A obrigação de ensinar sociologia e filosofia na escola

O jornal O Estado de São Paulo me pediu que escrevesse uma nota sobre o tema da obrigação de ensinar sociologia e filosofia na escola, em uma sessão denominada “a questão é”, no Caderno Aliás, na edição de 29/08/07. Eu opiniei contra, e tem lá um comentário a favor. O meu comentário foi o seguinte:

A idéia de que os jovens, na escola, aprendam sociologia e filosofia, pode ser importante, assim como é importante que eles aprendam economia, direito, antropologia, estatística, demografia, psicologia, ecologia, genética e epidemiologia, além do que já é, por tradição, obrigatório – física, quimica, biologia, história, geografia, inglês, matemática, português, artes, literatura,
educação física.

Com tantas matérias, os programas são superficiais, os professores muitas vezes não entendem o que ensinam, os alunos estudam para passar e esquecem no dia seguinte o que decoraram para as provas ou vestibulares. Nos países em que a educação média é de qualidade, todos os estudantes aprendem bem a ler a a usar a matemática, e se aprofundam em algumas áreas ou temas, conforme seus interesses e o que as escolas conseguem oferecer. Ao invés de incluir mais e mais matérias obrigatórias, o que se faz é tornar os cursos mais flexíveis, para que os estudantes possam realmente se educar e aprender.

Introduzir mais cursos obrigatórios é tornar os currículos mais rígidos e mais burocráticos, sem nenhuma garantia de que os alunos vão ganhar algo com isto. Por que sociologia e filosofia, e não economia, direito ou antropologia? Além do mais, como estas áreas são controversas, e a maioria dos cursos superiores brasileiros nestas áreas não são bons, o mais provável é que ensino acabe sendo dado por professores sem a mínima condição de transmitir aos alunos os conteúdos realmente ricos e interessantes que a filosofia e sociologia podem ter.

A obrigatoriedade destas disciplinas foi uma vitória dos sindicatos de sociólogos e de professores de fiosofia, que ganharam assim empregos garantidos para os que têm estes diplomas. Bom para eles, mas um retrocesso a mais no péssimo ensino médio que temos no país.

História, geografia e ciências sociais nas escolas.

Procurado pela reporter da Veja, conversei longamente sobre a questão do ensino das ciências sociais das escolas brasileiras. O que saiu, em uma reportagem sobre as queixas de uma mãe sobre os livros adotados pelo Sistema COC de Ensino, foi eu dizendo que “as crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social superficial, marcada pela crítica marxista vulgar”. Espantada, a professora de geografia Zilda Rodrigues me escreve:

Dito por um sociólogo, numa revista que atinge aos mais variados segmentos sociais e intelectuais, deixa-nos, professores de Geografia, numa situação, no mínimo, constrangedora. Afinal, o que se espera de nós? Uma Geografia puramente descritiva de paisagem ou uma Geografia analítica e crítica da paisagem? O conhecimento geográfico é apolítico?
Certamente, com todo o respeito e admiração que tenho por suas idéias – sou leitora de vários artigos seus, dos livros “Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo” – excelente, aliás e já indiquei a vários colegas; “As causas da pobreza”, que também sempre indico; tal afirmação só pode ter sido descontextualizada, uma vez que, não se pode esperar uma escola cidadã, repetindo amontoados de nomes, fatos e datas que serviriam apenas como “decorebas”. Isso remete-nos a uma época de “obscuridade” das ciências humanas.
Não há dúvidas de que há vasto material didático “marcado pela crítica marxista vulgar”, bem como é urgente maior rigor das editoras na divulgação desse material. Mas daí a defender uma história e geografia que exaltem nomes e datas, há uma distância muito grande. Assim compreendemos(mal?) eu e vários leitores, com quem cça,onversei, a maioria deles professores, claro!…Considerando que nossa opinião não tenha grande peso, como tem a sua, não caberia, portanto, à revista esclarecer melhor tal colocação?
Lembrando Paulo Freire, que ainda continua guiando meus passos “Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, se atrelem a um passado, de exploração e de rotina.”; refletindo sobre o desafio de que “…Para que a pobreza seja vencida, é necessário vontade política e compromisso com os valores da igualdade social e dos direitos humanos; uma política econômica adequada, que gere recursos; um setor público eficiente, competente responsável no uso dos recursos que recebe da sociedade; e políticas específicas na área da educação, da saúde, do trabalho, da proteção à infância, e do combate à discriminação social, e outras. Tudo isto é fácil de dizer, e dificílimo de fazer. A construção de uma sociedade competente, responsável, comprometida os valores de equidade de justiça social, e que não caia na tentação fácil do populismo e do messianismo político, é uma tarefa de longo prazo, e que pode não chegar a bom termo. Mas não há outro caminho a seguir, a não ser este.”
Creio tratar-se de um lamentável equívoco… Afinal, que papel cabe a nós, professores, na construção dessa sociedade?

O que tratei de explicar para a reporter foi que, no passado, o ensino da história nas escolas se limitava quase que à narração de uma cronologia de reis e batalhas, que os alunos tinham que decorar. Este tipo de história, que corresponde ao que os ingleses chamam de “Whig history”, e que poderíamos traduzir para “história de salto alto”, interpretava o passado como uma marcha acendente da civilização até o presente, moldada pelos grandes feitos dos políticos. Eu lembrei que, ao final dos anos 30, na França, surgiu uma nova maneira de ver a história, como processos de longo prazo, que deveriam ser entendidos com o auxílio das diversas ciências sociais. Esta nova história, conhecida como a da “ Escola dos Annales”, e representada por autores como Marc Bloch, Lucien Febre, e, depois, Fernand Braudel, teve muitos desdobramentos, e hoje a historiografia é muito diversficada, cobrindo desde a história política mais tradicional até a história econômica, história social, história das mentalidades e história da cultura, entre outros.

O problema é como transformar esta história mais aberta e cheia de especializações em um curriculo escolar. Um bom curso de história, me parece, deve dar o contexto e a interpretação dos grandes processos sociais, mas deve também dar aos estudantes um marco de referência clara, um “mapa” dos principais eventos que fazem parte de nossa memória histórica, do período clássico até a história mais recente – o que foram a civilização do Egito, o Império Romano, a Idade Média, a revolução industrial, o período das descobertas, os impérios coloniais, a guerra fria… Não há como fazer isto sem nomes de países, de personalidades e datas relevantes.

Na geografia, o problema é parecido. Mais talvez do que a história, o que era antigamente geografia está hoje dividido entre muitas disciplinas diferentes – cartografia, geociências, botânica, economia regional, demografia, sociologia urbana e sociologia rural, entre outras. Os franceses, sobretudo, com sua excelente tradição de ensino, desenvolveram uma geografia para as escolas que procura ser uma síntese didática de tudo isto, com um forte elemento descritivo – é aí aonde os alunos aprendem como são os continentes, os países, as principais formações naturais, os sistemas políticos e econômicos, como o território é ocupado pelo homem – e, claro, quais são os principais rios, e a importância que têm.

A substituição dos antigos cursos de história e geografia pelas ciências ou “estudos sociais”, feita com a boa intenção de acabar com a memorização sem sentido de datas, nomes e acidentes geográficos, redunda muitas vezes na transmissão de interpretações extremamente simplistas e ideologicamente carregadas da história e da atualidade, vazias de conteúdo, que não contribuem em nada para a boa formação dos estudantes.

Eu concordo com a professora Zilda e com Paulo Freire que devemos olhar para o futuro, buscar melhorar nossas sociedades, valorizar e garantir os direitos humanos, etc. Quem poderia pensar diferente? Mas a questão não é esta, e sim decidir o que ensinar nas escolas. E aí minha inspiração não é Paulo Freire, que pregava a junção entre educação e “conscientização”, ou doutrinação, mas Max Weber e seus textos famosos sobre a ciência e a política como vocação. A responsabilidade do professor, que trabalha do lado da ciência, é de formar os estudantes para que eles possam entender o mundo em que vivem e suas diferentes interpretações, e tomar suas próprias decisões. É uma violência, eticamente inaceitável, aproveitar da posição de professor para inculcar nos alunos uma visão e interpretação particular a respeito do passado, do presente e do que deveria ser o futuro. O político é diferente, sua vocação é defender seus pontos de vista, e tratar de destruir os argumentos dos adversários. Todos nós somos, em alguma medida, políticos, porque temos nossos pontos de vista, mas nossa obrigação, enquanto professores, é não forçá-los sobre os alunos. A melhor contribuição que os professores podem dar para a construção de um futuro melhor, me parece, não é conquistando os alunos para suas ideologias, mas dando a eles os fatos, e também as diferentes interpretações e pontos de vista, que lhes permitam exercitar, plenamente, sua cidadania.

Gramsci

Meu artigo “Das Estatísticas de Cor ao Estatuto da Raça”, publicado na Folha de São Paulo de forma resumida e neste blog, foi também disponibilizado no site “Gramsci e o Brasil”, editado por Luiz Sérgio Henriques, de Juiz de Fora. A página, muito bem feita, está pensada como um foro de circulação de idéias sobre as questões brasileiras contemporânas, de forma aberta e plural, e fiquei feliz em que meu texto, tão pouco “politicamente correto” neste Brasil de hoje, tivesse esta acolhida.

Confesso, no entanto, que não acabo de entender por que esta identificação com Gramsci. Muitos anos atrás, eu tentei ler os textos dele, mas não fui muito longe – eram manuscritos escritos na prisão de Mussolini, nos anos 30, tudo muito referido ao contexto da época. Sei que Gramsci foi um dos poucos marxistas a dar importância à questão dos intelectuais, da cultura e da educação, mas, pelo pouco que entendo, ele não era um defensor do livre debate de idéias, e sim da necessidade de criar uma “intelectualidade orgânica” a serviço da luta de classes contra a hegemonia intelectual e cultural da burguesia. Sei também que ele se tornou uma marca ou símbolo de uma vertente do marxismo que procura ser mais aberta e flexivel, no tratamento das questões da cultura, do que o marxismo dogmático da tradição leninista-stalinista.

Mas Lênin e Stalin estão mortos, fisica e intelectualmente, há muito tempo, e me parece difícil conciliar a visão orgânica e politizada da cultura em Gramsci com uma posição intelectual efetivamente aberta e própria das sociedades democráticas contemporâneas. Se eu tivesse que escolher um intelectual marxista como referência, eu teria outras escolhas – Georgy Lukács, para começar, ou Henry Lefebvre. Mas não vejo razão para esta identificação com antigos autores da linhagem marxista, quando o mundo das idéias sobre a cultura e os intelectuais é muito mais amplo e mais interessante do que isto.

Enfim, é a escolha de cada um.

Séries históricas da PNAD atualizadas

Estão disponíveis, no site do IETS, as séries históricas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domícios (PNAD) do IBGE, atualizadas para o período 1992-2005. São indicadores sobre trabalho, renda, educação, família, pobreza e desigualdade e domicílio, por estado e por região metropolitana. Os dados podem ser visualizados diretamente (em html) ou baixados em formato Excel.

Estas séries tem sido um importante instrumento para acompanhar e entender a evolução do país nestes 14 anos, em seus diversos períodos. A página é interativa, e comentários sobre estes resultados são benvindos.

Guerreiro Ramos e a consciência negra

Em 1954, Alberto Guerreiro Ramos publicava “O Problema do Negro na Sociologia Brasileira“, uma crítica brilhante e que se tornou clássica do que até então os sociólogos e antropólogos chamavam de “problema do negro” no Brasil. Em 1981, editei um volume com uma seleção de artigos dos Cadernos de Nosso Tempo que incluia este texto, difícil de encontrar, mas que agora está disponível na Internet. Dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra no Brasil, e este era, justamente, o tema central do artigo de Guerreiro Ramos.

Lies, damn lies, and statistics

Como ex-presidente do IBGE, não posso subscrever a esta famosa frase que atribuem a Disraeli, e as vezes também a Winston Churchill: “existem três tipos de mentira: mentira, mentiras malditas, e estatísticas!” Também atribuem a Disraeli outra frase: “a única estatística na qual você pode acreditar é a aquela que você mesmo falsificou! ”

Não é verdade. Na área das estatísticas da pobreza, o IBGE vem coordenando desde 1997 um grupo de trabalho das Nações Unidas sobre o tema, e já existe um forte consenso internacional a respeito das diferentes maneiras de medir e avaliar as condições de pobreza de um país, uma região ou um grupo social. Basta percorrer um pouco esta literatura para vermos que não existe uma maneira única e simples de medir a pobreza, mas um leque de alternativas, cada qual com suas qualidades e suas limitações: pobreza absoluta, pobreza relativa, medidas relacionadas à renda, medidas relacinadas ao consumo de alimentos, às condições de saúde…

Isto não significa que não possam haver diferentes maneiras de usar e interpretar os indicadores disponíveis, como revela o debate entre Claudio Considera e Marcelo Neri relatado aqui, mesmo quando todos utilizam a mesma informação, no caso os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD). É por isto mesmo, também, que eu não penso que seja uma boa idéia definir uma linha de pobreza oficial para o país. Isto significaria adotar, arbitrariamente, uma das diferentes medidas disponíveis, e usá-la para avaliar políticas e criar direitos para determinadas pessoas e regiões, ao invés de tratar de forma diferenciada as diferentes situações de pobreza que existem no país, na área rural, nas cidades, entre os jovens, os velhos, a população indígena, etc.

Quanto à polêmica em si, minha única observação é que não gosto do uso de percentagens sobre percentagens como medida de evolução ou mudança. Veja por exemplo o que acontecia com a frequência à escola para alunos do quinto mais pobre da população, entre 8 e 13 anos de idade, em relação aos que recebiam ou não a bolsa escola em 2003, conforme a PNAD 2003. Para os que não recebiam a bolsa, a percentagem de ausentes à escola era de 2,7%. Para os que recebiam a bolsa, a percentagem de ausentes era 0,7%. Dividindo um pelo outro, poderíamos concluir que o programa de bolsa escola tinha um fortíssimo impacto neste grupo, já que diminuia a ausência escolar em quase quatro vezes. Olhando pelas diferenças de percentagem, no entanto, a conclusão é oposta: para este grupo, a diferença é de 99.3 para 97.3, ou seja, um aumento de 2% somente, o que significa que o impacto do programa era praticamente nenhum (a análise completa está disponível aqui).

Como nos tempos do Estado Novo: obrigatoriedade da sociologia e filosofia no ensino medio

Tenho recebido uma chuva de mensagens pedindo apoio para a campanha para tornar obrigatório o ensino de sociologia e filosofia no ensino médio. O principal promotor desta campanha é o sindicato dos sociólogos de São Paulo. A Lei de Diretrizes e Bases diz que os estudantes oriundos do ensino médio devem demonstrar ” domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Ora, quem sabe sociologia e filosofia são os sociólogos e filósofos formados nestas disciplinas, e quando a lei passar a ser cumprida, eles serão contratados para dar estes cursos, criando um grande mercado de trabalho para estas profissões e, ao mesmo tempo, formando melhores cidadãos para o pais. Bom para os sociólogos e filósofos profissionais, e bom para todo mundo. Certo?

Não, errado! No passado, a tradição era que o governo definia, nacionalmente, os currículos de todos os cursos, que eram obrigatórios para todas as escolas. A conseqüência era que o ensino se dava de forma burocrática, ritualizada, e os estudantes tinham que aprender um amontoado de conhecimentos inúteis e mal dados, que eram esquecidos rapidamente. Em grande parte, isto ainda é assim. A Lei de Diretrizes e Bases de 1996, ainda que de forma imperfeita, buscou mudar isto. Ela estabelece, de forma bastante ampla, que os estudantes devem adquirir conhecimentos de ciências naturais, linguagem e ciências sociais e humanas, e que os governos, nos seus diferentes níveis. devem estabelecer as “competências e diretrizes” da educação em seus diversos níveis, “que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos” dos diferentes cursos. Ela menciona filosofia e sociologia (erradamente, me parece), da mesma forma que poderia mencionar disciplinas tradicionais do ensino médio, como geografia e historia, e disciplinas que obviamente deveriam existir, como o direito, a economia, a computação e a estatística. Em principio, cada escola deveria poder organizar seu programa de estudos como achasse melhor, e os estados e municípios poderiam estabelecer requisitos mais específicos para seu âmbito de atuação, que as escolas deveriam atender, sem perder sua autonomia.

Mas o publico, de uma maneira geral, não entendeu isto, e os governantes tampouco. As demandas pelo ensino obrigatório de diferentes disciplinas não para de crescer: educação ambiental, língua castelhana, agora sociologia e filosofia – porque não antropologia e demografia, e trazer de volta a historia e geografia, e mais a economia e o direito, sem falar das novas áreas cientificas e técnicas, como computação, biotecnologia e nanotecnologia? E a teologia, ou religião? Milhares de novos professores seriam contratados para estes cursos obrigatórios, e os alunos que se virem para entender e memorizar todos estes novos conteúdos!

Isto não tem como dar certo. Do ponto de vista dos alunos, este tipo de educação enciclopédica, formada pela soma de pequenos fragmentos de conhecimentos das diversas disciplinas, não faz o menor sentido. O estudantes precisam dominar a linguagem verbal e simbólica das matemáticas, e é importante que entendam o que são as ciências, o que é o mundo das relações sociais e econômicas, e o que são as instituições. Isto pode ser feito de muitas maneiras diferentes, e existem formas de verificar se de fato estes conhecimentos básicos estão sendo adquiridos e incorporados (vejam por exemplo as avaliações internacionais da OECD, o PISA). O mais importante não é o conhecimento extenso, de um monte de fragmentos, mas o conhecimento o mais aprofundado possível de algumas áreas, com as quais as escolas possam ter mais afinidade. No nível médio, algumas escolas podem preferir se aprofundar na formação literária, outras na formação em ciências biológicas, outras na formação filosófica ou sociológica, ou em determinadas línguas estrangeiras. Idealmente, os alunos, e suas famílias, deveriam poder escolher as escolas conforme suas especialidades. Mesmo não havendo esta possibilidade, se a escola trabalhar bem seus temas, o mais provável é que todos os alunos se beneficiem.

Meus colegas do sindicato de sociólogos que me perdoem, mas sociologia não é, nunca foi e provavelmente nunca será uma profissão, e sim uma disciplina acadêmica, com fronteiras pouco definidas e conteúdos muito variáveis. Como disciplina, ela se aproxima mais de áreas como a filosofia, antropologia e economia do que das profissões estabelecidas como o direito ou a medicina. Os conhecimentos relativos ao mundo das relações sociais, assim como das questões da ética e da moralidade, não são privilégios dos sociólogos e filósofos portadores dos respectivos diplomas, mas estão presentes, de diversas formas, em outras disciplinas, como a teologia, a antropologia, o direito, a historia e a critica literária. Fazer com que as escolas contratem, obrigatoriamente, pessoas com diplomas de sociólogo ou filosofo não é nenhuma garantia de que os estudantes irão adquirir conhecimentos relevantes nestas áreas, inclusive porque a Lei de Diretrizes e Bases não diz, nem teria como dizer, que conteúdos específicos em sociologia ou filosofia os estudantes deveriam aprender. Dada a qualidade geralmente precária dos cursos superiores de sociologia e filosofia no pais, criar esta obrigatoriedade seria, simplesmente, enrijecer ainda mais o currículo escolar, e tornar o ensino médio pior ainda do que já é .

Eu vejo um papel importante para sociólogos e filósofos em relação ao ensino médio, que é o de pensar e propor, a partir de seus conhecimentos, conteúdos que poderiam ser de interesse das escolas, preparando livros e materiais pedagógicos de qualidade, e tratando de convencer as escolas da importância de seus conhecimentos para a formação dos jovens. Mas isto deve ser feito de baixo para cima, a partir do trabalho com as escolas, e não de cima para baixo, pela promulgação de leis de ensino obrigatório, como nos velhos tempos do Estado Novo.

Idéias de 2005

Começo o ano com a sensação de não ter nada a dizer além do que todo mundo já está dizendo, e muito melhor… Em todo caso, algumas coisas merecem destaque:

Homem de idéias – Bernardo Sorj recebeu do “Caderno de Idéias” do Jornal do Brasil o titulo de Homem de Idéias de 2005”. Nada mais merecido, pelos livros que vem publicando e pela tentativa de pensar de forma original, livre dos velhos esquemas interpretativos, a nova sociedade que está sendo formada no país. O que surpreende, positivamente, é que o jornal tenha escolhido um intelectual que realmente trabalha com idéias, em vez de cultivar a midia, como fazem muitos de seus concorrentes…

Homem sem idéias – Fernando Veríssimo, em uma crônica, protesta contra os que o colocam junto com os “intelectuais silenciosos” que primaram pela sua ausência no ano passado. Como, diz ele, eu que tive que falar tanto sobre o meu pai? Ah, bom, como diria o Ancelmo Gois…

Estado de emergência nas estradas – Durante anos, eu sofri um processo do Tribunal de Contas da União, porque decidi contratar uma firma de publicidade sem licitação para fazer a campanha do IBGE da contagem populacional de 1996. Fiz isto porque o dinheiro chegou na última hora, e, ou a campanha era feita logo, ou a contagem tinha que ser suspensa. Como as taxas das firmas de publicidade são fixas, escolhemos a que tinha ganho a licitação mais recente, conforme o parecer da procuradoria. Os auditores do TCU disseram que isto não era desculpa, e me acusaram de imprevidência. A absolvição só veio no inicio de 2005. Agora vejo que o governo federal decretou “estado de emergência” para poder gastar o dinheiro de obras das estradas. Isto significa que não vai haver licitação, e que o governo vai poder contratar as empreiteiras como quiser? Todos parecem contentes porque os buracos das estradas serão tapados, mas ninguem está comentando o que este tal de “estado de emergência” significa, e porque o governo não tomou esta decisão antes, e seguiu os procedimentos normais de licitação. Será que o TCU vai achar que, neste caso, não houve negligência?

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