Carlos Henrique Araújo e Nildo Luzio: Como (não) formar os professores

No Brasil se gasta muito em cursos de formação para professores, mas ninguém sabe se estes cursos realmente servem para melhorar a qualidade da educação que as crianças recebem. Carlos Henrique Araujo, hoje secretário executivo da ONG Missão Criança, e ex-diretor de avaliação da educação básica do INEP, escreveu o seguinte texto a respeito, com a colaboração de Nildo Luzio:

Formação de professores e qualidade da educação

Bons professores, em geral, precisam ser bem formados. Excluindo-se aqueles que são autodidatas ou geniais, a ampla maioria dos profissionais precisa receber uma formação estruturada, formalizada e séria para que a educação básica ganhe em qualidade de aprendizado.

Muito se tem discutido sobre a denominada formação continuada. De fato, se a entendermos como a necessária atualização dos docentes frente aos avanços do conhecimento, no campo da tecnologia educacional, dos métodos didáticos e em outras áreas, concluiremos que a oportunização da formação continuada é útil e necessária. Contudo, parece que no Brasil, dos últimos anos, a formação continuada foi erigida como a solução para os males de origem, ou seja, a má formação inicial.

Resolver os problemas estruturais da formação inicial garantirá resultados muito mais efetivos para transformação da educação básica no Brasil do que a versão da formação continuada para tapar buracos.

Na formação inicial, do Brasil, são cometidos alguns pecados mortais. Os currículos são muito generalistas e teóricos e pouco voltados às necessidades com as quais os profissionais irão lidar em sua prática docente. Em geral, o futuro professor tem poucas horas de prática docente, pouco contato com a realidade de sala de aula, pouco ou nenhuma interação com os docentes mais experientes. Enfim, o jovem professor pouco ou quase nada se dedica a fazer, na prática, aquilo que lhe será exigido no cotidiano de uma sala de aula.

Muitas vezes, os futuros docentes passam pela licenciatura sem conhecer as orientações curriculares nacionais e os currículos do Estado ou município onde irá trabalhar. Muitos não têm a oportunidade de conhecer a fundo os livros didáticos de sua área, especialmente aqueles adquiridos pelo Ministério da Educação e distribuídos nas escolas públicas. Não se pode desprezar, como é em geral o que acontece, o necessário conhecimento do licenciado sobre as opções existentes e, ainda mais, sobre as formas de potencializar o uso do livro didático na rotina pedagógica.

O Ministério da Educação, no governo anterior e no atual, têm mantido programas de formação continuada de professores. A efetividade disso ainda não foi avaliada de forma consistente. Algumas análises desenvolvidas a partir dos dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram que as diferenças no rendimento dos alunos não são significativas, quando se considera a participação dos professores em projetos de formação continuada.

A realidade mostra ser urgente uma atuação mais estratégica por parte dos dirigentes de educação na questão da formação do profissional de ensino. Como, por exemplo, mudar as diretrizes para formação de professores e induzir as mudanças nas Universidades Federais para alcançar o efeito de demonstração para as instituições particulares, estas, atualmente, responsáveis por 80% dos estudantes de licenciatura e pedagogia.

As instituições formadoras devem se aproximar das redes de ensino para que o professor deixe de ter um “estágio” de fachada e ganhe uma prática efetiva. Por outro lado, deve-se enfrentar as idiossincrasias acadêmicas e comprometer as instituições universitárias com as necessidades mais prementes da educação básica.

Já não é mais surpresa para os formadores de opinião de que a qualidade da educação básica no Brasil deixa muito a desejar. São muitos os problemas e de gravidade alarmante. A taxa de repetência, a distorção idade-série, o número de não concluintes do ensino fundamental são altíssimos e os níveis de aprendizado são medíocres. E isto se liga diretamente à questão da formação dos professores. Neste campo, a gestão deve ser orientada por resultados. Essa orientação por resultados é condição da eficiência, sobretudo no setor público, quando se lida com recursos retirados da sociedade que afinal é quem os produz. O País está necessitando urgentemente de professores capazes de promoverem o desenvolvimento das potencialidades dos alunos, pelo menos no que diz respeito a ler, a escrever e a contar.

George Zarur: aprendizes de feiticeiro

George de Cerqueira Leite Zarur, consultor legislativo da área de educação da Câmara dos Deputados, publicou no O Globo de 11 de maio de 2006 o seguinte artigo sobre o tema das políticas raciais:

Estamos todos sentindo que o Brasil em que vivemos é muito pior do que o Brasil de algumas décadas atrás.

Há muitos séculos, estamos construindo nossa identidade na esperança de uma sociedade onde, conforme todos já ouvimos, em algum momento, “será construída uma nova civilização em que serão derrubadas as barreiras de raça, religião e classe”. Vivemos o desenvolvimento econômico contínuo por mais de setenta anos e nossa pele morena era motivo de orgulho. Havia e há muito preconceito, mas a miscigenação era entendida como nossa grande vantagem sobre os Estados Unidos e os países anglo-saxões, que discriminam ostensivamente por raça.

Embora a segregação legal tenha sido abolida nos Estados Unidos, ela continua central à cultura norte-americana, como demonstra um aspecto absolutamente crítico, o residencial, pois os negros vivem em guetos, em sua enorme maioria. São segregados por premissa, pois não é importante para os anglo-saxões classificar alguém como “mulato”. A oposição é entre “brancos” e “não brancos”. A idéia de “pureza da raça” branca é muito forte, uma vez que basta ter uma gota de “sangue negro”, para alguém ser classificado como negro. Ser negro nos Estados Unidos, é como ser portador de uma doença genética.

O Brasil está negando sua identidade, ao abandonar a miscigenação como valor central à sua cultura. Há diferentes fatores atuando neste sentido. A freada de trinta anos no desenvolvimento econômico é um deles. Outro é o desespero com a corrupção e os caminhos da política. Nossa auto-estima está no chão. Assim, em vez de resgatar nossa identidade de nação brasileira – barco do qual somos todos passageiros e tripulantes – estão querendo acabar com o nosso projeto cultural de muitos séculos e construir nações separadas de negros e de brancos, como acontece nos Estados Unidos. O direito à diferença, eixo central da democracia, é confundido com a associação espúria entre raça e cultura.

Um outro fator que contribui para a importação do modelo norte-americano de racismo é o custo zero de algumas “políticas públicas”. Um caso característico é o das cotas para negros, hoje abolidas nas universidades americanas, propostas no Brasil em substituição a medidas realmente eficazes, como a melhoria da qualidade da educação básica. Não é o orçamento da União ou o das universidades que paga a conta das cotas. É a classe média supostamente branca que cede as vagas à classe média supostamente negra; ou o favelado sertanejo nordestino, considerado “branco”, que as cede ao seu vizinho; ou o irmão mais claro, classificado como “branco” que as cede ao irmão mais escuro, considerado “pardo”. Como no Brasil, a classificação ainda é pela cor da pele e não pelo “sangue” (idéia que estão tentando disseminar), há na mesma família irmãos “pardos” e “brancos”. Os primeiros têm direito a cotas e os outros, não.

Pais e mães de filhos mais ou menos morenos, sabemos que será muito difícil explicar-lhes porque só um irmão tem direito a cotas nas universidades. Como será muito difícil explicar ao imigrante nordestino a razão pela qual seu vizinho tem direito a cotas e ele não. E assim, toda a sociedade será fatiada por um novo critério, o da contaminadora gota de sangue negro. Daí, o aparecimento de comitês de identificação racial ou de leis visando a imposição de documentos raciais, pois, com exceção das pessoas de pele muito escura, ninguém sabe, com certeza, o que é um “negro” no Brasil. E para complicar, há ainda, a chamada “raça social”, pois o jogador Ronaldo se considera “branco”, como os demais mestiços ricos se percebem. Mesmo o critério americano da “gota de sangue” seria de impossível aplicação no Brasil, sem o apagamento do índio do nosso passado – um verdadeiro etnocídio simbólico – uma vez que nossa cor morena
se deve tanto a negros como a índios.

O sistema de classificação brasileiro, onde se reconhece pardos, mulatos, sararás, cafuzos, mamelucos, etc. dissipa o conflito, por sua ambigüidade. O sistema norte-americano, ao opor de forma absoluta, “brancos” a “não brancos” estimula o conflito. Fiz pesquisa em um gueto negro nos Estados Unidos. Vivi, também, em uma comunidade branca sulista norte-americana. Nunca imaginei que pudesse existir tanto ódio ou, pelo menos, tanta indiferença, por razões raciais!

Diferenças étnicas causam os mais horrorosos conflitos e guerras pelo mundo afora. Não é razoável que aprendizes de feiticeiro os tragam para o Brasil!

Fabio Waltenberg: Teorias de justiça distributiva e as cotas nas universidades brasileiras

Fábio Waltenberg, doutorando em economia na Université Catholique de Louvain, na Bélgica, envia a seguinte contribuição:

Creio ser importante subdividir a discussão sobre as cotas nas universidades brasileiras em três questões distintas:

(a) As cotas são justas?
(b) As cotas são oportunas? (Benefícios superam custos?)
(c) As cotas são implementáveis?

Evidentemente, há interseções entre essas três questões, mas acredito que a discussão ganhe mais clareza ao ser organizada desta maneira. Por exemplo, mesmo que tivéssemos boas razões para responder positivamente às questões (a) e (b), uma resposta negativa à questão (c) poderia nos levar a tomar posição contra a adoção das cotas. Por outro lado, poderíamos responder positivamente a (b) e (c) mas discordar de (a). Em muitos textos tratando sobre as cotas, me parece haver uma confusão, na argumentação, entre as respostas dadas pelos autores a cada uma das questões.

Neste texto, trato brevemente da questão (a). Meu objetivo principal é apenas apresentar de que forma ela pode ser definida nos termos de uma teoria de justiça distributiva recente e importante. Não tenho a pretensão de respondê-la de maneira definitiva, e já adianto que minha resposta não passará de: “as cotas podem ser justas”. Dedico apenas algumas linhas às questões (b) e (c), não por serem menos importantes, mas por falta de espaço (e também de conhecimento mais aprofundado sobre o assunto).

(a) As cotas são justas?

Para responder à questão (a), isto é, para determinar se as cotas são justas ou não, me parece fundamental recorrer às teorias de justiça distributiva, área de pesquisa que se encontra na fronteira entre a economia normativa e a filosofia política, e que procura fornecer subsídios teóricos para fundamentar a repartição de direitos e obrigações entre os membros de uma sociedade, a partir de princípios éticos básicos. Posições normativas “puras” como a de utilitaristas (eficiência como valor primordial), libertaristas (liberdade) ou igualitaristas (igualdade), provavelmente levariam a prescrições que estariam em contradição com as “intuições morais” da maioria de nós. Indubitavelmente, a obra fundamental e divisor de águas é A theory of justice, de John Rawls (1971), que procurou dar um tratamento mais equilibrado aos princípios de liberdade, igualdade e eficiência. Abriram-se assim as portas para inúmeros desenvolvimentos dentro do que se costuma denominar igualitarismo liberal, entre os quais se destacam os trabalhos de: Michael Walzer, Jon Elster, Ronald Dworkin, Richard Arneson, Philippe Van Parijs, Amartya Sen, John Roemer e Marc Fleurbaey.

Evidentemente, o debate sobre as teorias de justiça distributiva continua ativo e acredito que dificilmente se poderá chegar a algo que se assemelhe a uma “teoria consensual”. Mas alguma convergência existe entre as teorias e, no meu entender, dado o estado-da-arte atual, o trabalho de Roemer (1998), Equality of opportunity, é particularmente interessante. Ele propõe um marco teórico que pretende ser filosoficamente sólido (importantes objeções às contribuições anteriores foram devidamente levadas em conta), mas que também seja pragmático e aplicável a problemas reais. Assim como outros autores, Roemer parte da idéia de que as “vantagens sociais” (ex: renda ou nível de educação) que os indivíduos possuem não devem depender de suas circunstâncias relevantes, isto é, daquilo que não podem controlar e que tenha alguma relevância na determinação de suas chances futuras (ex: terem nascido pobres). Ao mesmo tempo, essas vantagens ou desvantagens sociais devem ser sensíveis a variações no nível de exercício de responsabilidade por parte dos indivíduos (ex: é justo que, em circunstâncias semelhantes, receba uma renda maior quem trabalhe mais duro). Ciente de que a fronteira entre o que é causado por circunstâncias e o que o é por responsabilidade nunca poderá ser traçada de forma inequívoca, Roemer propõe uma solução pragmática que consiste, em primeiro lugar, em dividir a população em tipos relevantes, identificáveis a baixo custo e não facilmente manipuláveis pelo próprio indivíduo (ex: mulheres pobres, homens pobres, mulheres ricas, homens ricos). A partir dessa divisão, as políticas públicas devem ser desenhadas de forma a retribuir de forma semelhante o esforço feito por indivíduos que se encontram na mesma posição dentro da distribuição de resultados (ex: desempenho no vestibular) de cada tipo. Por exemplo, se poderia determinar que pelo menos os 5 ou 10% melhores de cada tipo tivessem vagas asseguradas na universidade. Dessa forma, certos tipos (ex: mulheres e homens pobres) seriam beneficiados pela redistribuição da “vantagem social” que é estudar na universidade. Esse “presente” que recebem na forma dessa redistribuição se justifica pelo fato de que, anteriormente, foram os outros tipos os que receberam (arbitrariamente) outros “presentes”: por exemplo, nasceram ricos e receberam mais auxílio familiar. Resumindo, no interior de cada tipo, a meritocracia reina. Porém, entre tipos, há espaço para redistribuição/compensação.

Roemer não defende esta ou aquela definição de tipos. Ele procura apresentar sua solução de forma geral, e diz que em cada sociedade e para cada problema de alocação de recursos escassos, a definição de tipos poderá ser diferente. O que é pertinente em um país pode não ser em outro (ex: o gênero pode ser importante na definição de tipos no Afeganistão, mas provavelmente terá menos relevância na Suécia); determinada definição de tipos pode ser pertinente para a definição de alocação de recursos na área da saúde, mas pode não fazer sentido em educação. Além disso, apesar de reconhecer que certas “vantagens sociais” decorrem de diferenças em termos de circunstâncias, determinada sociedade pode decidir não compensar as circunstâncias totalmente, pelas mais diversas razões (eficiência, por exemplo). Vale mencionar dois casos extremos e interessantes. O primeiro ocorre quando, em um dado contexto, as diferenças de circunstâncias entre indivíduos não são suficientemente fortes. Conclui-se que há apenas um tipo na sociedade (ex: brasileiros) e que, portanto, não deve haver compensação alguma. O outro extremo é acreditar que as circunstâncias determinam, em 100%, o acesso a determinada vantagem social. Nesse caso, cada indivíduo seria considerado como sendo um tipo, e a regra de alocação de recursos seria uma compensação total, isto é, o objetivo da política pública seria francamente igualitarista.

Nos termos da teoria de Roemer, para se avaliar a política de reserva de vagas nas universidades brasileiras, a questão a responder é se é legítimo retribuir o esforço dos melhores alunos negros e/ou dos melhores alunos provenientes de escola pública, reservando-lhes vagas nas universidades públicas, sendo necessário, para isso, retirar algumas vagas de não-negros e/ou de alunos provenientes de escola privada. Não é possível discutir profundamente aqui essa questão (fundamental no debate das cotas), nem tenho resposta clara para ela. Proponho apenas introduzir o assunto, nos marcos definidos por Roemer.

Em qualquer país do mundo, a cor da pele é certamente uma circunstância (não está ao alcance do indivíduo escolhê-la). Mas a cor da pele é uma circunstância relevante, isto é, ela influencia o resultado dos alunos no vestibular? Certamente não tem influência direta, mas sim indireta. O negro no Brasil enfrenta dificuldades de diversas naturezas (ex: discrimação em diversas instâncias), o que justifica, para alguns, o uso da cor da pele na definição dos tipos à la Roemer. Quanto a estudar em escola pública, embora formalmente seja uma escolha, no Brasil pode ser tomado como uma circunstância (não está ao alcance de pais de alunos pobres escolher outra coisa). A relação de causa e efeito entre freqüentar escola pública e ter baixa probabilidade de passar no vestibular é um fato. O argumento favorável ao uso da característica “negros” na definição de tipos poderia repousar sobre a idéia de que uma política de cotas decorrente de uma definição de tipos meramente baseada no fator “escola pública” não seria suficiente para dar a muitos alunos negros a oportunidade de chegar à universidade. Isso seria verdadeiro se, dentro da distribuição de desempenho no vestibular do tipo “alunos provenientes da escola pública”, os negros se posicionassem mal, de forma tal que poucos chegariam a fazer parte dos 5 ou 10% melhores – em outras palavras, se os negros fossem os mais desfavorecidos entre os desfavorecidos (penso já ter lido evidências a esse respeito). Se isto for verdade, e se estivermos convencidos de que ser negro afeta as chances de se passar no vestibular, então há razões para se defender uma definição de tipos que leve em conta ambas as características: cor da pele e escola pública.

O argumento segundo o qual não se deve implementar uma política de cotas, mas sim melhorar a qualidade do ensino básico pode ser entendido como uma busca de um ideal de igualdade de oportunidades nos primeiros estágios do processo educativo, de tal forma que, quando chegasse o momento do vestibular, já não fosse necessário (nem legítimo) dividir a sociedade em tipos – todos seriam do tipo “brasileiros”. Em tese, o argumento faz sentido, mas o que fazer enquanto não houver igualdade de oportunidades nos primeiros estágios e enquanto a perspectiva de que seja atingida no curto prazo for mínima? Talvez as cotas sejam um bom caminho, ao menos durante alguns anos (décadas, talvez).

Como disse acima, meu objetivo aqui é essencialmente o de apresentar um marco que me parece adequado para se buscarem respostas à questão (a) e não tenho a pretensão (nem condições) de dar uma resposta definitiva. Nao obstante, a meu ver, com base na teoria de Roemer, uma política de cotas com tipos definidos em função da cor da pele e do tipo de escola em que estudaram pode ser considerada justa no Brasil, por constituir uma forma de compensação legítima de fatores pelas quais os indivíduos não são responsáveis, e que têm influência – direta ou indireta – sobre o acesso a uma “vantagem social” importante (acesso ao ensino superior).

(b) As cotas são oportunas? Seus benefícios superam seus custos?

Independentemente da resposta que cada um de nós queira dar à questão (a) podemos abordar as questões (b) ou (c). Com relação a (b) – as cotas são oportunas? – creio que a busca da resposta terá como ingredientes uma boa dose de raciocínio hipotético-dedutivo, combinada a uma análise (inclusive econométrica) das experiências de outros países (o que deu certo? o que não deu?). Creio que os textos que temos lido recentemente no blog do Simon Schwartzman (Fry & Maggie, Maio & Ventura, Militão, S. Schwartzman, L. F. Schwartzman etc.) contêm análises extremamente interessantes e ressaltam pontos importantíssimos, tais como os possíveis problemas jurídicos decorrentes das cotas (ex: a introdução na Constituição da distinção entre “raças”). Outro custo importante a ser levado em conta é o possível estigma que os negros podem ter que carregar, isto é, os custos psicológicos das cotas (ex: beneficiados feridos em seu amor-próprio), com eventuais prejuízos materiais (ex: se o mercado passar a considerar que um diplomado negro vale menos do que um diplomado não-negro). Questões de eficiência não devem ser esquecidas: uma compensação à la Roemer que seja ambiciosa demais poderia levar a uma piora na qualidade média dos estudantes (é claro que pode também não levar – trata-se de uma questão empírica para a qual não temos resposta). Também é preciso levar em conta os interesses dos prejudicados pelas cotas: há um certo grau de injustiça caso se mudem radicalmente as “regras do jogo” (isto é, as regras do processo educativo), depois de “começado o jogo”.

Esses custos devem ser comparados aos potenciais benefícios proporcionados aos contemplados pelas cotas, bem como à sociedade como um todo, a saber: benefícios imediatos (aspecto “consumo” da educação) e futuros (aspecto “investimento” da educação) usufruídos pelos cotistas; a revelação de talentos que não floresceriam na ausência das cotas (argumento do economista clássico Alfred Marshall em prol de “instruir as massas” na Inglaterra do século XIX); os benefícios para gerações futuras de cotistas; os efeitos de incentivo positivos para os grupos que nem mesmo remotamente consideravam possível chegar à universidade; o valor simbólico da medida (reconhecimento das desvantagens dos negros na sociedade brasileira e implementação de medida compensatória).

Mais uma vez, a minha resposta é a de que as cotas podem ser oportunas no Brasil, em grande parte em função do desenho institucional que tomarem, o que nos leva a discutir o ponto (c).

(c) As cotas são implementáveis?

Uma vez que a lei garantindo as cotas será submetida ao Congresso Nacional em breve, a questão (c) ganha uma grande relevância neste momento, qualquer que seja a resposta que cada um de nós gostaria de dar a (a) e (b). As cotas são implementáveis? Uma questão relacionada é: deveriam ser implementadas na forma em que foram concebidas no anteprojeto de lei ou é possível aprimorar o mecanismo para evitar certos problemas?

As dificuldades envolvidas na obtenção de uma informação podem inviabilizar o uso de determinada característica na definição dos tipos. Como dito acima, a solução de Roemer requer uma divisão da população em tipos relevantes, identificáveis a baixo custo e não facilmente manipuláveis pelo próprio indivíduo. Ainda que possa ser justo dar cotas com base na cor da pela, em muitos casos não é possível verificar essa informação de maneira crível a um baixo custo (aliás, tal custo pode ser considerado como sendo infinito). Identificar quem estudou em escola pública tem um custo de verificação menor (ainda que não seja zero).

Os imperativos de eqüidade subjacentes ao mecanismo proposto por Roemer não precisam ser tomados ao pé da letra, e podem muito bem ser combinados com considerações de outras ordens, o que é freqüentemente o caso quando se passa da etapa de definição de regras de alocação de recursos para a etapa de implementação de tais regras. O alto custo de identificação de uma característica em um indivíduo certamente dificulta a implementação das cotas quando se quer que a cor da pele faça parte da definição de tipos, mas não a inviabilizam. Um pouco de “engenharia institucional” é necessária, por razões de implementação (c), mas também para se tentar minimizar os custos potenciais e maximizar os benefícios potenciais, ambos listados acima (b).

O que tenho em mente quando digo “engenharia institucional” são idéias como a que foi proposta por Luisa Farah Schwartzman no blog de Simon Schwartzman (15/4/2006). Ela propõe, em lugar das cotas, um sistema de metas em que “marcar a cor não teria conseqüência individual” (fundamental, a meu ver), em que as universidades teriam incentivos para acompanhar os alunos ao longo de toda a graduação, e que dá autonomia às universidades para ajustarem objetivos gerais da política (definidos pelo governo ou ministério) a contextos e objetivos particulares (de cada universidade). A proposta que tenho esboçado seria de “cotas moderadas, com focalização geográfica, acompanhada de outras políticas educativas (ex: cotas também para ensino básico)”.

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Gostaria de concluir respondendo a uma pergunta que tem sido uma constante nos textos tratando sobre as cotas: “que Brasil queremos?”.

Entre os objetivos da “Cátedra Hoover”, instituto de estudos em ética econômica e social da Université Catholique de Louvain, na Bélgica, encontra-se o seguinte: “Agir a serviço de nossos ideias. Sem cinismo, nem ingenuidade. Sem fanatismo, nem fatalismo.”

Que Brasil queremos? Um país em que direitos e obrigações, vantagens e desvantagens sociais, sejam constantemente desafiados, redesenhados e redefinidos, em função daquilo que, coletivamente, a cada momento, nos parecer mais pertinente, justo e adequado, com base em fatos, mas também em diferentes critérios normativos, e como resultado de debates em que distintos pontos de vista sejam avaliados de maneira serena. Em suma, em que diferentes observadores sociais possam agir a serviço de seus ideais, sem cinismo, nem ingenuidade; sem fanatismo, nem fatalismo. O debate sobre as cotas é uma excelente oportunidade para termos uma discussão normativa desse gênero.

Algumas referências úteis:

1. Para uma introdução às teorias de justiça distributiva, um bom livro é Ethique économique et sociale, de C. Arnsperger e Ph. Van Parijs, infelizmente mal traduzido no Brasil . Outra opção é O que é uma sociedade justa?, de Ph. Van Parijs, mas temo que esteja esgotado. Um livro-texto muito bom, em francês, é o de Marc Fleurbaey (1996), Théories économiques de la justice, Paris : Economica. Um bom artigo introdutório é Amartya Sen (2000) “Social justice and the distribution of income”, chapter 1, In: Atkinson, A.B. and F. Bourguignon (eds) Handbook of income distribution, vol 1, Amsterdam: Elsevier.

2. Para teorias específicas, ver: John Rawls (1971) A theory of justice. Cambridge, MA: Harvard University Press; John Roemer (1998) Equality of opportunity Cambridge, MA: Harvard University Press; Philippe Van Parijs (1995) Real freedom for all. What (if anything) can justify capitalism?, Oxford: Oxford Political Theory; e o artigo de Marc Fleurbaey (1995) “Equal oportunity or equal social outcome?” Economics and Philosophy, vol. 11, pages 25-55.

3. Quanto à definição de justiça em educação, uma visão panorâmica e ainda preliminar foi escrita no início do meu doutorado.  Outro artigo, mais pessoal e, espero, mais profundo e completo, está em preparação.

4. No que se refere a aplicações da teoria de Roemer à educação, uma referência básica é um artigo do próprio Roemer em co-autoria com Julian Betts: “Equalizing opportunity through educational finance reform”. Um dos resultados mostra que uma redistribuição de recursos com base em tipos definidos apenas em termos de renda não melhora muito a situação dos negros americanos.

5.  Vale notar que, neste artigo, meu co-autor, Prof. Vincent Vandenberghe, e eu não usamos “cor da pele” na definição dos tipos, mas sim “educação das mães dos alunos” (cinco tipos).

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Fábio D. Waltenberg é mestre em economia pela Universidade de São Paulo e doutorando em economia na Université Catholique de Louvain, na Bélgica. O título (provisório) de sua tese é: “Normative and quantitative analysis of educational inequalities”. Contato

Milu Villela: o remédio necessário

Milú Villela, entre outras coisas Presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, escreveu recentemente o seguinte artigo, divulgado pelo ADITAL – Notícias da América Latina e Caribe:

O estudo divulgado pela Unesco que mostra o Brasil como um dos países com maior índice de repetência no ensino fundamental no mundo não poderia chegar em melhor hora. O indicador, que nos coloca ao lado de Burundi, Moçambique e Camboja, é o alerta que faltava para a corrida eleitoral que se avizinha.

Definitivamente, o problema está na arena. Não podemos mais suportar ver a educação colocada em segundo plano no debate político, como ocorre há décadas. A questão, se não quisermos continuar perdendo competitividade num cenário global em que o conhecimento é fator decisivo, tem necessariamente que ocupar o centro das preocupações daqueles que postulam comandar o país nos próximos quatro anos e no futuro de longo prazo.

É bom começarmos a nos debruçar sobre os dilemas do ensino com a mesma voracidade com que nos entregamos ao exame de temas como juros, câmbio, déficit público e outros assuntos correlatos de economia, que têm lugar certo no altar dos políticos, da mídia e dos agentes de mercado toda vez que nos colocamos diante do processo de escolha de nossos dirigentes.

Mais que nunca temos que ter presente que só um sistema educacional forte, alinhado com as demandas contemporâneas, pode garantir a construção de um modelo sustentável de crescimento e de melhoria das condições sociais. Países como Coréia do Sul, Irlanda, Índia e o nosso vizinho Chile já nos deram lições suficientes sobre o assunto.

O caso da Coréia do Sul, que chama tanto a atenção da mídia por seus resultados extraordinários, dá bem a dimensão do que a educação é capaz de fazer por um país. Há 40 anos, o PIB per capita daquele país era a metade do nosso. Hoje é o dobro. Não é de admirar. A Coréia do Sul elegeu a educação como prioridade estratégica, investiu pesado na formação de professores, ampliou as horas de estudo, informatizou suas escolas, tudo com o objetivo de fazer o país crescer e se tornar um grande exportador de produtos acabados.

Resultado: enquanto de 1996 a 2005, o PIB per capta cresceu na média 3,7% ao ano entre os coreanos, o do Brasil não passou perto disso. Ficou em torno de 0,7%. A educação não respondeu sozinha pelo fenômeno, é claro. Mas não há hoje quem conteste que teve papel decisivo na formação do indicador. O caso da repetência levantado pela Unesco é apenas um entre os muitos indicadores dramáticos de nossa educação que teimam em nos afastar cada vez mais de realidades semelhantes à da Coréia do Sul.

Outros problemas estruturais, e tão devastadores quanto a repetência, resistem no universo da educação brasileira. O analfabetismo funcional é um deles. Estudo feito em 2005 pelo Instituto Paulo Montenegro, do grupo Ibope, revela que apenas 26% da população brasileira tem o domínio pleno das habilidades de leitura e escrita. O restante da população está em estágio de analfabetismo (7%), de alfabetização rudimentar (30%) ou alfabetização básica (38%). Ou seja, a maioria da população brasileira quando lê e escreve o faz de forma precária, o que debilita a capacidade de avançar profissionalmente e conquistar melhores condições de vida.

A evasão escolar é outro fator negativo da vida escolar no país. Apenas 54 de cada 100 alunos que entram no sistema de ensino chegam a concluir a oitava série. Pesquisa realizada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas mostra bem o resultado deste fenômeno: 27% dos jovens de 15 a 24 anos estão sem estudo e trabalho. Ou seja, boa parte dos brasileiros em idade de se integrar ao mercado não ultrapassa o estágio do ensino fundamental e não consegue trabalho por falta de qualificação. Trata-se de um problema de proporções homéricas num país de 186 milhões de habitantes, dos quais 54 milhões em idade escolar.

O fato a registrar, entretanto, é singelo e pode ser dito em poucas palavras; não podemos conviver mais com a falta de um projeto estruturado para a educação. Os candidatos que não mostrarem com clareza e coerência o que irão fazer para transformar a educação no Brasil não merecem o nosso voto. A redenção econômica e social que tanto almejamos só se concretizará se colocarmos a educação como prioridade nacional.

Faz-se necessário, para não dizer obrigatório, que os pretendentes ao Planalto e toda a nação brasileira assumam o compromisso de elevar a educação ao posto de principal instrumento de nossas políticas públicas. A educação revoluciona países, elimina a pobreza e faz o conjunto da sociedade prosperar. É o remédio que nos falta.

Barretada com chapéu alheio

Jacques Schwartzman envia a seguinte nota, que me faz lembrar as leis que são aprovadas periodicamente pela Camara de Vereadores do Rio de Janeiro para obrigar os shoppings a dar estacionamento de graça a seus clientes):

O Senado acabou de aprovar projeto de lei que obriga as universidades particulares a concederem bolsas de estudo a 15% de seus alunos. Para financiar o programa, as mensalidades teriam um”pequeno aumento”. Isto é que se chama fazer caridade com o chapeu dos outros, sem atentar para as suas implicações : Há espaço para aumento das mensalidades? Isto não trará uma diminuição da demanda? Como fica a concorrência entre privadas com e sem fins lucrativos? Como fica a atual lei ( 9870 de 1999) que fixa as regras de reajuste de mensalidades? Finalmente, é aceitável origar empresas privadas a direcionarem seus gastos, como se fossem um imposto?

Jacques Schwartzman: Indicadores e financiamento das IFES

Jacques Schwartzman envia o seguinte comentário sobre o projeto de reforma universitária encaminhado ao Congresso, em relação ao financiamento das instituições federais de ensino superior (IFES):

Depois de um ano parado na Casa Civil, o projeto de reforma universitária está sendo encaminhado ao Congresso com uma importante novidade: o estabelecimento de indicadores para a distribuição de recursos entre as universidades federais. Esta questão já vem sendo trabalhada e aperfeiçoada desde quando Goldenberg era Ministro no governo Collor. A questão é que os vários modelos só podiam ser aplicados para OCC (outros custeios e capital) que representam em torno de 15% do total dos gastos. A não inclusão de Pessoal é uma conseqüência do modelo de organização baseado no Regime Jurídico Único (RJU). Se tivermos um montante fixo a distribuir igual ao orçamento das IFES, algumas terão seus recursos aumentados e outras diminuídos. Neste último caso, teríamos que demitir pessoal sem justa causa, o que não é permitido pelo RJU nem palatável pela comunidade universitária. Se optarmos pela regra ‘ninguém perde e alguns ganham’, o orçamento teria que ser sempre crescente, o que não é razoável. Assim, a principal fonte de problemas (e de soluções) tem ficado de fora dos modelos de distribuição.

A escolha dos indicadores a serem utilizados não é neutra e expressa um entendimento sobre o papel da Universidade e seus caminhos desejados. Vejamos alguns exemplos e suas ambigüidades. A relação aluno/professor, sempre presente, é um indicador de eficiência. Em princípio quanto maior a razão menores os custos por aluno. Mas, por outro lado, teremos mais salas congestionadas, aulas práticas mais desconfortáveis. É portanto possível que menores custos impliquem em menor qualidade do ensino. Um outro indicador seria a oferta de cursos noturnos, certamente pontuando mais quando o indicador for crescente. O incentivo para criar cursos noturnos tem por finalidade aumentar a matrícula daqueles que tem que trabalhar durante todo o dia. Mas é isto que queremos, alunos pouco dedicados aos estudos? Queremos igualar as IFES à parte pior do ensino privado? Aqui, a questão distributiva (mais alunos trabalhadores) conflita com a qualidade (menos disponibilidade para os estudos).

A proporção de Mestres e Doutores no total de professores é um bom indicador de qualidade quando se parte de um patamar mais baixo, mas se torna inócuo a níveis mais altos, quando todos forem doutores.

Poderíamos introduzir também as avaliações do INEP, como o ENADE, e as da CAPES para a pós -graduação, como um indicador de qualidade. Aqui surge a velha resistência ideológica de não utilizar a avaliação como premiação ou punição.

Para todos estes problemas existem soluções. No caso da relação aluno/professor pode-se caminhar para relações ideais por área de conhecimento e favorecer os que estiverem mais próximos delas. No caso das matrículas noturnas, estabelecer a proporção desejável em relação ao total de alunos. De qualquer forma, a pertinência dos indicadores deve ser questionada periodicamente pois podem não estar mais tão dispersos. É o caso, por exemplo, da situação em que quase todos os professores se tornem doutores.

Apesar de todas as dificuldades e das intermináveis discussões que se seguirão, é fundamental introduzir algum tipo de avaliação nas decisões de financiamento. É uma importante sinalização para a sociedade sobre a qualidade das instituições e para as IFES sobre o rumo que devem tomar a partir da orientação de sua mantenedora – em última análise, o povo brasileiro que as sustentam.

Monica Grin: a quem serve o Estatuto da Igualdade Racial?

Monica Grin, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assina o seguinte artigo no O Estado de São Paulo de hoje, 30 de abril de 2006:

A Câmara dos Deputados votará nas próximas semanas o projeto de lei 73/99, que obriga todas as instituições federais de ensino superior a adotar 50% de cotas ou reserva de vagas para estudantes de escolas públicas e dentro dessa cota um percentual de estudantes negros, indígenas e outras minorias. Este é apenas o prelúdio do que vem a ser o mais vigoroso projeto de racialização da sociedade brasileira.

Trata-se do projeto de lei 3.198, de 2000, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que institui o Estatuto da Igualdade Racial, a ser votado na Câmara dos Deputados após ter sido aprovado sem maiores debates no Senado. É uma peça legal de ampla estrutura, que fixa direitos para os “afro-brasileiros” em várias dimensões da vida social, econômica e cultural. Seu principal objetivo é combater a discriminação racial e as desigualdades históricas que atingem os “afro-brasileiros”, determinando que as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado devam ser pautadas pela dimensão racial, através da reparação, compensação e inclusão de suas vítimas, os “afro-brasileiros”, bem como pela valorização da diversidade racial.

Mais do que políticas compensatórias de caráter transitório, a aprovação do estatuto significará uma alteração radical nas bases universalistas da Constituição brasileira, uma vez que esse documento legal concebe a “raça” como figura jurídica de direitos a ser contemplada por políticas públicas. Uma intervenção legal dessa natureza deve supor, em primeiro lugar, a existência de uma sociedade na qual os indivíduos se auto-identifiquem através do pertencimento racial.

Ora, se esse não é o caso da sociedade brasileira, que tem evitado a rigidez de classificações étnico-raciais, pode-se afirmar que o estatuto é um instrumento legal que pretende reinventar, nos termos da raça, a nação brasileira.

O estatuto expressa o seguinte raciocínio lógico: desde a escravidão a sociedade brasileira se dividiu em “raças”. A “raça branca” dominante, através de discriminação racial sistemática e da omissão do Estado, produziu a exclusão de outra “raça” – os “afrodescendentes” – das oportunidades econômicas, sociais, políticas e culturais. Para que se corrija tal situação, cabe ao Estado, através das suas estruturas jurídicas e institucionais, intervir em todos os níveis da sociedade a fim de garantir justiça e igualdade racial para a “raça” excluída.

Para que seja eficaz a ação do Estado, é necessário delimitar rigidamente as fronteiras raciais, a fim de beneficiar aqueles que de fato seriam os merecedores da reparação ou da justiça racial. Por esse raciocínio, o estatuto torna obrigatória a autoclassificação racial de cada brasileiro em todos os documentos de identificação gerados nos sistemas de ensino, de saúde, de trabalho, de seguridade social e na certidão de nascimento.

Para evitar ambivalências, a declaração compulsória da identidade racial se restringe a duas categorias: os “afrobrasileiros” (pretos e pardos) e os “outros” (supostamente os “brancos”).

Definidas as fronteiras raciais, o documento propõe a implementação de programas de ação afirmativa destinados a enfrentar as desigualdades raciais. Na educação, as cotas nas universidades; na cultura, a valorização da cultura “afrodescendente” como monopólio da “raça” negra.

Propõe acesso diferenciado para os “afrodescendentes” no esporte, no lazer, no trabalho, na mídia, na Justiça, no funcionalismo público, nos financiamentos públicos, na contratação pública de serviços e obras, na saúde, através do controle e prevenção de doenças específicas da “raça negra”, tornando a “raça” uma entidade coletiva de direitos em qualquer campo da vida social, seja ele público ou privado.

Pergunta-se então: a quem serve a nova sociedade que o estatuto quer edificar? Um Brasil dividido em “raças” promoveria justiça para todos os excluídos das oportunidades econômicas, políticas, sociais e culturais? Seria a promoção da “raça” o melhor antídoto contra o racismo e seus efeitos?

Reclamada no estatuto, a reparação histórica, para ser plausível, deve identificar os atores responsáveis pela desigualdade, no caso os “brancos”, que descenderiam dos senhores de escravos. O argumento moral é que, se os antepassados “brancos” perpetraram discriminação e violência racial, seus “herdeiros raciais” devem arcar com essa culpa. Pergunta-se: como um “afro-brasileiro” pobre poderia convencer seu vizinho “branco” pobre de que este é culpado pela situação de pobreza em que ambos se encontram?

É fundamental a elaboração de iniciativas públicas e privadas para o combate da discriminação racial e de seus efeitos no Brasil. Contudo, o bom senso impõe que não é preciso pagar o alto preço do confronto entre dois supostos mundos. Basta atentar para experiências trágicas de promoção racial por decreto: Apartheid na África do Sul e Leis Raciais na Alemanha nazista e nos Estados Unidos.

Por fim, caberá aos nossos representantes no Congresso a responsável decisão sobre o modelo de sociedade que se quer adotar: uma onde o princípio da igualdade dos indivíduos fundamente o Estado de Direito; ou outra na qual a “raça” se torne um princípio absoluto a pautar as ações do governo e as formas de interação dos indivíduos.

Shirley: Usando o método fônico

A professora Shirley, que não se identificou além disto, enviou o seguinte comentário ao texto de João Batista:

Sou recém formada em pedagogia e estou lecionando pela primeira vez. Minha monografia foi “alfabetização pelo método fônico nas escolas públicas”, fiquei extremamente feliz e esperançosa ao encontrar este blog, já que me sinto sozinha em minhas idéias e sonhos de um dia nosso Ministério da Educação acordar e decidir tomar uma atitude digna em relação às nossas crianças. Parabéns a João Batista por ter expressado de maneira tão clara e completa tal assunto. Ingressei na rede estadual, estou chocada com a realidade da sala de aula, minha turma é de 4ª série, e pasmem, estou alfabetizando metade da classe, pois vários não sabiam nem mesmo o próprio nome… Meu trabalho tem sido muito mais de auto estima com meus alunos do que grandes feitos com qualquer método milagroso de alfabetização, pois um aluno que está dentro da escola ha mais de três anos e não aprendeu a ler ou escrever seu nome, pensa ser alguém incapaz e inferior e o que é pior, possui um olhar triste, perdido no horizonte…

Ah! Já ía me esquecendo, tenho trabalhado o método fônico com esses meus aluninhos queridos e em praticamente dois meses apenas de trabalho, os resultados são fantásticos.

José Roberto F. Militão: Cotas na universidade: a alforria do século XXI

José Roberto F. Militão nos envia a contribuição abaixo, que tem sido distribuida em várias listas de militantes do movimento negro. Ele é advogado, administrador e empresário, militante do movimento negro, e coordena a Organizaão da ´AFRO-SOLLUX´ – Planej. e Soluções em Economia Solidária.

A meus fraternos e meus críticos companheiros de movimento negro, saúdo a todos neste final de semana convidativo a reflexões (21/04), especialmente aos guerreiros que se empenham pela aprovação da lei de ´cotas´ antes da existência de um ´Estatuto de Promoção da Igualdade´, deles divergindo, sem desmerece-los, que a despeito de pedidos fraternos, neste momento crucial e determinante, não poderia deixar de manifestar as ponderações críticas, na condição de antigo militante a favor de ´ações afirmativas´, nem admitir no futuro, a pecha de omissão a inescusável dever da reflexão a respeito do destino de nossos jovens. A verdade é que além de ponderações emocionais não tenho visto racionalidade acadêmica que justifiquem embasamento a cotas.

Pondero, preliminarmente duas coisas: a primeira, dirigida ao futuro, é não ser compatível com a responsabilidade ética Webweriana, que a atual geração faça uma interferência, negativa, de tal magnitude, alterando doravante, a trajetória da juventude e do povo negro, nessa direção, salvo melhor juízo, enfraquecedora da luta geral contra o racismo e discriminações, sem avaliar os resultados disso a médio e longo prazo. A segunda, tem fulcro no passado, e nos efeitos da alforria (precurssora das cotas ao beneficiar poucos e manter milhões excluídos) que produziu enfraquecimento na luta contra a escravidão.

Assim, principio pelo fim: se nos anos 60/70 os racistas ´africaner´s´ tivessem concedido ´cotas´, teria havido Steve Biko e o movimento da consciência negra na África do Sul, culminando com a revogação da prisão perpétua de Nelson Mandela? As cotas a Steve e demais negros que nem chegaram à universidade, os neutralizava, pois, como sabiamente disse o mestre Herbert Marcuse: “o primeiro passo para um escravo conquistar a sua liberdade é ele tomar consciência de que é escravo”. E ouso questionar: Se Abdias, Lélia, Clóves Moura, Hélio Santos, Hamilton Cardoso, Sueli Carneiros, Carlos Alberto Medeiros, Gevanilda, Hédio, Joel Rufino, Kabenguele, Wânia e tantos outros tivessem sido cotistas, teria se consolidado a moderna consciência do movimento negro brasileiro?

Com tais premissas, também sob o aspecto da negativa e repúdio à figura institucional da pessoa jurídica ´raça´, manifesto inteira concordância ao último e ponderado artigo de Peter Fry e Yvonne Maggie (O Globo de 11/04/06), a respeito do projeto de lei de “Cotas Raciais” para negros e ouso complementar o título: ´COTAS: POLÍTICA SOCIAL DE ALTO RISCO (para a maioria da população NEGRA)´ e o justifico, concordando com a preocupação social de vários acadêmicos, porém, alegando outras distintas razões, que são do interesse exclusivo dos afrodescendentes.

Um deles, de cunho filosófico, é que a luta dos negros jamais foi separatista. Outros, da realidade historiada. Martin Luther King, viveu intensamente e foi assassinato pelo sonho de construir uma sociedade em que as pessoas fossem julgadas ´pelo seu caráter e não pela cor de sua pele´. Zumbi, acolhia em Palmares, além dos quilombolas, índios, mestiços e brancos. Spike Lee, nos mostra da infância do jovem Malcon Litle, recordações infames: Malcon X, afirma que era uma espécie de mascote, como um poodle rosa, porque era o único negro da turma. Isso significa que cotas, atacando efeitos da discriminação, transformará nossos jovens talentos em mascotes de turmas, pois as causas persistirão excluindo e desigualando milhões de negros no Brasil.

Sucede ademais que a nós, vítimas da hedionda e equivocada colonização RACIAL, cuja cultura acolhida e justificada por dogmas da igreja católica e teorias ´científicas´ do século XIX, ficou perpetuada, não nos interessa como cidadã(o)(s) uma sociedade racializada, conforme decorrente do projeto de ´COTAS NAS UNIVERSIDADES´. Para o século XXI, o desenvolvimento das ciências assegura a prevalência biológica de ÚNICA RAÇA HUMANA e a luta contra os preconceitos e discriminações, exige de todos aprofundar e radicalizar esse conceito na construção e aperfeiçoamento de uma sociedade de IGUAIS em todos os sentidos, sem nenhuma exceção, incluso a de raças, socialmente considerada. “Quando olhamos por alto as pessoas, ressaltam suas diferenças: negros, brancos, homens e mulheres, seres agressivos e passivos, intelectuais e emocionais, alegres e tristes, radicais e reacionários. Mas à medida que compreendemos os demais as diferenças desaparecem e em seu lugar surge a unicidade humana: as mesmas necessidades, os mesmos temores, as mesmas lutas e desejos. Todos somos um.” nos alerta James Joyce in “Finegans Wake”

Pondero ainda que pela estrutura sócio-política brasileira, se racialmente aceita, ela nos seria ainda mais perversa, tal como foi a escravocrata, em que os negros tinham o ´seu lugar´ bem definido: eram escravos ou alforriados (cidadãos de 2a. classe). Se racializada, o Brasil permanecerá uma sociedade em que os não-negros são detentores dos poderes e se permitida, ad argumentandum, por mera liberalidade fosse sociológica admissível e antropológicamente aceitável e juridicamente concebida, conforme desejam os ´cotistas´ a divisão da sociedade brasileira em ´raças´ (o que é vedado pelas cláusulas pétreas da CF), todas as perdas serão dos afrodescendentes.

A primeira delas, é que a violação do princípio geral da isonomia beneficiará a quem detém os poderes decisórios. A outra, é que institucionalizar ´cotas´ exige por princípio a admissão da divisão da humanidade em raças e isso é a negação da ciência e dos princípios republicanos e democratas: todos são iguais em direitos e obrigações.

Entretanto a maior perda, e mais projetável para o futuro, com o benefício a 2 ou 3% de jovens negros, será a inevitável criação de novos ´alforriados´ em pleno Século XXI, agora que começamos, sob a liderança e a compreensão de militantes políticos e de ilustres acadêmicos, negros e brancos, a compreender o nefasto papel involuntário imposto ao alforriado e a demolir os danos da cultura do ´embranquecimento´ e rejeição histórica do irmão negro, naquela compreensível busca de aceitação e ascensão social, marcada pela delação, traição e abandono que marcou o comportamento dos forros em relação aos escravos. A bem documentada biografia de Chica da Silva (acessível nos ´sites´ de buscas), a melhor evidência do comportamento do alforriado, é pública e nos foi representada a cores.

Nesta compreensão, é sempre necessária a crítica histórica: a alforria beneficiava mais a sobrevivência do regime assegurando uma classe ´intermediária´ de negros, que não eram escravos, nem eram cidadãos plenos (V.´Negros, Estrangeiros´; Manuela Carneiro da Cunha; 1985; Ed.brasiliense). Porém, é certo, que o manumisso, salvo exceções, jamais lutou ao lado dos quilombolas para enfraquecimento da escravidão nem foi aliado natural das insurreições e dos abolicionistas, e ainda tinha o dever legal (e moral) de tributário da eterna lealdade e gratidão ao senhor e ao regime sob pena até da revogação ou da deportação para qualquer lugar da costa africana. (não confundir o alforriado com os nascidos livres que atuaram em várias revoltas).

Por conseguinte, a alforria foi prejudicial ao fim da escravidão: a sua maior adoção pelo Brasil que em outros países, concedendo a ´semi-liberdade´ a conta-gotas, retirava da luta contra a escravidão os escravos mais preparados para o inconformismo, neutralizando-os, significando com isso, o retardamento do fim da escravidão por 70/80 anos.

Mais ainda, é bom reafirmar, os alforriados, ficavam condicionados a agir exatamente como faziam os senhores, beneficiários do sistema. Joaquim Nabuco (O Abolicionismo) denunciava o exemplo máximo da Guerra do Paraguai: “A infantaria brasileira que lutou na Guerra do Paraguai não era formada de soldados profissionais, mas pelos chamados Voluntários da Pátria, cidadãos que se apresentavam para lutar: Eram ESCRAVOS, enviados por fazendeiros e por NEGROS ALFORRIADOS.”

Por seu lado, Franz Fanon, diagnosticava: ” A colonização não se satisfaz somente em manter seu alvo em suas garras e esvaziar o cérebro do explorado de toda alma e conteúdo. Ela se volta para o passado dos oprimidos e o desfigura e destrói.” Isso é o que fizeram com os alforriados e farão com os cotistas. A destruição da consciência de luta.

Assim, deduzo, as ´cotas´ será privilégio consentido pelo sistema (com 28 deputados em 513 não temos correlação de forças para a conquista), por exemplo as instituições privadas vão receber um excedente de alunos que podem pagar, e ela vai retirar da luta e solidariedade contra o racismo e discriminações, nossos melhores talentos jovens, transformando-os em ´neo-alforriados´, os mais bem preparados, que teriam o futuro de recolher o conhecimento acadêmico e emprega-lo para a promoção da igualdade aos demais negros que jamais chegarão à universidade, neutralizando-os, conforme Herbert Marcuse. : “o primeiro passo para um escravo conquistar a sua liberdade é…”. A negativa dessa condicionante que afetará os cotistas, inevitavelmente, equivale em violação da ética da responsabilidade, segundo Max Weber: “quem age de acordo com a ÉTICA DA RESPONSABILIDADE, leva em conta as particularidades, avalia os meios disponíveis e considera as POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS, assumindo a responsabilidade por elas.” ( B.T. Bottomore e R. Nisbet, História da análise sociológica. Zahar ed. Rio, 1981)

Por outro lado, não posso deixar de anotar que tem o interesse de ONG´s negras e seus militantes, legítimos ou não, que por razões conjunturais e pragmatismo, seus interesses imediatos nem sempre coincidem com o interesse futuro da maioria. Aqui faço analogia com as feministas, nas recentes palavras, autocríticas e diagnóstico da líder feminista, respeitada filósofa e educadora britânica Alison Wolf: ” Acho que o feminismo sempre foi um movimento desonesto. Ele se apresentava como um movimento que defendia o interesse de todas as mulheres, mas era apenas voltado a uma minoria de mulheres da elite, mas com um discurso de que todas as mulheres são iguais e querem a mesma coisa. … eu poderia dizer que o feminismo, longe de ser uma luta pelos verdadeiros interesses das mulheres, seria uma ideologia que encoraja as mulheres a servirem ao capitalismo global, cuidando para que esse capitalismo tenha 100% dos melhores talentos em dedicação exclusiva, e não 50% (masculinos)” (Folha, Mais!, 02.04.06, p.5).

Destarte, não basta setores do movimento negro querer, precisamos saber se ´cotas na universidade´ atende ao interesse da maioria dos negros e à sociedade. Deduzo, pela história, que a consolidação na ´crença em raças´, não interessa, exceto às ONGs em busca de uma clientela sempre mobilizada para sustentar um precário benefício sem fulcro social e jurídico consistente.

Sob o ponto de vista de construção da igualdade, em sociedades multirraciais, uma novidade e um desafio para a humanidade, é certo que, visando ganhar apoios, setores do movimento negro faz uma gravíssima confusão, que alguns acadêmicos reproduzem, entre ´cotas´ e ações afirmativas. Essa confusão generaliza coisas distintas, o que é falso: ´POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVAS´ é uma doutrina de promoção da igualdade e respeito à diversidade que não deve se destinar exclusivamente à questão da raça, mas de gênero também. Os que a conhecem melhor, aceitam e estimulam sua adoção voluntária; ´cotas´ é um dos vários mecanismos experimentados na construção de ações afirmativas – o mais traumático e de menor eficácia – e onde foi adotado, exige o seja coercitivamente, especialmente os EUA, foram vetadas pelo Judiciário, criticadas pelos cientistas sociais e abandonadas, permutadas pelos demais mecanismos de ações afirmativas como o estímulo para a busca de talentos e critérios de diversidade com a remoção de obstáculos subjetivos e injustos.

A doutrina, segundo o Min. Joaquim Barbosa, assim define ações afirmativas: “Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação RACIAL, DE GÊNERO, DE IDADE, DE ORIGEM NACIONAL E DE COMPLEIÇÃO FÍSICA. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade”. Por cotas, são denominadas certas políticas públicas mais radicais objetivando a concretização da igualdade material, nasceram no bojo ações afirmativas, mas com essas não se confundem. É nesse sentido, que o prof. Jorge da Silva, da UERJ, é enfático ao dizer que a ação afirmativa “não é simplesmente o estabelecimento de ‘cotas’ percentuais para negros”. (Silva; 2001; p. 28). Porém, alerta o citado Ministro do Supremo Tribunal, “que falta ao Direito brasileiro um maior conhecimento das modalidades e das técnicas que podem ser utilizadas na implementação de ações afirmativas. Entre nós, fala-se quase exclusivamente do sistema de COTAS, mas esse é um sistema que, a não ser que venha amarrado a um outro critério inquestionavelmente objetivo, deve ser objeto de uma utilização marcadamente marginal. (Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001).

Por último, se aprovada a lei, ela será do interesse do sistema e estaremos condenando nossa elite de jovens e todos os negros com formação superior, mesmo os que tenham mérito, igualados a doutores de 2a. classe, e então vamos fazer como fizeram os ´alforriados´, reconhecer e legitimar um status minus e pedir cotas também em empregos de 2a. classe, e aceitar o tal complexo de inferioridade que sempre nos foi atribuída, culpa exclusiva imputável à submissão dos forros.

Aliás, os dados sintetizados em 12/04 pela prof. Wânia Santana, reproduzindo o diagnóstico informados desde o SEADE/1986 aos mais recentes censos e pesquisas de amostras do IBGE, bem elucidam a nossa situação de vítimas do racismo e das discriminações, especialmente aos que já detêm o curso superior ´por mérito´, demonstrando que não basta o acesso ao ensino superior, precisamos combater por ações afirmativas, os critérios de tratamento e de oportunidades, in verbis:

“A escolaridade diferenciada entre brancos e pretos e pardos acaba por se refletir no mercado de trabalho. As pessoas ocupadas de cor branca tinham, em 2004, em média, 8,4 anos de estudo e recebiam mensalmente 3,8 salários mínimos. Em contrapartida, a população preta e parda ocupada apresentava 6,2 anos de estudo e 2 salários mínimos de rendimento. A diferença na escolaridade não é suficiente, porém, para explicar a desigualdade nos rendimentos: embora a média de anos de estudo de pretos e pardos tenha sido 74% da média dos brancos, o rendimento médio mensal da população ocupada preta e parda representou apenas 53% do rendimento dos brancos.

Mesmo entre pessoas com escolaridade equivalente, observou-se um diferencial significativo em todos os grupos de anos de estudo, com a população ocupada de cor branca recebendo sistematicamente mais que os pretos e pardos. A maior diferença foi encontrada no grupo de maior escolaridade: entre aqueles com pelo menos o ensino médio concluído (12 anos ou mais de estudo), os brancos recebiam em média R$ 9,1 p/hora, enquanto que os pretos e pardos tinham rendimento-hora médio de R$ 5,5. ”

Ora, em assim sendo, desprovidos de um ´Estatuto da Promoção da Igualdade´ (genérica), as causas de desigualdades que afetam a todos persistirão, acolhida a legitimação de ´raças´ juridicamente considerada e violada a ética da responsabilidade Weberiana, restando às ONGs desfraldarem nova campanha para ´cotas´ no mercado de trabalho, e estaremos de vez, assumindo a inferioridade, pérfida herança que, com razão, combatemos.

Concluo, imaginando que se o ´africaner´s´ tivessem estabelecido ´cotas raciais´ não teria havido a geração de ´Steve Biko´, nem o rápido final do ´Aphartheid´ e se ao defenderem ´cotas´, não estaremos abortando lideranças do mesmo escol, e reiterando, não é justo nem será ético essa intervenção no futuro de nossos melhores talentos: transforma-los em ´neo-alforriados´ estigmatizados pelo século XXI, retardando décadas na luta pelos direitos IGUAIS a todos os negros no Brasil. Aqui falo da igualdade, material e formal, aquele ideal aristotélico, que Rui Barbosa sintetiza como o tratamento igual aos iguais, com os recursos prescritos desde ´O Contrato Social´ de J.J. Rousseau, para quem, ´se a desigualdade é inevitável, a lei deva promover ações tendentes a assegurar a igualdade´ que vem ser a base doutrinária de ações afirmativas contra as discriminações.

Laura Randall: A experiência de New York e as políticas de ação afirmativa no Brasil

Laura Randalls, professora emérita do Hunter College, City University of New York, e co-coordenadora do Seminário sobre o Brasil da Universidade de Columbia, nos envia um artigo sobre “As lições da City University de New York para o estabelecimento de cotas nas universidades brasileiras. O texto completo está disponível no site do Brazilink. Em resumo:

“Lessons from the City University of New York for the Establishment of Quotas for University Admission in Brazil” provides new information that is relevant to the discussion of establishing quotas for University Admissions in Brazil. It describes a compensatory program “Search for Education, Elevation, and Knowledge” (SEEK) for low income and minority students, and presents retention and graduation rates for regularly admitted and SEEK students both as a group and for black and for white subgroups. Data regarding the impact of the degree of academic deficiency when admitted on retention rates is presented. We do not have enough information to estimate what share of the lower retention and graduation rates of blacks than of whites is due to socioeconomic conditions and what share is due to color. We note that the differential between blacks and whites is now roughly the same among regularly admitted and SEEK students.

Regularly admitted students graduate more rapidly than SEEK students; however, SEEK students’ retention rates are greater than those of students with equally deficient academic preparation who are not in the SEEK program. The importance of using low or no cost techniques to improve teaching and other school conditions and of increasing housing integrated by income to provide better education at pre-university levels is presented as policy choices that should be considered as well as quotas in evaluating the appropriate distribution of spending on interventions throughout the educational system, from pre-kindergarten through university levels.

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