Eu gostaria de contribuir com algumas reflexões a respeito do post intitulado “O Ensino Superior Privado no Brasil”, no qual Simon disponibiliza o seu texto preliminar sobre o referido assunto. O texto está muito bom, mas gostaria de acrescentar algum contexto à Tabela 6, que indica que mais de 60% dos estudantes do ensino superior estudam em instituições com fins lucrativos. Parece-me que a divisão entre instituições com e sem fins lucrativos merece mais atenção na literatura sobre ensino superior brasileiro. Meus argumentos abaixo baseiam-se em um estudo aprofundado sobre o debate em torno das instituições com fins lucrativos, realizado durante meu estágio na Universidade de Stanford (EUA) como Senior Fellow do Lemann Center.
A distinção entre instituições de ensino superior com e sem fins lucrativos é nebulosa. Ambas oferecem serviços semelhantes, possuem estruturas organizacionais parecidas e estão sujeitas a processos semelhantes de avaliação e regulação. No Brasil, poucos sabem se uma dada instituição é ou não com fins lucrativos, em parte porque muitas das atuais instituições com fins lucrativos eram, no passado, sem fins lucrativos e aparentemente permaneceram inalteradas, mantendo o nome anterior e, em muitos casos, preservando grande parte dos mesmos professores e membros da equipe administrativa. Além disso, tanto instituições com fins lucrativos quanto as sem fins lucrativos tendem a cobrar mensalidades dos alunos, buscar gerar receita e, para garantir sua sobrevivência, procuram maximizar a diferença entre receitas e despesas. Mas, apesar dessas semelhanças, existem diferenças fundamentais, não apenas em termos de status jurídico e obrigações fiscais, mas também quanto à finalidade e ao controle. A principal distinção não é se há obtenção de receita, mas sim o uso e a destinação dessa receita. No caso das instituições com fins lucrativos, o excedente (receitas – despesas) vai para os proprietários e investidores, que podem usar o dinheiro recebido como desejarem. Assim, aqueles que tomam as principais decisões e formulam as políticas institucionais se beneficiam diretamente, em termos financeiros, de sua atuação. Esse não é o caso das instituições sem fins lucrativos. A política geral é determinada por conselhos institucionais compostos por membros que não são remunerados por seus serviços e que, portanto, não têm interesse financeiro pessoal e direto em suas deliberações. Aqueles que recebem salários e tomam decisões operacionais respondem a pessoas que não recebem salários e só podem ser ressarcidas por despesas. Qualquer excedente deve, por lei, ser reinvestido na organização ou em atividades educacionais correlatas. Os indivíduos que investem ou administram a instituição não podem utilizar o excedente para fins de natureza pessoal. Esse ponto é resumido na definição oficial de instituições com fins lucrativos usada nos Estados Unidos, segundo a qual elas são aqueles estabelecimentos em que “os que estão no controle recebem compensações além de salários, aluguéis ou outras despesas pela assunção do risco” (KINSER; LEVY, 2006, p. 111).
Embora o modelo sem fins lucrativos sofra distorções na prática, a diferença entre o status sem fins lucrativos e com fins lucrativos pode ser crucial. Na literatura internacional, tem-se observado que essa distinção pode ser entendida como a diferença entre “receitas para a educação versus educação para gerar receitas”, ou entre “educação para o bem público versus educação oferecida como um serviço ao cliente”, ou ainda entre “educação para benefício social versus educação para ganho privado” (HENTSCHKE; LECHUGA; TIERNEY, 2010).
Essas distinções são simplificações excessivas e frequentemente distorcem a realidade, mas são significativas ao evidenciarem que os incentivos de formulação de políticas e de tomada de decisão diferem entre os dois tipos organizacionais — e que essa diferença pode se relacionar com a questão da qualidade educacional. A busca pela maximização dos lucros promove ou compromete as perspectivas de promoção da qualidade em nome da excelência acadêmica? Essa é uma questão amplamente debatida na literatura internacional, e a resposta simples é que depende de uma variedade de fatores. Alguns estudiosos argumentam que a maximização das receitas e a minimização dos custos podem levar a mensalidades excessivamente altas, recrutamento pouco ético, dependência excessiva de financiamentos estudantis públicos e distorções na divulgação de informações sobre qualidade educacional. Isso também pode gerar incentivos para reduzir salários docentes (e, portanto, qualificação), aumentar ao máximo a relação aluno/professor e manter os gastos com custeio e investimento no nível mais baixo possível (HALPERIN, 2014).
Por outro lado, muitos analistas renomados defendem a confiança nas forças de mercado para a formulação de políticas de ensino superior. Tooley (1999), por exemplo, descreve sete virtudes do motivo de lucro, argumentando que ele cria incentivos concretos para expandir e diversificar o ensino superior, estabelecer mecanismos de administração eficaz, promover controle de qualidade, buscar o uso eficiente de recursos escassos, dar atenção especial às necessidades e preocupações dos estudantes e atrair recursos adicionais para o financiamento de iniciativas educacionais. Kinser (2013), de forma semelhante, vê a dicotomia qualidade/lucro como falaciosa, sustentando que “os caminhos para a lucratividade não exigem um produto de baixa qualidade” (p. 2) e que “a qualidade não precisa sofrer, nem os gastos educacionais precisam ser menores, para que haja geração de excedente” (p. 3).
Pode-se concluir que o modelo com fins lucrativos incorpora aspectos que podem ser considerados tanto positivos quanto negativos. Nesse sentido, é útil considerar achados concretos, relatados na literatura internacional, sobre como as instituições com fins lucrativos se comportam e desempenham suas atividades na prática, especialmente no que se refere a saber se o ensino superior com fins lucrativos (1) promove oportunidades de acesso ao ensino superior, (2) opera de forma ética e (3) oferece um nível de educação que atenda a padrões de qualidade reconhecidos. Para responder a essas questões no contexto brasileiro, ainda é necessária uma quantidade considerável de pesquisas. Para reflexões preliminares sobre as indagações mencionadas, consulte Verhine & Dantas (2020).
Referências:
HALPERIN, D. Stealing America’s Future: How For-Profit Colleges Scam Taxpayers and Ruin Students’ Lives. Washington D.C.: Republic Report, 2014.
HENTSCHKE, G.C.; LECHUGA, V.M.; TIERNEY, W.G. For-Profit Colleges and Universities: Their Markets, Regulation, Performance, and Place in Higher Education. Herndon VA: Stylus, 2010.
KINSER, K. The quality-profit assumption. International Higher Education, n. 71, Spring, p. 12-13, 2013.
KINSER; K.; LEVY, D.C. For-profit higher education: U.S. tendencies, international echoes. In: J.F, FORREST, J.F.; ALTBACH, P.G (eds.), International handbook of higher education. New York, NY: Springer, p. 107-119, 2007.
TOOLEY, J. Should the profit sector profit from education? Educational Notes. No. 31. London: Liberatarian Alliance, 1999.
VERHINE, R.E.; DANTAS, L.V. The evaluation and regulation of for-profit higher education in Brazil, Práxis Educacional (online) v. 16, p. 265-282, 2020.