Ministério da Cultura para que?

Duas nomeações na área da cultura – a do palhaço Tiririca para a Comissão de Educação e Cultura da Camara de Deputados e a do sociólogo Emir Sader para a direçao da Casa Ruy Barbosa no Rio de Janeiro,que petence ao Minstério da Cultura – permitem perguntar para que serve mesmo este Ministério, e se já não estaria na hora de acabar com ele.

O Ministério da Cultura no Brasil foi desmembrado do Ministério da Educacão em 1985 pelo governo Sarney, e tem sua origem nos projetos do Ministério da Educação no Estado Novo que incluiam, de um lado, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico, que cuidaria da preservação do patrimônio arquitetônico e cultural do país, e, por outro, as idéias de Mario de Andrade sobre uma redescoberta da verdadeira cultura nacional, levando à frente o projeto modernista dos anos 20. A estes dois componentes – o patrimonial e o ideológico – foi acrescentada, mais adiante, a função de financiar e manter as atividades de “alta cultura” que o mercado por si só não conseguiria financiar, como a música clássica, o cinema e o teatro “de qualidade”, etc.

O Ministério foi extinto por Fernando Collor em 1990, mas ressucitado logo depois por Itamar Franco. Foi sempre um Ministério menor, apesar de alguns titulares ilustres, como Celso Furtado no governo Sarney e Francisco Weffort no governo Fernando Henrique Cardoso (de cujas políticas culturais eu não saberia dizer nada, talvez por ignorância minha, mas que acredito que concentraram sua atenção no lado patrimonial do Ministério, mais o apoio à “alta cultura” dependente do Estado). O Ministério adquiriu nova preeminência com a nomeação de Gilberto Gil que, entre 2003 e 2008, de alguma forma, tentou retomar a proposta de Mário de Andrade de fazer surgir e consolidar a cultura popular. Com seus recursos limitados, de financiador de música, teatro e cinema erudito, o Ministério se transforma em financiador e mobilizador de manifestaçoes artísticas populares, criando uma nova clientela de organizaçoes sociais que se estruturam para captar e distribuir seus recursos.

É esta nova orientação que explica a indicação de Tirica, com o Deputado Lincoln Portela, presidente do PR que o indicou, dizendo que “educação é uma coisa, cultura é outra”, e afirmando que a experiência prática de Tirica no mundo circense poderia ser usada para fortalecer este lado da cultura nacional. Pode ser.

No caso da indicação de Emir Sader, que pretenderia, pelas declarações recentes a jornais, transformar a Casa Ruy Barbosa em um centro de grandes debates intelectuais, a idéia não causaria espécie – debates intelectuais são sempre benvindos. Por outra parte, a lista peculiar de intelectuais que ele pretende trazer para os debates (em seu blog ele cita nominalmente “de Marilena Chauí a José Murilo de Carvalho, de José Miguel Wisnik a Caetano Veloso, de Tania Bacelar a Bresser Pereira, de Carlos Nelson Coutinho a Maria Rita Kehl, de José Luis Fiori a Chico de Oliveira”), e mais sua trajetória de defesa incondicional de lideres como Hugo Chavez e Evo Morales, faz que os resultados destes debates já estejam de alguma forma pre-definidos (sem com isto querer dizer que todos os citados pensem como ele).

Não acredito que este projeto vá muito longe, e nem que consiga afetar o próprio Ministério da Cultura.  Mas não custa lembrar que, fora do Brasil, existem dois exemplos importantes de criar um Ministério da Cultura e colocá-lo a serviço de grandes projetos ideológicos de governo. O mais conhecido foi o Ministério de “Ilustração Pública e Propaganda” de Joseph Goebbels, nos anos 30, a serviço do Nazismo, e o outro o Ministério da Cultura francês de André Malraux, a serviço das idéias de “grandeur” de Charles de Gaulle. No Brasil tivemos, no Estado Novo, o famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda, diretamente inspirado em Goebbels, que durou tanto quanto a ditadura de Vargas, e não precisamos nem queremos mais isto; e como não temos “grandeur”, e tampoco intelectuais orgânicos do porte de Malraux, o exemplo francês também não nos serve.

Nosso patrimônio histórico, artístico e cultural precisa ser cuidado, deve existir e espaço para financiar projetos culturais de qualidade, e temas transversais, como o da propriedade intelectual,  precisam ser discutidos e resolvidos. Nada disto justifica, no entanto, um Ministério da Cultura com as pretensões que alguns pretendem que ele tenha. Uma simples secretaria, como tentado por Collor, daria conta do recado.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

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