensa,
a respeito do que podíamos e não podíamos fazer, da qualidade e do valor
de nossos produtos, de nossas aspirações, e das limitações com as quais
tínhamos que continuar a viver.
É dentro deste espírito de diálogo e abertura que eu gostaria de mencionar,
para a reflexão e consideração dos que assumem agora os destinos do IBGE,
com energia e horizontes renovados, alguns temas que me parecem críticos,
e de cujo encaminhamento vai depender, acredito, a evolução do IBGE nos
próximos anos.
O primeiro destes temas é o do papel do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística na sociedade brasileira, e, mais amplamente, dos institutos
de estatísticas públicas nas sociedades modernas. A forma pela qual o IBGE
está organizado, como órgão administrativo subordinado a um Ministro de
Estado, reflete uma concepção antiga, segundo a qual os institutos de estatística
seriam apenas um braço do governo federal, destinado à coleta de dados solicitados
pelos governantes para o melhor exercício de suas funções. Hoje, no entanto,
sabemos que os institutos nacionais de estatística são instituições públicas,
voltadas à produção de informações confiáveis e relevantes para a sociedade
como um todo, sociedade da qual o governo federal é só uma parte. O governo
federal, como representante legítimo da sociedade, tem a responsabilidade
de garantir o funcionamento de seu instituto de estatística e de zelar pela
sua qualidade técnica, isenção e independência, sem abrir mão de seu direito
de solicitar ao Instituto que produza as informações de que o governo necessita,
mas sem confundir esta responsabilidade e este direito com um simples poder
de mando. Posso assegurar que, durante todos estes anos que estive à frente
do IBGE, sua independência e autonomia técnica sempre foram respeitadas
e garantidas pelos Ministros aos quais estive subordinado, mas o fato é
que o IBGE ainda não dispõe dos mecanismos legais e institucionais que garantam
sua independência técnica e isenção e o protejam de ingerências externas
indevidas, e estes mecanismos precisam ser criados com presteza.
O segundo tema é o do tamanho e alcance do IBGE, tanto do ponto de vista
de suas áreas de responsabilidade, quanto de sua extensão. A legislação
brasileira dá ao IBGE um poder amplo de coordenação das atividades estatísticas
e geocientíficas no país, mas na prática muitas destas funções são cumpridas
por outros órgãos. Diferentes países adotam diferentes divisões do trabalho
em matéria estatística e geocientífica. São poucos os que reúnem estatística
e geografia, em muitos casos as contas nacionais e as informações financeiras
e de comércio exterior ficam com os bancos centrais, e estatísticas agrícolas,
ou educacionais, são realizadas por órgaos especializados. Nenhuma organização
é necessariamente melhor do que outra, mas, quando existe uma grande divisão
de trabalho, é necessário um esforço maior de coordenação. Hoje, apesar
de alguns trabalhos meritórios neste sentido, como o da Comissão Nacional
de Classificação e da Comissão Nacional de Cartografia, existe pouca coordenação
na produção de estatísticas de diferentes órgãos de governo ou financiados
com recursos públicos, levando a superposições, desperdícios e até mesmo
a produção de informações contraditórias. No futuro, a maior parte das estatísticas
públicas terá como origem não a pesquisa direta, mas o processamento de
informações de registros administrativos obtidos por governos e instituições
privadas em suas atividades quotidianas, e as funções de coordenação tenderão
a ser muito mais importantes do que as de execução de pesquisas enquanto
tais.
O tema da extensão se refere ao relacionamento entre o IBGE, como órgão
nacional de estatística, e os interesses de Estados e Municípios, muitos
dos quais produzem seus próprios dados, e gostariam que o IBGE respondesse
de maneira mais efetiva e direta às necessidades e prioridades locais. O
IBGE é criticado muitas vezes por ser excessivamente centralizado, impermeável
às necessidades locais, e grande demais, pela própria pretensão de cobrir
todo o território nacional. Sempre orientei o IBGE no sentido de trabalhar,
tanto quanto possível, em parceria com instituições estaduais e municipais,
e avançamos bastante neste sentido, em atividades tais como a pesquisa mensal
de comércio, a pesquisa de orçamentos familiares e, mas recentemente, no
trabalho de elaboração da base operacional para o Censo do ano 2000. A experiência
deste trabalho de cooperação confirma sua importância, mas confirma também
que o país não pode abrir mão de um instituto de estatística de alcance
nacional, com capacidade de produzir informações fidedignas e confiáveis
para todo o país, independentemente de circunstâncias locais. O IBGE precisa,
sem dúvida, rever seu organograma e seu quadro de pessoal, para adaptá-lo
à nova realidade em que vivemos, mas ele não deixará de ser uma instituição
de porte, como ocorre em todos os países que zelam pela qualidade de suas
estatísticas públicas.
Esta observação nos leva ao que é, seguramente, o maior problema do IBGE,
e que ainda aguarda encaminhamento: o da reorganização e modernização de
seu quadro de pessoal. Hoje os servidores do IBGE fazem parte da carreira
de ciência e tecnologia, dentro do Regime Jurídico Único, uma situação que,
se custa caro ao governo, em termos dos benefícios e da imobilidade dos
servidores, não ajuda nada ao IBGE, que não tem como recompensar seus melhores
funcionários, punir ou dispensar os de baixo desempenho, redistribuir as
pessoas internamente em função de suas habilidades, e contratar novos servidores
com perfis mais modernos e atualizados.
Apesar de reconhecida há bastante tempo, esta situação não pode ser equacionada
até hoje pela demora na aprovação da legislação de reforma administrativa
pelo Congresso Nacional. Agora, no entanto, que a reforma administrativa
está sendo regulamentada, é urgente que o quadro de pessoal do IBGE seja
revisto, sob pena de que o Instituto não consiga manter suas atividades
regulares, e enfrentar os desafios que tem pela frente. Estes desafios incluem
a implantação de novas estatísticas em áreas conceitualmente difíceis, como
as contas ambientais, a inovação tecnológica, a "economia invisível"
e a economia informal; novas metodologias de amostragem, que permitam informações
mais ricas e em maior detalhe, a partir de um número mais reduzido de informações;
sistemas de processamento de dados e gerenciamento interno mais eficientes
e baratos; a utilização sistemática de tecnologia de sensoriamento remoto
para a elaboração de mapas cartográficos, temáticos e de sistemas de informação
georreferenciada para a análise de dados sociais e econômicos; e assim por
diante. O IBGE vem trabalhando em todas estas frentes, mas com as limitações
de recursos humanos conhecidas.
Mas o maior desafio que o IBGE tem pela frente é, sem dúvida, o Censo Demográfico
do ano 2.000. Os trabalhos de preparação do Censo se iniciaram anos atrás,
e a intenção é fazer deste evento um novo marco na produção das estatísticas
públicas nacionais, tanto pela velocidade no processamento e apuração dos
resultados, pela adoção de novas tecnologias de adquisição de dados, quanto
pela revisão cuidadosa dos questionários, feita em processo de ampla consulta
com a sociedade brasileira. O governo brasileiro, mais de uma vez, manifestou
de público seu compromisso com a realização do Censo do ano 2.000, proporcionando
os recursos necessários, e não há razão para duvidar deste compromisso,
apesar das dificuldades financeiras que está afetando todo o serviço público
neste momento. Mas, para que o trabalho seja bem feito no ano 2,000, é necessário
que os preparativos possam ser feitos em 1999, e os recursos para isto precisam
ser assegurados. Além do orçamento, no entanto, o IBGE necessita de quadros
qualificados e de um marco legal apropriado para as ações que precisa realizar
nestes próximos anos, que, pela sua escala, correspondem a uma verdadeira
operação de guerra.
A realização dos Censos Decenais tem sido, tradicionalmente, ocasião para
um reexame mais aprofundado do IBGE, e de renovação de suas forças e recursos.
O IBGE está de novo diante de um destes momentos cruciais de reexame e renovação,
e desejo ao novo Presidente, que assume hoje a responsabilidade pelo Censo
do Ano 2000, assim como a meus colegas e amigos do IBGE, todo o sucesso
nesta nova empreitada.
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