O ataque às universidades

(Publicado em O Estado de São Paulo, 11 de julho de 2025)

As universidades de pesquisa dos Estados Unidos estão entre  as melhores do mundo, segundo as diversas avaliações internacionais, graças à qualidade da pesquisa, à formação que dão a seus estudantes e seu impacto da economia e na sociedade.  Só as universidades de Harvard, Chicago e Berkeley têm cada uma mais de cem  ganhadores de Prêmio Nobel, entre professores e ex-alunos. Graças às parcerias que estabelecem com empresas e governos, são corresponsáveis pelas principais inovações científicas nas áreas de saúde, engenharia e computação, e seus departamentos de economia, ciências sociais e literatura são fontes permanentes de novas ideias e intepretações sobre a sociedade e a cultura.  Não é à toa que tantos países tratam de copiar seu modelo, com suas escolas de pós-graduação, parcerias com o setor produtivo e formas modernas de gestão, e que estudantes de todo o mundo compitam para  estudar lá. E, no entanto, elas estão sendo violentamente atacadas pelo governo de Donald Trump, que as acusa de discriminar contra os que não concordam com as doutrinas que propagam; discriminar contra americanos brancos, em detrimento de estrangeiros e membros de supostas minorias; e de antissemitismo, por permitirem que professores e alunos se mobilizem contra as políticas do governo de Israel em Gaza. Além disto, são acusadas de gastar mal o dinheiro que recebem e não pagar os impostos que deveriam.

O ataque de Trump às universidades é claramente parte de uma ideologia populista, anti-intelectual e anticientífica que não é muito diferente das acusações que o governo Bolsonaro fazia às universidades brasileiras. O sociólogo Jonathan F. Cole, professor e ex-reitor da Universidade de Columbia, escreveu um artigo recente no New York Times denunciando as ações de Trump como um ataque fundamental aos valores e funcionamento do sistema universitário, e criticando Columbia por ter cedido às exigências do governo. Em contraste, a recusa de Harvard em se submeter tem sido amplamente elogiada como a única atitude possível contra esta interferência desmedida.

Não basta, no entanto, criticar a extrema direita, é necessário também olhar para dentro e se perguntar em que medida as universidades também não têm alguma responsabilidade pelos ataques que estão sofrendo. O próprio Cole, em um livro de 2019, The Great American University, falava sobre a necessidade de lidar com as dificuldades das universidades que ele tanto admirava. Uma delas era enorme concentração de recursos, prestígio e poder nas instituições de elite, criando uma grande frustração entre os milhões de estudantes  que disputavam todos os anos suas poucas vagas, e milhares de professores e pesquisadores talentosos que se candidatavam inutilmente para seus postos acadêmicos.  Outro problema era a grande dependência das universidades em relação dos financiamentos que recebiam dos governos e empresas, fazendo com que se tornassem suscetíveis a interferências em sua autonomia. E criticava ainda o halo de invencibilidade em que viviam as universidades, fazendo com que não respondessem de forma adequada às críticas que recebiam.

Os problemas de elitismo e ameaças à autonomia não têm solução simples, porque se referem a dilemas fundamentais das universidades em qualquer parte do mundo. Universidades são, por natureza, instituições meritocráticas, voltadas para valorizar o desempenho de seus alunos e professores, e  ciosas da superioridade do conhecimento técnico e científico que produzem e transmitem.  O mérito, no entanto, nunca depende somente da inteligência e empenho das pessoas, mas vem também associado às origens e condições de vida de cada um, e o conhecimento acadêmico não é absoluto e tem sido contestado de diferentes maneiras. Para grande parte da população em qualquer país, há a sensação de que as grandes universidades não são para elas, e que as pessoas que elas formam, e as ideias que elas difundem, incluindo a ciência que produzem, não merecem o crédito e o reconhecimento clamam ter.

O dilema da autonomia tem a ver com  o fato de que, por um lado, as universidades são instituições que atuam na fronteira do conhecimento, e por isto mesmo não podem ser cerceadas, naquilo que fazem, por interesses ou motivações externas de outra natureza. Mas ao mesmo tempo, quanto melhores são, mais dependem de financiamentos externos para se manter, e mais suscetíveis se tornam a que estes interesses tentem determinar como elas devem funcionar.  

Com razão, o que mais incomoda as universidades não são as críticas que recebem, que podem até ser cabíveis em alguns casos, mas a forma pela qual o governo  vem buscando intervir e retirar delas a responsabilidade por resolver seus próprios problemas. O grande desafio das universidades é aprender a lidar com estes dilemas. Se renunciarem a seus valores centrais do mérito e autonomia, elas perdem a razão de ser.  Se não aprenderem a lidar com seus problemas, dilemas e limitações, correm o risco de ser atropeladas.

Robert Verhine: Educação à Distância na pós-graduação

Considero extremamente pertinente a análise de Simon em sua postagem de 13 de junho de 2025 sobre as novas regulamentações relativas à educação a distância (EaD) no ensino superior. Com o intuito de complementar sua perspectiva, apresento, a seguir, algumas informações específicas sobre a utilização da EaD na pós-graduação stricto sensu. Fui coordenador de dois Grupos de Trabalho instituídos pela CAPES, em 2019 e 2022, com a finalidade de propor políticas e critérios de avaliação para essa modalidade. Além disso, possuo publicações sobre o tema, referenciadas ao final deste texto.

É importante observar que programas de mestrado e doutorado a distância, reconhecidos por sua qualidade e efetividade, estão presentes em diversas regiões do mundo, com destaque para os contextos europeu e norte-americano. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mestrado a distância é amplamente difundido, e o doutorado nessa modalidade também apresenta significativa abrangência, sendo ofertado por diversas instituições de prestígio. Tais programas concentram-se, majoritariamente, em áreas de natureza profissional, com destaque particular para o campo da Educação, no qual são oferecidos tanto doutorados acadêmicos (Ph.D.) quanto profissionais (Ed.D.), inclusive por universidades de renome internacional.

Dados do Departamento de Educação dos Estados Unidos (U.S. Department of Education, 2020), referentes ao ano letivo de 2018/2019 — portanto, anteriores à pandemia de COVID-19 —, indicam que 15% dos estudantes de graduação estavam matriculados exclusivamente em cursos online, percentual que alcançava 33% na pós-graduação.

Esse cenário contrasta fortemente com a realidade brasileira. No Brasil, mais da metade dos estudantes de graduação encontra-se matriculada em cursos na modalidade a distância. No entanto, na pós-graduação stricto sensu, não há um único estudante legalmente vinculado a programas inteiramente ofertados por meio dessa modalidade. Essa discrepância revela-se insustentável, sobretudo considerando-se que a oferta de programas de pós-graduação no país ainda é limitada, altamente concentrada nas grandes áreas urbanas e nas regiões mais desenvolvidas economicamente.

A explicação para tal situação requer uma breve retomada histórica. No Brasil, a possibilidade de oferta de programas de pós-graduação a distância está prevista na Lei nº 9.394/1996, cujo Art. 80 estabelece que “o poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada”. Entretanto, foi apenas em 11 de dezembro de 2017, por meio da Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que se autorizou formalmente o funcionamento de cursos de pós-graduação a distância, delegando à CAPES a responsabilidade por sua implementação e avaliação. Em resposta, a CAPES publicou a Portaria nº 90, de 24 de abril de 2019, regulamentando a oferta de tais cursos.

Ainda em 2019, a CAPES abriu prazo para submissão de propostas de novos cursos na modalidade EaD. As quinze propostas recebidas foram analisadas por comissões especialmente designadas para esse fim, mas nenhuma foi aprovada, possivelmente em razão da ausência de diretrizes claras por parte da CAPES quanto à concepção esperada para a pós-graduação a distância.

Dessa forma, ao final de 2021, a CAPES reabriu o período para apresentação de propostas, com análise prevista para o primeiro semestre de 2023. Nessa nova etapa, houve maior clareza nas orientações quanto aos critérios de aprovação. Novamente, quinze propostas foram submetidas, sendo que, em dezembro de 2023, o primeiro programa na modalidade EaD foi finalmente aprovado.

Contudo, em 2024, a CAPES alterou sua política para a modalidade, reclassificando a proposta aprovada como programa semipresencial e manifestando a intenção de não receber novas propostas em EaD. O relatório final do Grupo de Trabalho de 2022, que buscou orientar a formulação de tais propostas, jamais foi divulgado, embora formalmente aprovado pelo CTC.  

Como alguém que participou ativamente desse processo, entendo que a atual postura da CAPES decorre, em grande parte, dos problemas amplamente reconhecidos — e bem pontuados por Simon — relacionados à oferta de EaD na graduação. Entretanto, considero equivocada a política da CAPES em relação à EaD na pós-graduação. A situação problemática da EaD na graduação não deve ser interpretada como um obstáculo à sua implementação na pós-graduação, dado que o perfil do estudante desse nível de ensino tende a refletir maior autonomia acadêmica e, consequentemente, maior propensão ao êxito em contextos de aprendizagem remota. Ademais, a qualidade da EaD na pós-graduação pode ser mais efetivamente assegurada, na medida em que essa etapa do ensino é submetida a um rigoroso e consolidado sistema nacional de avaliação — algo que a distingue substancialmente da realidade da graduação.

Considerando o potencial da Educação a Distância (EaD) para ampliar a capilaridade da oferta de cursos de pós-graduação, bem como a ênfase atribuída pelo novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 2025-2029) à ampliação e diversificação da oferta e à redução das assimetrias regionais e interinstitucionais no sistema nacional de pós-graduação, torna-se evidente a necessidade de reavaliar a atual política da CAPES em relação à EaD na pós-graduação stricto sensu.

Referâncias:

VERHINE, R. E.; DANTAS, L. V. Programas de pós-graduação a distância: perspectivas da experiência internacional. Educação & Sociedade, v. 45, p. 1-18, 2024.

VERHINE, R.E.; SIQUEIRA, V.B. Pós-graduação e educação a distância. Jornal de Políticas Educacionais, v. 18, p. 1-19, 2024.

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