A contribuição da educação para o progresso social

O International Panel for Social Progress  é uma iniciativa de tem reunido, desde 2015, centenas de cientistas sociais de todo o mundo em um esforço para pensar em que medida a pesquisa social pode dar respostas aos grandes desafios do século 21. O primeiro resultado deste trabalho está por ser publicado proximamente pela Cambridge University Press, em 3 volumes e 22 capítulos sob o título de Rethinking Society for the 21st Century e as versões preliminares dos textos estão disponíveis na Internet.

É com prazer que comparto a versão brasileira do capítulo 19, sobre A Contribuição da Educação para o Progresso Social, publicada pela revista Ciência & Trópico, e disponível na Internet.  O texto, que ajudei a coordenar, foi preparado por um grupo com participantes da África do Sul, Alemanha,  Austria, Brasil, Índia, Israel, e Reino Unido, e pretende identificar, primeiro, quais são as grandes funções que as sociedades esperam que a educação desempenhe – o desenvolvimento humanístico, a equidade  a coesão social  e o desenvolvimento econômico – e, o que as pesquisas sociais nos dizem sobre como a educação de fato tem contribuido ou pode contribuir para estes fins. Foi um esforço de colocar uma grande quantidade de ideias e informações em um texto relativamente pequeno, por um grupo constituido por pessoas de diferentes  formações e maneiras de ver o mundo. Cabe aos leitores dizer se conseguimos ou não cumprir bem a tarefa.

Ainda a alfabetização na BNCC

Enquanto as escolas públicas brasileiras não conseguirem alfabetizar bem seus alunos, os debates sobre como entender e lidar com o problema continuarão. Sem ser um especialista,  tenho aproveitado este espaço para circular diferentes pontos de vista sobre o assunto, que incluem uma nota de um grupo de especialistas criticando a maneira pela qual o tema é tratado na Base Nacional Curricular Comum recentemente aprovada, uma resposta das autoras às críticas, e um esclarecimento de José Francisco Soares sobre como o CNE decidiu lidar com o fato de que não existe consenso a este respeito entre os especialistas.

Agora recebo um outro documento do primeiro grupo, buscando esclarecer em mais detalhe seu entendimento, que está disponível no site do Instituto Alfa e Beto na Internet. Neste documento, os autores buscam explicar o que é alfabetizar, a relação entre alfabetização e compreensão, o que significa “letramento”, discutem a questão dos métodos, a do momento e duração do processo de alfabetização, e as implicações que os diferentes entendimentos sobre este processo podem ter para o sucesso ou fracasso das políticas educacionais do país.

O assunto não é novo. Em 2011 a Academia Brasileira de Ciências organizou um grupo de trabalho sobre “Aprendizagem Infantil –  Uma abordagem da neurociência, economia e psicologia cognitiva“, onde o tema foi tratado em profundidade. Antes ainda, em 2007, a Câmara de Deputados organizou um grupo de trabalho sobre alfabetização infantil, cujas conclusões também estão disponíveis na Internet.

O que seria de se esperar era que, ao longo destes anos, a discussão, os esclarecimentos conceituais e sobretudo o acúmulo da evidência de experiências e das pesquisas no Brasil e no exterior levassem a uma convergência de pontos de vista, que pudessem estar claramente apresentados na Base Nacional Curricular Comum. O que se vê, infelizmente, é que os argumentos se repetem e a discussão não sai do lugar. Assim, dou por encerrada, por agora, a divulgação deste debate neste site, que provavelmente continuará em outros espaços; espero poder voltar ao tema quando tivemos bons resultados a comemorar.

E com esta esperança, aproveito para desejar a todos boas festas e um 2018 que nos permita renovar as esperanças sobre o futuro.

 

 

José Francisco Soares: A controvérsia sobre alfabetização na Base Nacional Curricular Comum

Sobre a controvérsia de como melhor alfabetizar as crianças nas escolas brasileiras, comparto a nota abaixo de José Francisco Soares, ex-presidente do INEP e membro do Conselho Nacional de Educação:

 

A Alfabetização na BNCC

A BNCC é um documento político e normativo, já que seu objetivo é fixar os “direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento”.  No entanto, necessariamente, usa conceitos pedagógicos nos seus enunciados que, entretanto, não são suficientemente detalhados para orientar a organização do ensino nas redes e escolas de educação básica.

A alfabetização é definida no artigo 12 da resolução do CNE que institui a BNCC nos seguintes termos

No primeiro e no segundo ano do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização, de modo a garantir aos estudantes a apropriação do sistema de escrita alfabética, a compreensão leitora e a escrita de textos com complexidade adequada à faixa etária dos estudantes, e o desenvolvimento da capacidade de ler e escrever números, compreender suas funções, bem como o significado e uso das quatro operações matemáticas.”

Este artigo cria uma pauta pedagógica a ser desenvolvida pelos múltiplos atores educacionais. A partir do comando da norma será preciso definir exatamente o sentido do conceito de “sistema de escrita alfabética” e criar uma forma objetiva de definir quais textos que as crianças demonstrem ser capazes de criar e  ler serão considerados como evidências de que seu direito à alfabetização foi garantido.

Isso deve ser feito nos diferentes sistemas de ensino e mesmo nas escolas, conforme facultado pela LDB. No entanto, é esperado que a União também faça sua definição, pois será baseado neste entendimento que as avaliações como a ANA – Avalição Nacional da Alfabetização serão construídas.

A BNCC criou, portanto, um mecanismo claro que permite à sociedade brasileira monitorar o sucesso da alfabetização nas suas escolas. Este monitoramento é função claramente política a partir de um conteúdo pedagógico.

O documento enviado pelo MEC ao CNE foi incluído como um anexo da resolução sendo, portanto, um dos documentos que compõem a BNNC, inclui explicações dos objetivos de aprendizagem e também orientações pedagógicas. Durante o processo de análise e discussão deste documento no CNE, várias comunidades acadêmicas manifestaram dissensos sobre as opções das equipes, contratadas pelo MEC, que redigiram os diferentes capítulos do documento.

A forma de solução deste conflito já estava prevista na LDB e assim sendo a resolução do CNE, já no parágrafo primeiro do artigo 1º, estabelece

“No exercício de sua autonomia, prevista nos artigos 12, 13 e 23 da LDB, no processo de construção de suas propostas pedagógicas, atendidos todos os direitos e objetivos de aprendizagem instituídos na BNCC, as instituições escolares, redes de escolas e seus respectivos sistemas de ensino poderão adotar formas de organização e propostas de progressão que julgarem necessários.”

Este parágrafo deixa claro que a implementação da BNCC é obrigatória, mas a forma pode variar. No exercício da autonomia, as redes e escolas poderão agregar, expandir e reordenar os objetivos de aprendizagem, e incluir outros objetivos que contemplem as diferenças regionais e as necessidades específicas das comunidades atendidas e suas concepções pedagógicas.

Ou seja, a alfabetização estará garantida aos estudantes se estes demonstrarem os resultados estabelecidos pelo artigo 12 da resolução, independentemente do processo usado no ensino.

No entanto, é importante observar que as três equipes diferentes que redigiram os objetivos de aprendizagem de Língua Portuguesa, na versão 2, na versão 3, enviada ao CNE, e na revisão da versão 3, finalmente aprovada, têm grandes dissensos. Além disso, cada uma destas versões recebeu críticas de outros grupos acadêmicos.

Ficou claro que a comunidade acadêmica na área de alfabetização não tem um consenso sobre como organizar a alfabetização nas escolas brasileiras. Diante disso é necessário que seja criado um sistema de monitoramento das opções pedagógicas praticadas nas diferentes redes para que as propostas pedagógicas que são capazes de produzir os aprendizados definidores da alfabetização sejam identificadas. Um trabalho de pesquisa empírica de grande importância, tendo em vista que atualmente, depois de três anos de escolarização, muitos estudantes não consolidaram nem os rudimentos da alfabetização.

É amplamente conhecido que já existem muitas experiências implantadas em diferentes munícipios onde todas as crianças, independentemente de suas características sociais, são alfabetizadas.  São muitas experiências espalhadas felizmente em todo o território nacional. Por conhecer, gosto de citar o sucesso de Lagoa Santa., um pequeno município do entorno de Belo Horizonte onde todas as crianças são alfabetizadas até o 2º ano do ensino fundamental.

A nova proposta de alfabetização apresentada pelo MEC ao CNE- 2

 

Por 20 votos a 3, em 15/12/2017, o Conselho Nacional de Educação aprovou o texto da Base Nacional Curricular Comum da Educação Fundamental. Em postagem anterior, eu circulei uma nota preparada por um conjunto de pesquisadores e especialistas criticando o documento na parte específica sobre o processo de alfabetização. Em resposta, as autoras responsáveis escreveram um texto que também estou disponibilizando aqui.

É um tema especializado que deveria ter sido amplamente discutido antes da aprovação da Base, não agora que ela já está aprovada, mas não há dúvida que discussão deverá prosseguir. Não tenho conhecimentos específicos de pedagogia e psicologia da aprendizagem para entrar nos detalhes desta discussão, mas acho importante assinalar alguns dos pontos principais.

Pelo que entendo, para os críticos do documento aprovado, o processo de alfabetização é um processo relativamente simples e ao alcance de todas as crianças, desde que conduzido de forma adequada. Segundo eles,

Uma criança aprende a ler em poucos meses de ensino apropriado do sistema alfabético. Meses estes precedidos de estimulação à fala, vocabulário, brincadeiras metafonológicas (desde a educação infantil); e seguidos de contextos educacionais estimulantes e incentivadores da leitura. É o que nos mostram os estudos recentes, os relatos de experiências, as pesquisas com modelos de intervenções experimentais nos mais diferentes países e línguas”.

Mais especificamente, dizem que

“O sistema alfabético de escrita se revela como um ‘código alfabético’ de relações entre o som da fala e a representação da fala, que muitos confundem com ‘código ortográfico’. O código alfabético é facilmente decodificado quando se conhece a sua ‘chave’;  isto é, que as letras e conjuntos de letras estão representando sons da fala!! Quando a criança ou o adulto iletrado aprende a chave do código, a aprendizagem do sistema alfabético deslancha! É por isso que precisamos ensinar as letras do alfabeto e as formas possíveis de combiná-las para escrever e ler em Língua Portuguesa. Neste contexto teórico só se ensina letras como sinais que representam sons (…) A proposta da BNCC não prevê esta informação para alfabetizar. Consequentemente se afasta dos resultados de pesquisas que mostram a melhor forma de ensinar a ler em sistemas alfabéticos”.

Para as autoras do texto da Base, por outro lado, o processo de alfabetização deve ser integrado pelo processo de “letramento”,

“O que supõe um trabalho contextualizado pelos gêneros discursivos e, por outro lado, o compromisso de o processo de alfabetização ocorrer em um contexto que permita a reflexão do aprendiz, considerado, então, como um sujeito ativo em seu processo de aprendizagem”.

Segundo as autoras,

“Tratar a linguagem escrita como código equivale a entendê-la como uma transcrição da linguagem oral e, com isso, assumir uma relação de equivalência biunívoca entre sons e grafemas (…)  Além disso, não há como ignorar pelo menos 30 anos de tradição científica em que essa visão da linguagem escrita como código alfabético vem sendo desmantelada. São incontáveis os autores e as pesquisas que demonstraram a falência de um processo de alfabetização baseado numa visão da linguagem escrita como código e a consequente necessidade de apostar num sujeito ativo que observa, analisa e reflete sobre a escrita, bem como num trabalho contextualizado e pautado pelos usos sociais da leitura e da escrita, quando da abordagem do sistema de escrita do português do Brasil”.

Os críticos, no entanto, dizem exatamente o contrário: que a literatura especializada internacional, que citam,  mostra justamente a importância da abordagem que eles propõem, e que o texto da Base Nacional Curricular Comum não considera.

Apesar de extremamente técnica em muitos aspectos, esta discussão tem grande relevância. As autoras do texto da Base argumentam que as crianças brasileiras, em sua grande maioria, não teriam condições de se alfabetizar no primeiro ano escolar:

 “Um país em que crianças de 08 anos, 11 anos desmaiam de fome no caminho para a escola ou na própria escola, pela pobreza que impede alimentação adequada e pela distância entre suas moradias e a escola (…) querer que esses alunos cheguem finalmente à escola para períodos intensivos e acelerados de treinos e testes para a aquisição da consciência fonológica e, mais ainda, antes dos seis anos de idade, chega a ser surreal. Provavelmente, não estamos vivendo – os missivistas e nós – no mesmo país.”

Assim, elas defendem que o processo de alfabetização se dê ao longo dos dois primeiros anos a partir dos seis anos de idade, como está na versão mais recente da Base –  o que é um avanço em relação à política do Ministério da Educação até aqui, que era de aceitar um prazo de três anos. Enquanto isto, seus críticos afirmam que, com o uso de métodos adequados, a alfabetização pode se completar em um ano ou menos, desde que as crianças estejam na escola e os professores estejam adequadamente preparados, e lembram que “os professores formados até a década de 70 sabiam alfabetizar seus alunos no primeiro ano escolar”.

O fato é que, mesmo com o prazo de três anos, e talvez  em parte por causa dele, um grande número de crianças nas escolas públicas brasileiras continuam funcionalmente analfabetas. Por outro lado, escolas públicas bem organizadas e que fazem uso de métodos estruturados de alfabetização conseguem excelentes resultados com estudantes de famílias pobres, como no conhecido exemplo de Sobral, no Ceará e outros, uma evidência de que, sem ignorar as dificuldades existentes, não se pode colocar nas condições sociais das crianças a responsabilidade pelo fracasso educacional de grande parte de nossas escolas públicas.

 

 

 

A proposta de alfabetização da Base Nacional Curricular Comum

 

Neste final de 2017, o Conselho Nacional de Educação está discutindo a nova Base Nacional Curricular Comum elaborada pelo Ministério da Educação, que inclui, entre outras coisas, uma proposta sobre o processo de alfabetização infantil, que é um problema de extrema gravidade no país, em que uma parte muito significativa dos estudantes nunca aprende a ler e escrever com a fluência que poderiam ter.

Um grupo de professores e pesquisadores, especializados no tema, acaba de publicar uma nota com uma crítica muito detalhada da proposta, que pode ser lida na íntegra aqui.

O objetivo da nota é “alertar as autoridades do MEC, responsáveis pela elaboração da BNCC, e os conselheiros do CNE, responsáveis pelo parecer, a respeito dos graves erros [da proposta] e suas implicações para a alfabetização das crianças em nosso país.”  Segundo eles,  “o programa é incorreto, incompleto e insuficiente para alfabetizar de forma adequada.  Guarda muito pouca semelhança com programas de ensino de alfabetização de outros países – notadamente o de Portugal – que seria o mais diretamente relevante para o Brasil.  De modo particular a frase ‘é nos anos iniciais (1o e 2o anos) do Ensino Fundamental que se espera que ela se alfabetize’ reproduz a triste memória das teorias que advogam a inação e a espera pedagógica e o mito de que ‘a criança deve alfabetizar-se a si mesma’.  Cabe à Pedagogia assumir a responsabilidade pelo ensino, e o sucesso da pedagogia é avaliado pelo grau de competência da criança em ler e escrever. No caso específico da alfabetização, isso consiste em decifrar e cifrar com eficiência, fluência e correção fonotática, de modo a liberar os recursos centrais da atenção e memória para fazer o processamento semiotático.”

O texto inclui ainda referência a uma extensa bibliografia nacional e internacional sobre alfabetização infantil, que, segundo os autores, não foi considerada na preparação da proposta do Ministério da Educação.

Crônicas da Crise: livros disponíveis na Amazon


Volume 1: Política, governo, sociedade e pobreza: Edição Kindle  / Livro impresso

Volume 2: Educação geral, média e profissional:  Edição Kindle / Livro impresso

Volume 3 – Educação Superior, ações afirmativas, pós-graduação, ciência e tecnologia:  Edição Kindle / Livro Impresso

Estes três livros, disponíveis em formato eletrônico e em papel na Amazon,  reúnem pequenos textos publicados na Internet ou em jornais e revistas entre 2004, quando as políticas sociais e educacionais do governo Lula começam a ganhar forma, e 2017, em meio a uma crise política, social e econômica profunda, em que todos se indagam, ou deveriam se indagar, sobre o que deu errado na experiência desse período, e que alternativas temos pela frente.  O crescimento da economia, a expansão dos gastos sociais, o vigor dos debates e das campanhas eleitorais, tudo isto criou a esperança, para muitos, de que o país finalmente estaria mudando de patamar, deixando de ser um país subdesenvolvido marcado pela pobreza, baixa produtividade econômica e instabilidade política, e se transformando em uma moderna democracia menos desigual e com uma população cada vez mais educada e produtiva.  A educação, crescendo em todos os níveis e envolvendo recursos cada vez maiores, seria o grande instrumento para este salto de qualidade.

Eu também compartia a esperança de que isto seria possível, mas, desde o início, vi com muitas reservas as políticas sociais e educacionais que foram adotadas pelos sucessivos governos de Lula e Dilma, não só pelos equívocos que procurava identificar, mas sobretudo pelo contexto político mais amplo em que estas políticas se davam, e que não permitiam que elas fossem diferentes do que foram. Participei, nesses anos, de diversos debates públicos sobre bolsa família, reforma universitária, política de cotas e a reforma do ensino médio, entre outros, sempre com a sensação de que, independentemente da qualidade dos argumentos, que não eram só meus, as decisões seguiam uma outra lógica na qual a pertinência das ideias não tinha muito lugar. Pode ser que a crise atual crie a oportunidade para construir uma nova lógica de implementação de políticas públicas, onde a evidência dos dados, o acúmulo de conhecimentos da literatura especializada e a força dos argumentos tenham mais espaço.

Ao longo destes anos, editei e publiquei vários livros e artigos, quase todos disponíveis no Internet Archive, aonde procuro tratar destes diferentes temas com mais detalhe e profundidade, mas que, pela sua natureza, não têm como transmitir o calor do debate destes textos menores. Para facilitar a leitura, dividi os textos em artigos em três volumes, o primeiro lidando com questões de política, governo, sociedade e pobreza; o segundo com questões de educação geral, média e profissional; e o terceiro com questões de educação superior, ações afirmativas, pós-graduação e ciência e tecnologia. Dentro de cada um, os textos estão agrupados por temas semelhantes, sem respeitar muito a ordem cronológica em que foram escritos.

Renato Pedrosa: O Brasil no ranking universitário THE 2017-2018

Escreve Renato H. Pedrosa, do Laboratório de Estudos em Educação Superior DPCT/IG da Unicamp:

Os resultados do ranking mundial de universidades THE 2017-18, publicados no dia 5/9, receberam atenção da mídia, que enfatizou o fato de que o número de instituições brasileiras entre as 1000 melhores do mundo caiu de 27 para 21, em relação ao ranking do ano anterior. Apesar de ser um ponto importante, há outros aspectos da participação brasileira que merecem comentário.

Primeiramente, o ranking anterior (THE 2016-2017) listava 981 instituições, o corrente inclui 1.102. O número total de universidades brasileiras subiu de 27 para 32, um aumento de participação de 2,8% para 3,0% do total.

Como comparação, o número de universidades chinesas passou de 52 para 63 (de 5,3% para 5,7% do total), e o número delas entre as 1000 primeiras passou de 52 para 60, indicando que o sistema chinês ampliou sua competitividade, enquanto o do Brasil o perdeu, por esse critério. Olhando o grupo das 500 primeiras classificadas, o Brasil passou de duas (USP e Unicamp) para três universidades (Unifesp a mais). A China, em comparação, tem 22 universidades nesse grupo (eram 21 no ano anterior). Mas o maior contraste está no grupo de elite, as 200 primeiras. Ali, o Brasil não tem nenhuma instituição, a China coloca sete, sendo duas entre as 50 primeiras (U. Peking, 27a, e U. Tsinghua, 30a). A Coreia do Sul, outro país asiático, tinha 25 universidades no ano passado e agora inclui 27. Entretanto, coloca quatro entre as top200 e duas entre as 100 primeiras. Entre as 500 primeiras, são 11 universidades, nos dois últimos rankings, mostrando um desempenho muito superior ao do Brasil.

Observando o grupo brasileiro em mais detalhes, destacam-se a ascensão da Unifesp, que subiu de faixa, da 601-800 para a 501-600, com escore final passando de 27,5 para 30,9; a queda da UFPr, do grupo 601-800 para o 1000+, com queda no escore final de 19,0 para 12,6 pontos; e a eliminação da UFBa (que estava no grupo >800 com escore 13,1). Como é impossível que uma instituição apresente variações reais muito significativas entre dois anos, parte das variações se deve a mudanças na forma como as universidades passam as informações para os órgãos que desenvolvem os rankings. Esse deve ser o caso da UFPr e da UFBa.

Hoje, na China, na Coreia do Sul e mesmo em países europeus nos EUA, há órgãos internos nas universidades cuja finalidade é coletar, organizar e transferir informações para órgãos de governo e outros, como os que publicam os rankings. Isso ainda é incipiente no Brasil, mas os dados desses dois últimos anos do THE mostram que, com poucas exceções, todas as universidades melhoraram seus escores finais, algumas significativamente, além da Unifesp: Unesp (+3,4), UFSCar (+3,4), UFABC (+2,9), UEL (+2,8), UFCe (+2,7), UFPe (+2,6) e UFOP (+2,5). As que apresentaram queda no escore final foram: USP (-0,8), UERJ (-1,7), UFLavras (-2,4) e a UFPr (-6,4) (veja a tabela geral com escores nos dois anos, classificações no ranking e no grupo, e variação entre escores).

 

Um comentário final: muitos questionaram como a Unicamp poderia ter sido a primeira colocada no ranking THE Latin America e agora aprece atrás da USP no ranking mundial. A resposta está em como os indicadores estão construídos. Tanto os de ensino quando os de pesquisa levam em conta pesquisas de reputação, sendo que, no caso do THE LaTam, os pesquisados são pessoas da AL. No caso do THE internacional, são pessoas de todo mundo. A USP seria mais reconhecida no contexto mais amplo do que no contexto restrito, em relação à Unicamp, resultando na inversão da classificação.

O novo ensino médio: o difícil caminho à frente

Estou abrindo para comentários um texto ainda preliminar sobre as perspectivas do novo ensino médio brasileiro, que está disponível aqui.

O ensino médio brasileiro foi redefinido pela lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que teve origem na Medida Provisória 746 de setembro do ano anterior, e tem como pontos principais a diversificação do currículo escolar, que inclui o ensino técnico como uma das opções de formação, e o financiamento ao ensino médio de tempo integral. A intenção foi tentar resolver, ou pelo menos atenuar, os graves problemas do ensino médio brasileiro, caracterizado pelas altas taxas de abandono e um currículo único pretencioso, superficial e inviável, e totalmente orientado para a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio, estreita porta de acesso ao ensino superior público. A expectativa é que, no novo formato, os estudantes possam escolher suas áreas de formação, e que a preparação técnica deixe de ser uma atividade complementar e se integre de forma mais plena à educação média.

A revisão de alguns dos pontos principais da nova lei do ensino médio não nos transmite muito otimismo sobre o sucesso de sua implementação. As grandes vantagens da lei, que persistem, são a maior flexibilidade que as redes escolares terão de organizar seus currículos, a possibilidade de os alunos participarem no planejamento de seus itinerários formativos, e a inclusão do ensino técnico e profissional dentro do ensino médio. Mas se trata ainda de uma lei tímida, ambígua, que mantém muitas das preconcepções e preconceitos do sistema anterior, e não abre espaço suficientemente amplo e bem concebido para a diferenciação proposta. As questões mais fundamentais dos currículos foram transferidas para as Base Nacional Curricular Comum que deverá ser sancionada pelo Conselho Nacional de Educação, cuja tradição até aqui tem sido contrária a um sistema diferenciado. E o governo nada disse sobre a necessidade de alterar o ENEM para se adaptar ao novo sistema.

Em todas partes do mundo, o ensino médio é complexo, com diferentes trajetórias, diplomas e certificados, no esforço de atender às grandes diferenças dos estudantes e das demandas de qualificações do mercado de trabalho e do ensino superior. A atual lei brasileira abre uma janela para que o ensino médio melhore e crie mais e melhores oportunidades para a população estudantil, que precisa ser melhor entendida e ampliada.

Avaliação e monitoramento do Plano Nacional de Educação

A convite da Associação Brasileira de Avaliação Educacional, ABAVE, fiz a conferência de abertura de sua IX Reunião Anual em Salvador, cujo tema é a avaliação e monitoramento do Plano Nacional de Educação. O  Plano  foi sancionado como lei em junho de 2014, depois de um longo processo de discussões iniciado ao término do Plano 2001-2010, incluindo as Conferências Nacionais de Educação de 2010 e 2014. Tal como o Plano anterior, é um documento extremamente ambicioso, e, da mesma forma que o anterior, já existem fortes indicações de que estará longe de cumprir seu principal objetivo, que seria o de melhorar de forma significativa a qualidade e a equidade da educação brasileira.

Nesta minha apresentação, procurei mostrar que as dificuldades que o Plano encontra já eram previsíveis desde sua formulação, e se tornaram evidentes com a grande crise econômica, política e fiscal que o país vem enfrentando desde 2015. Estas dificuldades se originam da própria ideia de que um Plano Decenal como este seria o melhor instrumento para a melhorar a educação do país, e se tornaram ainda maiores pela maneira pela qual o plano foi elaborado e suas metas estabelecidas.

Na conclusão, lembrei que a lei que instituiu o PNE continua em vigor, apesar do não cumprimento da maioria de suas metas e do recente veto presidencial ao artigo 25 da Lei de Diretrizes Orçamentárias que alocava recursos federais para sua execução. Dada esta situação, qual deveria ser o papel da avaliação em seu acompanhamento? A avaliação não pode ser um simples monitoramento mecânico do cumprimento de metas quantitativas questionáveis e na maioria dos casos inatingíveis, mas um processo qualificado de revisão permanente dos objetivos buscados, de identificação de pontos de estrangulamento que precisam ser atacados, e, aí sim, do monitoramento detalhado de diversas intervenções para verificar se de fato elas cumprem os objetivos propostos ou se precisam ser modificadas. O horizonte de tempo deve variar conforme o tema, mas dez anos é certamente demasiado quando políticas claramente errôneas ou prejudiciais são identificadas.

O texto completo de minha apresentação está disponível aqui.

Bolivar Lamounier: Nau Sem Rumo

Comparto o artigo de Bolivar Lamounier publicado no O Estado de São Paulo, 20 de maio de 2017, sobre a crise atual e a questão do sistema partidário e eleitoral:

Mais uma vez, nau sem rumo

Em 1985 apresentei à Comissão Afonso Arinos, da qual fazia parte, um diagnóstico da estrutura partidária brasileira. No ano seguinte a Editora Brasiliense publicou esse texto como um livrinho, intitulado Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o Caso Brasileiro.

Meu argumento era mais enfático, mas no essencial não diferia do antigo entendimento de que o Brasil não chegara a formar um sistema de partidos à altura de suas necessidades. Em perspectiva histórica e comparada – escrevi logo na primeira linha –, o Brasil é um caso notório de subdesenvolvimento partidário. O resultado de nossa descontínua história partidária, com poucas exceções, fora uma sucessão de sistemas frágeis e amorfos. E fui mais longe, afirmando que uma estrutura mais forte dificilmente se constituiria a partir de uma organização institucional que combinava o regime presidencialista com a Federação, um multipartidarismo exacerbado e um sistema eleitoral individualista, frouxo e permissivo. Para que a redemocratização chegasse a bom porto era, pois, imperativo adotar outro conjunto de incentivos, entre os quais o voto distrital misto.

A tese acima exposta não se firmou. Poucos anos mais tarde o meio acadêmico acolheu um entendimento precisamente oposto. Nossos partidos e balizamentos institucionais seriam perfeitamente adequados e não seria exagero dizer que se incluíam entre os melhores do mundo. Não representavam nenhum risco para a estabilidade democrática, muito menos para a governabilidade – ou seja, para a desejada eficácia na condução dos programas de governo. A tese da fragilidade partidária não passaria de um mito.

Relembrar essa discussão no momento atual é um exercício surrealista. Quem tem olhos de enxergar sabe que praticamente todos os partidos couberam no bolso de duas empresas, a Odebrecht e a JBS. Sabe que as duas não apenas obtinham quando queriam as leis e medidas provisórias (MPs) de seu interesse, como – e isto é muito mais importante – fábulas de dinheiro no BNDES, como viria a ocorrer no transcurso dos governos Lula e Dilma. As cifras, que à época o País desconhecia, eram (são) estonteantes. Ou seja, o cartel das empreiteiras, Eike Batista e os irmãos Joesley e Wesley mandavam muito mais do que centenas de deputados eleitos pelo voto popular. Em 2010, três grandes eleitores – Lula, Marcelo Odebrecht e o marqueteiro João Santana – substituíram-se à grande massa votante e enfiaram Dilma Rousseff pela goela abaixo dos brasileiros. O quadro acima se alterou graças a dois fatores principais: o instituto da delação premiada e a circunstância até certo ponto fortuita de o “mensalão” ter caído nas mãos de Joaquim Barbosa e o “petrolão”, nas do juiz Sergio Moro.

Como bem mostrou Fernando Gabeira no Estadão de ontem (19/5), o que ruiu não foi um ou outro partido, mas todo o sistema: “Todo o esquema político-partidário estava envolvido, por intermédio de suas principais siglas. A delação da JBS apenas confirmou o processo de decomposição irreversível” (grifo meu). Mais adiante, Gabeira pergunta se não será o caso de esquecermos a ideia de partido e passarmos a pensar em “movimentos”. Não sei o que isso significa, mas aqui já me afasto dele. Como também me afasto de toda cogitação sobre “democracia direta”, “conselhos populares” e assemelháveis. A democracia representativa é o único modelo sério e consistente de democracia que a História produziu e os partidos lhe são essenciais.

Admito, porém, que a “decomposição” a que Gabeira se refere já não pode ser resolvida por meio de uma reforminha política qualquer, como essas que o Congresso propõe um ano sim e o outro também, creio que com o saudável intuito de divertir a imprensa. O “povão” – aquele sempre acusado de “não saber votar” – não tem nada que ver com isso. Se o que lhe dão é o paternalismo do Bolsa Família, ele vota para mostrar gratidão pelo que lhe deram, e interesse em continuar recebendo tais migalhas.

O buraco é mais em cima. É a desorientação mental e política que grassa entre as “elites”, ou seja, entre os 20% mais escolarizados, com mais acesso à informação e de renda mais alta. No dia 29 de abril, milhões de brasileiros observaram, pasmos, a vetusta Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apoiar a contrafação de “greve geral” imposta ao País pelas centrais sindicais. Destas, realmente, é pouco o que se pode esperar, mas a CNBB tem o dever de expressar pelo menos os anseios da parcela católica da sociedade. Não creio que uma ação daquela ordem, baseada na supressão violenta do direito de ir e vir e em depredações, esteja entre tais anseios. Nas universidades e até no ensino médio, uma grande parte – talvez a maioria – dos docentes e discentes parece aferrada a chavões ideológicos decididamente peremptos.

Aí, a meu ver, é que está a raiz do problema. Podemos mudar as regras eleitorais quantas vezes quisermos, mas não sejamos ingênuos: não iremos a lugar algum se as elites dos diversos setores não assumirem suas responsabilidades. A referência que fiz acima à eleição de 2010 ilustra bem o que estou tentando dizer; com uma elite dessa ordem, incapaz de enxergar a trama urdida por três grandes eleitores, o Brasil não reencontrará o caminho do desenvolvimento econômico e político. Permaneceremos na condição de uma nau frágil, açoitada de quando em quando por violentas ventanias, por crises pré-fabricadas, desperdiçando o escasso tempo de que dispomos para aumentar a renda nacional e melhorar nossas condições sociais. Os 14,2 milhões de desempregados decididamente NÃO agradecem.

 

 

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