Pesquisa e pós-graduação para os novos tempos

(publicado em O Estado de São Paulo, 11 de fevereiro de 2022)

A partir de 2023, se tivermos um governo minimamente razoável, vai ser necessário recuperar e recompor o sistema federal de pós-graduação e pesquisa, hoje tão dilapidado. O primeiro passo é reconhecer que, desde que foi criado nas décadas de 1960 e 1970, ao lado de suas virtudes, este sistema vem acumulando uma série de deformações que precisam ser enfrentadas. O segundo é colocar à frente das principais agências – Ministério de Ciência e Tecnologia, CAPES, CNPq, FINEP – lideranças que entendam o que deve ser feito e tenham a necessária reputação e legitimidade entre seus pares para convocá-los para este trabalho. O terceiro é recompor os orçamentos destas instituições, pelo menos nos níveis de dez anos atrás.

Que deformações são essas? Meio século atrás, o número de instituições de pesquisa no país podia ser contado nos dedos, e o número de pesquisadores, em algumas centenas. Poucas pessoas chegavam à educação superior, e não existiam cursos de pós-graduação. A reforma universitária de 1968 procurou trazer a pesquisa para as universidades federais, criando cursos de pós-graduação e exigindo que os professores tivessem títulos de doutor e contratos de tempo integral. Nos anos 70 a FINEP, com recursos dos Planos Nacionais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, começou a criar centros de pesquisa e, junto com a CAPES e o CNPq, a dar bolsas para quem quisesse e tivesse condições de fazer cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior.  Fazia sentido.

Hoje, dependendo de como se conta, temos cerca de 200 mil pesquisadores e mais de 6 mil cursos de pós-graduação regulados pela CAPES, com 140 mil estudantes de doutorado e 200 mil de mestrado.  Além disto, existem cerca de um milhão de estudantes em cursos de pós-graduação “lato sensu”, pouco ou nada regulados, como os MBAs e cursos de especialização. O IBGE registra a existência de 477 mil doutores no país, um quarto dos quais vinculados  aos programas de pós-graduação das universidades. 

Fazer pós-graduação pode significar coisas muito diferentes para diferentes pessoas. Para muitos, é uma maneira de garantir um bom lugar no mercado de trabalho, como profissional especializado. Para outros, é uma maneira de obter um título para subir na carreira universitária, sobretudo em universidades públicas. E para outros, uma minoria, é uma porta de entrada para uma carreira de pesquisador, seja em universidades ou em institutos públicos e privados.  Não são coisas excludentes, é possível ter os três objetivos ao mesmo tempo, mas na prática nem todos que se especializam ensinam, e nem todos que se especializam e ensinam fazem pesquisa. 

Se ser estudante de nível superior no Brasil é um privilégio, ser estudante de pós-graduação é um privilégio maior ainda. A renda familiar per-capita dos estudantes nível médio em 2021 era de 960 reais; dos estudantes de nível superior, 1.800 reais; e dos estudantes de pós-graduação, mais de 4 mil reais. Entre os que só ficam no nível superior depois de formados, a renda média chega a 2.900; para quem tem especialização, a 4.700; e para quem tem mestrado e doutorado, entre 6.500 e 8 mil reais por mês. Considerando estes números, o tamanho que o sistema de pós-graduação e pesquisa atingiu, e os diferentes objetivos das pessoas que entram neste sistema, será que a ideia de que todos precisam ser igualmente subsidiados ainda se justifica?

Claramente não. Com tanta gente, mesmo na melhor das condições, não haverá recursos para financiar bem a pesquisa e a pós-graduação de excelência. Uma bolsa de doutorado da CAPES ou CNPq hoje é de cerca de 2 mil reais, um terço da renda per capita familiar média dos estudantes, insuficiente para que alguém se sustente em uma grande cidade. A pesquisa científica de excelência no Brasil é concentrada em poucas universidades e departamentos, mas todos os professores do sistema federal, pesquisem ou não, ganham a mesma coisa, o que significa que ganham relativamente mal. Faria mais sentido que os profissionais bem-sucedidos que fazem mestrados e doutorados para subir no mercado de trabalho pagassem seus cursos, como já fazem com as especializações. As universidades deveriam ter carreiras separadas para professores pesquisadores de tempo integral e professores que se dedicam ao ensino, com contratos de tempo parcial e sem que sejam obrigados a passar por doutorados de pesquisa que não são de seu interesse; e alunos de doutorado poderiam trabalhar como auxiliares de ensino ou pesquisa enquanto estudam. Com isto haveria recursos para que os investimentos em pesquisa sejam substancialmente aumentados e concentrados nas pessoas e programas mais promissores, de melhor qualidade e que realmente necessitem.

São mudanças profundas que afetam a regulação e o financiamento do setor, e não esgotam a agenda, que precisa ainda incluir os temas da relevância, da eficiência, da internacionalização e da superação das barreiras que ainda separam a pesquisa da pesquisa pública e empresarial.  Mas seria um bom recomeço.

Ainda sobre a idade dos doutorados

Por que os doutores no Brasil se formam muito mais velhos do que nos Estados Unidos? Como mostrei em uma postagem anterior, nos Estados Unidos, 45% dos doutores se formam com menos de 30 anos, e têm uma longa vida profissional pela frente. No Brasil, são somente 10%. No outro extremo, 18% dos doutores brasileiros adquirem seus títulos com mais de 45 anos, quando já terão menos tempo de vida profissional; nos Estados Unidos, são somente 7%.

Para entender melhor o que está acontecendo, comparamos as idades de titulação no Brasil por grandes áreas de conhecimento e pelos conceitos da CAPES. O que observamos é que os doutores nas ciências naturais se formam muito mais cedo do que nas ciências sociais e humanas, e que os doutores dos cursos de conceitos mais altos se formam também mais jovens.

Será que existe algo nas ciências sociais e humanas que explica as diferenças, ou é uma diferença de qualidade, estes cursos são piores, e por isto atrasam o doutoramento de seus alunos? Comparando as duas tabelas, vemos que as as áreas de conhecimento explicam 18,1% da variação, e os conceitos da CAPES, 13,1%. Então, não é só uma questão de qualidade (supondo que os conceitos da CAPES são equivalentes entre as áreas de conhecimento, o que não é garantido). E não é verdade que os doutorados das ciências sociais e humanas levam mais tempo. Em todas as áreas de conhecimento, são 50 meses em média entre a matrícula e a titulação, com muito pouca variação. Quatro anos é o tempo normal para um doutorado, o que invalida a ideia de que os doutorados se prologam porque as bolsas são pequenas e os estudantes precisam trabalhar. Eles não se prolongam, os estudantes é que entram nos cursos mais velhos.

Existem outras possíveis explicações que os dados disponíveis, infelizmente, não permitem verificar. Uma é que os doutorados tardios ocorrem entre pessoas já empregadas, para os quais o doutorado interessa sobretudo pela titulação, e não para iniciar uma carreira de pesquisas, e isto seria predominante nas ciências sociais e humanas. Outra é que os doutorados se retardam pela exigência que ainda é comum, no Brasil, de que os alunos completem primeiro os mestrados, o que pode levar dois ou mais anos. A outra ainda é que a distribuição de idade dos doutorandos no Brasil seja semelhante à dos países europeus, e que os Estados Unidos sejam anômalos em relação a isto.

Seja como for, parece óbvio que, do ponto de vista das políticas públicas, deve haver um esforço para que as pessoas façam e terminem seus doutorados ainda jovens, para que possam começar suas carreiras com alta qualificação e possam ter uma longa e produtiva vida profissional.

A idade dos doutores no Brasil e USA

Na postagem anterior eu fiz uma comparação entre a distribuição das idades de formatura dos doutores nos Estados Unidos, obtida no site Statista, com a idade dos alunos de doutorado no Brasil, usando para estes a informação obtida pela Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar Continua do IBGE (PNAD). O que se viu é que no Brasil as pessoas tendem a fazer o doutorado muito tarde, e não, como nos Estados Unidos, no início de suas carreiras.

Havia no entanto dois problemas com esta comparação. O primeiro é que o número de alunos de doutorado que aparecem na amostra do IBGE é muito pequeno – 190, em uma amostra de 320 mil, o que significa que a margem de erro é muito grande. O segundo é que não é possível separar os que estão estudando dos que estão se formando.

Por sorte, os dados da Plataforma Sucupira da CAPES para 2020 têm esta informação detalhada, e refiz a tabela trocando os dados da PNAD por estes. No novo gráfico, a proporção de pessoas mais velhas nos doutorados brasileiros é menor, mas a tendência geral é a mesma. Já fiz a correção na postagem anterior, e reproduzo o texto revisto aqui:

“A comparação da distribuição de idades entre os titulados nos Estados Unidos e no Brasil, pela informaçã0 da CAPES, no gráfico acima, mostra com clareza a situação. Nos Estados Unidos, 44,7% dos doutores se formam com menos de 30 anos, e, no Brasil, 27,8%. Na outra ponta, nos Estados Unidos 12% dos doutorandos têm 40 anos ou mais, e no Brasil, 30,4%”.

Reconectando com a diáspora

O tema do novo número da Revista de Educación Superior em América Latina, disponível na Internet, é o da necessidade de os países da região se reconectarem com os cientistas que ajudaram a formar e que hoje vivem nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. É um problema antigo que se repete em muitas partes: os países oferecem educação superior gratuita para seus melhores estudantes, dão bolsas de estudo para que completem seus doutorados no exterior, e eles não voltam.

Na década de 70 coordenei a parte brasileira de um estudo internacional sobre o tema, e o que constatamos foi que, apesar do clima de repressão política que havia no país, e de inúmeros cientistas que tiveram que se exilar naqueles anos, os brasileiros que iam estudar exterior, ao contrário do que ocorria por exemplo na Argentina, em geral voltavam. A explicação era simples: o sistema universitário e de pesquisa brasileiro estava começando a se expandir, e bons empregos não faltavam para quem voltasse e não estivesse na mira da polícia política.

Esta situação continuou até a década de 2010, quando começou a se inverter. Hoje, basta conversar com qualquer jovem em idade universitária para ver quantos gostariam ou estão ativamente empenhados em ir estudar ou trabalhar exterior, sem perspectivas de volta. É uma consequência direta da estagnação econômica e da crise política que se instalou em meados da década passada e parece não ter fim, mas também da maneira pela qual nosso sistema de pós-graduação e pesquisa evoluiu.

No passado, jovens talentosos não tinham dificuldade em conseguir uma bolsa de doutorado para o exterior, e muitas vezes já saiam empregados, mantendo os salários e ocupando logo posições de liderança quando voltavam. Mas hoje, as universidades públicas pararam de crescer, só contratam mediante concursos que nem sempre existem, e só para posições iniciais de carreira; e existem muito poucas posições de pesquisa no setor privado.

O Brasil continua formando muitos doutores, mas os doutorados são, em grande parte, um mecanismo de titulação para pessoas mais velhas já empregadas, e menos um sistema de formação e recrutamento de novos talentos. É muito difícil para um jovem doutor, formado no Brasil e no exterior, conseguir uma posição de trabalho atraente. Existem bolsas de fixação, mas elas raramente se transformam em empregos regulares. Em 2021, pela PNAD, havia 148 mil estudantes de doutorado no Brasil, com a idade média de 40 anos.  Destes, 46% eram funcionários públicos, e tinham a idade média de 42 anos (a idade média dos 30% que não trabalhavam era de 35 anos). São dados sujeitos a erro, porque baseados em uma amostra de 190 pessoas com este nível de educação. Mas os dados da CAPES de 2020, os mais recentes, obtidos diretamente das instituições, eram 145.360 – número bem próximo – dos quais 20.075 titulados naquele ano.

A comparação da distribuição de idades entre os titulados nos Estados Unidos e no Brasil, pela informaçã0 da CAPES, no gráfico acima, mostra com clareza a situação. Nos Estados Unidos, 44,7% dos doutores se formam com menos de 30 anos, e, no Brasil, 27,8%. Na outra ponta, nos Estados Unidos 12% dos doutorandos têm 40 anos ou mais, e no Brasil, 30,4%. Dado este quadro, a expectativa é que o Brasil passe a ter uma diáspora cada vez maior de técnicos e cientistas, tal como já ocorre com os demais países da América Latina.

No mundo, China e Índia são, de longe, os países com as maiores diásporas de técnicos e cientistas, e são também exemplos dos benefícios que podem advir de um esforço ativo de reconectar os países com suas diásporas. Os que se foram não necessariamente voltam, mas podem atuar como fontes importantes de contatos, conhecimentos e parcerias com os que ficam. Foi assim que a Índia se transformou em uma grande potência na área de computação, e a China tem investido muito em se reconectar e, se possível, trazer de volta cientistas chineses formados no exterior.  Claro que, para isto, precisa haver, no país, condições políticas, econômicas e espaço institucional para que o trabalho técnico e científico se consolide e se expanda.

Ainda sobre a eleição de Reitores e autonomia universitária

Dando continuidade aos debates sobre a escolha de reitores para as universidades federais, o jornal O Estado de São Paulo de 20 de outubro publicou um texto assinado pela professora Ana Lúcia Gazzola e mais 26 ex-reitores de universidades federais dizendo que elas não podem ficar subordinadas às contingências estritas de mudanças de governos e que “o argumento de que a lista tríplice permite uma correta discricionariedade do presidente da República não resiste à prova da realidade, conforme é possível verificar nas nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro”.  Não poderiam estar mais certos nestes dois pontos.

Me chama a atenção no entanto que, ao citar o texto constitucional que diz, no artigo 207, que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, não digam nada sobre o que acontece com estas três autonomias, cerceadas  que estão pelas diretrizes curriculares do Ministério da Educação e pelas limitações à administração de recursos patrimoniais, financeiros e de política de recursos humanos criadas pelo regime de repartição pública e pelas regras de isonomia a que estão submetidas.  

A outra coisa que sinto falta no texto dos ex-reitores é alguma consideração sobre qual seria o melhor mecanismo para assegurar que as universidades, no exercício de suas autonomias, que deveriam ser muito maiores do que as que têm hoje no Brasil, cumpram as missões para as quais existem e são financiadas com recursos públicos. Porque, como argumentei em um artigo que escrevi recentemente sobre o tema, universidades públicas não são repúblicas soberanas que podem fazer o que queiram, mas instituições que precisam de autonomia para melhor cumprir seus objetivos, mas não para descumprí-los.  No meu artigo, eu sugeri que o sistema de comissões de busca com representantes de dentro e fora das instituições, que é o adotado na maioria dos países com sistemas universitários autônomos e vigorosos, parece o mais adequado, embora ele também esteja sujeito a vicissitudes.

Os ex-reitores, ao se limitar ao tema político do processo de nomeação de seus cargos, perderam uma oportunidade preciosa de nos falar de suas experiências quanto aos outros limites à autonomia com que tiveram que conviver, e de trazer sugestões sobre como tornar mais efetivo o asseguramento da qualidade e da relevância das universidades por parte da sociedade.

A escolha de reitores para as universidades federais

(Publicado em O Estado de São Paulo, 8 de outubro de 2021)

Com escolha de reitores por Bolsonaro, cresce tensão política nas universidades federais, diz a matéria de O Estado de S. Paulo de 19 de setembro, assinada por Renata Cafardo. A regra é as universidades encaminharem à Presidência uma lista de três nomes, eleitos internamente, e a tradição era o governo sempre nomear o primeiro da lista. Em 1998, porém, o então ministro Paulo Renato Souza decidiu não nomear o primeiro da lista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que havia feito uma campanha baseada em ataques ao governo de Fernando Henrique Cardoso, o que levou a uma prolongada e desgastante greve da instituição. Dos 50 reitores nomeados pelo atual governo, 18 eram os segundos ou terceiros, o que provocou, em muitos casos, conflitos e protestos de professores, alunos e funcionários das instituições.

Essa é uma das situações em que o que havia antes não era bom e a tentativa de corrigir o problema ficou pior. Antes não era bom porque as universidades públicas não são repúblicas autônomas que podem fazer o que querem, mas instituições financiadas pela sociedade para cumprir determinados objetivos de pesquisa, formação superior e outras atividades de interesse público. Seus dirigentes precisam, por um lado, ter o respeito e o apoio de suas corporações internas – professores, funcionários, estudantes – e, por outro, cumprir mandatos mais amplos, que, ao menos em princípio, devem ser supervisionados pelo Poder Executivo. O sistema de lista tríplice buscou conciliar esses dois objetivos – o Executivo nomeia os reitores, mas dentro de uma lista de pessoas escolhidas pelas instituições.

Todavia o processo de indicação da lista tríplice muitas vezes se politiza e o primeiro acaba sendo quem foi mais capaz de negociar apoios ou atender a demandas que podem ter pouco que ver com o interesse público. Por esse sistema, as universidades não têm como trazer de fora lideranças inovadoras, capazes de romper rotinas e acomodações. Temos muitos exemplos de bons reitores nomeados por esse sistema, mas muitos contraexemplos também.

O problema com a outra solução, de simplesmente nomear um indicado com menos apoio, ou até mesmo alguém de fora da lista ou da instituição, como tem sido proposto, é que o reitor de uma universidade não pode ser um simples gerente, mas uma pessoa que precisa liderar uma instituição complexa formada por profissionais de alto nível e estudantes com suas aspirações e demandas, e não tem como fazer isso sem o apoio e a participação de pelo menos uma parte importante de seus liderados.

A solução correta, adotada praticamente em todo o mundo, é que os reitores sejam selecionados por comissões de busca formadas por pessoas da instituição e de fora (do Ministério da Educação, de agências de pesquisa, do governo local, representantes da sociedade civil, etc.). É um trabalho delicado, que inclui editais públicos para que possíveis candidatos se apresentem e um processo complexo de avaliação e consultas até identificar pessoas capazes de combinar tanto a competência executiva quanto o respeito e a cooperação dos setores mais significativos da instituição e da comunidade acadêmica e científica do País.

Por trás da dificuldade com a escolha dos reitores está a questão mais profunda do que se deve entender por autonomia universitária. Ela deve incluir, desde logo, a liberdade de pesquisar e ensinar, mas também a liberdade de administrar recursos e, sobretudo, de implementar políticas inteligentes de administração de talentos, que são o principal patrimônio de uma instituição de ensino e pesquisa. Isso requer, por exemplo, poder contratar professores especialmente qualificados dentro e fora do País para liderar áreas estratégicas e negociar seus salários, e afastar ou alterar os contratos dos que não tenham bom desempenho ou atuem em áreas menos prioritárias, assim como manejar com flexibilidade seus orçamentos, coisas que o regime de isonomia e repartição pública a que estão submetidas impede. E deve incluir a liberdade de cobrar anuidades de quem pode pagar e financiar quem não pode. Não se trata de arbítrio, deve haver regras, mas flexíveis e internas a cada instituição, fazendo sempre prevalecer o interesse público.

O outro lado dessa autonomia é um sistema de financiamento público associado a desempenho em pesquisa, qualidade de ensino, equidade, empregabilidade dos formados, impacto regional e outros objetivos considerados importantes, devidamente monitorados por um processo de avaliação distinto do já obsoleto sistema estabelecido em 2004, o Sinaes.

Sem uma reforma profunda, que devolva às universidades sua autonomia e as torne responsáveis por seus resultados, a questão de se os primeiros das listas tríplices devem ou não ser nomeados reitores perde importância. Como tantas outras coisas no Brasil, o dilema não deve ser entre voltar aos erros do passado ou manter os erros do presente, mas trazer o País para a realidade e as necessidades do século 21.

A Educação Superior na América Latina e os desafios do século XXI

Na próxima quarta-feira, dia 28 de abril, a Editora da Unicamp fará uma transmissão ao vivo sobre o livro A educação superior na América Latina e os desafios do século XXI. No evento virtual teremos a participação de Simon Schwartzman e Elizabeth Balbachevsky.

Com dados desde 1960 até 2015, o livro tem como objetivo analisar a trajetória do ensino superior na América Latina, destacar as diferenças e similitudes entre os países do continente, além de situá-las em relação aos referenciais fornecidos por vários outros, como Estados Unidos ou Coreia do Sul. 

Assista a live e saiba mais sobre a obra!

A transmissão acontecerá no canal da Editora da Unicamp no YouTube (youtube.com/c/EditoraUnicampOficial), quarta-feira, às 12h30.

Por uma tipologia da Educação Superior no Brasil

As instituições de ensino superior brasileiro, da USP à faculdade familiar da esquina, passando pelas gigantescas empresas de ensino à distância, são instituições com objetivos e resultados distintos, nas áreas de ensino de graduação, pós-graduação e pesquisa. Diplomas com o mesmo título podem ter conteúdos totalmente diferentes em diferentes faculdades, apesar de todas obedecerem às mesmas “diretrizes curriculares”, e a maioria das universidades, que pela lei deveriam fazer ensino associado à pesquisa, só fazem ensino. Isto não significa que só os cursos das grandes universidades, de difícil acesso, são bons. Nos modernos sistemas de educação superior, que atendem a milhões de pessoas, deve haver lugar tanto para os cursos mais exigentes e em tempo integral para jovens que chegam com boa formação quanto para cursos mais práticos para pessoas mais velhas com menos formação que precisam se reciclar para se manter no mercado de trabalho. Mas é importante que estas diferenças, que existem na prática, sejam claramente reconhecidas, e que o público, formado por estudantes atuais e futuros, assim como por seus empregadores, sejam informados a respeito dessas diferenças e o que elas podem significar em termos de custos, eficiência, probabilidade de concluir os estudos com sucesso e de conseguir emprego depois de formado.

O ponto de partida para isto é fazer uma classificação das instituições superiores que possa ir além da divisão entre universidades, centros universitários e faculdades públicas e privadas que é adotada pelo Ministério da Educação, que nos diz muito pouco sobre como elas realmente são. Em um texto que acaba de ser publicado pela revista Estudos Avançados, editada pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, em colaboração com Roberto Lobo Silva Filho e Rooney Coelho, disponível neste link, apresentamos uma proposta de classificação das instituições de ensino superior brasileiras em 9 tipos, do ponto de vista de seu porte, natureza jurídica e envolvimento com atividades de ensino e pós-graduação, e verificando até que ponto estes tipos diferentes correspondem também a diferenças em relação às características de professores, alunos, áreas de atuação, etc. 

É uma classificação ainda preliminar, que deveria evoluir para um sistema permanente, semelhante à “Classificação Carnegie” adotada nos Estados Unidos, que poderia servir de base para um novo sistema da avaliação do ensino superior, em substituição ao já obsoleto SINAES. Ela poderia servir de base, também, para várias  orientações importantes de política pública de educação superior, como, por exemplo, a consolidação de um núcleo mais consistente de instituições de pesquisa alto nível; a separação da pós-graduação efetivamente orientada para a pesquisa dos cursos pós-graduados voltados para a titulação e o aperfeiçoamento profissional; o fortalecimento e expansão da educação superior de curta duração; formas de financiamento que tomem em conta o que as instituições fazem, e não o que elas custam; e como aumentar a equidade no ensino superior, encaminhando os diversos tipos de estudantes para cursos e instituições compatíveis com suas condições de estudo e aproveitamento, com apoio financeiro quando necessário, reduzindo os altíssimos níveis de abandono que hoje chegam à casa dos   40% em todo o país.

Educação Superior na América Latina e os Desafios do Século XXI

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A editora Springer acaba de publicar o livro que editei com o título de Higher Education in Latin America and the Challenges of the 21st Century, com contribuições de Jamil Salmi, José Joaquin Brunner, Julio Labraña, Elizabeth Balbachevsky, Jorge Balán, Helena Sampaio, Sylvie Didou Aupetit e Renato H. L. Pedrosa.

No primeiro semestre de 2013, tive o privilégio de ministrar o curso de Ensino Superior na América Latina e os Desafios do Século XXI, na Cátedra UNESCO do Memorial da América Latina em São Paulo, o que me permitiu convidar vários dos principais estudiosos do ensino superior da região para apresentar e discutir suas idéias e conhecimentos com um grupo excepcional de estudantes de diferentes instituições no Brasil e no exterior. A primeira versão deste livro, publicada pela Editora da Unicamp, foi um produto desse curso. Agradeço ao Prof. Adolpho José Melfi, então diretor do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos do Memorial, por me convidar para ministrar o curso e por me incentivar a preparar este livro; e à Editora da Universidade de Campinas, por tornar esses textos acessíveis a um público mais amplo. Para esta edição em língua inglesa, os capítulos foram foram extensivamente atualizados e expandidos.

O livro apresenta uma visão geral da região com um dos setores de ensino superior que mais crescem no mundo. Até o início dos anos 80, as universidades estavam restritas às elites nos países da América Latina, com menos de 5 milhões de estudantes matriculados em seus cursos. Nas últimas quatro décadas, no entanto, a região passou por um boom de instituições de ensino superior e agora tem mais de 25 milhões de estudantes matriculados em mais de 3.800 universidades, aproximadamente 10% de todos os estudantes matriculados em cursos de ensino superior no mundo, com quatro vezes mais instituições de ensino superior que a Europa. O boom do ensino superior latino-americano é analisado neste volume com contribuições de vários dos principais especialistas da região. Eles discutem as causas e conseqüências dessa expansão maciça e os desafios que representam para diferentes partes interessadas, como governos, empreendedores privados, professores, pesquisadores, estudantes, formuladores de políticas, administradores e outros.

Acesso à Internet dos estudantes de nível superior

O uso de recursos de internet para manter vivas as atividades das instituições de nível superior tem sido  objeto de controvérsias, colocando, por um lado, os que advogam, como eu, que isto deve ser feito, apesar das dificuldades que existem, e os que se opõem, argumentando que isto aumentaria ainda mais a desigualdade no ensino superior, já que os estudantes de baixa renda não teriam condições de fazer uso destes recursos.  A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar Contínua de 2018 traz perguntas específicas sobre uso de computadores e acesso à Internet, e permite que se verifique até que ponto esta desigualdade realmente existe.

A PNAD estima que existem 7.8 milhões de estudantes de nível superior no Brasil, 74% na rede privada. A distribuição de renda dos estudantes nos dois setores, público e privado, é semelhante, com mais estudantes de renda mais baixa no setor público, e bem melhor do que a da população em geral, embora existam estudantes em todas as faixas de renda.

Educação Superior e renda familiar per capita

Posse de computador, tablet ou celular

No total, 83% dos domicílios dos estudantes têm computador ou, em menor número, tablets em casa. A posse de computador varia com a renda das famílias, indo de 58% entre os mais pobres até 98% entre os mais ricos, sem muita diferença entre os que estudam na rede pública ou privada. Em termos absolutos, 1.2 milhões dos domicílios dos estudantes de nível superior, e 172 mil na rede pública, não tem nem computadores nem tablets. Por outro lado, praticamente todos têm telefone celular.

Acesso à Internet

Por um meio ou outro, 98.2% dos estudantes de nível superior declaram que acessam a internet. Dos que não acessam, metade dizem que não o fazem porque o equipamento é caro, e 18% porque acessam de outro lugar que não o domicílio, e 88.5% dizem que acessam por conexão de banda larga.

Conclusão

Os dados mostram que praticamente todos os estudantes de nível superior têm acesso à Internet, mas cerca de 17%, sobretudo nos níveis de renda mais baixa, só têm acesso por telefone celular. Isto coloca uma limitação no uso de sistemas mais complexos de educação à distância, mas não chega a ser um impedimento.

A questão que se coloca é sobre o que seria mais adequado, proporcionar educação à distância para a grande maioria que tem como acessá-la, desenvolvendo um trabalho adicional de apoio aos que não têm (por exemplo distribuindo tablets de baixo custo), ou privar a grande maioria do acesso à educação, para não aumentar a desigualdade.

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