Daniel C. Levy: Seu triste texto | Daniel C. Levy: Your sad blog

Daniel C. Levy, distinguished professor of education administration and policy studies at the State University of New York at Albany sends me the posting below:

Your sad blog

Sometimes, Simon, I fear you’re at your best when the system is at its worst. The critique, delivered soberly, is blistering.
• I may be a little unclear on the implied periodization. There’s the contextual distinction between Brazil’s and Latin America’s public (national) sector but then the Renato de Souza proposals show that in reality the distinction wasn’t as sharp as we might’ve hoped (for Brazil’s sake). While I’d always figured that the contrast was valid and indeed fundamental, I’d also figured that the large expansion of the federal system in absolute terms and particularly in poorer states with fewer well prepared students and faculty greatly limited the contrast. I’m struck also by the strong association of the private sector with access for the poorer students; of course that’s largely true in the Brazilian/Asian trajectory as opposed to the Spanish American, but I’d thought that the expansion of the federal sector meant there was also considerable SES overlap.
• Probably I’d also underestimated the breadth of the Renato failure or of the Lula looseness. Lula’s Prouni seemed sensible. Though I was aware of the social quotas, I hadn’t realized the federal system was commanded to nearly double its size (of course upon a weak human resource & financial resource base) or the extent of CEFET academic drift (really too weak a term for such political processes)with reward parity with universities. A system that only maintains per student expenditure while doubling its intake, which means reaching less privileged students, invites grave problems in performance and academic and social legitimacy. I guess proponents believe such progressivism will be healthy in the long run as well as politically expedient in the short run but maybe this thought is too generous.
• While the reforms you valiantly continue to advocate are surely the right ones, it’s difficult to be hopeful. To me, a huge advantage Brazil enjoyed and took considerable advantage of in the period I focused on in my last book (To Export Progress: The Golden Age of university assistance in Latin America, 2005) lay in its late development. The taking advantage was building sane structures and practices, with differentiation including restrictiveness. Once that crumbles reform requires undoing expanded and entrenched structures and interests. We have positive examples globally of increasing institutional autonomy with some increase in evaluation too but rarely of differentiation after a system is made so homogeneous in policy.
• The sad tale makes one think more about not only the distinction between Brazil and Latin America in higher education but between the populist radical regimes and the populist moderate left regimes in Latin America. Of course there are differences in both arenas. Even you don’t drive even me to be so beaten down as to forget that.

Daniel C. Levy, Professor de Administração Educacional e Políticas Públicas da Universidade Estadual de New York, Albany, me envia o comentário abaixo:

Seu triste texto
Às vezes, Simon, eu temo que você está no seu melhor quando o sistema está no seu pior. A crítica, feita com moderação, é contundente.
• Não tenho muita certeza quanto à periodização que está implícita. Existe a distinção entre a educação superior pública no Brasil e na América Latina, mas as propostas de Renato de Souza mostram que, na realidade, a distinção não era tão grande quanto poderíamos ter desejado (pelo bem do Brasil). Embora eu sempre considerasse que o contraste era válido e de fato fundamental, também percebia que a grande expansão do sistema federal, em termos absolutos e em particular nos estados mais pobres e com menos alunos e professores bem preparados, reduzia muito o contraste. Me impressiona também a forte associação entre o setor privado e o acesso a estudantes mais pobres. Isto é em grande parte verdadeiro tanto na trajetória brasileira como na dos países asiáticos, ao contrário da América espanhola, mas eu pensei que a expansão do setor federal significasse que também houvesse considerável sobreposição de status socioeconômico nos dois sistemas.
• Provavelmente também subestimei o alcance dos fracassos de Paulo Renato ou da frouxidão de Lula. O Prouni de Lula me parecia sensato. Embora eu estivesse ciente das quotas sociais, eu não tinha percebido que o sistema federal foi forçado a quase duplicar o seu tamanho (em cima de recursos humanos débeis e recursos financeiros precários) ou a amplitude da deriva acadêmica dos CEFETs (na realidade um termo fraco para descrever um processo político desta natureza), com a paridade de benefícios com as universidades. Um sistema que mal mantém os gastos por estudante, duplicando seu número (o que significa receber estudantes menos privilegiados), está sujeito a graves problemas de desempenho e legitimidade acadêmica e social. Suponho que os defensores deste progressismo acreditem que ele será saudável a longo prazo, bem como politicamente conveniente a curto prazo, mas talvez seja uma suposição generosa demais.
• Ainda que as reformas que você continua a defender bravamente são seguramente as mais acertadas, é difícil ter esperança. Para mim, uma enorme vantagem o Brasil desfrutou e aproveitou bastante no período tratado em meu último livro (To Export Progress: The Golden Age of university assistance in Latin America, 2005) foi seu desenvolvimento tardio. Isto permitiu a construção de instituições saudáveis e práticas, com diferenciação e restrições de acesso. Quando isto se desintegra, novas reformas requerem desfazer interesses entrincheirados em estruturas expandidas. Temos alguns exemplos positivos em nível mundial de aumento de autonomia institucional com alguma melhora também nos processos de avaliação. mas são muito raros os casos de diferenciação depois que os sistemas se tornam tão homogêneos pelas políticas implantadas.
• Esta história triste me faz pensar na distinção entre o Brasil e a América Latina não só em relação ao ensino superior, mas entre os regimes populistas radicais e os regimes populistas moderados de esquerda. Claro que existem diferenças em ambas as arenas, e nem você, com suas críticas, consegue me deprimir ao ponto de esquecer isto.

Claudio Monteiro Considera: Pobres Alunos

Recebi o texto abaixo de Claudio M. Considera, professor de economia da Universidade Federal Fluminense:

Pobres Alunos

Os professores da Universidade Federal Fluminense estão em greve junto com os de outras 44 universidades federais. Reclamam pelo cumprimento de um acordo celebrado com o governo anterior que, além de promover um reajuste salarial escalonado, cuja última parcela foi recentemente determinada por uma Medida Provisória, previa a elaboração de um novo plano de carreira docente que redundará em novos reajustes salariais. Os demais itens de pauta são os acessórios de sempre: melhoria nas condições de trabalho, rejeição à privatização do ensino superior, etc. O governo já havia anunciado desde o início do ano que não haveria reajustes salariais das carreiras de servidores públicos devido à gravidade da crise internacional e seus impactos na economia brasileira. Do ponto de vista dos reclamantes são justas as reivindicações e por consequência justa a greve para negociá-la com o governo.

O que argumento a seguir é que a greve é falsa, covarde e, portanto injusta. Em primeiro lugar, trata-se de uma greve que paralisa unicamente as atividades docentes dos professores na graduação. Todas as demais atividades desses mesmos professores continuam: os que atuam também na pós-graduação continuam a fazê-lo, pois se as paralisarem, os alunos perdem suas bolsas e os órgãos de financiamento cortam as verbas dos cursos. Em segundo lugar, todas as atividades de pesquisa dos professores continuam: se assim não for o financiamento das pesquisas cessa e o professor perde seu status de pesquisador junto aos órgãos financiadores. Em terceiro lugar, as participações dos professores em seminários, intercâmbios e outros eventos acadêmicos nacionais e internacionais são cumpridos religiosamente, alguns inclusive realizados nas próprias universidades que estão em greve. Em quarto lugar, os professores que ministram aulas nos programas de pós-graduação lato-senso pagos, continuam a fazê-lo, caso contrário não serão pagos e serão cortados do programa. Portanto, trata-se de uma falsa greve.

Mas, é uma greve real para os alunos de graduação que têm seus cursos, sonhos e calendários de vida interrompidos por um período indeterminado. Os prejuízos para esses alunos são irreparáveis. Em primeiro lugar, a interrupção do curso a um mês do seu término deixa em aberto o tema abordado até o início da greve, sem a necessária conclusão que amarra o assunto desenvolvido. Em segundo lugar, a tal reposição das aulas raramente é cumprida na mesma quantidade e qualidade de um curso regular sem interrupção. Em terceiro lugar, formaturas não serão realizadas no período previsto e sem os diplomas os alunos perderão empregos, vagas em cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior, possibilidade de participar de concursos públicos, etc. Em quarto lugar, a greve prejudica principalmente os alunos mais pobres, pois os que podem pagar já optaram por universidades particulares onde sabem o dia da matrícula e o dia da formatura, se seu desempenho for adequado. Isto sim contribui para a privatização do ensino superior. Por isso é uma greve covarde praticada contra um ator sem defesa.

Finalmente cabe uma reflexão sobre o significado de uma greve no setor público, particularmente no sistema de ensino. Lembremos que no setor privado a greve afeta o lucro do empresário que fará uma avaliação entre o reajuste salarial de seus empregados, a redução de seu lucro e de sua capacidade de competir em termos de preços e qualidade com seus concorrentes. No setor público, não existe empresário nem lucro para ser prejudicado. O prejudicado é a sociedade em geral e em particular os alunos (da graduação). Não sei qual a melhor forma de luta; cabe aos dirigentes sindicais pensarem sobre essa questão. Lembro que o último acordo foi negociado por meses sem necessidade de greve.

Outro aspecto é a forma em que tais decisões são tomadas; assembleias minúsculas, em que participam e votam professores aposentados. Quem já participou dessas assembleias sabe que sua direção prolongará sua duração até o tempo necessário para que fiquem presentes aqueles, que a direção do movimento, têm certeza votarão na sua proposta. Qual a representatividade de uma assembleia de 102 professores (incluindo os aposentados) para decidir em nome de mais de 3000 professores como ocorreu na Assembleia da UFF?

Por isso, por ser falsa e covarde trata-se de uma greve injusta.

 

A greve nas universidades federais

A greve das universidades federais não é um evento isolado, mas parte de um processo que, infelizmente, tem tudo para acabar mal. Para entender, é importante lembrar que, diferentemente da maioria dos outros países da América Latina, o Brasil nunca teve grandes universidades nacionais abertas para todos que concluem o ensino médio, e optou, desde o início, por universidades seletivas, abrindo espaço para o crescimento cada vez maior do ensino superior privado, que, com seus cursos noturnos, de baixo custo e sem vestibulares difíceis, acabou atendendo à grande demanda por ensino superior de pessoas mais pobres e sem condições passar nos vestibulares e estudar de dia, que o setor público não atendia. Hoje, apesar do esforço do governo federal em aumentar a matrícula em suas universidades, 75% dos estudantes estão do setor privado.

Com um setor público pequeno e seletivo, as universidades brasileiras conseguiram criar um corpo de professores de tempo integral e dedicação exclusiva, desenvolver a pós-graduação e criar muitos cursos de qualidade, coisas que quase nenhum outro país da região conseguiu. Mas, como parte do serviço público, elas possuem um sistema homogêneo de contratos de trabalho, regras e promoção de professores e programas de ensino que não tomam em conta o fato de que elas são, na verdade, muito diferentes entre si – algumas têm programas de qualidade de graduação e pós-graduação em áreas dispendiosas como engenharia e medicina e fazem pesquisas relevantes, enquanto outras simplesmente copiam os modelos organizacionais, as regras de funcionamento e os custos das primeiras, com muito pouco de sua cultura institucional e conteúdos. Com a generalização dos contratos de tempo integral e a estabilidade dos professores, os custos subiram, sem mecanismos para controlar a qualidade e o uso adequado de recursos, que variam imensamente de um lugar para outro, independentemente de resultados.

Na década de 90, com Paulo Renato de Souza como Ministro da Educação, houve algumas tentativas de colocar esta situação sob controle, introduzindo um sistema de avaliação de resultados (o provão), vinculando parte do salario dos professores ao número de aulas dadas, e tentando introduzir legislação dando às universidades autonomia não somente para gastar, mas também para assumir a responsabilidade pelo uso eficiente dos recursos públicos através de orçamentos globais, e tentando fazer valer a prerrogativa do governo federal de escolher reitores a partir das listas tríplices selecionadas pelas universidades. Estas políticas encontraram grande resistência, os orçamentos globais nunca foram instituídos, o “provão” na prática só afetou alguns segmentos do setor privado, e o conflito entre as universidades e o governo no episódio da nomeação do reitor da UFRJ, em um tempo em que os salários não aumentavam, mobilizou grande parte dos professores, alunos e administradores das universidades federais contra o Ministério da Educação e o governo Fernando Henrique Cardoso.

Nos primeiros anos do governo Lula as relações das universidades federais com o governo passaram por um período de lua de mel: tudo era concedido, e nada era cobrado. A gratificação de docência foi incorporada aos salários, que passaram a crescer graças à melhora da economia e do aumento geral dos gastos públicos; o “provão” foi substituído por um pretensioso sistema de avaliação, o SINAES, que demorou em se organizar e continuou sem afetar as instituições federais; e a nomeação dos reitores eleitos internamente pelas universidades se transformou em regra. Para atender à demanda crescente por educação superior, o governo comprou vagas no setor privado com o Prouni, em troca de isenção de impostos, aumentando cada vez mais a proporção de estudantes no setor privado. Ao mesmo tempo, o governo iniciava uma política de expansão do acesso às instituições federais, primeiro com a introdução de cotas raciais e sociais, depois com a criação de novas instituições e a abertura de novas sedes das universidades existentes, e finalmente com o programa Reuni que, em troca de mais recursos, exigiu que as universidades federais praticamente duplicassem o número de vagas abrindo novos cursos, sobretudo noturnos, e aumentassem o número de aulas dadas por professor. Ao mesmo tempo, os antigos centros federais de educação tecnológica, os CEFETs, foram transformados em Institutos Federais de Tecnologia e equiparados às universidades em termos de custos e prerrogativas. Segundo dados do INEP, o gasto por aluno do governo federal passou de 9 mil reais ao ano em 2001 para 18 mil em 2010, acompanhando a inflação. Como o número de alunos do sistema federal duplicou nestes dez anos, devendo estar hoje em cerca de um milhão, os custos do sistema aumentaram na mesma proporção em termos reais, embora o número de formados tenha aumentado pouco. Só o programa REUNI custou 4 bilhões de reais, metade para investimentos e outra metade que passou a se incorporar ao orçamento das universidades federais.

Esta política de expansão acelerada não obedeceu a nenhum plano ou avaliação cuidadosa sobre prioridades, abrindo instituições aonde não havia demanda, admitindo alunos antes de existirem os edifícios e instalações adequadas, forçando as universidades a criar cursos noturnos e contratar mais professores mesmo quando não havia candidatos qualificados, e sobretudo sem preparar as universidades para lidar com alunos que chegavam do ensino médio cada vez menos preparados. Ao mesmo tempo, a necessidade de contenção de gastos do governo Dilma tornou impossível atender às expectativas de aumento salarial dos professores, gerando um clima generalizado de insatisfação revelado pela greve.

É possível que a greve leve a algumas concessões salariais por parte do governo federal, como costuma acontecer, mas o efeito mais visível deste tipo de movimento é o de prejudicar os estudantes e professores mais comprometidos com o estudo e pesquisa, levando à desmoralização das instituições, sem que as questões de fundo sejam tocadas. A principal questão de fundo é a impossibilidade de o setor público continuar se expandindo e aumentando seus custos sem modificar profundamente seus objetivos e formas de atuação, diferenciando as instituições dedicadas à pesquisa, à pós-graduação e ao ensino superior de alta qualidade, que são necessariamente mais caras e centradas em sistema de mérito, das instituições dedicadas ao ensino de massas em carreiras menos exigentes, que é onde o setor privado atua com custos muito menores e qualidade pelo menos equivalente. Esta é uma tese que provoca enorme reação nas instituições federais e os sindicatos docentes, que querem sempre continuar iguais e niveladas por cima em seus direitos, embora esta nivelação não exista em relação aos resultados. Mas a conta, simplesmente, não fecha.

Uma diferenciação efetiva exigiria limitar os contratos de trabalho de tempo integral e dedicação exclusiva às instituições que consigam demonstrar excelência em pesquisa, pós-graduação e formação profissional; introduzir novas tecnologias de ensino de massas e à distancia, aumentando fortemente o número de alunos por professor; e criar mecanismos efetivos que estimulem as instituições a definir seus objetivos, trabalhar para eles, e receber recursos na proporção de seus resultados. Um exemplo do que poderia ser feito é o processo de Bologna que está ocorrendo na Europa, que cria um primeiro estágio de educação de superior de massas de três anos, com muitas opções, e depois as instituições se especializam em oferecer cursos avançados de tipo profissional e científico conforme sua vocação e competência. É necessário, também, criar condições e estimular as instituições federais a buscar recursos próprios, inclusive cobrando anuidades dos alunos que podem pagar. Esta diferenciação exigiria que as universidades federais fossem muito mais autônomas e responsaveis pelos seus resultados do que são hoje, sobretudo na gestão de seus recursos humanos e financeiros, o que se torna impraticável quando os salários dos professores são negociados diretamente entre os sindicatos e o Ministério da Educação e as tentativas de diferenciar benefícios e financiamento em função do desempenho são sistematicamente combatidas.

Se nada disto for feito, o mais provável é que as universidades federais continuem a se esgarçar, com greves sucessivas e piora nas condições de trabalho dos professores e de estudo para os alunos, abrindo espaço para que o setor privado ocupe cada vez mais o segmento de educação superior de qualidade, como ocorreu no passado com o ensino médio.

 

A questão das cotas raciais

A decisão unânime do STF em favor das cota raciais no ensino superior confirma, infelizmente, a tradição brasileira de dar soluções aparentemente simples e populares a questões complexas e difíceis, como são as da má qualidade e inequidade no acesso à educação no Brasil. Decisões do STF são para ser acatadas, claro, mas ninguém fica obrigado a concordar com elas. Escrevi um texto em 2008 aonde mostro como esta política de cotas é, no mínimo inóqua e potencialmente prejudicial, que está disponível aqui., e acho que continua válido.

Um argumento curioso que se ouve com frequencia a favor das cotas é que o desempenho dos alunos que entram nas universidades por este sistema tende a ser igual ou melhor do que dos que entram pelos procedimentos normais. É curioso porque, se eles têm realmente melhor desempenho, não precisariam das cotas para ser admitidos.  Se eles têm pior desempenho nos vestbulares ou no ENEM mas têm melhor desempenho nos cursos, isto indica que existem sérios problemas no ENEM e nos exames vestibulares, que precisariam ser corrigidos. Problemas deste tipo certamente existem, mas não há evidência de eles consistam em discriminar sistematicamente contra pessoas de pele escura. Para entender melhor o que está ocorrendo seria preciso observar se a baixa correlaçao entre resultados dos exames de ingresso e desempenho se dá igualmente em todos os  níveis ou somente nos cursos de níveis de exigência mais baixo.

Hoje o jornal O Globo publica uma pequena entrevista minha sobre o assunto, que tanscrevo abaixo.

A cota cria situações de pessoas que se sentem discriminadas’

O Globo – 27/04/2012

SIMON SCHWARTZMAN  – O sociólogo e presidente do Conselho do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Simon Schwartzman, diz ser contra a adoção de cotas raciais em universidades. Na opinião dele, elas acabam gerando mais discriminação.

O GLOBO: Por que o senhor é contra as cotas nas universidades ?

SIMON SCHWARTZMAN: Não acho que cotas sejam uma coisa boa em geral. Considero correta a ideia de uma política de ação afirmativa que dê atendimento especial para pessoas em situação de carência. O que não acho correto é diferenciar as pessoas pela cor da pele ou pela raça.

Que medidas seriam mais adequadas que as cotas?

SCHWARTZMAN: Mais adequado seria melhorar a educação para as pessoas poderem chegar à universidade e não precisarem desse tipo de ajuda. Na falta disso, poderiam ser criados cursos que preparassem melhor para as universidades, e poderiam dar ajuda financeira para quem não tem recursos, de modo a permitir que as pessoas continuem estudando. Simplesmente criar cota e colocar a pessoa na universidade sem esse tipo de apoio, não significa que ela aproveitará. Vai ter aquela situação de o “fulano é cotista”, ou o “fulano não é cotista”. Vai criar discriminação.

Por que o senhor acha que a discriminação pode aumentar com as cotas?

SCHWARTZMAN: Quando você cria uma situação em que você divide as pessoas entre cotistas e não cotistas, você está dividindo a população e tem gente que diz “ah, o fulano entrou pela janela”. As pessoas começam a se olhar se estranhando.

Cria situações de pessoas que sesentem discriminadas, que tiveram desempenho melhor nas provas e não conseguiram entrar na universidade, como aconteceu em uma das ações em avaliação pelo STF.

Há quem diga que as cotas são uma forma de reparar um problema histórico, desde a escravidão. Como o senhor vê isso?

SCHWARTZMAN: Temos um presente extremamente complicado, com pobreza, pessoas que não completam o ensino médio ou que completam e não sabem quase nada. Parte dessas pessoas é negra, parte é branca. Temos que lidar com o problema da má qualidade de educação. Se tivéssemos uma educação de melhor qualidade, esse problema não se colocaria.

O senhor acha mais provável que o cotista abandone o curso?

SCHWARTZMAN: Pode ficar difícil para ele acompanhar, porque supõe-se que são pessoas que não têm condições de entrar pelo processo tradicional. Ou você não deixa entrar ou você deixa e dá apoio.

 

O novo comercialismo na educação superior americana e o programa “Ciência sem Fronteiras”

Philip G. Altbach

Philip Altbach, diretor do Centro de Educação Superior Internacional do Boston College, escreve no site Inside Higher Education – The World View sobre duas tendências preocupantes na educação superior norte-americana, o novo comercialismo e o rebaixamento dos padrões de qualidade na seleção de estudantes. Estas tendências, que nao ocorrem somente nos Estados Unidos, estão relacionadas à dependência das universidades, sobretudo as menores, em relação ao dinheiro das matrículas dos estudantes, e afetam sobretudo a admissão de estudantes internacionais que têm bolsas de estudo de seus governos ou famílias que podem pagar os custos, mas que muitas vezes não se sairiam bem em exames como o SAT ou o GRE.

Altbach não menciona o Brasil, mas a promessa brasileira de enviar 100 mil estudantes com bolsas de estudo para os Estados Unidos, Canadá e Europa está, sem nenhuma dúvida, fazendo brilhar os olhos de muitas universidades mais premidas por dinheiro nestes países, e pode significar que a promessa de que estes estudantes seriam mandados somente para universidades de primeira linha e para programas de qualidade possa não se dar como se espera.

O texto completo de Altbach está disponível aqui.

Crescimento econômico e políticas de educação superior no Brasil: qual a relação?|Economic growth and higher education policies in Brazil: a link?

Fora do Brasil, existe a percepção de que, como a economia está crescendo e o setor de educação superior e de pesquisa também, as duas coisas devem estar ligadas.  Neste comentário publicado em International Higher Education (ver abaixo o texto em inglês e o link para a versão castelhana) eu procuro mostrar que a relação existe, mas sobretudo no sentido oposto ao que se pensa: em geral, não são as políticas educativas que explicam o crescimento da economia, mas é este crescimento que explica o crescimento da educação e da pesquisa. Esta tem sido a situação até aqui, embora se possa esperar que no futuro ela venha a se transformer.

 Outside Brazil, there is a general notion that, since the economy is growing and the higher education and research systems are also expanding, the two things should be linked.  In this note written for International Higher Education, I argue that this links exists, but not in the expected direction; economic growth is the cause, not the product of the expansion of higher education and research, although this situation may be changing now, with the growing demand for qualified  manpower and research capabilities by the knowledge economy.

Economic Growth and Higher Education Policies in Brazil: A Link?

Simon Schwartzman

Published in International Higher Education  issue 67 Spring 2012

Brazil is one of the new “emerging economies.” It is flexing its muscles to become a leading international player, and thus, it needs good university institutions capable to produce the scientists and engineers needed to keep the momentum. Therefore, clear policies are required, to improve the standards of universities and the quality of higher education institutions, based on a clear identification of priorities. However, contrary to the assumptions and expectations of external observers, Brazil does not have such a strategy.

Brazil experienced cycles of rapid economic growth in the 1930s, after World War II, in the 1970s, and again after 2002. Each of these cycles can be explained by favorable external conditions—the revenues created by the agricultural and mining sectors, the influx of international investments, and the use of such resources to finance a growing public sector, the steady transfer of the population from the countryside to the urban centers, and generating a growing internal consumption market. These developments were also preceded by internal reorganizations of the economy, controlling inflation and increasing the governments’ ability to raise taxes, as it happened in the late 1960s and more recently in the 1990s. In none of these cycles is a causal link found between investments in education, science, and technology and economic growth. On the contrary, the causality seems to be the opposite. With more resources, governments became more generous and willing to respond to the demands of an emerging middle class for more benefits, including free access to education. Thus, the existing network of federal universities was created during the period of economic expansion after the Second World War; and the current network of graduate education, research, and technology was set up in the late 1970s, when the “economic miracle” of the previous years was about to implode.

The economic boom of the last 10 years was mostly fueled by the macroeconomic stability achieved in the late 1990s, the favorable winds of international trade blowing from China, and the ability of a small sector of the economy— mostly the agrobusiness and mining companies. With economic stabilization, high interest rates, and an overvalued currency—the country became attractive to foreign investments, generating more jobs and employment for the middle classes.

The Expansion of Public Expenditure and Education

With the economy growing at the steady rate of 4 to 5 percent a year, public expenditures increased to almost 40 percent of the gross domestic product, most of it spent on social security, the payment of civil servants, and the service of the public debt. The federal government benefited from the growing tax base, to distribute some benefits to the poor, with the conditional cash transfer programs and increases in the value of the minimum wage; to the civil servants, increasing their numbers, raising salaries and social benefits; to the rich, providing cheap subsidies and generous contracts for public works and services; and to political allies, through widespread patronage and tolerance to corruption. For the middle class, one benefit was to provide growing access to free higher education in public and private institutions and affirmative action, to respond to the demands of organized social movements.

None of these options required a national policy for good-quality higher education and effective and economically relevant science and technology. Brazil spends today about 5 percent of gross domestic product on education, mostly through states and municipalities for basic and secondary schools. In spite of recent investments in public universities, the provisions cover about 25 percent of the enrollment. While some institutions and professional schools are of good quality, most of them are not; and there is no mechanism to stimulate quality. The assessments carried on by the government only affect poorly rated private institutes in medicine and law, largely in response to the pressures from the professional corporations. Graduate education and research continue to expand, mostly in the State of São Paulo, in selected federal universities and in a network of federal research institutes. It is by far the largest research and development and graduate education establishment in Latin America. But research is mostly academic, with little factors in terms of patents and applied technology, and is poorly connected with the country’s economic and social needs.

There are some important counterexamples: Embraer, Brazil’s successful airplane company, grew out of the Aeronautical Institute of Technology (ITA)—a technological institute and engineering school established by the Air Force; and at least part of the achievements in agriculture is explained by new varieties developed by Embrapa, Brazil’s agricultural research agency. The National Service for Industrial Training (SENAI), a vocation-training agency run by the Federation of Industries, has a history of success in the qualification of specialized workers for the industrial sector. All, tellingly, are outside the realm of the Ministry of Education and the Ministry of Science and Technology. In short, as the Brazilian society modernized and its economy grew, higher education institutions also expanded in size and some of them even in quality; they were and are still part of the same wave. Clearly, higher education could not have grown without economic development, but the reverse (so far at least) is not true, although it may become so in the future.

The Future

This situation may be transforming. As the economy becomes more complex and sophisticated, it requires a more skilled population and more relevant research. There are signs that this is already happening, with new companies complaining for the lack of qualified engineers and midlevel technicians; and multinational corporations importing qualified manpower from abroad. To respond to this situation, higher education in Brazil will have to change its priorities from uncontrolled growth and access to quality and relevance—not an easy transition.

Pagando o professorado|Paying the Professoriate

How are professors paid? Can the “best and brightest” be attracted to the academic profession? With universities facing international competition, which countries compensate their academics best, and which ones lag behind? Paying the Professoriate examines these questions and provides key insights and recommendations into the current state of the academic profession worldwide.Paying the Professoriate is the first comparative analysis of global faculty salaries, remuneration, and terms of employment. The book is being published by Routledge, and its description and order instructions can be found here.

Como são pagos os professores de nível superior? Como os “melhores e mais brilhantes” podem ser atraidos para a profissão acadêmica? Que universidades entram na competição internacional, que países pagam melhor a seus professores, e quais estão ficando para trás? Paying the Professoriate é a primera análise global de salários universitários e condições de trabalho. O livro está send publicado pela Routledge, e sue descrição e como comprar podem ser vistas aqui

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Uma visão global da educação superior | Global View on Tertiary Education

Jamil Salmi, que trabalhou até recentemente como coordenador da área de educação superior fo Banco Mundial e é autor de uma das principais publicações sobre o tema das universidades de classe internacional, tem agora seu próprio site, confirme  (qualquer semelhança com o meu não é pura coincidência).

A chegada das Walmart no ensino superior

Quando o  Walmart chega a uma pequena cidade, a população pode comprar produtos mais baratos e diferentes, mas muitos pequenos negócios fecham, e muita gente perde seu emprego, ou tem que aceitar as condições de trabalho que a grande empresa oferece. Para sobreviver, é preciso oferecer um produto diferenciado, um serviço mais pessoal e de melhor qualidade, mesmo que a a um preço maior, que os grandes supermercados não podem proporcionar. Será que isto está ocorrendo também no ensino superior privado no Brasil, com a entrada das grandes universidades privadas de ensino de massas?  Existe ainda espaço para as pequenas faculadades familiares e personalizadas? Veja abaixo o desabafo do diretor de uma pequena instituição familiar no interior Paulista.

Escreve Robinson Ricci, diretor da ESEFAP:

Dirijo uma pequena (três cursos) IES no interior de São Paulo, criada em 1970 por um grupo de jovens profissionais liberais, então em torno de 35 anos. Estes foram, durante décadas, seus mantenedores/diretores, até que a segunda geração assumiu a direção (2007).

Como boa parte das pequenas IES, a que dirijo tem característica societária/familiar – os sócios não têm vínculo sanguíneo, mas, como disse, mantêm seus filhos na direção atualmente. Assim também ocorre com as outras duas instituições de ensino superior existentes na cidade. Tupã, ainda que no estado mais rico, está na segunda região mais pobre de SP, a Alta Paulista, até há bem pouco tempo tratada pelo jornal O Estado de São Paulo como “Corredor da Fome”. Há ainda um campus experimental da UNESP.

Vivenciamos as três IES particulares atualmente crise sem precedentes, que, num mea culpa tacanho, poderia debitar sobre a incompetência de seus dirigentes (com algumas poucas exceções), que insistem em manter, de certa forma, uma gestão quase desconectada do cenário atual da Educação particular brasileira, não fossem as avaliações do MEC. Há diversos outros fatores que explicam esta crise, como a questão cultural no interior, em que o profissional docente não sente diariamente a cobrança e a competição como nas grandes cidades. Ou ainda o perfil dos corpos docentes – que muda lentamente – composto em sua maioria por técnicos e não educadores.

Outra questão que poderia ser abordada é a demográfica (diminuição no nº de filhos) e mesmo o perfil do alunato das IES particulares: trabalhador, de baixa renda familiar, com péssima formação básica e, então, desacostumado a ler, a estudar. Uma última justificativa seria a ampliação das ofertas de escolas técnicas e a absorção desses jovens pelo mercado de trabalho.

Porém, esta crise pesadíssima e muito grave que vivencio hoje não parece ser apenas fruto de tudo isso, muito menos do perfil societário-familiar das pequenas IES da região, mesmo porque outras de maior porte, como universidades e centros universitários, que de alguma forma incrementaram a gestão, hoje um tanto mais profissional, também sofrem com a captação/fidelização de novos alunos e a alta inadimplência.

É, professor, infelizmente, e apesar de nossos esforços (o curso de Enfermagem desta instituição, quando da avaliação de reconhecimento, em 2008, recebeu conceito ótimo (5) ), estamos em um cenário devastador! Não me importa discutir se o ensino, mesmo o superior, também deveria ser unicamente público, mas a real situação das pequenas IES privadas e – ao menos parte de – seus dirigentes que um dia sonharam (e ainda insistem) em gerir sua instituição como um meio de transformar o ser humano (isso, apesar dos pesares, ainda tentamos) e, então, a realidade da região, a consciência do cidadão – de baixíssima auto-estima, e de todos os profissionais e suas famílias envolvidos, ou seja, sem demagogia, embora soe um hino piegas, nosso presente e nosso futuro.

No gabinente docente, coloquei há alguns anos um quadro com foto de Cora Coralina e sua frase: “Feliz aquele que transmite o que sabe e aprende o que ensina”. É triste ver os meios de comunicação discutindo a concentração do ensino superior em cinco ou seis grupos, que por sinal, como temos observado, padronizam e achatam o ensino, continuam captando recursos na Bolsa, demitem centenas de docentes, divulgam parcialmente seus resultados nos exames nacionais, enquanto nós, as pequenas IES, em grave crise, ninguém discute. Afinal de contas, para que servem as pequenas IES, professor?

Corremos o risco iminente de esquecer a poesia de Cora Coralina. E, sinceramente, não sei mais onde encontrar forças para mudar este cenário…

O debate sobre o ENEM Chileno

Muito antes que o Brasil, o Chile introduziu uma prova nacional ao final do ensino médio para selecionar os alunos para o ensino superior, chamada anteriormente de PAA  (Prueba de Aptitud Académica) e mais recentemente de PSU (Prueba de Selección Universitaria). No Brasil o ENEM tem sido apresentado como um mecanismo para democratizar o acesso ao ensino superior, quando ele é,  na verdade, um instrumento que aumenta a desigualdade, na medida em que atribui as melhores notas, e o acesso às vagas mais disputadas, aos estudantes cujas familias puderam investir mais em escolas secundárias particulares que se especializam em preparar os estudantes para as provas. Os debate político no Chile trouxe o PSU para a berlinda, como ocorre periodicamente, e o texto abaixo, publicado em El Mercurio por  Ernesto Treviño, do Centro de Políticas Comparadas de Educación da Universidade Diego Portales CPCE) faz uma colocação bastante apropriada a respeito do problema, que se aplica também ao Brasil (agradeço a Gregory Elacqua, do CPCE, pelo envio regular desde e outros materiais sobre as questões educacionais no Chile e em outras partes do mundo)

¿Equidad en las pruebas o en la admisión?

Publicado en El Mercurio, Opinión. Miércoles 04 de Enero de 2012

La PSU se ha convertido en un chivo expiatorio de moda, la culpable de muchos males de la educación chilena. Sin embargo, vale la pena preguntarse si es verdaderamente injusta y, como todo fenómeno complejo, la respuesta tiene varias aristas. Para considerar justa a la PSU como instrumento único de selección universitaria se deberían cumplir, al menos, las siguientes condiciones.

Si Chile fuera socioeconómicamente equitativo y los resultados académicos de los estudiantes no se relacionaran con su origen, seguramente consideraríamos que la PSU es justa. Pensaríamos que es una buena medida del mérito académico: se supondría que los estudiantes han tenido oportunidades similares y los resultados en la prueba son fruto del esfuerzo de cada uno.

Si la PSU fuera el mejor mecanismo para predecir el desempeño de los estudiantes en la universidad, entonces estaríamos de acuerdo en que se trata de un instrumento que les permite ingresar a la educación superior a quienes tienen mayor potencial.

Si la PSU midiera adecuadamente los rasgos de los alumnos que se propone estimar, la mayoría estaría de acuerdo en que se trata de un baremo justo para dirimir quiénes acceden a la educación superior.

Sabemos que nuestro país es altamente desigual. También se puede afirmar que la PSU no necesariamente es la mejor herramienta para predecir el desempeño. Por último, existe evidencia contundente de que mide los contenidos curriculares de la educación media y está técnicamente bien construida (aunque los estudios indican que la memorización de contenidos es insuficiente para garantizar buenos resultados universitarios).

Con todo ese cúmulo de conocimientos, insistimos como sociedad en mantener un sistema de admisión y de financiamiento a la educación superior cuyas decisiones más importantes se toman sobre la base del puntaje de los estudiantes en la PSU.

La PSU no es injusta en sí, sino que las injusticias se generan por las decisiones que se toman usando como base los resultados de la prueba sin considerar las inequidades del sistema escolar y la capacidad de predecir del instrumento. Por ello es muy curioso que pensemos que el problema de la desigualdad de acceso se puede resolver mediante una auditoría a la PSU, que nos va a decir que la prueba es técnicamente adecuada.

Las disparidades en la PSU se tejen desde la cuna y, lamentablemente, la escuela refuerza las desigualdades separando a los niños por su origen y dando menos a quienes más lo necesitan. Ya cambiamos la PAA por la PSU haciendo promesas infundadas. No cometamos el mismo error y corrijamos las causas del problema, no el instrumento que indica los síntomas.

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