Adalberto Cardoso: O presente e o futuro do IUPERJ

Escreve Adalberto Cardoso, professor do IUPERJ, a respeito de minha postagem anterior (transcrevo a mensagem, e comento logo abaixo):

A carta:
Prezado Simon,

Li com atenção seu artigo. Acho que você não tem acompanhado o que temos feito, o que torna parte de seu julgamento injusto, por mal informado. Por isso gostaria de esclarecer alguns pontos sobre nosso presente e o que esperamos do futuro.

O IUPERJ é um centro de pós-graduação com cerca de 200 alunos. Formamos perto de 300 doutores e 500 mestres, muitos deles hoje lotados em centros de pesquisa aplicada, como o IPEA (a propósito, um de nossos doutorandos tirou o primeiro lugar no mais recente concurso do IPEA, e três outros doutores foram aprovados), a Fiocruz, o ISER, o seu IETS, o CEBRAP, o CEDEPLAR… Promotores públicos, procuradores da República e juízes de vários ramos do direito têm sido qualificados por nós. E quarenta e cinco por cento de nossos doutores são, hoje, professores de universidades públicas. Um quarto está em centros de pesquisa públicos e privados. Em nossos 11 núcleos de pesquisa, consolidados nos últimos dez anos, realizamos pesquisa básica e pesquisa aplicada, alimentamos bancos de dados de várias instituições e estamos conectados com núcleos de pesquisa em várias partes do mundo. E tudo isso, como você lembra em seu texto, feito sem cobrar anuidades aos alunos.

O IUPERJ, ao voltar-se para a academia e dedicar-se principalmente à formação de quadros de alto nível (para dentro e para fora dela), fez uma opção pelo público. Prestamos um serviço público, embora tenhamos sido financiados, com exceção do pequeno interregno sustentado pela FINEP, por instituições privadas, a principal delas a Sociedade Brasileira de Instrução, mantenedora da Universidade Candido Mendes.

A vocação pública de nossa atividade, consolidada nos últimos vinte anos (posteriormente, pois, à sua saída da instituição), embora você não o aponte, ganhou reconhecimento dos pares. Temos um programa 7 em sociologia (há apenas outros 2 no Brasil, USP e IFCS) e um programa 6 em ciência política (há apenas mais um no Brasil, a USP). Isto é, essa instituição financiada com recursos privados, sustenta programas de excelência que só têm equivalentes nas duas maiores universidades públicas do país, cujos orçamentos são dezenas de vezes superiores ao nosso, com corpo docente 3 ou 4 vezes maior e corpo discente muito menor. Nenhum deles formou tantos doutores quanto o IUPERJ. Todos eles têm professores formados pelo IUPERJ.

Isso não é nosso passado. Isso é o nosso presente, e pretendemos que seja nosso futuro.

A solução que você preconiza para o IUPERJ é um clone da FGV, das raras empresas lucrativas de ensino e pesquisa do país: cobrar anuidades aos alunos, fazer pesquisa aplicada na área de políticas públicas ou voltadas para o mundo privado, e ministrar cursos de extensão. Tudo isso sem abrir mão da excelência acadêmica. Não nos parece possível trilhar este caminho, porque ele implica abandonar nossa vocação pública.

Somos um instituto pequeno, com 20 professores e 16 funcionários, inteiramente dedicados à formação de nossos alunos. O que estamos propondo é a constituição de uma Organização Social (OS), não uma OSCIP, vinculada ao MCT. Portanto, voltada para a pesquisa. Uma OS estabelece metas em acordo com o gestor público, no caso necessariamente metas de pesquisa. Parte de nossas atividades se voltaria, justamente, para as políticas públicas (seu desenho e avaliação), porque não pode ser outra a vocação de uma OS ligada à ciência e tecnologia.

Esse instituto pequeno, além de formar quadros de alto nível, participa ativamente do debate público em nosso Estado e no país. As gerações que convivem no IUPERJ, parte das quais você não conhece, produzem conhecimento novo sobre nossas dinâmicas política e social que é referência no Brasil e no exterior. É essa produção que alçou o IUPERJ à posição que hoje ocupa no sistema público de pós-graduação no Brasil. É o reconhecimento desse fato incontestável que nos move em direção ao financiamento público de nossas atividades. Assim, poderemos finalmente exercer, sem as amarras que hoje nos prendem, a vocação pública que nos move há pelo menos duas décadas.

Sugiro uma visita a nossa homepage e um passeio pelas atividades de nossos núcleos de pesquisa.

Um abraço, Adalberto Cardoso Professor do IUPERJ

Meu comentário:

1 – a qualidade do trabalho do IUPERJ: o que eu disse é que me parecia que o IUPERJ havia se rotinizado, e deixado de ter uma presença forte e de liderança no debate e interpretação nas questões intelectuais e de política pública e social de maior relevância, hoje ocupado predominantemente por economistas e alguns filósofos. Aldaberto pode ter razão, de fato eu não tenho acompanhado em detalhe os trabalhos dos diversos grupos de pesquisa do Instituto. Coloquei isto como algo a ser discutido, e meu principal argumento, no caso, é que sei que outras pessoas compartem o mesmo sentimento.

2 – OSCIP e Organizações Sociais.  Várias pessoas me corrigiram, o que o IUPERJ pretende é se transformar em uma OS, e não em uma OSCIP. As OSCIPs são organizações não governamentais que, mediante o atendimento de certos critérios, como transparência, fins não lucrativos e finalidade de interesse social, obtêm certas vantagens fiscais e maior facilidade para celebrar convênios com órgãos públicos. As Organizações Sociais são organizações controladas pelo governo que, junto com representantes da sociedade, detêm maioria de seu conselho diretor, e trabalham para o governo desempenhando atividades de interesse público mediante contratos de gestão. Diferente das universidades, as Organizações Sociais não têm autonomia, e esta foi uma figura jurídica criada para reinstituir as fundações de direito público que foram inviabilizadas pela Constituição de 1988.  Se o IUPERJ se transformar em uma organização social, ele vai se constituir em um órgão de execução das políticas de governo, e perder sua independência.

3 – Gratuidade.  Não vejo nenhum mérito, ao contrário, no fato de o IUPERJ oferecer educação superior subsidiada a pessoas que ocupam hoje posições tão importantes, prestigiadas e bem remuneradas como as que indica Adalberto. Esta aberração, naturalmente, não é só do IUPERJ, mas do ensino superior público brasileiro em geral, e particularmente dos programas de pós-graduação, que subsidiam a elite.  O IUPERJ poderia muito bem cobrar, digamos, quinhentos reais mensais de cada um de seus duzentos alunos, o que já daria uma renda de cem mil reais por mês, combinando a cobrança com um sistema de créditos educativos e patrocínios diversos para os que não possam pagar no momento.

4 – Pesquisas aplicadas, atividades de extensão e trabalho acadêmico. Eu não acredito, e tem uma vasta literatura que mostra isto, que estas coisas são excludentes. Instituições de excelência desempenham papéis múltiplos, uns alimentam os outros, tanto intelectual quanto financeiramente. Ao contrário, instituições que se encerram nas torres de marfim acadêmicas correm o risco de se perder nas formalidades dos rituais acadêmicos – publicações, congressos, títulos – sem no entanto produzir conhecimentos e idéias que a sociedade está disposta a pagar  e usar.

5 – Subsídio público para instituições privadas.  Eu acredito que, na medida em que uma instituição privada produz bens de interesse público, ela deveria ser apoiada com recursos públicos na proporção destes bens produzidos, desde que garantidos os princípios da equidade social. O atual sistema de pós-gaduação no Brasil tem o grave defeito de só apoiar, praticamente, instituicões públicas, cujos salários são pagos diretamente pelo governo, e em muitos casos a qualidade destes cursos e programas é bastante precária.  Instituições privadas como o IUPERJ, Fundação Getúlio Vargas, PUC do Rio de Janeiro, IBMEC e outras que desenvolvem cursos de graduação e pós-graduacão de qualidade deveriam ter acesso a fundos públicos adequados, para os quais pudessem competir,  que cobrissem pelo menos parte de seus custos de pessoal e operacionais.  Mas eu vejo muitas vantagens no fato de que este apoio seja apenas parcial, e que as instituições devam também buscar na sociedade mais ampla as fontes de apoio que as estimulem a cuidar, permanentemente, de seus padrões de qualidade e relevância.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

6 thoughts on “Adalberto Cardoso: O presente e o futuro do IUPERJ”

  1. Acho engraçado as pessoas falarem sobre a elite iuperjiana sem sequer conhecê-la. Não sei como era antigamente, mas sei bem que hoje em dia grande parte de seus alunos não estariam ali se não fossem as bolsas. Além do mais, como bem dito acima, não seria uma mensalidade por parte dos alunos que resolveria a crise que do IUPERJ. 500 reais por mês associado ao custo de vida no Rio de Janeiro, isso sim seria a formação de uma elite privilegiada.
    Outro ponto é querer comparar o ensino nas universidades brasileiras com as universidades americanas, onde, bem é sabido, pessoas de classe média sequer sonham com uma pós graduação.

  2. “Breve interregno”?

    Adalberto Cardoso não está adequadamente informado sobre a duração (e talvez também o volume) do apoio financeiro dado pela FINEP ao IUPERJ, sem falar dos delicados problemas políticos que inicialmente tiveram de ser equacionados para que isso ocorresse. Conheço bem essa história quanto ao período que vai de meados da década de 70 até o final da de 80, em um total de quase 15 anos. “Breve interregno”?

    Com minha renovada solidariedade,

    Mario Machado

    PS A FGV é fundação, e não empresa.

  3. A gratuidade do ensino não é a causa dos atuais problemas do IUPERJ e, por razões contábeis óbvias, a cobrança de taxas dos alunos também não poderia ser a solução.

    O nível de qualidade alcançado pela instituição é indiscutível.

    Portanto, é possível oferecer programas de pós-graduação com muita qualidade sem cobrança de taxas. E, se é possível, não vejo a razão para não o fazer.

    A solução – e todos parecem concordar – está em conseguir financiamentos privados e públicos. A OS dirige-se precisamente a este fim. Por tudo isso, a militância virtual em favor de uma solução que não resolve talvez não seja a maneira mais útil de ajudar nem o IUPERJ nem o tão falado público.

  4. O que é vocação publica? É ser gratuito? É ser desinteressado, alheio aas demandas que existem por ensino e pesquisa?

    Interesse e vocação publica é visar e atender o interesse publico. Faz parte dele, por exemplo, a redução das desigualdades. É injusto oferecer toda a excelência do IUPERJ de graça para jovens da elite e da classe media ascendente.
    O interesse publico é melhor servido quando se expõe os custos e se cobra uma compensação dos alunos – sendo o grau de subsidio das taxas discutível. É fundamental nesta equação a oferta de apoio financeiro aos que necessitam e aos que tem mérito – seja na forma de bolsas ao mérito e aos mais necessitados, seja a oferta de financiamento subsidiado, especifico para educação superior, sem juros, apenas com correção monetária e pagamento associado a um percentual da renda.
    O interesse publico é servido quando a ciência vira PIB – quando a vocação de policy science das duas disciplinas do IUPERJ se realizem em instituições de fronteira que articulem a academia com a administração publica.
    Qual o parâmetro? Harvard, Yale, MIT, Stanford não tem vocação publica? O ensino lá coaduna formação acadêmica com um sem numero de cursos de extensão, especialização, e pós-graduação. Incluem-se aí uma enorme variedade de mid-career programs, freqüentemente montados para atender a clientes como o Tesouro Nacional do México. A pesquisa, idem. Colecionam prêmios Nobel e contratos com as comunidades que os cercam.

    Será que a PUC-Rio, a PUC-RS e a de MG também não atendem ao interesse publico? Podem ser caras para segmentos da sociedade, mas há muito tempo recebem alunos do movimento de pré-vestibulares para negros e carentes, aderiram prontamente ao Prouni, e alcançam excelência indisputável e as vezes inigualável nas avaliações do MEC e em vários campos do conhecimento .

    O IUPERJ precisa discutir e entender melhor o que é vocação e interesse publico hoje no Brasil.

  5. Sendo economista, nao estou na posicao de avaliar o trabalho feito no IUPERJ. Mas posso falar um pouco do que vejo do lado de cá da cerca que talvez possa ser útil ao debate.

    Primeiro, nao vejo porque que o modelo da EPGE nao é um modelo valido a ser seguido. La tem sido produzida pesquisa de extrema qualidade com reconhecimento internacional e, muitas vezes, com foco bastante teorico. Eh, portanto, um caso de sucesso no que concerne a producao academica. Tambem nao vejo exatamente em que medida que o IUPERJ, por sua vocacao, tem uma contribuicao publica maior ou melhor do que a EPGE. As duas parecem dar contribuicoes igualmente importantes, para dizer o minimo.

    Segundo, queria só mencionar o que observo, de novo entre economistas, aqui nos EUA. Mesmo numa instituicao de ponta com amplos recursos de endwoment como Princeton, uma parte grande dos professores estao engajados em contratos com o governo, bancos centrais, ou para o setor privado com pouco ou nenhuma influencia adversa na sua pesquisa. Isso talvez nao seja verdade para os professores especializados em teoria. Mas, mesmo nos EUA, um quadro extenso de professores com esse tipo de especializacao eh um luxo que poucos departamentos de economia se permitem.

  6. Por que não agregar a idéia de OS, a criação de um espécie de associação ou sociedade de apoio ao IUPERJ? Ela poderia ser formada pelos egressos dos mestrados e doutorados, no formato das grandes Associações Nacionais como ANPAE, ANPED e ANPOCS. Os egressos certamente não se fariam de rogados em contribuir com uma anuidade, cuja aplicação seria revertida para a manutenção e desenvolvimento de parte das atividades do IUPERJ.

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