Jacques Schwartzman: a escolha dos reitores

Escreve Jacques Schwartzman, do  Centro de Estudos de Políticas Públicas e Educação Superior da Universidade Federal de Minas Gerais:

O  Governo Federal, desde a década de 50, sempre teve um papel  ativo na escolha dos dirigentes das IFES. Uma lista de 6 nomes, organizada pelo órgão colegiado máximo da instituição, era enviada ao MEC , para designação pelo Presidente da Republica. Os integrantes da lista disputavam entre si a nomeação, que afinal decidida pelo governo, era pouco contestada. Com o advento do regime militar, esta forma de escolha passou a  ser questionada. Argumentava-se que os governos militares não tinham legitimidade para fazer esta escolha já que não foram eleitos e ainda assim  cassavam professores , expulsavam alunos e interferiam na autonomia das Universidades. Gerou-se então uma pressão para que os Reitores fossem escolhidos por processos exclusivamente internos, promovendo-se consultas e preparando listas que induziam a escolha do preferido pela comunidade. Este movimento foi parte da luta pela volta da democracia ao país.Na maior parte das vezes a escolha recaia sobre os preferidos da comunidade, mas nem sempre era assim.

Esgotado o regime militar, algumas importantes decisões para escolha de dirigentes foram tomadas e promulgadas em forma de lei (9192/95). Nesta constava que a escolha deveria recair entre professores de alta titulação, através de lista tríplice organizada por um Colegio Eleitoral, que poderia promover ou não uma consulta à comunidade. Caso ela fosse feita, deveria ser organizada pelo próprio Colegio, tendo os professores peso 70 e funcionários e alunos os outros 30. Esta é a lei em vigor, mas na prática a lista tríplice  é organizada de tal forma que deixa pouca margem para uma decisão alternativa à decidida pela consulta que elege apenas um candidato. Assim, o governo federal, agora eleito democraticamente, não tem influencia em tão importante decisão. Ainda assim, no governo FHC algumas poucas tentativas foram feitas no sentido de escolher um candidato alternativo ao mais votado. O exemplo mais conhecido foi o do Reitor Vilhena da UFRJ e que gerou calorosos protestos e contestações.

Agora, a pretexto de disciplinar o processo de escolha de dirigentes (Reitores)  dos recém criados Institutos Federais de Educação , Ciência e Tecnologia, editou-se o  Decreto 6.986 de 20 de Outubro de 2009, que diverge em alguns pontos da Lei 9192/95. Nele obriga a realização de consulta à comunidade, elimina a lista tríplice substituindo-a por um único candidato a ser homologado pelo Presidente da República. Postula também que a participação de cada segmento na eleição, se dará de acordo com a “legislação pertinente”,isto é, conforme os pesos definidos na Lei 9192/95, segundo nossa interpretação.Não obstante, de acordo com o artigo 12 da Lei 11.892, os pesos de cada um dos três segmentos foram fixados, paritariamente, em 1/3 para cada um deles , diminuindo sensivelmente a importância do corpo docente.

Temos portanto duas formas de escolha de Reitores,como se fossem cargos diferentes. Esta situação surge em função de convicções ideológicas de setores que estão hoje no poder e que sempre foram favoráveis a processos amplos de escolha, como se, nas universidades, a democracia fosse mais importante do que a meritocracia, o que está refletido na redução do peso dos docentes no processo.  Fica também  mal resolvida a questão de qual seria o papel do governo, quando eleito democraticamente, na condução da política educacional das Universidades públicas. Dada a situação “sui-generis” das universidades no contexto dos órgãos públicos , melhor seria uma combinação entre o desejo da comunidade e a legítima pretensão dos governos de escolher dirigentes mais afinados com seus projetos, o que implicaria na elaboração de listas  e não na definição de um candidato único a ser imposto aos governantes.

Finalmente, caberia comentar como é possível que um decreto revogue dispositivos de uma lei e como é possível eleger-se para um mesmo cargo,o de Reitor, através de critérios divergentes.  Com a palavra os juristas.

Author: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman é sociólogo, falso mineiro e brasileiro. Vive no Rio de Janeiro

5 thoughts on “Jacques Schwartzman: a escolha dos reitores”

  1. A propósito de assunto tão relevante, recorrente e sempre adiado, é de grande interesse a leitura do excelente trabalho realizado pelo ex-Reitor da USP, Professor Jacques Marcovitch, sobre o modo como 27 grandes universidades do mundo escolhem seus dirigentes máximos e o que pensam sobre a possibilidade de uma eleição direta para essa elevada função.

    Leitura indispensável aos interessados pela matéria, disponível no sitio do Instituto de Estudos Avançados da USP: http://www.iea.usp.br/tematicas/educacao/superior/autonomiafinanciamento/marcovitcheleicao.pdf

    Cordialmente
    Andre Herzog

  2. Compatilho da preocupação de jacques Schwartzman e gostaria de colocar a questão da eleição de reitores nas universidades públicas de outra maneira. O problema central da instituição universitária publica no Brasil é o do desempenho na produção de ocnhecimento cientifico com qualidade e não de integração social, com a comunidade que a cerca, ou de democracia interna. Não vejo qualquer dilema, seja de natureza política ou de gestão burocrática no sistema democrático, que uma lista de seis candidatos indicados, prioritariamente pelo corpo docente como estipula a lei dos 70%, seja submetida à ecisão final do Governo. O poder discricionário da elite acadêmica universitária está na possibilidade da escolha de lideranças que satisfaçam os requisitos meritocráticos do cargo. É bom lembrar, que a instituição pública deve, sim, num sistema democrático refletir a “perspectiva ideológica” do governo democtaticamente eleito. A comunidade universitária, como qualquer outro grupo corporativo de natureza pública, deve prestar contas, em última análise, aos representantes legitimamente eleitos para governar o país, e não à lideranças cominitárias que estão no seu entorno espacial. O que é completamente inaceitável é que o ambiente interno das universidade seja completamente tumultuado pelos interesses político-partidários-eleitoreiros, em nome da “democratização interna” e, segundo, pela tentativa de utilizar a organização universitária como sistema patrimonial ao recrutar de forma clientelista os quadros que compõesm os cargos de confiança da alta adminstraçaõ universitária. Obviamente, esta última consequência deriva, quase automaticamente, da primeira iniciativa de transformar a eleição de reitor em uma eleição plesbicitária.

  3. Na Universidade de Siena a votação para reitor é assim: contagem do número
    de votos de titulares e adjuntos e um voto para cada uma das outras
    categorias de professores, um para os funcionários e um para os alunos.

    Abraços,

  4. Cumprimento Jacques Schwartzman pelo artigo e Simon por tê-lo publicado. Não sabia dessa lei sobre os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (que li em http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/92587/lei-11892-08). Acho errada a eleição triparitária. Noto que o diretor geral de campus será eleito da mesma forma. Contudo, o que depreendi das duas leis, a 9192/95 e a 11892/08, é que a primeira continua em vigor, regendo a escolha dos reitores de universidades federais, enquanto a segunda surgiu para regular a eleição dos reitores dos IFECTs. O decreto mencionado por Jacques Schwartzman afeta apenas os IFECTs, segundo o que dele entendi. Não se aplica às IFES. Portanto, a questão que ele levanta (se um decreto pode alterar uma lei) não está em jogo.
    O que me parece estar em jogo é, sim, a existência de dois sistemas. No caso dos IFECTs, que são institutos de formação tecnológica, há eleição pelos três segmentos, cada um com o mesmo peso. No caso das IFES, legalmente se mantêm o colégio eleitoral, o peso de 70% para os docentes e a lista tríplice, ainda que desde a gestão Tarso Genro o MEC tenha anunciado que nomearia sempre o mais votado.
    Isso coloca vários problemas, que me parecem ser os suscitados por Jacques Schwartzman. Apenas realçaria alguns.
    Primeiro. É óbvio que, em termos gerais, as IFES são mais fortes científica e academicamente que os IFECTs, até por terem tradição e além disso por terem como meta a pesquisa. Então, por que os IFECTs têm maior latitude de escolha de seus dirigentes do que as IFES?
    Segundo. É evidente, se os IFECTs vão eleger seus reitores, que a pressão será forte para que a lei determine o mesmo para as universidades federais.
    Terceiro. A autonomia das instituições federais sempre me pareceu bastante relativa, mesmo quando elegem seus reitores. Isso, antes de mais nada, porque o MEC, por meio de seus programas, interfere fortemente na vida delas. Quando fui diretor da Capes, via com enorme freqüência os reitores indo a Brasília para negociar sua adesão a propostas que lhes trariam mais dinheiro.
    Talvez até seja bom esse modelo, pelo qual a instituição escolhe seu dirigente e é premiada ou sancionada em função de seu desempenho. Talvez. Mas o controle das IFES por meio de verbas adicionais a seu orçamento não me pareceu tão bom, porque os critérios não são explícitos, ou melhor, porque não é essencialmente um controle de qualidade mas, sim, de adesão a políticas (como p ex o Reuni). Não entro no mérito dessas políticas. Mas me preocupa que a qualidade não seja o foco central desse controle.
    Quero deixar claro que não sou contra a escolha, pela instituição, de seu dirigente. Não vejo, nos ministros ou nos governadores, competência científica para escolher melhor do que as comunidades. Mas penso que os professores com doutorado devam ser significativa maioria, e que além disso a autonomia das IES pode estar referida a seu desempenho. Uma IES com excelente histórico, bom diagnóstico de sua situação e projetos bons para o futuro não tem que estar subordinada a nenhum político. Uma IES mais frágil poderia ser acompanhada por algum conselho fortemente científico (e eventualmente social) externo.

    Finalmente, uma dúvida: a lista sêxtupla não foi inventada no ocaso da ditadura militar? Eu tenho uma lembrança de que as listas fossem tríplices e apenas tenha surgido uma legislação federal criando as sêxtuplas com o general Geisel.

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