(Publicado na revista Época, 23 de abril de 2021, p. 29)
No apagar das luzes, a Comissão Mista de Orçamento decidiu cortar os dois bilhões de reais que estavam destinados ao IBGE para fazer o Censo Demográfico de 2020, que tinha sido adiado por causa da pandemia. Não foi por falta de recursos, como se viu pelo aumento dos gastos militares e do dinheiro que foi destinado a obras públicas do governo federal e às emendas parlamentares, de interesse dos deputados e senadores. Nem o Congresso, nem o Ministério da Economia, nem o governo federal deram nenhuma explicação. Mas, afinal, para que serve o Censo?
A resposta mais simples é que o Censo é a única maneira de saber quem e quantos somos, não só no país como um todo, mas em cada localidade. Além de contar as pessoas, o Censo traz informações sobre características das famílias, migrações, religião, saúde, características étnicas e raciais, deficiências físicas, natalidade, renda, trabalho, condições de moradia e deslocamento das pessoas para estudar ou trabalhar.. Entre os censos, a principal fonte de informações sobre educação, pobreza e condições de vida da população é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (PNAD) que se realiza ao longo do ano, entrevistando cerca de 400 mil pessoas. É uma amostra excelente, mas os resultados dependem das informações sobre a população como um todo (do “universo”, como dizem os estatísticos) e a última vez que coletamos esta informação foi em 2010. De lá para cá, muitas pessoas nasceram, morreram, tiveram filhos, se casaram, divorciaram, mudaram de uma cidade para outra, ficaram mais educadas, trocaram de emprego. O IBGE estima, cada ano, como a população cresceu e se multiplicou, mas, à medida que o tempo passa, esta informação vai ficando menos confiável. Além disto, a amostra da PNAD dá informações sobre estados e áreas metropolitanas, mas não sobre cada uma das localidades do país, o que só Censo faz.
É a partir dos dados do Censo que o governo federal distribui os recursos dos Fundos de Participação de Estados e Municípios (161 bilhões de reais em 2020), e o Supremo Tribunal Eleitoral determina quantos deputados cada Estado deve ter. É a partir destes dados que se pode estimar o número de pessoas que dependem do bolsa família em cada localidade, e quanto os Estados e municípios precisam investir em saúde, educação, transporte e obras sanitárias. É a partir dos dados do Censo que as se fazem as pesquisas de mercado, de opinião pública e eleitoral, e são eles que permitem que uma empresa decida onde vai abrir uma loja ou instalar uma fábrica, conforme o número de pessoas, suas idades e níveis de renda da população local. Sem o Censo, a confiabilidade destas informações é cada vez menor, e a imagem que temos de nós mesmos se torna cada vez mais embaçada. Finalmente, ter ou não um Censo atualizado afeta diretamente a credibilidade do país, o que influencia a decisão de investidores de trazer ou não seus recursos para cá.
Daria para fazer o Censo em 2021, com a epidemia ainda nos assolando? A expectativa do IBGE era que seria possível, contanto que ela tivesse mais contida em agosto ou setembro, como se espera, utilizando uma combinação de coleta direta e indireta de informações, pela Internet, e protocolos sanitários rigorosos para os entrevistadores. Em 2021, apesar da epidemia, o IBGE foi capaz de manter todas suas entrevistas em dia, usando métodos de coleta à distância, e estava se preparando para usar o que aprendeu no Censo populacional.
Finalmente, vai ser possível realizar o Censo em 2022? Sim, se o governo federal der os recursos a tempo e o Congresso aprovar. Mas 2022 é também um ano eleitoral, o calendário do Censo não pode se misturar com o calendário político, e a situação financeira do país pode estar ainda pior do que está hoje. Sem o Censo, o Brasil passará a integrar o pequeno grupo de países desgovernados ou em guerra como o Afeganistão, Líbano, Líbia, Somália, El Salvador e Sudão, sobre os quais pouco se sabe, além da tragédia permanente em que vivem.
O que é mais chocante é que no Congresso Nacional nenhuma voz , nenhum discurso em defesa da realização do censo. Como se podem fazer políticas públicas sem as informações demográficas ? Infelizmente nossos congressistas não são capazes de entender. Parabéns pelo artigo.