O Debate Ideológico na Educação

Claudia Costin

(O Jornal O Estado de São Paulo publicou a matéria abaixo em sua edição de 4 de dezembro, que está sendo reproduzida aqui. Por alguma razão esta informação sobre a autoria do texto não apareceu na versão original desta postagem, dando a impressão errada de que se tratava de texto meu. Peço desculpas).

 

CONVITE EXPÕE EMBATE IDEOLÓGICO NA EDUCAÇÃO

Indicação de secretária de Educação do Rio a cargo no MEC gerou mobilização inédita, contrária e a favor

O convite, na semana passada, para que a secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, assumisse a Secretaria de Educação básica do Ministério da Educação (MEC) trouxe à tona o embate existente entre as duas correntes que pensam e gerem o assunto no Brasil.

De um lado, estão os pedagogos – acadêmicos de instituições públicas tradicionais de Ensino – e os sindicatos dos Docentes. De outro, profissionais de áreas como administração e economia, além de fundações e instituições voltadas à discussão do tema.

O primeiro grupo, o dos pedagogos, é o que historicamente domina o cenário da Educação brasileira, desde a construção do currículo dos cursos de Pedagogia até a formulação dos concursos públicos que selecionam Docentes para as redes de Ensino.

O segundo, o dos “estrangeiros à Pedagogia”, trouxe referências de outras áreas para a discussão do tema e defende as avaliações externas, as metas de aprendizagem e a existência de um currículo nacional.

Assim que o ministro Aloizio Mercadante fez o convite a Cláudia, o primeiro grupo lançou uma petição pública contra a nomeação. O texto a acusa de autoritarismo didático e de “capitalizar” a Educação. Sua gestão no Rio seria marcada pela “privatização do Ensino público, a fragmentação do trabalho Docente, a perda da autonomia dos Professores e a submissão estrita aos cânones neoliberais”.

Em resposta a esse ato de repúdio, o segundo grupo publicou uma carta de apoio à secretária, com números que mostram o avanço das Escolas cariocas no Índice de Desenvolvimento Educacional (Ideb) e afirmando que a gestão “ousou experimentar novas formas de aprender”.

Enquanto o debate fervilhava na internet, Cláudia recusou o convite por questões pessoais e o posto do MEC continua vago. Cesar Callegari, que ocupava o cargo, foi anunciado ontem como o novo secretário municipal de Educação de São Paulo.

Em breve, a discussão deve sair dos holofotes, mas continuará nos gabinetes que decidem os rumos da Educação brasileira.

Embate. Uma das questões debatidas é a serviço de quem a Escola tem sido pensada e realizada. Boa parte da academia acredita que esses novos atores no setor educacional trabalham a serviço do capitalismo, com foco em metas de empregabilidade e enriquecimento do País.

“Existe um projeto neoliberal que diminuiu a importância do Estado e subordinou a Educação às necessidades imediatas do mercado”, diz Carmen Sylvia Moraes, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que ajudou a conceber o manifesto contra a nomeação. “Esquecem-se de que a Educação é a expressão e não a causa do desenvolvimento. Precisamos de um trabalhador com autonomia intelectual, crítico. E isso não se consegue com as metas que os economistas propõem.”

Ao se referir a metas, Carmen coloca em evidência outro motivo de discórdia: as expectativas de aprendizagem e as bonificações aos Docentes atreladas ao aprendizado dos Alunos. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, Professores de Escolas que alcançaram as metas no Ideb e no IdeRio, o índice local, são bonificados. O Estado de São Paulo tem programa similar.

“A avaliação pode estar maquiada. A Educação é mais que as notas de matemática e português. Essa é uma visão curta e economicista que culpabiliza o Professor pelo fracasso do Aluno”, diz Gaudêncio Frigotto, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que assinou a petição contrária.

Resultados. Os números do Ideb têm mostrado avanços no Rio. Dados recentes mostram que, enquanto o Ideb dos anos finais do Ensino fundamental subiu 0,2 ponto nas Escolas públicas do País (de 3,7 para 3,9), o da cidade do Rio foi de 3,6 para 4,4.

Por lá, os Professores têm de cumprir um currículo com expectativas de aprendizagem e o concurso público, além da prova teórica, compreende uma aula para uma banca, com o propósito de avaliar a prática de Ensino, a didática do Docente.

“São experiências que deram certo principalmente em benefício dos mais carentes”, afirma o sociólogo Simon Schwartzman, que assina carta em apoio à secretária municipal do Rio.

Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann, endossa o coro. “Conseguir esse avanço no aprendizado em uma cidade grande como o Rio não é pouco. Uma pena ela não ir para o MEC em nome desse debate antigo e de posicionamentos radicais que não ajudam, na prática, a melhorar a Educação no País.”

Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, pondera que o debate é um bom sinal. Mostra que a Educação está na pauta. Mas completa: “Enquanto se discute ideologia, o Analfabetismo continua”.

Corporativismo, de novo, contra a educação

João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, assina hoje, 27/11/2012, o artigo abaixo na Folha de São Paulo:

Corporativismo, de novo, contra a educação

Cláudia Costin é secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro e foi ministra da Administração no governo FHC. Como gestora experiente, ama falar em resultados.

Aloizio Mercadante, ministro da Educação e economista, sabe disso e ama Cláudia Costin. Ele a convidou para assumir a Secretaria de Educação Básica da sua pasta.

Mas, nessa história de amores, há quem não ame resultados nem, claro, Cláudia Costin.

Um grupo de professores universitários organizou um abaixo-assinado protestando contra o convite feito a ela feito por Mercadante. Foram seguidos por milhares de adeptos e por entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

O texto do abaixo-assinado traduz o atraso da educação no Brasil: repete surrados jargões anti-imperialistas, defende as fracassadas ideias dos seus autores, que tiram do baú a velha cantilena da esquerda ultrapassada.

Segundo os autores, Cláudia é o arauto das forças internacionais que conspiram contra os pobres brasileiros. Ela milita pela desqualificação da educação, pois implementa propostas que anulam o senso crítico do aluno, cria bônus para premiar desempenho de professores e aniquila “sujeitos históricos”, como os professores e os alunos.

O manifesto ainda diz que pessoas como Cláudia Costin devem ser evitadas na administração pública, para que não reduza os alunos a “indivíduos médios, reproduções de tipos ideais que incorporam todos os traços e qualidades de que se nutrem as comunidades ilusórias”.

Entendeu? Nem eu. Mas pessoas que escrevem assim são as que vêm ditando os rumos da educação.

Os autores concluem protestando contra o arbítrio economicista, degradante e mutilador que a presença de Cláudia no ninho petista traria à educação básica.

Após quatro ministros, o PT ainda não sabe se tem agenda para a educação. E agora Mercadante convida essa cruel megera para pousar num ninho onde tucano não deve pousar?

Os que querem manter o status quo não se conformam. A velocidade e intensidade da reação ilustram a virulência dos beneficiários do poder, que não abrem mão de suas ideologias, nem diante dos retumbantes fracassos de suas propostas.

Mercadante jogou a sua cartada. O recado foi dado. É preciso mudar.

É preciso libertar o MEC da prisão corporativista em que se meteu. Passou da hora de romper com o dogmatismo ideológico das universidades e núcleos que propagam ideias equivocadas e ineficientes há décadas.

É preciso avaliar o resultado das décadas de cursos inócuos para capacitar professores. É preciso saber onde foram os bilhões de reais destinados a cursos de alfabetização de adultos e à formação profissional improvisada e avaliar os resultados desses cursos. É preciso dar espaço a quem tem resultados para mostrar e estimular iniciativas que possuem evidência comprovada de sua eficácia.

Por fim, é preciso alfabetizar as crianças aos seis anos de idade, como se tenta fazer no Rio, e usando estratégias e métodos adequados, como se faz em Sobral há vários anos, e não até os oito, como propõem os sectários que se apropriaram dos canais de decisão do MEC.

O estrago foi feito. Mercadante sinaliza que quer romper com o imobilismo dos que vêm imobilizando o MEC, especialmente na área de educação básica.

Cláudia já comunicou ao ministro que não aceitará a oferta, mas o estrago dentro do PT está feito. Mercadante está na linha do pênalti. Se marcar o gol, será vaiado pela plateia cativa. Mas poderá ser aplaudido pelo Brasil.

 

Claudia Costin e a Educação na Cidade do Rio de Janeiro

Um grupo de lideranças de diversas áreas criou e assina a seguinte carta de apoio ao trabalho da Secretária Claudia Costin à frente da Secretaria Municipal de Educação na cidade do Rio de Janeiro:

Depois do convite do Ministro Mercadante para que a Secretária Claudia Costin assumisse a Secretaria de Educação Básica do MEC, alguns acadêmicos decidiram publicar um texto com críticas que revelam não só desconhecerem o trabalho que vem sendo feito na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro nos últimos anos, mas também uma postura de oposição aos esforços do governo federal e da maioria dos estados brasileiros de romper a barreira do analfabetismo funcional, da desorganização e da desmoralização da escola pública, provocando danos irreparáveis às nossas crianças e jovens e ao desenvolvimento humano, social e econômico do país. A Secretária Claudia Costin e sua equipe têm tido o apoio irrestrito do Prefeito Eduardo Paes e têm feito um trabalho técnico, de qualidade e com resultados inquestionáveis.

Ao anunciar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, a Presidenta Dilma Rousseff fez questão de enfatizar a importância da avaliação do processo de aprendizagem, afirmando que “não há como aferir se as crianças estão seguindo um ciclo de alfabetização efetivo sem avaliar. E não há como fazer isso sem fazer testes objetivos. Principalmente, se quisermos evitar que as crianças cheguem à 5ª série sem conseguir dominar a leitura e as operações matemáticas simples”. E prossegue a Presidenta: “Por isso, se quisermos saber se as crianças estão aprendendo, se precisam de apoio em algum conteúdo específico, se o nosso material didático e os métodos são adequados, se o professor e a escola estão cumprindo suas tarefas, nós vamos precisar avaliar. Precisamos avaliar a partir de parâmetros nacionais e sistematicamente, e precisamos fazer isso logo agora, e faremos a partir de 2013. Vamos também premiar o mérito. Premiar o que está dando certo. Professores e escolas que se destacarem, que conseguirem alcançar os melhores resultados receberão prêmios”.

É esta linha, exatamente, que a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro vem seguindo na gestão de Claudia Costin. A Secretária Claudia Costin liderou a discussão para a criação de orientações curriculares mínimas claras, com a participação dos professores da rede e comunidades escolares. Essas orientações curriculares são constantemente revisadas pelos professores em reuniões nas escolas. Há vários canais de diálogo, como visitas, reuniões com conselhos de diretores, professores, pais, alunos e virtualmente, por meio das redes sociais e mensagens eletrônicas. A partir dessas orientações curriculares, materiais impressos e digitais foram criados para apoiar o trabalho do professor, que pode decidir utilizá-los ou não em seus planejamentos, complementando a utilização de outros recursos como livros didáticos e vídeos. Avaliações verificam o processo de aprendizagem e que escolas precisam ser auxiliadas por outras escolas com contextos semelhantes e que conseguem atingir bons resultados.

Como acontece em muitas redes de educação pública municipais e estaduais, a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro conta com parcerias para realfabetizar os alunos que não foram alfabetizados na idade correta, acelerar alunos em defasagem idade-série e reforçar a aprendizagem dos alunos que precisam de mais ajuda por uma série de fatores, como o contexto socioeconômico ou a baixa escolaridade dos pais. As metodologias adotadas são as aprovadas e recomendadas pelo Ministério da Educação, com base no seu cadastro de tecnologias educacionais certificadas. Hoje a sociedade brasileira se mobiliza cada vez mais para apoiar a educação, nenhuma secretaria pode dar conta sozinha da imensa tarefa que tem pela frente de melhorar as condições de estudo de seus alunos, e a política da Secretaria Municipal tem sido a de buscar sempre todos os apoios de qualidade que consegue identificar.

Um dos pontos fortes do trabalho da equipe da SME Rio tem sido a atenção especial que tem dado a crianças e jovens historicamente abandonados e que não exerciam o direito de educação pública de qualidade. O Programa Escolas do Amanhã é hoje reconhecido nacional e internacionalmente por diminuir as taxas de reprovação e abandono e melhorar a aprendizagem em escolas situadas em áreas conflagradas. Um exemplo é que o crescimento do Ideb nos Anos Finais nessas escolas foi de 33%. A criação de vagas em creches é o maior da história da cidade. Para essas vagas, os alunos de classes econômicas mais desfavorecidas são priorizados.

Liderando a educação carioca, a Secretária Claudia Costin ousou experimentar novas formas de aprender, utilizando ferramentas digitais e a personalização do ensino para estilos e necessidades diversas, com escolas experimentais (algumas vocacionadas), apostando no papel do professor como aquele que assegura a educação de qualidade para todos e não somente para alguns. Sempre com um foco claro na melhoria da aprendizagem, as escolas estimulam o protagonismo juvenil, a educação para valores, a construção de um projeto de vida e a formação de cidadãos autônomos, solidários e competentes, de acordo com os objetivos da educação pública preconizados em nossas leis.

Os resultados do trabalho realizado demonstram que os alunos cariocas estão aprendendo mais. As notas melhoram em todos os níveis, da alfabetização ao 9º ano. Enquanto em nível nacional o Ideb para os Anos Finais avançou pouco entre 2009 e 2011, por exemplo, as escolas cariocas avançaram 22%. Alunos e famílias estão mais satisfeitos com a educação pública. Crianças e jovens do Rio de Janeiro podem avançar no desenvolvimento de suas potencialidades e estarão muito mais bem preparados para batalharem por seus sonhos. O Brasil tem muito a ganhar se conseguir se beneficiar destas experiências que precisam se multiplicar. Ainda há bastante a ser feito, mas a educação carioca é um exemplo a ser seguido. Apoiamos o trabalho que a Secretária Claudia Costin e sua equipe vêm fazendo, com o apoio do Prefeito Eduardo Paes, e estamos felizes que ela tenha decidido permanecer à frente da Secretaria Municipal de Educação para dar continuidade às ações.

(assinaturas atualizadas em 28/11/2012)

Alexandre Schneider
Alessandra Sayão
Alycia Gaspar
André Nakamura
Andreas Mirow
Armínio Fraga
Beatriz Novaes
Cláudio de Moura Castro
Denis Mizne
Edmar Bacha
Fernando Augusto Adeodato Veloso
Fernando Barbosa
Françoise Trapenard
Gustavo Marini
Helena Bomeny
Iza Locatelli
Jorge Werthein
Lilian Nasser
Luis Antonio de Almeida Braga
Luiz Chrysostomo
Márcio da Costa
Magda Soares
Maíra Pimentel
Maria Helena Guimaraes de Castro

Maria Ines Fini
Maria Teresa Tedesco
Monica Baumgarten de Bolle
Naercio Aquino Menezes Filho
Nilma Fontanive
Olavo Monteiro de Carvalho
Paulo Ferraz
Pedro Malan
Pedro Vilares
Pilar Lacerda
Priscila Cruz
Rafael Parente
Raquel Teixeira
Renato Hyuda de Luna Pedrosa
Ricardo Henriques
Ruben Klein
Samara Werner
Sergio Besserman
Sergio Guimarães Ferreira
Simon Schwartzman
Tomas Tomislav Antonin Zinner
Walter de Mattos Jr
Wanda Engel
Wilson Risolia

Mais um manifesto da Academia Brasileira de Ciências e SBPC sobre as Universidades Federais

 

Em julho de 2012 a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC publicaram uma manifestação contrária ao projeto de lei que impunha cotas às universidades federais e acabava com os vestibulares, o que não impediu que o projeto fosse aprovado  e sancionado em sua quase totalidade.  Agora as duas entidades voltam a se manifestar sobre um novo projeto de lei sobre a carreira docente nas universidades federais que liquida de vez com o sistema de mérito e impede que as universidades contratem novos professores fora dos níveis iniciais da carreira, eliminando um dos últimos resquícios da autonomia que consta da Constituição.  Quem sabe elas serão mais ouvidas desta vez?

Manifesto da ABC e SBPC pedindo correção no Projeto de Lei que trata a carreira de docente nas Universidades Públicas Federais.

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2012
ABC-PR-294/2012
Manifesto ABC / SBPC

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vêm, através do presente documento, manifestar suas preocupações quanto ao Projeto de Lei 4368 que redefine a carreira docente nas Universidades Públicas Federais. Foram detectados aspectos que poderão trazer graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retrocesso, para as Universidades Federais Brasileiras, principalmente no que tange a qualidade da Pesquisa e do Ensino de Graduação e Pós- Graduação.

Nossas propostas se concentram, basicamente, em 3 pontos do Projeto, a saber: 1. O sistema previsto para ingresso na carreira (que passará a ser necessariamente no primeiro nível); 2. A definição das atividades compatíveis com o regime DE; 3. O papel do MEC no estabelecimento de critérios para promoções, avaliações e concursos.

1. Por que o ingresso na carreira não tem que ser necessariamente no primeiro nível

O art. 8º do PL prevê que o ingresso na carreira docente só ocorrerá no primeiro nível da classe de Auxiliar, mediante concurso para o qual se exige apenas diploma de graduação. Mesmo quem já tenha título de doutorado será Auxiliar por 3 anos, já que não poderá ser promovido para Adjunto antes do estágio probatório (cf. art. 13 do PL). Embora ele receba uma Retribuição por Titulação correspondente ao título, na tabela remuneração de 2015, o nível salarial correspondente (de Auxiliar 1) apresenta uma perda real de 2% em relação ao salário atual de Adjunto 1. O problema crucial, portanto, é diminuir a atratividade da carreira docente, e inviabilizar que se abram concursos com exigência de titulação.

Consideramos o sistema atual – que permite a abertura de concursos para o primeiro nível das classes de Auxiliar, Assistente e Adjunto – muito mais adequado ao atual estágio da universidade brasileira.

Embora a prática de concursos para adjunto tenha sido comum nas Universidades nesses 24 anos, e que isso não tenha sido questionado judicialmente, difundiu-se a ideia – equivocada – de que essa sistemática não é compatível com os princípios e regras que regem a Administração Pública na Constituição. O sistema atual é flexível e não veda a solicitação, por parte das Unidades, de vagas nas classes de Assistente ou mesmo Auxiliar. Porém, entendemos que essas vagas devem ser solicitadas em caráter excepcional, acompanhado de justificativa sólida da necessidade das mesmas e de um compromisso da Unidade solicitante de que tais docentes contratados serão incentivados a se qualificarem para obtenção do grau de doutor.

O único requisito para ingresso na carreira previsto legalmente (caso o PL seja aprovado) será o título de graduação (art. 8º, § 1º); e ainda que o edital venha a estabelecer requisitos adicionais, isso poderá ser contestado, pois tais requisitos não terão sido previstos em Lei. Isso tornará impossível exigir titulação de doutorado como critério para investidura no cargo, mesmo que seja previsto no Edital do concurso.

Por isso, propomos uma modificação no art. 8º que mantém os termos do sistema atual, em que os concursos possam ser realizados para o primeiro nível de Auxiliar, de Assistente ou de Adjunto.

2. A definição das atividades compatíveis com o regime DE

O PL, em seu art. 21, que enumera as atividades remuneradas compatíveis com o regime de DE, deixou de prever uma situação prevista no sistema atual que é a colaboração esporádica em assuntos de especialidade, devidamente autorizada pela instituição e de acordo com regras próprias. Essa hipótese, no entanto, é a que respalda uma série de contratos em vigor – que têm sido prática corrente na Universidade -, inclusive práticas respaldadas pela Lei de Inovação Tecnológica (Lei 10.973/2004), voltadas para estimular a participação ativa de docentes das Instituições Públicas de Pesquisa em projetos que envolvam as instituições de ciência e tecnologia e empresas.

Entendemos que os benefícios alcançados nos últimos anos seriam ameaçados se essa hipótese deixar de ser prevista, o que representaria, inclusive, um movimento no sentido contrário aos importantes passos dados na Lei de Inovação.

3. O papel do MEC no estabelecimento de critérios para promoções, avaliações e concursos.

O art. 12 do PL traça as regras para desenvolvimento do docente na carreira. Chamou-nos a atenção, em primeiro lugar, o fato de a promoção para Assistente e para Adjunto não exigir a titulação correspondente (Mestrado e Doutorado, respectivamente). Além disso, há a previsão de participação do MEC na formulação de critérios para avaliação (§§ 4º e 5º), sem a menção devida às competências da própria IFES no estabelecimento dessas regras.

Particularmente em relação à avaliação para professor titular (§ 5º), pareceu-nos inadequada a previsão de que a regulamentação desse processo fosse atribuída ao Ministro de Estado da Educação.

Respeitando os princípios da autonomia universitária, pensamos que essa participação deve se limitar a estabelecer diretrizes gerais, ficando cada IFES com a atribuição de estabelecer suas próprias regras e critérios. Tais diretrizes não devem ficar ao sabor da política de governo – e, por isso, não devem ficar na alçada do Ministro, mas sim de uma instância coletiva do MEC que costuma estabelecer regras para o ensino superior (a CES do CNE).

Finalmente, entendemos que a dispensa da detenção de título de Mestre e Doutor para promoção a Assistente e a Adjunto deste PL representará um retrocesso no esforço que as universidades federais vêm fazendo no sentido de titular seus docentes, visando a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa praticados nas universidades federais públicas.

Conclamamos, pois, os Exmos. Srs. Deputados de nosso Congresso Nacional a retificar o texto original de acordo com os pontos aqui levantados, dando assim grande contribuição para que nossas Universidades Federais Públicas caminhem em direção a excelência do ensino e da pesquisa. Como sabem V. Exas. este é o único caminho para termos uma nação dotada de competências nos diversos ramos do saber, que a levará a um pleno desenvolvimento socioeconômico, a par com os países mais avançados do mundo.

Muito cordialmente,
JACOB PALIS JR.Presidente, Academia Brasileira de Ciências

HELENA B. NADER, Presidente, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

A profissão de Historiador

 

Respondendo a uma matéria do jornal Folha de São Paulo sobre a regulamentação da profissão de historiador pelo Senado Federal, o presidente da Associação Nacional de História, Benito Bisso Schmidt, esclarece que “em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas. Apenas estabelece que as instituições onde se realiza o ensino e a pesquisa de História contem com historiadores profissionais em seus quadros”. E acrescenta: “Da mesma maneira, a regulamentação pode evitar que continuem a se verificar, nos estabelecimentos de diversos níveis de ensino, situações como a de o professor de História ser obrigado a lecionar Geografia, Sociologia, Educação Artística, entre outras disciplinas, sem ter formação específica para isso (e vice-versa)”. Se trata simplesmente, portanto, de reserva de mercado para portadores de diploma de história, justificada pela idéia de que, ao longo de seus estudos, os diplomados em história “desenvolvem habilidades específicas como a crítica documental e historiográfica e a aquisição de conhecimentos teóricos, metodológicos e técnicos imprescindíveis à investigação científica do passado”. Sem riscos, portanto, para cientistas políticos que escrevem sobre o Império como José Murilo de Carvalho, embora ainda persista a dúvida de se ele precisará agora de carteirinha de historiador para pesquisar nos arquivos públicos brasileiros.

Como a área de história (da mesma maneira que as de sociologia, ciência política, economia, filosofia e tantas outras) tem muitas correntes que se contradizem e não aceitam os métodos de trabalho das outras, e dada ainda a má qualidade de muitos de nossos cursos universitários de ciências sociais e humanidades, é difícil aceitar que todos os diplomados em história tenham mesmo este instrumental teórico e técnico que deveriam ter.

A questão mais profunda, no entanto, é que, ao contrário do que normalmente se supõe no Brasil, áreas de conhecimento e profissões não são a mesma coisa. Profissões são atividades que lidam com o público e que em alguns casos, quando mal exercidas, podem causar dano à vida e à propriedade das pessoas. Áreas de conhecimento são tradições de trabalho cujas fronteiras estão sempre em movimento, e que não podem nem devem ser reguladas por lei e ser objeto de monopólios corporativos. Para tomar o exemplo mais clássico, não existe uma ciência chamada “medicina”, mas disciplinas como fisiologia, anatomia, química, farmacologia, psicologia, genética, biologia molecular, radiologia e tantas outras, por um lado; e a profissão médica por outra, regulamentada por lei, e que inclui, por exemplo, a homeopatia, que a maior parte dos cientistas não consideram ter base científica. A delimitação de quem pode ou não exercer a medicina, o direito e a engenharia, que são as profissões mais tradicionais, tem sido estabelecida ao longo do tempo por disputas políticas entre diferentes grupos, e são bastante arbitrárias, como atestam as disputas sobre a atuação profissional de enfermeiros, psicanalistas, optometristas e fisioterapeutas, que hoje giram em torno da possível aprovação da legislação sobre o “ato médico”, que pode consolidar o poder dos médicos sobre todas as demais profissões de saúde no Brasil, que em outros países são reconhecidas e valorizadas. Se, por um lado, a sociedade se protege quando sabe que charlatães estão impedidos de tratar, advogar e construir obras, ela sofre quando as corporações profissionais abusam de seus poderes, ao mesmo tempo em que os diplomas nem sempre garantem o que prometem. A melhor maneira de garantir os interesses da sociedade é limitar ao máximo os monopólios profissionais, que devem ficar estritos a atividades que implicam altos riscos para o público, exigindo controles de competência e qualidade que não se limitem ao reconhecimento burocrático de diplomas.

Será que a história, que é uma disciplina de estudos, se qualifica como uma profissão no Brasil? Os dados da amostra do Censo Demográfico de 2010 indicam que haviam cerca de 75 mil pessoas formadas em história e arqueologia, das quais somente 57 mil trabalhavam. Destas, metade tinha atividade na área de educação, e somente 1.400 trabalhavam em atividades profissionais, científicas e técnicas, ou seja, presumivelmente, como historiadores profissionais; e certamente existem muitas pessoas com diploma de sociólogo, jornalista, economista, cientista político ou sem diploma nenhum pesquisando arquivos e produzindo trabalhos interessantes (a Plataforma Lattes, do CNPq, lista 5500 pesquisadores em história no país em 2010, sem dizer, no entanto, em que cursos se formaram). Isto se compara com a estimativa de que o Brasil necessitaria de cerca de 75 mil professores de história para atender às atuais necessidades dos currículos do ensino fundamental e médio.

Temos um problema sério de falta de professores, não só em historia, mas em quase todas as áreas. Neste quadro, não faz nenhum sentido proibir que pessoas formadas em disciplinas afins ensinem história nas escolas, como não faz sentido impedir que pessoas formadas em história ensinem em matérias afins como geografia ou sociologia. Ser professor da educação básica e pesquisador profissional são coisas muito diferentes, e ainda bem que é assim, porque senão os problemas de nossa educação, que já são extremamente sérios, se tornariam totalmente insolúveis.

 

Dois dados sobre o ENEM

Enquanto aguardamos os resultados do ENEM deste ano, vale a pena olhar alguns dados de 2010, os últimos disponíveis para análise. Naquele ano se inscreveram 4.6 milhões de pessoas, mas só cerca de 3.2 milhões, ou 70%, fizeram as provas. Não encontrei uma explicação para isto, mas o que se observa é que a desistência está fortemente relacionada com a educação dos pais, que, como sabemos, também está relacionada com nível de renda da família, ter estudado em escola pública, etc. Entre os candidatos com pais que não estudaram, 38% desistiram da prova de matemática, por exemplo. Entre os com mais de nível superior, a desistência foi de 18%, a metade.

O Ministério da Educação decidiu que o ENEM serviria também para dar um certificado de nível médio para quem não tivesse este diploma, e que o requisito para isto seria ter pelo menos 400 pontos em todas as provas. Naquele ano,  540 mil pessoas tentaram obter este certificado, e só 26% conseguiram. Para este ano o Ministério achou que 400 pontos era pouco, e elevou para 450. Aplicando este critério para os candidatos ao certificado em 2010, a percentagem de aprovados cairia para 11%.

Se o critério para ter o certificado do ensino médio são 450 pontos ou mais em todas as provas, quantos dos candidatos do ENEM de 2010 satisfazem este critério, ou seja, têm a qualificação mínima necessária para quem conclui o ensino médio? A tabela acima mostra que são somente 27% do total, variando, como era de se esperar, de apenas 12% para pessoas cujos pais não estudaram a 49% para os filhos de pais com educação superior.

Não há muita novidade nestes dados, que confirmam a péssima qualidade de nosso ensino médio, que afeta sobretudo a população de famílias mais pobres e menos educadas.  Eles mostram que, para a grande maioria dos que se candidatam ao ENEM, a prova é uma ilusão cruel, cujo resultado já está em grande parte predeterminado pelas suas condições socioeconômicas e pela má qualidade da educação que tiveram até aí. A solução correta para esta situação seria, antes de mais nada, melhorar o ensino médio, e , ao mesmo tempo, não exigir que todos passem pelo mesmo tipo de prova, em nome de uma igualdade que não existe  (veja a charge que publiquei ontem sobre isto). A solução mais fácil é criar uma política de cotas que, sempre em nome da equidade social,  transfere para as universidades públicas a responsabilidade de lidar com um problema para o qual elas não estão equipadas para resolver.

 

Ronaldo Mota: Regulação do Ensino Superior: É Hora de Inovar

O Caderno de Educação da Folha Dirigida publicou, em sua edição de 23 a 29 de outubro de 2012, o artigo abaixo de Ronaldo Mota, sobre o projeto de lei de criação de um Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), que está tramitando no Congresso.

Regulação do Ensino Superior: É Hora de Inovar

Ronaldo Mota (*)

O Brasil registrou, em 2011, 6.739.689 matrículas no ensino superior. O número de profissionais com título superior na economia ativa é menor do que o dobro de matrículas acima. Assim, somos um país de aproximadamente 200 milhões de habitantes, onde o somatório daqueles que ainda estudam com os que já concluíram o nível superior e estão trabalhando representa inaceitáveis 10% da população.

Somos a sexta economia do mundo, mas ainda não contamos com a garantia de um crescimento social e econômico sustentável. Ao lado da certeza da abundância de nossos recursos naturais, a principal fonte de nossas incertezas recai na deficiente escolaridade, demandando urgente plano com estratégias de crescimento qualitativo e quantitativo em todos os níveis educacionais, incluindo o ensino superior.

O ensino superior, além das conhecidas deficiências, tem seu quadro agravado pela insuficiência, numérica e de qualidade, dos formandos do ensino médio. O crescimento de matrículas no nível superior só será viável se, adicionalmente, promovermos o aumento do número e da qualidade de formandos do nível médio, viabilizarmos que aqueles que estão no mundo do trabalho possam ser atraídos para completarem a formação que abdicaram anteriormente.

Compatibilizar estudo e trabalho é indispensável nas economias contemporâneas e as ferramentas da educação a distancia são imprescindíveis. A utilização da modalidade já responde hoje por quase 15% do total de matrículas. Adicionalmente, na modalidade presencial contribuiria estender a já prevista utilização de até 20% a distância na integralização curricular para até 40% naqueles cursos que, tendo feito uso de 20%, demonstrem comprovados resultados positivos.

Ao lado de um conjunto de outras medidas similares, a mais importante do ponto de vista estrutural seria a consolidação de uma Agência Reguladora, nos moldes de uma Organização Social (OS), capaz de estabelecer com o Poder Público um contrato de gestão plurianual, renovável bem como denunciável, com metas claras e verificáveis de qualidade e quantidade, sendo responsável pela implementação de uma política de expansão e garantia de qualidade do ensino superior. Adicionalmente, liberaria o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para desempenhar as funções para as quais ele foi efetivamente criado.

Uma Agência de Regulação bem desenhada poderia impor a todas as instituições educacionais o compromisso de manterem página pública contendo informações detalhadas e atualizadas sobre cada uma das disciplinas com os respectivos professores e seus currículos, salas de aula e infraestruturas disponíveis e utilizadas, demais elementos próprios de cada modalidade e metodologias empregadas, bem como número de estudantes por sala, taxas de evasão e nível de sucesso de seus formandos.

Mesmo não se tratando de auto regulação, a permanente vigilância dos estudantes, via uma Ouvidoria, e das instituições concorrentes seria muito mais eficiente e eficaz do que uma pesada estrutura que subestima a utilização plena das tecnologias digitais e desconhece a premissa da confiabilidade conjugada com previsão de punição severa ao falseamento.

A composição da direção deste órgão é complexa e crítica, mas viável. O Poder Público deve ter uma centralidade compartilhada com instituições como o Conselho Nacional de Educação e demais entidades setoriais afetas à área, gerando indicações de profissionais idôneos, competentes, conhecedores profundos do tema e compromissados com os planos previstos de expansão e qualidade do ensino superior.

O Executivo Federal, por meio do PL 4372/ 2012, propõe a criação de um Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES) enquanto autarquia federal. Ainda que seja bem intencionada tal atitude, o Projeto vem acoplado à criação de dispensáveis cargos e funções, basicamente mantém as operações em moldes essencialmente semelhantes aos já adotados e talvez grávido de morosidades e dificuldades hoje existentes.

Trata-se, portanto, de um grande desafio explorar a possibilidade de uma alternativa baseada em modelos contemporâneos, operando por contratos de gestão, ágeis, eficientes e eficazes, auditáveis nas metas que se propuserem a cumprir e que não onerem ou hipertrofiem o setor público ou os demais interessados em termos de gastos, seja com pessoal ou custeio.

Como está o projeto, a proposta do INSAES cria 550 cargos públicos e custa em torno de R$50 milhões ano. Uma OS, em tese, poderia ser mais eficiente, custando muito pouco e trazendo grandes contribuições ao desenvolvimento social e econômico sustentável do Brasil.

* Ronaldo Mota é pesquisador visitante (Cátedra Anísio Teixeira/CAPES) no Instituto de Educação da Universidade de Londres e professor aposentado de Física da UFSM. Foi secretário nacional de Educação Superior e de Educação a Distância do MEC e de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do MCTI.

Andrés Bernasconi: os rankings internacionais são injustos com as universidades latino-americanas?

 

Andrés Bernasconi, professor da Escola de Educação da Universidade Católica do Chile, publicou no blog “Inside Higher Education – The World View” um comentário sobre os lamentáveis resultados das universidades latino-americanas nos rankings internacionais, cujo texto original está disponível aqui. Coloco abaixo minha tradução:

Os rankings internacionais são injustos com as universidades latinoamericanas?

Andrés Bernasconi

A temporada dos rankings é um tempo de más notícias para as universidades latino-americanas. Na sua versão mais recente (3 de outubro), o Times Higher Education World University Ranking não colocou nenhuma universidade da América Latina no grupo dos 100 melhores, e apenas quatro entre todo o elenco de 400.

O que está errado com a gente? Como Andrés Oppenheimer, o jornalista argentino e editor de América Latina do Miami Herald observou, o Brasil é a sexta e o México a 14a economia do mundo, o que deveria significar alguma coisa em termos da possibilidade de apoiar instituições de ensino superior de boa qualidade. Claro, algumas das universidades da União Europeia e da Ivy League americana são muito antigas, e isto ajuda na reputação, uma das variáveis de maior peso neste ranking, mas algumas das mais antigas instituições da América Latina também datam dos séculos XVI e XVII. Além disso, as universidades que tem mais avançado nos rankings, na maior parte localizadas na Coréia, Cingapura, Taiwan e China, são bastante novas, e a juventude não parece ser um problema para elas.

Em estilo bem latino-americano, muitos líderes universitários nesta parte do mundo preferem matar o mensageiro, lançam a suspeita de que existe uma conspiração global contra a região, e buscam refúgio em um universo paralelo. Assim, um grupo se reuniu no México em maio, com apoio da UNESCO, e denunciou os rankings globais como medidas inválidas de qualidade, criticou a tendenciosidade “anglo-saxã” das avaliações e proclamou que, dado que as universidades nesta parte do mundo são diferentes, é necessário criar novos rankings que reflitam a missão “social” das universidades na América Latina, um conceito obscuro para descrever o que as universidades fazem que não é pesquisa, nem ensino, nem transferência de resultados de pesquisa, e nenhuma das outras funções associadas às universidades como uma instituição em outras partes do mundo.

Um grupo de interesse liderado por universidades nacionais como a Universidade Nacional Autônoma do México, a Universidade de Buenos Aires, a Universidade Nacional de Colômbia, e a Universidade de Chile (precisamente aquelas que deveriam estar muito melhor nos rankings se seu desempenho científico estivesse à altura da bela imagem que têm de si mesmas) vai muito provavelmente continuar a dar as costas ao que os rankings internacionais mostram de forma consistente: que a educação superior da América Latina permanece na periferia da busca moderna pelo conhecimento, mais um espectador que um ator.

Se, no entanto, os líderes universitários decidissem considerar a possibilidade de que os rankings têm algo de verdadeiro, aqui estão algumas hipótese do que pode estar errado com as universidades da América Latina.

Primeiro e mais importante: o corpo docente. Não seu número, nem sua vocação e dedicação à universidade, nem a qualidade do seu ensino. O problema é sua falta de qualificação para o que no resto do mundo se entende por pesquisa científica legítima, sua capacidade limitada para usar o inglês para acessar às principais correntes de conhecimento mundiais e os salários insustentavelmente baixos. Na maioria das melhores universidades da América Latina (com exceção de cerca 20 das melhores do Brasil) o número de pessoal docente com doutorado continua a ser uma minoria e a fluência em outros idiomas além do espanhol e português ainda é excepcional. Há muitas razões perfeitamente compreensíveis para isso, mas a verdade é que não é possível haver pesquisa internacionalmente competitiva feita por professores que não foram treinados para pesquisar (incluindo neste grupo muitos que obtiveram seu doutorado já no meio ou ao final de suas carreiras, em programas medíocres), ou de acadêmicos cuja base de conhecimento se limita ao que é publicado em espanhol ou português; e também não se pode esperar bons resultados quando os salários são tão baixos que os professores, ainda que nominalmente em tempo integral, precisam trabalhar em dois ou três lugares para ter uma vida decente, como ocorre em quase todos os lugares exceto em algumas poucas universidades na região.

O segundo obstáculo é a governança das instituições e as políticas implementadas pelos sistemas nacionais de educação superior. A autonomia universitária, objeto de apego quase religioso na América Latina, durante décadas serviu à nobre função de manter governos corruptos, incompetentes e autocráticos fora das universidades. Infelizmente, em alguns países, isto continua sendo necessário. Mas na maior parte da região existem democracias estáveis com lideranças razoáveis que estão consolidando espaços de diálogo onde as universidades podem desenvolver políticas em parceria com os governantes, em vez de bater a porta da autonomia em sua cara. Por que isso é importante? Porque a maioria das universidades latino-americanas, especialmente no setor público, não tem a vontade política de se reformar, e precisam trabalhar com seus governos (como ocorre cada vez mais com as universidades na Europa, Austrália e Ásia) para encontrar mecanismos para renovar os quadros acadêmicos, investir mais dinheiro em pesquisa para aqueles que podem usá-lo de forma produtiva, reformar as estruturas de carreira e tabelas salariais, criar capacidade de tomada de decisão e planejamento de longo prazo, reduzir o inchaço da administração e transferir recursos dentro das universidades e entre instituições no sistema universitário, para onde possam ser mais úteis e necessários, para citar somente algumas das correções tão necessárias que precisam ser feitas.

 

“Coding Places”: do Rio para o Mundo

O Vale do Silício, na California, é o centro mundial da produção de software, o que não impediu que um grupo de especialistas do Rio de Janeiro desenvolvesse uma linguagem de computação, Lua, usada em todo mundo, inclusive na produção do famoso jogo dos “Angry Brids”.   Como isto foi possível?  O que significa, a partir de um “lugar errado” viver, trabalhar e produzir em um mundo cada vez mais globalizado, que ao mesmo tempo concentra os recursos e os talentos, mas também abre oportunidades inesperadas?

Este é o tema do livro de Yuri Takhteyev, ele mesmo um exemplo vivo do mundo globalizado em que vivemos: russo de Vladivostok, engenheiro formado por Stanford, doutor em ciências da informação por Berkeley,  vivendo no Canadá, casado com uma brasileira, e fluente nas diversas línguas dos países em que tem vivido e trabalhado.

Comentando o livro, diz Howard S. Becker:

“Coding Places opens the black box of ‘globalization’ to show us the pieces involved in that process—people, technical objects, government agencies, universities, businesses—in intimate detail: how they work, what they need to survive, what they furnish to others, the network of their connections, conflicts, and accommodations. We see the whole machine in operation: how the many possible inputs generate a variety of outputs, technically and organizationally. And we learn a way of thinking that we can apply to the arts, science, or business, to any kind of activity with worldwide extension and ramifications. It does all this with a depth of vision and a clarity in telling the story seldom found in the social sciences.

 Mais sobre “Coding Places – Software Practice in a South American City”, publicado pela MIT Press, pode ser visto aqui.

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