A Redescoberta da Cultura

Simon Schwartzman

São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1997

Apresentação

I - As ciências sociais e a cultura

A transição mineira

Os paradigmas e o espaço das ciências sociais

O lugar das ciências sociais

A redescoberta da cultura

II - Fragmentos de sociologia do conhecimento

O sentido da interdisciplinaridade

Os Dinossauros de Roraima

Os paradoxos da ciência e da tecnologia

III - Os intelectuais e a organização do trabalho intelectual

A força do novo

Ciências, Profissões e Universidades

O Espelho de Morse

Modernidade e Pós-Modernidade


Apresentação

Não deve ser por acaso que o tema da cultura, que acompanha as ciências sociais desde suas origens, esteja sendo redescoberto nos últimos anos, e apresentado como a grande solução para os impasses e as dificuldades dos projetos de desenvolvimento e modernização contemporâneos. Aplicado às ciências como um todo, o tema da cultura leva ao questionamento das pretensões de objetividade dos cientistas, e à desconstrução de seus projetos tecnocráticos; aplicado às ciências sociais, coloca em questão a utilidade dos estudos comparados, o valor das teorias e a confiabilidade dos dados, e declara a superioridade da intuição e da literatura, quando não da raça e da religião; aplicado aos sistemas educacionais e de formação profissional, o tema da cultura sustenta a crítica à educação formal, ao valor dos títulos e diplomas, e ao sentido das especializações profissionais.

Bastam estas observações para percebermos que o tema da cultura se apóia em terreno firme, porque o projeto iluminista de desenvolvimento, do qual a expansão da educação e o desenvolvimento das ciências fazem parte, é, de fato, problemático, por razões que vão do uso militar dos conhecimentos científicos à deterioração progressiva do meio ambiente, passando pelas desigualdades sociais e o desemprego estrutural, que parecem irredutíveis mesmo nas sociedades mais ricas. As dificuldades com o tema da cultura não são os questionamentos que ele traz, mas o que ele pretende apresentar como alternativa. No passado, os temas da Religião, da Nação, da Raça e da Classe pareciam oferecer respostas sólidas, mas geraram horrores piores do que os que buscavam resolver. Hoje muitos destes temas ressurgem, às vezes camuflados, às vezes em combinação com diferentes formas de niilismo e obscurantismo intelectual.

Mas o tema da cultura não tem porque se manifestar somente como arma intelectual no combate ao iluminismo e ao modernismo, ou de luta por prestígio e reconhecimento em disputas departamentais ou por espaço nos suplementos literários dos jornais. Despida de suas ambições ideológicas, a redescoberta da cultura permite reintroduzir, nas ciências sociais, as questões de conteúdo e de sentido da vida em comum que eram centrais na obra de um Max Weber, e que acabaram sendo postas de lado pelo formalismo da sociologia do pós-guerra. Aplicada às ciências como um todo, ela permite reencontrar a natureza profundamente social, ou cultural (aqui os termos de equivalem) dos processos de elaboração e institucionalização do conhecimento, que o projeto iluminista tratou, em vão, de ocultar(1).

Escritos ao longo de vários anos com diferentes propósitos, os ensaios reunidos neste volume devem ser vistos como aproximações sucessivas ao tema geral do papel do conhecimento nas sociedades modernas, desde a perspectiva das críticas, mas também das importantes contribuições, que o tema da cultura traz a seu entendimento(2). Este denominador comum não foi intencional, mas resultou de uma releitura dos textos, e acabou por proporcionar um critério para a organização do livro, A esperança é que ele possa servir também de fio condutor para o entendimento de muitos outros trabalhos produzidos nestes anos, e não reproduzidos aqui.

Rio de Janeiro, Agosto de 1995



Notas

1. Para entender entender este jogo de ocultamento, nada melhor do que o brilhante ensaio de Bruno Latour, Nous n'avons jamais été modernes: Essais d'anthropologie symmétrique, Paris, La Découverte, 1991, traduzido recentemente ao português.

2. Este livro retoma, em certo sentido, os temas tratados em S. Schwartzman, Ciência, Universidade e Ideologia: a Política do Conhecimento (Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1981).