As guerras de cada um

(Publicado em O Estado de São Paulo, 10 de novembro de 2023)

Existiram um dia a Ucrânia, Palestina, Israel, e têm direito de continuar existindo? Como?  São perguntas que afloram ao ler “A Ucrânia de cada um”, livro organizado por Flávio Limoncic e Mônica Grin na emoção da guerra fraticida da Ucrânia, publicado agora à sombra da também fraticida batalha de Gaza. Não é um livro propriamente sobre a Ucrânia, nem sobre as guerras, mas um conjunto de relatos e testemunhos de descendentes de judeus do leste Europeu que sobreviveram ao holocausto e reconstruíram suas vidas no Brasil e outros países das Américas. São memórias pouco conhecidas, porque a velha geração preferia poupar os filhos das histórias de sofrimento e horror por que passaram. E estes, estimulados a construir suas vidas no novo mundo, olhavam para frente, nem sempre com tempo e espaço interno para os relatos de seus pais.

Agora, as décadas de relativa paz que sucederam à guerra parecem estar se esgotando, os fantasmas voltam a assombrar, e é preciso lembrar de onde viemos.  Os velhos se foram, os filhos e netos amadureceram, e buscam nos fragmentos de memória, em velhos papéis e fotografias, em registros e nas redes de Internet, as histórias de seus pais e o sentido de suas origens. Para alguns, os documentos e as histórias familiares foram mais preservados. Mas para a maioria o que resta são pouco mais que referências desencarnadas de localidades e pessoas que mudaram de nomes ao sabor das migrações, das diferentes línguas e dos poderes que se alternavam no domínio de cada uma das antiga cidades e regiões – Vilna, Minsk, Volhynia, Podolia, Lublin, Galicia, Edinet, Kischinev – quase todas hoje partes da Ucrânia, Moldova e Polônia.

As histórias familiares fazem parte da identidade de cada um, mas não determinam seu destino. Dado o que passou, é inevitável que os relatos de perseguições, guerras e estratégias de sobrevivência sejam o que mais aparece. Mas existem outras histórias importantes a ser contadas. A da persistência de uma forte cultura local, baseada em uma língua comum e instituições comunitárias, de cunho religioso ou não, que estruturavam a vida no dia a dia nas pequenas localidades da Europa oriental; uma cultura do cotidiano que encontrou expressão em uma importante tradição literária que acompanhou as levas de imigrantes que partiram para as Américas, e que aos poucos vem desaparecendo com a perda de lugar do ídiche como a língua franca destes povos. A do judaísmo renovado, seja pela volta à tradição do messianismo religioso do “hassidismo”, seja no sionismo secular em suas diferentes vertentes. Ou finalmente pela busca de identidades novas: participar da cultura cosmopolita, profissional, universitária, científica e empresarial que se desenvolvia na Europa e nas Américas, ou se filiar aos movimentos políticos e sociais de esquerda que se formavam, pela militância nos sindicatos e partidos socialistas e comunistas locais. Não fosse o nacionalismo e o nazismo, a integração de parte dos judeus na sociedade e cultura de países europeus como a Alemanha, Áustria e Polônia teria sido tão bem-sucedida quanto  o foi nos Estados Unidos e Europa Ocidental

A Ucrânia foi por muito tempo lugar de coexistência de russos, ucranianos e judeus de diferentes identidades, da mesma forma que a antiga Palestina tem sido, por séculos, lugar de coexistência de árabes cristãos, judeus e muçulmanos. Nem sempre foi uma coexistência pacífica, mas os historiadores falam mais dos momentos dramáticos de guerras e conflitos do que dos longos tempos de paz, que também existiram e precisam ser reconhecidos e apreciados.

Meu tataravô materno, no século 19, fazia parte da próspera comunidade judaica de Varsóvia e decidiu, por razões religiosas, terminar sua vida  em Sfat, a cidade sagrada da Cabala. Era na antiga Palestina, parte do Império Turco, para onde haviam ido muitos dos sábios judeus expulsos pela inquisição espanhola,  onde nasceu minha mãe.  Meu pai se dizia romeno, nascido em uma das pequenas aldeias da Bessarábia, hoje parte da Moldova, e recentemente soube que minha avó paterna pode ter nascido em Vinnytsia, na Ucrânia. Os avós de minha mulher eram árabes cristãos, sírios e libaneses, que mandavam as moças da família a uma escola católica em Haifa, hoje parte de Israel, e nossos filhos são cidadãos do mundo.

Nada disto nos dá uma solução simples para as guerras de hoje, mas fica, pelo menos, um princípio moral que nos ajuda a pensar. Na apresentação do livro, Flávio e Mônica citam a  Bashevis Singer dizendo que, na língua ídiche, não havia palavras para designar armas, munições, exercícios militares ou táticas de guerra. Hoje são estas as palavras que mais se ouvem nos conflitos do Oriente Médio. Não parece que haja outro caminho para a região senão a plena implementação dos acordos de Oslo, com a constituição de um estado palestino autônomo e viável. Pode ser que nunca se chegue lá, da mesma forma que o nacionalismo e o racismo destruíram as esperanças de paz depois da primeira grande guerra. Mas não podemos perder a lucidez que adquirimos ao reencontrar as origens e possibilidades de cada um de nós.

A nova educação profissional

(publicado em O Estado de São Paulo, 13 de outubro de 2023)

Sem que quase ninguém visse, o Congresso aprovou, em agosto passado, por iniciativa da notável e incansável deputada Tábata Amaral, a Lei 14.645 que dispõe que o Brasil estabeleça, no prazo de dois anos, uma nova política nacional de educação profissional e tecnológica. É um texto curto, bastante genérico, mas que inova em pelo menos três pontos importantes, o da articulação do sistema escolar com o sistema de aprendizagem, o da organização dos itinerários formativos e o da avaliação desta modalidade de ensino.

O que se chama de “sistema de aprendizagem” é a educação que se desenvolve de forma articulada com o trabalho. Nela, o estudante está vinculado a uma empresa, ganha por isto, e ao mesmo tempo faz cursos em que adquire de forma mais sistemática os conhecimentos que pratica. Quando se forma, ele já tem, quase sempre, uma boa formação técnica e um lugar no mercado de trabalho. Este sistema se desenvolveu sobretudo na Alemanha, Suíça e outros países europeus, é responsável pela alta qualificação da mão de obra destes países, e considerado superior ao sistema de educação profissional em escolas separadas.  A principal condição para que o sistema funcione é que o setor produtivo se envolva ativamente na qualificação dos aprendizes, e se articule com as entidades responsáveis pelos cursos que os alunos devem seguir. No Brasil, a legislação de aprendizagem acabou se transformando em uma obrigação legal para que empresas contratem jovens carentes, com limitações que dificultam que a aprendizagem ocorra pela prática profissional.   A nova lei sobre ensino profissional avança no sentido de que as instituições de ensino reconheçam e validem os conhecimentos adquiridos no trabalho e que se criem estímulos para o envolvimento do setor produtivo com a formação profissional, mas ainda há que se desenvolver uma proposta mais articulada de como desenvolver um sistema de aprendizagem que possa ser uma alternativa valorizada à educação formal, e não, simplesmente, assistencial.  

A ideia principal por trás dos “itinerários formativos” é que os cursos profissionais não se transformem em becos sem saída que impeçam que o estudante que opte por esta via continue estudando e se qualificando em níveis mais altos. Assim, uma pessoa poderia começar como eletricista, e evoluir até ter uma qualificação de engenheiro, tendo seus conhecimentos e experiência prévios reconhecidos e validados.  Uma ideia importante, mas que depende, sobretudo, de que as instituições de educação superior se abram para um novo tipo de aluno com um perfil mais prático.

Finalmente, na avaliação, a novidade é que ela tome em conta, explicitamente, a eficiência das instituições em formar seus alunos e o lugar que eles ocupam depois de formados no mercado de trabalho, muito diferente da avaliação obsoleta que temos hoje no ensino superior, baseada em provas de conhecimentos e indicadores como a titulação formal dos professores.

O elefante na sala do ensino profissional brasileiro, que ninguém menciona, é que ele pretende fazer duas coisas opostas ao mesmo tempo, proporcionar uma alternativa prática de qualificação profissional para o jovem que chega ao ensino médio com grandes dificuldades de seguir os currículos tradicionais, e formar pessoas capazes de lidar com os novos requisitos de um mercado de trabalho cada vez mais exigente em termos das qualificações técnicas e socioemocionais requeridas. O Ministério da Educação, ao dar para trás com a reforma do ensino médio, insistir no ENEM unificado e no modelo elitista dos institutos federais para o ensino profissional, se nega a reconhecer que o problema existe, não cria alternativas de formação e reforça as desigualdades, que nenhuma política de cotas pode compensar. E isso sem dizer que temos pela frente uma profunda transformação no mercado de trabalho trazida pela automação e inteligência artificial, que coloca em questão toda a estrutura do sistema de educação regular e profissional que temos até aqui, criando a necessidade de micro credenciais, certificações, sistemas de educação continuada e de reciclagem profissional que não desenvolvemos.  

É difícil saber em que esta nova legislação vai resultar, porque vários de seus dispositivos são pouco mais do que expressões de desejo, em ações como “fomento à expansão da oferta de educação profissional e tecnológica em instituições públicas e privadas”  ou o “fomento à capacitação digital na educação profissional e tecnológica, de forma a promover a especialização em tecnologias e aplicações digitais”; e outros que seguramente não vão funcionar, como a “instituição de instância tripartite de governança da política e de suas ações, com representação paritária dos gestores da educação, das instituições formadoras e do setor produtivo”, e a articulação desta política com o futuro e incerto  plano nacional de educação.  Mas ela ajuda a recolocar o tema da educação profissional na ordem do dia, e, por isto, é uma contribuição importante.

Pesquisa, inovação, pós-graduação e ensino superior no Brasil

Estou compartilhando, para críticas e comentários, a versão preliminar de um trabalho sobre o tema acima, disponível aqui.

Este trabalho teve por objetivo obter uma visão abrangente das áreas de pesquisa, inovação, educação superior e pós-graduação no Brasil, com ênfase em uma análise mais detalhada dos conteúdos das teses e dissertações de doutorado e mestrado. O uso do termo “sistema” para descrever este conjunto pode dar a impressão equivocada de que ele obedece a uma lógica racional e coerente, que teria por objetivo desenvolver os recursos humanos do país em suas diversas dimensões. O que se observa, no entanto, é que cada um destes componentes se desenvolveu e funciona segundo uma lógica própria e não necessariamente coincidente. A pesquisa mais significativa está concentrada em um segmento do sistema universitário e em alguns institutos isolados, as despesas públicas em ciência, tecnologia e inovação não estão associadas, maioritariamente, à pesquisa e inovação enquanto tais, e a formação de doutores e mestres só em parte converge com a formação de pesquisadores.  Embora não seja uma conclusão surpreendente, ela traz implicações de políticas públicas importantes que deixam de existir quando se desconsidera a pluralidade de funções de cada um destes setores.

Este artigo é produto do projeto “Pesquisa em Pesquisa e Inovação: indicadores, métodos e evidências de impacto”, realizado pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo  – FAPESP (Processo FAPESP 2021/15091-8).

O novo plano vem aí

(publicado em O Estado de São Paulo, 8 de setembro, 2023)

Em 2024 termina o Plano Nacional de Educação aprovado pelo Congresso em 2014, que ficou praticamente todo sem se cumprir, e já se veem movimentos para elaborar um novo que deveria entrar em vigor em 2025, com o risco de ter o mesmo destino. O fracasso do PNE de 2014 não foi nenhuma surpresa. Em 2011, quando ainda estava em gestação, escrevi com alguns colegas um artigo em que dizíamos que o plano não passava de uma “lista de Papai Noel”, que colocava no papel objetivos inalcançáveis e deixava de lado reformas fundamentais como a da formação de professores, diferenciação do ensino médio, fortalecimento da educação professional, alinhamento dos currículos com sistemas de avaliação, e outros.

Se a inteligência natural não nos ajudou a elaborar políticas educacionais efetivas no passado, quem sabe que, agora, a inteligência artificial nos ajuda? Pedi ao ChatGTP que me indicasse quais países tinham planos nacionais de educação, e ele listou Brasil, Portugal, Mexico, Chile, Colômbia e Índia.  Perguntei que países haviam obtido os melhores resultados educacionais nos últimos anos, e ele listou Finlândia, Singapura, Coreia do Sul, Canadá, Japão. Ou seja, uma coisa parece excluir a outra.  Acacianamente, o ChatGTP me fez lembrar que “o sucesso na educação não pode ser atribuído apenas a um plano nacional, mas sim a uma combinação de políticas, práticas e investimentos ao longo do tempo”.  Chile e Portugal são dois países que melhoraram a qualidade de sua educação nos últimos anos, medida pelos resultados nas provas internacionais do PISA, mas isto não se explica por seus planos, e sim por reformas específicas na formação de professores, aperfeiçoamento dos currículos, sistemas adequados de acompanhamento de resultados, e outros, além do aumento de investimentos.

Além da educação básica, o PNE tinha metas específicas para o ensino superior, e existiu um plano nacional de pós-graduação para o período de 2011 a 2020, que agora está se tentando ressuscitar. Para a educação superior, o PNE tinha três metas principais: aumentar o total de matrículas, aumentar proporção de jovens no ensino superior, e aumentar a proporção de matrículas no setor público. Das três, a única que se cumpriu foi a primeira, mas ela se deu sobretudo pela expansão do setor privado, que hoje cobre 75% da matrícula, e o aumento da proporção de estudantes mais velhos. Nos últimos anos, os temas que têm predominado nas discussões sobre o ensino superior são a ampliação do acesso, incluindo as políticas de cotas, e as dificuldades de financiamento do ensino superior público. Na realidade, o acesso ao ensino superior no Brasil aumentou muito entre 2000 e 2015, antes portanto do plano, passando de pouco menos de três para 8 milhões de matrículas, graças sobretudo ao subsídio descontrolado dos governos do PT ao setor privado, na forma de isenções fiscais e crédito estudantil garantido pelo governo federal.  Foi a ampliação do setor privado, e não as políticas de cotas para as universidades públicas, que fez com que aumentasse o acesso de pessoas de condição social mais precária ao ensino superior. Mas isto se fez a um alto custo não só em dinheiro público e privado, mas em termos da frustração de milhões que não passam no filtro do ENEM, de mais da metade dos estudantes que abandonam os cursos superiores antes de terminar, e da metade, entre os que terminam com um diploma, que só consegue trabalhar em atividades de nível médio.  Os problemas de financiamento das instituições públicas, que são graves, estão associados aos custos crescentes de pessoal e à inexistência de um sistema adequado que vincule investimentos a resultados, e não, simplesmente, à existência ou não de “vontade política” deste ou aquele governante a favor do ensino superior, embora isso não possa ser desprezado.

Na pós-graduação, as duas metas principais, de aumentar o número de mestres e doutores nos cursos estrito senso, para 60 e 20 mil por ano, respectivamente, foram cumpridas, mas sem considerar o número muito maior de pessoas que fazem cursos de pós-graduação e especialização não regulados, nem um entendimento mais aprofundado do quem são e o que fazem efetivamente estes pós-graduados. A justificativa para o subsídio generalizado aos mestrados e doutorados é que a pós-graduação seria o espaço de formação de nossos pesquisadores, mas há indicações de que os vínculos entre a pós-graduação e pesquisa tendem ser mais a exceção do que a regra.

O ensino à distância, novas tecnologias como as da inteligência artificial, as mudanças profundas que estão ocorrendo nas profissões e no mercado de trabalho, as crescentes desigualdades de resultados de aprendizagem e oportunidades de trabalho para os formados nas diferentes carreiras, tipos e modalidades de instituições, os custos crescentes de financiamento, a precariedade das instituições de pesquisa, tudo isto mostra que precisamos de políticas inovadoras e audaciosas para a educação como um todo, muito além dos temas tradicionais de acesso, inclusão e financiamento e de planos ambiciosos que ficam no papel.

José Murilo de Carvalho

Triste a perda de José Murilo hoje. Fomos colegas do curso de sociologia e política da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, completamos os estudos de doutorado na mesma época, convivemos por anos como professores do IUPERJ no Rio de Janeiro, com ele se vai mais um pedaço importante de nossa história. De um jeito tímido, calado, Murilo olhava com desconfiança as pretensões e devaneios teóricos e filosóficos dos colegas, e se aferrava ao chão firme dos fatos. Sua tese de doutorado, na Universidade de Stanford, foi uma pesquisa histórica sobre a formação das elites imperiais brasileiras, e a partir daí foi se desenvolvendo com um dos principais historiadores do país. Quando, nos anos 70, eu coordenava uma pesquisa sobre a história da ciência no Brasil, lhe pedi que fizesse um trabalho sobre a Escola de Minas de Ouro Preto, e o resultado foi, como tudo que fazia, uma joia de documentação e interpretação histórica.

Murilo escreveu muito sobre a República brasileira, que sempre via com olhar crítico, e admirava os grandes estadistas do Brasil imperial, dos quais falava como se os tivesse conhecido pessoalmente. Escreveu um livro dedicado ao Imperador D. Pedro II, de cujos méritos (do Imperador, não do livro) nunca chegou a me convencer. Quando, em 1993, houve o plebiscito para que o país escolhesse entre parlamentarismo e presidencialismo, ele foi um dos poucos que defenderam a monarquia. Perguntei a ele, na época, por que a defendia, e resposta foi que, afinal, alguém precisava fazer isso.

O monarquismo de Murilo não passava, nem de longe, pela defesa da escravidão, nem era uma crença tola das virtudes do regime imperial. O que ele buscava destacar, nestes como em outros escritos, era o valor do espírito público e a admiração pelas pessoas que trabalhavam sem concessões pelas ideias e causas que julgavam justas. Como ele.

Que descanse em paz, Zé.

Meia Volta, Volver!

(publicado em O Estado de São Paulo, 11 de agosto de 2023)

O Ministério da Educação acaba de divulgar os resultados da consulta pública sobre a reforma do ensino médio, e a proposta principal é voltar à década de 60, em que os poucos que chegavam a este nível optavam pelo curso científico, para fazer depois engenharia ou medicina, ou clássico, para os que queriam fazer direito ou literatura. Agora se fala em percursos de “linguagens, matemática e ciências da natureza” e “linguagens, matemáticas e ciências humanas e sociais”, o que é mais um menos a mesma coisa, fora a matemática. Além destes se admite agora um terceiro percurso, “formação técnica e profissional”.

A ideia central da reforma era que hoje, com a universalização do acesso, o ensino médio não poderia continuar sendo somente um filtro para os poucos que fossem para as universidades, mas um sistema amplo e diferenciado para jovens que poderiam seguir diferentes trilhas de formação. O dilema era entre oferecer quase o mesmo para todos, como no currículo tradicional, eliminando os que ficassem para trás, ou oferecer alternativas que que dessem a todos oportunidades de estudar e se desenvolver, ainda que por caminhos distintos. Por trás deste dilema havia, e ainda há, a realidade de que a maioria dos estudantes brasileiros chega ao ensino médio com formação precária, mais velhos e precisando trabalhar. Submeter todos ao mesmo regime e a um exame nacional comum, como o ENEM, significa reforçar a discriminação em nome da igualdade.

A reforma de 2017 procurou avançar, mas com muitos defeitos e resistências. Na proposta inicial, em vez de quatro diárias horas de aula, haveria pelo menos cinco, perfazendo três mil horas de curso em três anos. No lugar de um currículo único recheado de matérias fragmentadas, 800 horas seriam dedicas o desenvolvimento de competências gerais, sobretudo de linguagens e matemática, dadas de forma integrada, e as demais ao aprofundamento dos conteúdos em diferentes trajetórias. Quando a lei foi aprovada, esta parte comum passou a ser de 1800 horas, e agora pretende-se que passe para 2.100 ou 2.400 horas, ficando somente 600 a 900 horas para os percursos diferenciados, invertendo a ideia inicial. Seriam mais horas, naturalmente, nas escolas de tempo integral, em que o tempo se dividiria meio a meio entre a formação geral e os percursos.

Um dos erros da lei da reforma de 2017 foi que ela destinava recursos para o ensino de tempo integral, mas ignorava totalmente a questão do ensino noturno. Agora, o tempo integral continua sendo apresentado como a grande panaceia para a educação brasileira. Os dados do Censo Escolar de 2020 mostram que naquele ano havia 9.5 milhões de estudantes no ensino médio, dos quais 2.7 milhões em cursos noturnos. Existem duas razões para tantos alunos estudando à noite. A primeira é que muitas vezes não existem escolas separadas para o ensino médio, os cursos são dados à noite nas instalações do ensino fundamental. A segunda é que muitos estudantes são mais velhos, precisam trabalhar, e não podem passar o dia na escola. Quatro horas de aula por dia, em cursos noturnos, é insuficiente, mas 8 horas diárias, em que o estudante chega cedo e volta para casa no fim do dia de barriga cheia e banho tomado, pode ser o ideal para crianças em determinadas áreas, mas não necessariamente para jovens adultos.  Para o ensino médio regular, regimes de 5 ou 6 horas diárias, se bem empregadas, são mais do que suficientes. E o ensino técnico deve ser dado, de preferência, no regime de aprendizagem, em que o trabalho, a renda e a qualificação profissional andem juntos. O tempo integral não é o caminho para o ensino técnico, como se pode ver nos poucos estudantes que conseguem ser admitidos nos Institutos federais e aproveitam para se preparar para tirar boas notas no ENEM. 

O outro erro da reforma de 2017 foi a grande confusão criada pela adoção de uma classificação esdrúxula das áreas de conhecimento que ignorava a prática quase universal de distinguir quatro grandes áreas de formação – ciências físicas e engenharia (STEM), ciências biológicas e de saúde, ciências e profissões sociais, e letras, artes e humanidades. Uma maneira simples de implementar o novo currículo seria oferecer em todas as escolas estas quatro áreas, permitindo que os alunos escolhessem uma como “major” e seguissem as demais de forma complementar. Mas a proposta que vem da consulta, e que o MEC está endossando, é ampliar ainda mais a parte de formação comum, com um pot-pourri de matérias tradicionais como geografia, química e filosofia, mas excluindo temas essenciais como estatística, economia e direito, e voltar à divisão arcaica entre “ciências” e “humanidades” dos anos 60.

Finalmente, o ENEM. Em última análise, o que determina o que as escolas vão ensinar e os alunos estudar é o que é exigido na avaliação. Sistemas diferenciados requerem múltiplas provas e certificações que os alunos podem escolher. Manter um exame final único, como o ENEM, é garantir que todos os esforços de oferecer alternativas cairão no vazio.

Dois passos atrás

De ontem para hoje, tenho sido perguntando sobre o que penso da iniciativa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior – ANDIFES – de substituir o sistema de listas tríplices para a escolha de reitores das universidades federais pela indicação de um nome único a ser enviado ao governo para nomeação, e também sobre a indicação do presidente do Instituto Lula, Márcio Pochmann, para a presidência do IBGE. Me parece que são dois passos atrás.

As universidades públicas não são repúblicas autônomas, governadas internamente por suas corporações, mas instituições de interesse público, financiadas e de responsabilidade do governo federal. O governo que as financia tem responsabilidade pela definição e acompanhamento de seus resultados, e por isto precisa participar de sua direção. Ao mesmo tempo, as universidades precisam da colaboração ativa de seus professores, e em menor grau de alunos e funcionários, na identificação, produção e avaliação dos seus resultados.

O sistema tradicional de listas tríplices foi uma tentativa de combinar estas duas coisas – os candidatos são selecionados entre pessoas com legitimidade dentro das instituições, e o governo escolhe, entre eles, aquele que lhe parece mais adequado para implementar as políticas públicas para o setor. O reitor não deve ser somente um representante eleito da comunidade universitária, mas também um representante do governo e da sociedade dentro da universidade, responsável por fazer com que ela cumpra os objetivos para os quais é financiada pelos contribuintes.  Na maioria dos países em que as universidades funcionam bem, os reitores são escolhidos por comissões de busca com a participação de representantes do governo e da comunidade acadêmica, e muito frequentemente vêm de outras instituições, justamente para contrabalançar o peso do corporativismo interno.  O ideal seria evoluir para um mecanismo como este, e não oficializar o controle corporativista das instituições.

Em relação ao novo presidente do IBGE, o que mais me chama a atenção foi a forma em que foi feita a indicação, atropelando a Ministra Simone Tebet, cujos esforços de modernizar a economia e a máquina estatal, junto com o Ministro Fernando Haddad, têm sido objeto de grande oposição e resistência por parte dos setores mais retrógados do Partido dos Trabalhadores, dos quais o novo presidente faz parte. Seria leviano afirmar que esta nomeação fará com que os dados do IBGE venham a ser manipulados, inclusive pela tradicional solidez e profissionalismo do quadro técnico do Instituto. Mas seria muito melhor que a instituição fosse presidida por pessoa reconhecida por sua reputação técnica e profissional, e não por seu alinhamento partidário.

Ainda sobre o IBGE, duas questões têm sido mencionadas pela imprensa como problemas que a nova direção do Instituto deveria enfrentar, que precisariam ser mais bem esclarecidas.  A primeira é que o IBGE teria um grave problema de falta de pessoal, já que contaria hoje com cerca de 3 mil funcionários, comparado com cerca de 10 mil décadas atrás. Pode ser que de fato falte pessoal técnico qualificado em determinados setores, mas os milhares de funcionários do passado, em sua grande maioria de nível médio, eram de uma época em que se supunha que o instituto deveria ter uma agência em cada município do país, sem os recursos gerenciais, computacionais e de comunicação de que dispomos hoje. O Instituto, como a maioria das repartições públicas brasileiras, certamente se beneficiaria de uma reforma administrativa de qualidade, mas não para reconstruir o sistema obsoleto do passado.

A segunda é que haveria uma divergência entre os responsáveis pelo recenseamento, que estimaram que a população brasileira seria de 203 milhões, e a “área de pesquisa”, para qual o que valeria seriam as projeções anteriores de 212 ou 207 milhões.  É certo que os números finais do censo são o resultado de estimativas estatísticas que buscam corrigir a falta de cobertura que teria sido da ordem de 5% na média, chegando a 10% ou mais em determinadas áreas. Mas estas estimativas são feitas pelos técnicos do Instituto pelo uso de procedimentos estatísticos estabelecidos e referendadas por um conselho consultivo externo formado por especialistas altamente qualificados. É certo também que, sempre que o IBGE publica seus dados, muitos municípios protestam e dizem que as informações estão erradas, já que o dinheiro que recebem do Fundo de Participação dos Municípios depende do tamanho de sua população, e pressionam politicamente o Instituto para que mude seus dados.

Nos dois casos, questões aparentemente administrativas e técnicas podem estar refletindo conflitos de interesse que, se não forem administrados com competência, seriedade e sem politização, podem comprometer seriamente o funcionamento e a credibilidade do Instituto e, com isto, das informações estatísticas públicas do país.

A arte da política econômica

(publicado em O Estado de São Paulo, 14 de julho de 2023)

Talvez não seja só coincidência que, pouco antes da aprovação da reforma tributária pelo Congresso, o Instituto de Estudos de Política Econômica – Casa das Garças – tenha publicado A Arte da Política Econômica (Selo Real / Intrínseca, 2023), livro com depoimentos de 30 pessoas, quase todos economistas que, sobretudo a partir do Plano Real, contribuíram para o esforço de organizar a economia, criar instituições sólidas e implementar políticas públicas mais efetivas no Brasil, nem todas bem sucedidas. Os depoimentos estão agrupados em cinco temas, começando pela estabilidade econômica (incluindo os de Edmar Bacha e Pérsio Arida), gestão de crises (Pedro Parente e outros), reformas microeconômicas (Marcos Lisboa e outros), experiências estaduais (Paulo Hartung e outros) e reformas inconclusas, entre as quais a reforma tributária, com Bernardo Appy.

Lendo o depoimento de Appy, fica claro que, para uma reforma desta monta seja aprovada, é preciso pelo menos três condições: competência técnica na análise do problema e formulação de alternativas; entendimento claro dos interesses que a reforma pode contrariar, negociando e criando mecanismos para reduzir as resistências: e decisão política para que elas sejam efetivadas.  Ao final do governo Bolsonaro, a proposta estava pronta, o trabalho de costura política com o Congresso bem avançado, e só faltava que o governo desse apoio. Appy conclui seu depoimento de 2022 dizendo que, “se a reforma tributária não for aprovada neste governo, está pronta para ser aprovada no próximo”, como de fato está ocorrendo.

Uma ideia que aparentemente permeia os depoimentos é a de que, para cada uma das questões, existiria sempre uma solução técnico-científica, que só dependeria da arte da política para ser colocada em prática. No prefácio, Edmar Bacha associa a entrada progressiva de economistas em postos de comando da política econômica à evolução das ciências econômicas no Brasil, iniciada com os primeiros programas de pós-graduação nos anos 60 e a ida de centenas de jovens para estudos avançados no exterior, que voltaram depois para trabalhar em instituições como o IPEA e o BNDES, no Ministério de Fazenda, na área financeira e nos novos programas de pós-graduação e pesquisa que foram se consolidando.

De fato, comparada com as demais ciências sociais, como a sociologia, a ciência política e a educação, a economia é hoje uma área de estudo e pesquisa bem mais consolidada. Mas não é uma ciência exata, estando sujeita a contestações e controvérsias não só entre economistas que compartilham as teorias centrais e métodos de trabalho dominantes nas principais instituições universitárias do mundo, mas também por parte de correntes heterodoxas que defendem abordagens radicalmente diferentes. A diferença é que, no primeiro caso, as controvérsias podem ser dirimidas ou pelo menos se expressar em uma linguagem compartilhada, enquanto a divisão entre economistas ortodoxos e heterodoxos é marcada, ainda que não de forma absoluta, por diferentes filiações partidárias e ideológicas, sobretudo em relação ao papel do Estado e dos mercados na economia e temas correlatos como política monetária, industrial, fiscal, comercial, papel do Banco Central e outros. Nas controvérsias relativas a políticas públicas, nem sempre se pode distinguir com clareza o que são divergências técnicas, ideológicas ou políticas. Mas é fácil ver quando determinadas políticas são implementadas com um forte embasamento técnico profissional ou por concepções e preferências ideológicas ou de poder.

Com o novo governo Lula, havia a expectativa que as correntes ditas “estruturalistas”, próximas ao PT, voltassem a comandar a política econômica, mas isto não ocorreu. São visíveis, dentro do governo, as resistências às políticas econômicas conduzidas por Fernando Haddad e Simone Tebet, mas é notável que a proposta de reforma fiscal proposta por Bernard Appy tivesse sido apoiada por um manifesto assinado por economistas de todas as tendências.  Não há dúvida que o fracasso das políticas econômicas de Lula II e Dilma Rousseff, que jogaram o país em profunda depressão econômica e política, contribuiu para o desprestígio das correntes que ainda as defendem. Mas não há dúvida também que a arte da política econômica requer não somente fazer a ponte entre o mundo da técnica e o da política, mas também construir um consenso dentro do campo dos especialistas, pelo menos com os seus setores mais representativos.

É interessante comparar o relativo sucesso das políticas econômicas com as dificuldades da área da educação. Nesta, ainda não temos uma comunidade profissional que trabalhe dentro de um paradigma consensual, e as fronteiras entre a ciência e a política são muito mais fluidas. Ao invés de buscar decisões baseadas em critérios técnicos, e depois costurar apoios, o que vemos são tentativas de construir consensos entre interesses e ideologias contraditórias, de baixo para cima, transformando cacofonias em concertos. Não há como dar certo.

O financiamento das universidades federais

(publicado em O Estado de São Paulo, 9 de junho de 2023)

Com 40% dos estudantes brasileiros na quarta série sem entender o que leem e a reforma do ensino médio empacada, é natural que o Ministério da Educação ainda não tenha tido tempo para dizer a que veio em relação ao ensino superior. E no entanto, com um orçamento anual de 53 bilhões de reais só para o financiamento de suas universidades, mais de um terço de todos os gastos federais em educação, não é um assunto que deveria ficar para depois. O sistema federal matricula cerca de 1,3 milhões de alunos por ano, mas só forma cerca de 125 mil, a um custo médio de 415 mil reais por aluno formado. E estes formados não chegam a 10% dos que concluem a cada ano, comparado com 83% do setor privado. Será que este dinheiro está sendo bem gasto?  Qual sua contribuição para a formação de recursos humanos e para reduzir os problemas da desigualdade social no país?  Existiriam outras maneiras de usar este dinheiro de forma mais eficiente e socialmente mais justa?

Um estudo recente sobre o financiamento das universidades nos países da Europa Ocidental, onde predomina o ensino público, sugere o caminho a seguir[1].  Cada país é um pouco diferente, mas em todos o financiamento está associado a indicadores de desempenho, como taxas de conclusão, características dos alunos, produção científica, capacidade de atrair recursos adicionais, qualificação dos professores, quantos alunos são formados em diferentes áreas e níveis, e outros. Isto é feito tanto olhando para trás, vendo o que as instituições têm conseguido, como olhando para frente, com contratos de desempenho: as instituições se propõem a cumprir determinadas metas nos próximos anos, e recebem recursos para isto, depois de uma negociação com o governo. Uma pode querer dar prioridade a formar pessoas de alto nível e fazer pesquisas de impacto internacional e outra pode dar prioridade à formação de técnicos de nível intermediário e atividades de extensão regional e local. Não basta querer, é preciso demonstrar que podem. Ambas podem ser financiadas e avaliadas em função de seus objetivos, e não conforme uma escala única aplicada a todos. O risco deste sistema é que ele limita a autonomia das universidades, que precisam se ajustar às prioridades públicas; mas ele reduz o outro risco, das universidades receberem recursos, gastarem mal, e ficar por isto mesmo.

Daria para fazer isto no Brasil? A primeira dificuldade é que a maior parte dos custos de nossas universidades públicas está comprometida com pagamento professores e funcionários públicos com cargos e salários rígidos e estabilidade. Dos 53 bilhões, 45 são para pagamento de pessoal, incluindo 14 bilhões para aposentados. Este dinheiro nem chega às universidades, o governo faz os pagamentos diretamente, e controla de forma centralizada o número de cargos. Para participar de um sistema de financiamento por desempenho as instituições teriam que poder administrar estes recursos, mexendo no quadro de pessoal conforme as necessidades e prioridades próprias. Para isto precisariam deixar de funcionar como repartições públicas e passar a um regime de organização autônoma, vinculada ao setor público por mecanismos de financiamento e avaliação de resultados, e não pelo controle burocrático de cada despesa e do regime funcional.

A segunda dificuldade é que precisaríamos ter um sistema efetivo e inteligente de acompanhamento de resultados que servisse de referência para o financiamento. O sistema de avaliação que temos hoje, criado 20 anos atrás, se resume a um “índice geral de cursos” que ignora que existem instituições públicas e privadas com características e objetivos diferentes, que não podem ser medidas pela mesma métrica; e não inclui informações essenciais como a proporção de alunos que se formam e sua empregabilidade. Ele afeta marginalmente o sistema de regulação do setor privado, mas não tem efeito sobre as instituições públicas, porque todas se saem bem em indicadores como número de professores em tempo integral, cursos de pós-graduação etc., que o setor privado não consegue emular. A terceira dificuldade, finalmente, é que o Ministério da Educação precisaria desenvolver um sistema competente, robusto e respeitado para acompanhar o desempenho e negociar os orçamentos das instituições que administra, assim como os subsídios que dá ao setor privado, na forma de isenções fiscais e crédito educativo.

A implantação de um sistema de financiamento por resultados significaria uma revolução profunda que dificilmente ocorrerá nos próximos anos, pelos interesses que precisaria contrariar, mas o que dá para fazer deste já é criar um sistema mais moderno de informações e avaliação da educação superior.  Nos últimos anos falou-se muito, no Brasil, sobre direitos de acesso ao ensino superior e apertos no custeio das instituições públicas, mas pouco ou nada sobre quanto custa tudo isso e seus resultados.  Já passamos da hora de olhar com outros olhos.


[1] Jongbloed, B., et al. Final Report of the Study on the state and effectiveness of national funding systems of higher education to support the European Universities Initiative (volume 1), European Commission, 2013.

SUCATA – os que voltam

Depois de publicar o texto sobre os altos níveis de abandono dos estudantes de nível superior no Brasil, tomei conhecimento do artigo de Felipe Tumenas Marques, do ano 2020, com dados inéditos sobre os estudantes que voltam a se matricular no ensino superior depois que abandonam. O artigo, “The return to higher education of dropout students in Brazil.” Cadernos de Pesquisa 50: 1061-1077, está disponível aqui. A pesquisa foi feita identificando os alunos que abandonaram os cursos no período 2009 a 2017, e verificando se eles retornaram depois. O artigo também menciona outros estudos sobre o tema que existem.

A boa notícia é que metade dos que se desligam voltam a estudar em algum momento depois, muitos no mesmo ano ou no ano seguinte. É possível também que haja um problema no registro do censo, pessoas que aparecem como tendo abandonado e depois retornado de fato tenham simplesmente se transferido de um curso básico para uma área de formação específica, ou de uma licenciatura para um bacharelado (agradeço a Renato Pedrosa por ter chamado minha atenção para esta possibilidade). Então, a situação não é tão grave quanto a que eu havia indicado.

A pesquisa detalha mais a informação, mostrando, por exemplo, que cerca de 30% dos que se desligam se matriculam em outra instituição no mesmo ano, e 10% no ano seguinte; que só cerca de metade se rematricula na mesma cidade; e que a maioria dos que se desligam de instituiçoes públicas se rematriculam em instituições privadas.

Pode ser que, no setor público, parte da explicação seja que muitos estudantes que fazem o ENEM só conseguem se matricular em instituições distantes, ou em outras carreiras que não as preferidas; ou que procurem cursos menos exigentes. Os dados não indicam quantos dos que se rematriculam finalmente concluem os cursos e quantos voltam a abandonar, o que significa que continuamos sem saber bem a proporção dos que realmente abandonam os estudos definitivamente.

De qualquer maneira, os índices de abandono são altos, e a alta circulação de estudantes entre cursos e instituições indica também ineficiências no sistema. Ainda bem que a situação é menos grave do que parece à primeira vista, e existem pesquisadores tratando de conhecer melhor o que está ocorrendo. O próximo passo será entender melhor e começar a lidar com o problema.

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial