Antonio Octávio Cintra: Ainda as manifestações de junho

Comparto a contribuição do cientista político Antônio Octávio Cintra ao debate sobre como interpretar o sentido e as consequências nas manifestações de rua do mês passado:

Este blog tem acolhido um bom debate sobre o sentido das recentes manifestações de rua, em particular como interpretadas pelo artigo de André Lara Rezende no Valor, que Simon aqui reproduziu.

Dou aqui algumas breves opiniões à luz do que foi dito pelos vários colegas. Primeiramente, tem-se questionado essas manifestações por fugirem dos canais institucionais, tendo elas, assim, caráter muito genérico e por certo fugaz.

O influente Samuel Huntington, em seu opus magnum Political Order in Changing Societies, no final dos anos 60, ampliou o conceito de “pretorianismo”, tirando-o da mais estrita conotação militarista, advinda da intervenção da guarda pretoriana na seleção e destituição de imperadores em Roma, e estendendo-o à irrupção de grupos da sociedade civil na esfera política, sem intermédio das instituições. Ao dar-se tal ampliação do conceito, como ficou sua valoração negativa? Parece ter irremediavelmente contaminado a abrangente realidade agora denotada. Em suma, por não serem institucionalizadas e, até mesmo, anti-institucionais , as manifestações, pedir-nos-ia redobradas cautelas em sua avaliação. Pé atrás.

Fica, porém, pendente a outra faceta da realidade: e quando as instituições se ossificam e se tornam avessas aos reclamos da sociedade, como se manifestam estes?

Lembrarei, aqui, três manifestações de representantes institucionais, ao longo dos últimos anos, sob governos do lulopetismo. Lula, já presidente, declarava, em 2006, ser a saúde, no Brasil, quase perfeita . Já no clima de preparação da Copa, não faz muito tempo, a ministra do – vejam bem – Planejamento, recomendava-nos despreocupação com o pouco que se fazia quanto à mobilidade urbana. Esse problema seria resolvido, porque decretaria feriado nos dias dos jogos. Finalmente e, creio, mais importante, numerosas vezes têm a presidente e o ministro da Fazenda proclamado estar a inflação sob controle, apesar de há muito bater no topo da meta.

Só sobre este último assunto, recordaria aos mais jovens que sou de uma geração formada politicamente tendo a inflação como um dos problemas centrais da vida econômica nacional. Inflação era tema quotidiano da discussão pública. Alguns professores meus a defendiam, como instrumento de poupança forçada, para o crescimento nacional. Mas o povo se queixava da crescente da “carestia”, palavra que Fernando Henrique Cardoso voltou a por em circulação em recentes artigos.

Contudo, nos estratos mais altos da classe média, tal problema não é vivenciado com a mesma intensidade que é pelo povão. Fiz a experiência, outro dia, num almoço, em que se reuniam amigos, todos da elite do funcionalismo público de Brasília. Perguntei o preço de certo tipo de melão. Ninguém sabia. Contudo, esse preço varia bastante entre um “verdurão” e dois supermercados da vizinhança, estes vendendo-o mais barato do que aquele. Uma amiga, presente, disse ter percebido a grande diferença de preço no que adquiria ao fazer uma compra num hiper-mercado, outro dia, dos mesmos itens e das mesmas quantidades habituais, e ter economizado cerca de R$ 100,00. Pois bem, minha empregada, meses atrás, me alertava para não fazer compras de alguns produtos onde eu semanalmente as fazia, por achá-los muito caros. Comecei a observar e vi estar corretíssima. Mudei os hábitos de compra.

Quem foi criado já sob a égide do Real não tem, provavelmente, idéia disso. Mas as autoridades públicas, se antes retomavam velhas idéias sobre a importância de alguma inflação para o crescimento, certamente se assustaram com as manifestações.

O descolamento, entre nós, das instituições públicas da base social, se presta a uma análise de quase vinte anos atrás, feita por Richard Katz e Peter Mair, da evolução dos partidos políticos nas democracias ocidentais (1).   Resumidamente, mostram eles como essas entidades foram-se modificando ao longo dos últimos duzentos anos. De agremiações, inicialmente, da aristocracia rural, para quem a administração estatal era quase uma continuidade de sua atividade privada – não à toa, o parlamento era quase que uma extensão do club dessa elite – passa-se à incorporação dos estratos burgueses e da classe média, ao longo do século XIX. Surgem, depois, as agremiações da classe operária, inicialmente de fora do sistema político, com toda uma subcultura própria e, portanto, com a necessidade de suprir essa classe com as coisas a que não tinha acesso na sociedade global (imprensa, associações de vizinhança, educação política). Segue-se sua gradual entrada na instituição parlamentar e a ampliação de sua base social a outras camadas – tornam-se catch-all parties, na expressiva denominação britânica — e, finalmente, a assunção ao comando do executivo.

Nos anos 50, coube ao politólogo francês Maurice Duverger formalizar o paradigma dos novos partidos, os partidos de massa, que ele achava proverem o modelo que no futuro predominaria na vida política, mesmo entre os partidos burgueses, forçados a se organizar nos mesmos moldes (tese do contágio pela esquerda).

O PT, quando criado entre nós, seguiu bastante, e de caso pensado, a cartilha de Duverger. E o partido sabia organizar, foi capaz de agregar e institucionalizar movimentos sociais, e canalizar pleitos, e fazer oposição. Aos poucos, o partido abriu o foco, e o conceito de “trabalhador” abrangeu, além da classe operária, as demais categorias. Por pouco, não teríamos também trabalhadores-empresários e, até, trabalhadores-banqueiros, abrangidos pelo largo conceito…

Mas, conforme apontado por Katz e Mair, o partido de massa, ao conquistar o poder, entra numa nova categoria, o partido governamental (na terminologia e acepção deles, partido-cartel). A teoria, na prática, torna-se diferente… Temos, então, a “carta ao povo brasileiro”. O vasto espectro de associações, sindicatos, movimentos organizados, é incorporado ao poder, se torna para-estatal.

Que acontece? Aos poucos, reclamos novos são ignorados. Demos, acima, algumas instâncias chamativas desse fechamento oficial às novas demandas, algumas até geradas pela política governamental, como a mobilidade urbana, muito afetada pela massa de automóveis que tomaram as ruas.

Enfim, o partido que antes estava do lado de fora, agora, de dentro, se mostra incapaz de perceber a mudança que ele próprio ajudou a efetuar. Que, então, as manifestações irrompam por fora, não canalizadas, não deve causar surpresa, nem merecer desqualificação por se darem sem a intermediação de instituições. É que estas se descolaram primeiro.

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(1) (Richard S. Katz e Peter Mair, Changing Models of Party Organization and Party Democracy: the Emergence of the Cartel Party, Party Politics, 1995, 1, 5).

 

As profissões dos médicos e dos historiadores

Em boa hora a Presidente Dilma vetou os artigos da chamada “lei do ato médico” que impediam ou restringiam o trabalho profissional de psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, optometristas, nutricionistas e de outros profissionais de saúde.  Este ato, e mais a decisão do governo de aumentar em mais dois anos o tempo de formação dos médicos, sepultariam para sempre a possibilidade de que a população do país fosse um dia atendida de forma razoável por profissionais de saúde em suas diversas especialidades, que é o que ocorre em todo o mundo. Agora falta rever o ato impensado de prolongar ainda mais a formação dos médicos e obrigá-los a dois anos de serviço civil junto ao SUS, colocando em seu lugar uma reforma apropriada do currículo do curso de medicina e da residência médica e a ampliação e melhor qualificação dos formados nas demais profissões de saúde.

A tentativa de ampliar o monopólio médico sobre todas as atividades relacionadas à saúde tem muito mais a ver com a  busca de reserva de mercado para os diplomados em medicina do que com os interesses da população, o que não significa, naturalmente, que os profissionais de saúde não devam ser propriamente certificados e sua atuação regulamentada, assim como a dos profissionais da engenharia ou do direito.  Mas existe, no Brasil, a idéia de que a cada área de conhecimento corresponde uma profissão, uma confusão que tem causado grandes problemas, e que parece não ter fim.

Agora surge, por exemplo, a tentativa de regulamentar a  “profissão” de historiador, como se isto existisse. Recebi a respeito uma mensagem do Professor Roberto de Andrade Martins, ex-presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência, chamando a atenção para o projeto de lei da Associação Nacional de História (ANPUH) , o  PL 4699/2012, que  estabelece que apenas portadores de diploma de história poderão ministrar disciplinas ligadas à área, em qualquer nível, bem como elaborar trabalhos sobre qualquer tema histórico. Segundo o professor Martins, a ANPUH tem divulgado que o projeto não proíbe ninguém de pesquisar ou ensinar história de suas respectivas disciplinas, mas isto é falso, e cita a respeito trecho do parecer do Deputado Roberto Policarpo Fagundes (Deputado Policarpo) ao projeto:

“O texto do Projeto não oferece um conceito de Historiador, mas restringe o exercício da atividade aos graduados em curso superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e atribui-lhes, privativamente, o magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior; a organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História; o planejamento, a organização, a implantação e a direção de serviços de pesquisa histórica; o assessoramento, a organização, a implantação e a direção de serviços de documentação e informação histórica e o assessoramento voltado à avaliação e à seleção de documentos, para fins de preservação, bem como a elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.”

Existem diversas manifestações contra este projeto de lei por parte, entre outros, do Comitê Brasileiro de História da Arte,  da  Sociedade Brasileira de História da Educação e da Sociedade Brasileira de História da Ciência, o que não significa que o risco não exista de que o projeto seja aprovado, junto com um outro projeto que também tramita pela regulamentação da “profissão” de filósofo.

Segundo ainda o professor, “se o projeto de lei for aprovado com sua redação atual, portadores de diploma de História deverão substituir todos os docentes de ensino superior que atualmente ministram aulas de História da Filosofia, História do Direito, História da Arte, História da Literatura, História da Astronomia, História da Medicina, História da Computação, História da Educação, História da Biologia, etc. Infelizmente, nem os cursos de graduação em História, nem os cursos de pós-graduação em História preparam para o ensino dessas disciplinas…”

Quem sabe o Congresso, alertado, não cria juízo e reverte esta tendência a aprovar este tipo de projeto, e, se isto ocorrer, a Presidência da República usa seu poder de veto, da mesma forma que vetou os artigos do ato médico?

 

 

 

Fábio W. Reis: A propósito do artigo de André Lara Resende

Mais um comentário crítico, agora do cientista político Fábio Wanderley Reis:

Simon Schwartzman reproduziu aqui, há alguns dias, artigo de André Lara Resende (“O Mal-Estar Contemporâneo”, publicado no Valor Econômico no dia 5 de julho), recomendando-o como “provavelmente o que melhor interpreta o que vem ocorrendo” quanto às manifestações de rua no Brasil e concitando a que seja “lido com muita atenção e compartido”. Procurei ler com atenção, e acho o artigo confuso e equivocado na perspectiva adotada. Aproveito a hospitalidade do site do Simon para tentar dizer porquê.

Menos mal que o artigo de André destaca o papel da internet e das redes sociais, ao contrário de análises que o minimizam ou descartam (nosso amigo Bernardo Sorj, aqui mesmo, chegou a usar o fato de que a Revolução Francesa aconteceu para desqualificar a atenção à internet nas manifestações de agora). Em princípio, cabe, naturalmente, distinguir o meio ágil de comunicação que a tecnologia da internet e das redes sociais representa, facilitando assim a mobilização, daquilo que fornece propriamente a motivação às manifestações, a insatisfação que elas (presumivelmente…) expressam. É claro que podemos ter motivos diversos, como a explosão recente de manifestações e protestos análogos em vários países permite ver – valendo-se todos da mesma tecnologia e compartilhando com o caso do Brasil de agora o caráter de irrupções meio surpreendentes, o que torna natural tratar de aproximá-lo e confrontá-lo com os outros casos. De toda maneira, André faz o confronto, e distingue nosso caso dos outros porque aqui faltariam motivos que estariam presentes neles: “os dois elementos tradicionais da insatisfação popular”, dificuldades econômicas e falta de representação democrática, que “definitivamente não estão presentes no Brasil de hoje”, onde a democracia política está consolidada e onde houve “grandes avanços nas condições econômicas de vida”, “ganho substancial de renda entre os mais pobres” nos últimos vinte anos, “a distribuição de renda melhorou”, “o desemprego está em seu mínimo histórico”…

Isso leva André a tratar de evitar interpretações que se refiram aos “cânones do passado” (dificuldades econômicas, autoritarismo político) e a buscar a explicação do “fenômeno novo” que presenciamos no Brasil. Mas é grande a confusão na relação (supostamente negativa) entre aqueles “cânones” e os itens em que a nova explicação trazida se apoia: de um lado, uma crise de representação, o fato de que a sociedade não se reconhece nos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário); de outro, o hiato entre a sociedade e um projeto de Estado que não corresponde mais aos anseios da população.

O projeto de Estado de que a sociedade se afasta é tortuosamente esboçado como correspondendo à restauração, nos governos petistas, do “nacional-desenvolvimentismo”. Este se caracterizaria pela ênfase em industrialização forçada e pelo compromisso com a criação de rede de proteção social, sendo descrito também pela combinação do “consumismo das economias capitalistas avançadas” com o “produtivismo soviético” – a “essência” de seu anacronismo. Seria provavelmente difícil explicar aos manifestantes (afinal, recrutados de uma população em sua maioria amplamente desinformada politicamente) a ligação de suas ações com a existência de um governo assim caracterizado; mas André associa o nacional-desenvolvimentismo do governo brasileiro sob o PT não só com ineficiência e políticas econômicas ruins que supostamente ajudam a produzir insatisfação difusa (há, portanto, dificuldades econômicas?), mas também, dada a crise de representação (deficiências da democracia?), com toda uma série de traços negativos em que transparecem velhos objetos de denúncia – que acabam sendo a denúncia da própria política como tal, vista, à luz de um modelo recôndito de política ideológica e “autêntica”, como degenerescência e vilania: pragmatismo cínico, fisiologismo “sem qualquer pudor ideológico”…

Um dos subtemas relacionados redunda em enfática retomada de um “pós-materialismo” (André não usa a expressão) que há algum tempo andou em voga nos estudos que lidam com “cultura política”, de que os trabalhos de Ronald Inglehart são um exemplo destacado. Assim, com base na ideia de que a conexão entre renda e bem-estar só se dá na percepção das pessoas até que se alcance certo nível de renda (e na suposição não explicitada e mais que problemática de que o Brasil já teria alcançado o nível adequado), André sustenta que o que nos importa agora (como ao “mundo todo”, cuja população já intuiu “a exaustão do modelo consumista do século XX”) é, na verdade, a “qualidade de vida”: “o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e a ausência de estresse emocional” – e também a participação nas decisões políticas, em correspondência com certa difundida insatisfação com a democracia (“é possível que o modelo de representação democrática […] tenha deixado de cumprir seu papel, e precise ser revisto”)… Ressalvado este último aspecto, a propósito do qual analistas têm falado de “democratas insatisfeitos” justamente porque se preservam valores democráticos enquanto eventualmente se hostilizam o governo e certas instituições, bastaria ver, quanto ao mais, a forte desqualificação empreendida por Harold Wilenski das supostas constatações empíricas na direção de um “pós-materialismo”, em cuidadosa revisão de 2002/3 de vários estudos relativos ao assunto (1): fica claro que vastas maiorias “modernas” (que se supõem mais sensíveis aos temas “pós-industriais” e “pós-materiais”) da população dos países estudados atribuem prioridade mais alta a temas como segurança econômica e crescimento econômico – além de que os mesmos cidadãos modernos “mudam drasticamente suas respostas a questões referidas a ‘valores’ diante de mudanças conjunturais nos contextos econômicos e políticos”, o que, naturalmente, torna duvidoso que se esteja observando a mudança profunda de valores básicos. É supérfluo acrescentar que, de 2002/3 para cá, com a crise econômica, é impossível pretender que a conjuntura se tenha tornado mais propícia ao “pós-materialismo”…

Outro subtema é a relação entre a internet e a imprensa, ou os meios tradicionais de comunicação de massa. André coloca a imprensa como apenas um ator entre os muitos outros que não anteviram a insatisfação popular e se mostram perplexos diante dos eventos – não obstante, segundo ele, o fato de que “a irritação difusa podia ser claramente percebida na internet e nas redes sociais”. Talvez isso variasse do Facebook de A para o de B… De toda forma, um par de considerações relacionadas merece registro: no amontoado disperso de temas de que as manifestações se apropriaram (na verdade, todos os temas que de alguma forma surgiram na agenda socioeconômica e política do país em tempos mais ou menos recentes), o papel dos meios de comunicação tradicionais é evidente (e, para o que valham, pesquisas de órgãos como a Folha de S.Paulo têm mostrado que os links compartilhados entre os próprios manifestantes são tomados da imprensa em sua ampla maioria). E há aí uma face especial: a de que o antipoliticismo, a visão intensamente negativa da política e dos políticos que distingue o movimento de protesto, reproduz disposição análoga que tem marcado o noticiário e os comentários da imprensa e dos meios de massa no país, vindo a condicionar fortemente a chamada “opinião pública” brasileira – e isso, sim, há muito podia ser claramente percebido. Difícil propor que as manifestações tenham trazido algo novo quanto a este aspecto crucial.

Isso permite algumas observações finais quanto à própria natureza do movimento. A distinção feita acima entre a internet como tecnologia facilitadora e os motivos de insatisfação que se valem dela deixa de lado uma possibilidade importante e talvez decisiva para se encontrar a explicação adequada do nosso caso: a de que, de certa forma, a disponibilidade da tecnologia acabe fornecendo os motivos. Refiro-me à possibilidade de que as manifestações em suas dimensões especiais sejam em boa medida fúteis, a mera imitação das irrupções anteriores em outros países uma vez deflagrado com êxito, pelo Movimento Passe Livre, sua etapa inicial referida ao preço das passagens de ônibus. Daí que os protestos se mostrem não só desorientados quanto aos objetivos, mas politicamente ingênuos no antipoliticismo, no antipartidarismo e, na verdade, no antiinstitucionalismo viscerais, que os levam mesmo a estarem prontos (não obstante a insistência de muitos na “minoria de baderneiros”) ao confronto violento e sem sentido prático com prefeituras, assembléias legislativas e o que mais seja. O que não significa, naturalmente, que a ingenuidade torne o movimento inconsequente: uma vez alcançada a dimensão que adquiriu, é fatal que afete a cena político-institucional e que os políticos se movam em resposta (sem falar da oposição a Dilma, por exemplo, por parte de muitos que a apoiavam até outro dia, de maneira congruente com o quadro geral de desinformação e inconsistência políticas). E, afinal, agora que se experimentou a facilidade com que é possível semear furacões, é elementar esperar novos furacões para breve, em particular com a nova vitrine que a Copa do Mundo e as eleições presidenciais do ano que vem representam. Tomara que, ao transpor a correria das ruas para o plano da movimentação institucional, as lideranças políticas e autoridades não venham apenas a turbinar a turbulência.

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(1) Harold L. Wilenski, “Postindustrialism and Postmaterialism? A Critical view of the ‘New Economy’, the ‘Information Age’, the ‘High Tech Society’ and All That”, Wissenschaftszentrum für Sozialforschung (WZB), Berlim; excerto de Harold L. Wilensky, Rich Democracies: Political Economy, Public Policy, and Performance (Berkeley: University of California Press, 2002).

 

Samuel Pessoa: As manifestações da rua e o direito à meia-entrada

imagesA interpretação de André Lara Resende sobre as causas do mal estar contemporâneo  recebeu algumas críticas, entre as quais a do economista Samuel Pessoa, que transcrevo a seguir:

Simon,
Há três pontos do texto de André que discordo.

Primeiro é considerar que o nacional desenvolvimentismo era “um projeto que combina uma rede de proteção social com a industrialização forçada.” Poderia ser isto na legislação mas certamente não foi isto na prática. Ao longo dos anos 30 até o final dos anos 70 os gastos do Estado brasileiro com as rubricas sociais eram muito pequenos. Não é possível afirmar que um Estado que aceitava taxas líquidas de matrículas de 40% a 30% no ensino fundamental tinha alguma rede de proteção social. Simplesmente não consigo enxergar qualquer rede de proteção social minimamente abrangente antes da redemocratização. A construção de um Estado de bem estar social é um legado da constituição cidadã.

Este ponto é importante pois somente com ele nós entenderemos o papel profundo e essencial e importante que teve a redemocratização no desenho de nossa instituições atuais. Parece-me que André não consegue enxergar esta profunda transformação que ocorreu por aqui depois que nós nos tornamos urbanos e que todos os brasileiros, inclusive os analfabetos (este ponto é muito importante), passaram a votar.

Confesso que quando leio André escrever que o Estado nacional desenvolvimentista “combina rede de proteção social” pensando nas cinco décadas de 30 até 70 lembro-me de minha avó triste com a queda da qualidade educação pública e dos hospitais públicos. Ela não tinha a menor ideia que provavelmente menos de 2% da população era atendida…

Minha segunda discordância refere-se ao parágrafo: “Apesar de extrair da sociedade mais de um terço da renda nacional, o Estado perdeu a capacidade de realizar seu projeto. Não o consegue entregar porque, apesar de arrecadar 36% da renda nacional, investe menos de 7% do que arrecada, ou seja, menos de 3% da renda nacional. Para onde vão os outros 93% dos quase 40% da renda que extrai da sociedade? Parte, para a rede de proteção e assistência social, que se expandiu muito além do mercado de trabalho organizado, mas, sobretudo, para sua própria operação. O Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números. O Executivo, com 39 ministérios ausentes e inoperantes; o Legislativo, do qual só se tem más notícias e frustrações; o Judiciário pomposo e exasperadoramente lento.”

Tenho duas discordâncias com relação ao diagnóstico acima. A primeira é que não é verdade de que a maior parte da receita do Estado vai “sobretudo para sua própria operação.” Esta afirmação vai ao encontro das ruas quando estas afirmam que o combate à corrupção e a redução dos desperdícios liberaria recursos para melhorar a qualidade da saúde e da educação. Não concordo com esta afirmação pois, parece-me que não temos no Brasil funcionários públicos em excesso e também, apesar dos salários serem maiores do que a média paga pelo setor privado, não explica o problema. Os gastos excessivos de nosso Estado devem-se à enorme quantidade de benefícios que nosso Estado, por meio do Congresso Nacional, outorga a indivíduos e às enormes amarras legais que há para melhorar a gestão dos serviços públicos básicos de justiça, segurança, saúde e educação. Estes dois pontos, benefícios e amarras legais, são bem diferentes de “sobretudo para sua própria operação.”

A segunda discordância ao diagnóstico de André é que o diagnóstico trata o Estado como se ele fosse uma entidade apartada da sociedade. Infelizmente este não é o caso. Não existe uma pequena classe (ou estamento) de onde se originam os ocupantes do Estado e o resto da sociedade é constituída de pessoas que trabalham que nem escravos para manter a vaca bem alimentada para que não falte leite em seu úbere de onde se alimenta os membros do estamento. É possível que esta fosse uma descrição correta de nossa sociedade no período colonial, ou no império ou mesmo na república velha, ou até mesmo em períodos mais recentes. Após algumas décadas de redemocratização, em que avançamos muito na construção de um Estado relativamente impessoal no qual a ocupação de vagas no serviço público ocorre por meio de concursos públicos bastante concorridos e eficientes na seleção dos melhores candidatos, me parece que a descrição de André não se sustenta. O mesmo se aplica ao legislativo: temos uma democracia vibrante e muito competitiva com livre entrada no jogo da política. Não há estamento fechado na política. Parece-me que André não se deu conta (e penso que as massas na rua também não se deram conta) é que provavelmente muitos dos que foram às ruas são filhos ou netos de pessoa que recebem pensão por morte vitalícia, por exemplo e outros que recebem e acumulam benefícios. Vários eram funcionários da saúde cuja demanda é que a carreira da saúde se transforme em uma carreira de Estado como as do judiciário (você pode imaginar a consequência desta medida para o gasto público). Outras devem ser filhos de indivíduos com aposentadoria por invalidez ou usufruindo auxílio doença ou seguro desemprego (vários fraudando o programa, isto é, forçando a demissão para ficar algum tempo na informalidade acumulando salário com o benefício). Outros, alguns poucos, devem ter pais que de alguma forma se beneficiam da bolsa empresários do BNDES e alguns outros, também poucos, devem ter pais ou avós que se beneficiam do programa de reparação dos excessos da ditadura (sabemos que apesar da ditadura brasileira ter matado ou torturado uma fração do que se matou ou torturou na Argentina ou no Chile gastamos com reparação um múltiplo do que eles gastam, somente para termos mais um exemplo de como nós mesmos distribuímos de forma pródiga benefícios e vitaliciedades a indivíduos).

Poderia continuar, na linha do texto de Marcos e Zeina, citando os indivíduos que se beneficiam de empréstimos direcionadas com taxas menores do que as de mercado, que são custeados pelos empréstimos mais caros sobre outros ou por poupança forçada (FGTS) sobre outros, pessoas que tiveram uma boa educação no sistema S custeada por impostos sobre a folha de salários de outros ou de pessoas que trabalham no sistema S, etc. Ou seja nós criamos uma infinidades de meias entradas. Minha discordância com André é que é a própria sociedade, e não um estamento apartado da sociedade, que se beneficia das meias entradas. Este erro penso eu é cometido também pelas ruas quando creem que combatendo a corrupção e as ineficiências do Estado sobrará dinheiro para que tenhamos serviços de saúde e educação muito melhores.

O problema é que muita meia entrada introduz ineficiência no sistema e o  crescimento  se reduz. É isto que Marcos, Zeina e eu chamamos de rent-seeking. Infelizmente não há um grupo pequeno de pessoas, um estamento, que é o beneficiário das transferências e se eu, de alguma forma, conseguir eliminar este grupo (ou os benefícios a este grupo) tudo estaria resolvido. Trata-se de um complexo problema de ação coletiva a lá Mancur Olson. Cada um enxerga o benefício advindo pela sua meia entrada como de primeira ordem. O custo sobre si mesmo e os demais de sua meia entrada é de segunda ordem. Todos querem manter a sua meia entrada e eliminar as dos demais. Um acordo possível, se nós conseguirmos ter instituições de negociação abrangentes, é eliminar as meias entradas de todos. No novo equilíbrio o crescimento se acelera e todos ganhamos. Trata-se de um complexo problema de ação coletiva que, de fato, nossa democracia está resolvendo muito lentamente. Meu otimismo, e neste ponto discordo de Marcos, é que eu avalio que está resolvendo. Acho a regulamentação do fundo de pensão de funcionário público um enorme passo nesta direção. O processo é muito lento e exasperante mas é muito melhor do que tudo que conheço nos quinhentos anos de história dos tristes trópicos.

Esta tendência a criar meia entrada para indivíduos, que desde Faoro sabemos que é constitutiva de nosso Estado, se potencializou com a democratização da sociedade. A democratização pressionou o legislativo a criar meia entrada para todos. De certa forma podemos dizer que a redemocratização tornou a atividade de rent-seeking competitiva e sabemos que rent-seeking competitivo é pior do que monopólio nesta atividade. Evidentemente a democracia também criou fóruns abrangentes de negociação. Se estes funcionarem bem podem contribuir para que a sociedade resolva (ou minore) o problema de ação coletiva associado à meia entrada e acabe reduzindo rent-seeking. Um resultado na direção positiva da redemocratização em reduzir rent-seeking é a intolerância com a inflação. Ou seja, o rent-seeking competitivo pode existir desde que encontre formas mais claras e transparentes (do que a inflação) de financiamento. E quando há formas claras e transparentes de financiamento fica mais fácil resolver o problema da ação coletiva. Este é o motivo que avalio que a agenda mais importante com relação à reforma tributária é elevar a transparência. É a forma de ajudar a sociedade a resolver o problema de ação coletiva.

Penso que na rua podemos localizar duas forças contrárias que provavelmente ocorrem simultaneamente. Por um lado as ruas podem estar dizendo ‘eu quero a minha meia entrada.’ Seria o caso extremo do processo de democratização da meia entrada. Por outro lado, se o sistema político entender bem as dificuldades do desenvolvimento econômico no Brasil hoje as ruas podem ser um embrião de um mecanismo abrangente olsoniano de negociação social de redução das meias entradas para todos com vistas a potencializar o bem estar de todos.

Minha terceira discordância com André está em associar os movimentos das ruas às necessidades de moderar a demanda por crescimento econômico em função das limitações de recursos naturais do planeta. Confesso que tenho muita dificuldade em entender em que ponto as duas agendas se encontram. Acho que o Brasil ainda é um país em que a renda não é muito elevada e as aspirações de todos são por ganhos de renda. O que ocorreu foi que o contrato social da redemocratização bateu em um de seus limites – a incapacidade dele gerar bens de consumo coletivo – e a população apontou o problema aos políticos. Era previsível que este ponto iria chegar em algum momento. Pensava que a agenda da incapacidade do contrato social gerar bens de consumo coletivo ficaria para 2018 mas parece que o tema terá que ser tratado no ano próximo.

Bem, estes eram meus comentários ao texto de André,

 

 

André Lara Resende: O Mal-Estar Contemporêano

De tudo que li nestas semanas sobre o sentido das manifestações de rua no Brasil, este texto de André Lara Resende, Publicado no Valor Econômico de 5 de julho, é provavelmente o que melhor interpreta o que vem ocorrendo, e por isto precisa ser lido com muita atenção e compartido. Estou fazendo minha parte.

O mal-estar contemporâneo

Por André Lara Resende 

Nenhuma liderança soube captar e expressar o mal-estar contemporâneo. Este é provavelmente o seu elemento novo: a internet viabiliza a mobilização antes que surjam as lideranças

Na tentativa de interpretar o protesto das ruas nas grandes cidades brasileiras, há uma natural tentação de fazer um paralelo com os movimentos similares nos países avançados, sobretudo da Europa, mas também nos EUA – Occupy Wall Street – assim como com os da chamada Primavera Árabe. As condições objetivas são, contudo, muito distintas. A Primavera Árabe é um fenômeno de países totalitários, onde não há representação democrática. Não é o caso do Brasil. Na Europa, sobretudo nos países mediterrâneos periféricos mais atingidos pelos efeitos da crise financeira de 2008, houve uma drástica piora das condições de vida. O desemprego, especialmente entre os jovens, subiu para níveis dramáticos. Mais uma vez, não é o caso do Brasil.

Nem os críticos mais radicais ousariam argumentar que o Brasil de hoje não se enquadra nos moldes das democracias representativas do século XX. Podem-se culpar os desacertos da política econômica nos últimos seis anos. Embora devam ficar mais evidentes daqui para a frente, os efeitos negativos da incompetência da política econômica só muito recentemente se fizeram sentir. Fato é que, desde a estabilização do processo inflacionário crônico, houve grandes avanços nas condições econômicas de vida dos brasileiros. Nos últimos 20 anos, houve ganho substancial de renda entre os mais pobres. Ao contrário do que ocorreu em outras partes do mundo, até mesmo nos países avançados, a distribuição de renda melhorou. O desemprego está em seu mínimo histórico.

É verdade que a inflação, especialmente a de alimentos, que se faz sentir mais intensamente pelos assalariados, está em alta. Por mais consciente que se seja em relação aos riscos, políticos e econômicos, da inflação, é difícil atribuir à inflação o papel de catalisadora do movimento das ruas nas últimas semanas. Só agora a taxa de inflação superou o teto da banda – excessivamente generosa, é verdade – da meta do Banco Central.

Os dois elementos tradicionais da insatisfação popular – dificuldades econômicas e falta de representação democrática – definitivamente não estão presentes no Brasil de hoje. Inflação, desemprego, autoritarismo e falta de liberdade de expressão não podem ser invocados para explicar a explosão popular. O fenômeno é, portanto, novo. Procurar interpretá-lo de acordo com os cânones do passado parece-me o caminho certo para não o compreender.

O movimento de maio de 1968 na França tem sido lembrado diante das manifestações das últimas semanas. O paralelo se justifica, pois maio de 68 é o paradigma do movimento sem causas claras nem objetivos bem definidos, uma combustão espontânea surpreendente, que ocorre em condições políticas e econômicas relativamente favoráveis. Movimento que, uma vez detonado, canaliza um sentimento de frustração difusa – um “malaise”- com o estado das coisas, com tudo e todos, com a vida em geral.

A novidade mais evidente em relação a maio de 68 na França é a internet e as redes sociais. Embora não tivesse expressão clara na vida pública francesa, a insatisfação difusa poderia ter sido diagnosticada, ao menos entre os universitários parisienses. No Brasil de hoje, a irritação difusa podia ser claramente percebida na internet e nas redes sociais. O movimento pelo passe livre fez com que este mal-estar transbordasse do virtual para a realidade das ruas. Tanto os universitários franceses de 68, quanto os internautas do Brasil de hoje, não representam exatamente o que se poderia chamar de as massas ou o povão, mas funcionam igualmente como sensores e catalisadores de frustrações comuns.

Quais as causas do mal-estar difuso no Brasil de hoje, que transbordou da internet para a realidade e levou a população às ruas?

Parecem ter dois eixos principais. O primeiro, e mais evidente, é uma crise de representação. A sociedade não se reconhece nos poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – em todas suas esferas. O segundo é que o projeto do Estado brasileiro não corresponde mais aos anseios da população. O projeto do Estado, e não do governo, é importante que se note, pois a questão transcende governos e oposições. Este hiato entre o projeto do Estado e a sociedade explica em grande parte a crise de representação.

O Estado brasileiro mantém-se preso a um projeto cuja formulação é do início da segunda metade do século passado. Um projeto que combina uma rede de proteção social com a industrialização forçada. A rede de proteção social inspirou-se nas reformas das economias capitalistas da Europa, entre as duas Grandes Guerras, reforçadas após a crise dos anos 1930. Foi introduzida no Brasil por Getúlio Vargas, para a organização do mercado de trabalho, baseado no modelo da Itália de Mussolini. A industrialização forçada através da substituição de importações, introduzida por Juscelino Kubitschek nos anos 1950, e reforçada pelo regime militar nos anos 1970, tem raízes mais autóctones. Suas origens intelectuais são o desenvolvimentismo latino-americano dos anos 1950, que defendia a ação direta do Estado, como empresário e planejador, para acelerar a industrialização.

Não nos interessa aqui fazer a análise crítica do projeto desenvolvimentista que, com altos e baixos, aos trancos e barrancos, cumpriu seu papel e levou o país às portas da modernidade neste início de século. Basta ressaltar que o desenvolvimentismo, em seus dois pilares – a industrialização forçada e a rede de proteção social – dependem da capacidade do Estado de extrair recursos da sociedade. Recursos que devem ser utilizados para financiar o investimento público e os benefícios da proteção social.

Diante da baixa taxa de poupança do setor privado e da precariedade da estrutura tributária do Estado, a inflação transferiu os recursos da sociedade para o Estado, até que nos anos 1980 viesse a se tornar completamente disfuncional. Com a inflação estabilizada, a partir do início dos anos 1990, o Estado se reorganizou para arrecadar por via fiscal também os recursos que extraía através do imposto inflacionário. A carga fiscal passou de menos de 15% da renda nacional, no início dos anos 1950, para em torno de 25%, nas décadas de 1970 a 90, até saltar para os atuais 36%, depois da estabilização da inflação. O Brasil tem hoje uma carga tributária comparável, ou mesmo superior, à das economias mais avançadas.

O projeto do PT no governo revelou-se flagrantemente retrógrado. É essencialmente a volta do nacional- desenvolvimentismo

Apesar de extrair da sociedade mais de um terço da renda nacional, o Estado perdeu a capacidade de realizar seu projeto. Não o consegue entregar porque, apesar de arrecadar 36% da renda nacional, investe menos de 7% do que arrecada, ou seja, menos de 3% da renda nacional. Para onde vão os outros 93% dos quase 40% da renda que extrai da sociedade? Parte, para a rede de proteção e assistência social, que se expandiu muito além do mercado de trabalho organizado, mas, sobretudo, para sua própria operação. O Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números. O Executivo, com 39 ministérios ausentes e inoperantes; o Legislativo, do qual só se tem más notícias e frustrações; o Judiciário pomposo e exasperadoramente lento.

O Estado foi também incapaz de perceber que seu projeto não corresponde mais ao que deseja a sociedade. O modelo desenvolvimentista do século passado tinha dois pilares. Primeiro, a convicção de que a industrialização era o único caminho para escapar do subdesenvolvimento. Países de economia primário-exportadora nunca poderiam almejar alcançar o estágio de desenvolvimento das economias industrializadas. Segundo, a convicção de que o capitalismo moderno exige a intervenção do Estado em três dimensões: para estabilizar as crises cíclicas das economias de mercado; para prover uma rede de proteção social; e, no caso dos países subdesenvolvidos, para liderar o processo de industrialização acelerada. As duas primeiras dimensões da ação do Estado são parte do consenso formado depois da crise dos anos 1930. A terceira decorre do sucesso do planejamento central soviético em transformar uma economia agrária, semifeudal, numa potência industrial em poucas décadas. A proteção tarifária do mercado interno, com o objetivo de proteger a indústria nascente e promover a substituição de importações, completava o cardápio com um toque de nacionalismo.

O nacional- desenvolvimentismo, fermentado nos anos 1950, teve sua primeira formulação como plano de ação do governo na proposta de Roberto Simonsen. Embora sempre combatido pelos defensores mais radicais do liberalismo econômico, como Eugênio Gudin, autor de famosa polêmica com Roberto Simonsen, e posteriormente por Roberto Campos, foi adotado tanto pela esquerda, como pela direita. Seu período de maior sucesso foi justamente o do “milagre econômico” do regime militar.

Na década de 1980, a inflação se acelera e se torna definitivamente disfuncional. As sucessivas e fracassadas tentativas de estabilização passam a dominar o cenário econômico. Com a estabilização do real, a partir da segunda metade da década de 1990, ainda com algum constrangimento em reconhecer que o nacional-desenvolvimentismo já não fazia sentido num mundo integrado pela globalização, o país parecia estar em busca de novos rumos. A vitória do PT foi, sem dúvida, parte da expressão desse anseio de mudança.

Nos dois primeiros anos do governo Lula, a política econômica foi essencialmente pautada pela necessidade de acalmar os mercados financeiros, sempre conservadores, assustados com a perspectiva de uma virada radical à esquerda. A partir daí, o PT passou a pôr em prática o seu projeto. Um projeto muito diferente do que defendia enquanto oposição. O projeto do PT no governo, frustrando as expectativas dos que esperavam mudanças, muito mais do que o aparente continuísmo dos primeiros anos do governo Lula, revelou-se flagrantemente retrógrado. É essencialmente a volta do nacional-desenvolvimentismo, inspirado no período em este que foi mais bem-sucedido: durante regime militar. A crise internacional de 2008 serviu para que o governo abandonasse o temor de desagradar aos mercados financeiros e, sob pretexto de fazer política macroeconômica anticíclica, promovesse definitivamente a volta do nacional-desenvolvimentismo estatal.

O PT acrescentou dois elementos novos em relação ao projeto nacional-desenvolvimentista do regime militar: a ampliação da rede de proteção social, com o Bolsa Família, e o loteamento do Estado. A ampliação da rede de proteção social se justifica, tanto como uma inciativa capaz de romper o impasse da pobreza absoluta, em que, apesar dos avanços da economia, grande parte da população brasileira se via aprisionada, quanto como forma de manter um mínimo de coerência com seu discurso histórico. Já a lógica por trás do loteamento do Estado é puramente pragmática. Ao contrário do regime militar, que não precisava de alianças difusas, o PT utilizou o loteamento do Estado, em todas suas instâncias, como moeda de troca para compor uma ampla base de sustentação. Sem nenhum pudor ideológico, juntou o sindicalismo de suas raízes com o fisiologismo do que já foi chamado de Centrão, atualmente representado principalmente pelo PMDB, no qual se encontra toda sorte de homens públicos, que, independentemente de suas origens, perderam suas convicções ao longo da estrada e hoje são essencialmente cínicos.

Há ainda um terceiro elemento do projeto de poder do PT. Trata-se da eleição de uma parte do empresariado como aliada estratégica. Tais aliados têm acesso privilegiado ao crédito favorecido dos bancos públicos e, sobretudo, à boa vontade do governo, para crescerem, absorverem empresas em dificuldades, consolidarem suas posições oligopolísticas no mercado interno e se aventurarem internacionalmente como “campeões nacionais”.

A combinação de um projeto anacrônico com o loteamento do Estado entre o sindicalismo e o fisiologismo político, ao contrário do pretendido, levou à sobrevalorização cambial e à desindustrialização. Só foi possível sustentar um crescimento econômico medíocre enquanto durou a alta dos preços dos produtos primários, puxados pela demanda da China. A ineficiência do Estado nas suas funções básicas – segurança, infraestrutura, saúde e educação – agravou-se significativamente. Ineficiência realçada pela redução da pobreza absoluta na população, que aumentou a demanda por serviços de qualidade.

A insatisfação difusa dos protestos pode vir a ser catalizadora de uma mudança profunda de rumo, que abra o caminho para um novo desenvolvimento (na foto, manifestantes sobem ao teto do Congresso)

Loteado e inadimplente em suas funções essenciais, enquanto absorvia parcela cada vez maior da renda nacional para sua própria operação, o Estado passou a ser visto como um ilegítimo expropriador de recursos. Não apenas incapaz de devolver à sociedade o mínimo que dele se espera, mas também um criador de dificuldades. A combinação de uma excessiva regulamentação de todas as esferas da vida, com a truculência e a arrogância de seus agentes, consolidou o estranhamento da sociedade. Em todas as suas esferas, o Estado deixou de ser percebido como um aliado, representativo e prestador de serviço. Passou a ser visto como um insaciável expropriador, cujo único objetivo é criar vantagens para os que dele fazem parte, enquanto impõe dificuldades e cria obrigações para o resto da população. O contraste da realidade com o ufanismo da propaganda oficial só agravou o estranhamento e consolidou o divórcio entre a população e os que deveriam ser seus representantes e servidores.

A insatisfação com a democracia representativa não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. As razões dessa insatisfação ainda não estão claras, mas é possível que o modelo de representação democrática, constituído há dois séculos para sociedades menores e mais homogêneas, tenha deixado de cumprir seu papel num mundo interligado de 7 bilhões de pessoas, e precise ser revisto. O debate público deslocou-se das esferas tradicionais da política para a internet e as redes sociais. Ameaçada pelo crescimento da internet e habituada ao seu papel de agente da política tradicional, a mídia não percebeu que o debate havia se deslocado.

No caso brasileiro, perplexa com sua aparente falta de repercussão e pressionada financeiramente pela competição da internet, uma parte da mídia desistiu do jornalismo de interesse público e passou a fazer um jornalismo de puro entretenimento. Mesmo os que resistiram, cederam, em maior ou menor escala, à lógica dos escândalos. Foram incapazes de compreender a razão da sua falta de repercussão, pois não se deram conta de que o público e o debate haviam se deslocado para a internet. Surpreendida pelo movimento de protestos, num primeiro momento, a mídia não foi capaz de avaliar a extensão da insatisfação. Transformou-se ela própria em alvo da irritação popular. Em seguida, aderiu sem convencer, sempre a reboque do debate e da mobilização através da internet. A favor da mídia, diga-se que ninguém foi capaz de captar a insatisfação latente antes da eclosão do movimento das ruas. As pesquisas apontavam, até muito recentemente, grande apoio à presidente da República, considerada praticamente imbatível, até mesmo por seus eventuais adversários nas próximas eleições. Nenhuma liderança soube captar e expressar o mal-estar contemporâneo. Este é provavelmente o seu elemento novo: a internet viabiliza a mobilização antes que surjam as lideranças. Tanto as possibilidades como os riscos são novos.

O projeto nacional-desenvolvimentista combina o consumismo das economias capitalistas avançadas com o produtivismo soviético. Ambos pressupõem que o crescimento material é o objetivo final da atividade humana. Aí está a essência de seu caráter anacrônico. Os avanços da informática permitiram a coleta de um volume extraordinário de evidências sobre a psicologia e os componentes do bem-estar. A relação entre renda e bem-estar só é claramente positiva até um nível relativamente baixo de renda, capaz de atender às necessidades básicas da vida. A partir daí, o aumento do bem-estar está associado ao que se pode chamar de qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e a ausência de estresse emocional.

Os estudos da moderna psicologia comprovam aquilo que de uma forma ou de outra, mais ou menos conscientemente, intuímos todos: nossa insaciabilidade de bens materiais advém do fato de que o bem-estar que nos trazem é efêmero. Para manter a sensação de bem-estar, precisamos de mais e novas aquisições. O consumismo material tem elementos parecidos com o do uso de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psicológica.

No mundo todo, a população parece já ter intuído a exaustão do modelo consumista do século XX, mas ainda não encontrou nas esferas da política tradicional a capacidade de participar da formulação das alternativas. Apegada a fórmulas feitas, a política continua pautada pelos temas e objetivos de um mundo que não corresponde mais à realidade de hoje. As grandes propostas totalizantes já não fazem sentido. O nacionalismo, a obsessão com o crescimento material, a ênfase no consumo supérfluo, os grandes embates ideológicos, temas que dominaram a política nos últimos dois séculos, perderam importância. Hoje, o que importa são questões concretas, relativas ao cotidiano, questões de eficiência administrativa para garantir a qualidade de vida.

É significativo que os protestos no Brasil tenham começado com a reivindicação do passe livre nos transportes públicos urbanos. A questão da mobilidade nas grandes metrópoles é paradigmática da exaustão do modelo produtivista-consumista. A indústria automobilística foi o pilar da industrialização desenvolvimentista e o automóvel o símbolo supremo da aspiração consumista. O inferno do trânsito nas grandes cidades, que se agrava quanto mais bem-sucedido é o projeto desenvolvimentista, é a expressão máxima da completa inviabilidade de prosseguir sem uma revisão profunda de objetivos. Ao que parece, a sociedade intuiu a falência do projeto do século passado antes que o Estado e aqueles que deveriam representá-la – governo e oposição, Executivo, Legislativo e imprensa – tenham se dado conta de que hoje trabalham com objetivos anacrônicos.

A insatisfação difusa dos protestos pode vir a ser catalizadora de uma mudança profunda de rumo, que abra o caminho para um novo desenvolvimento, não mais baseado exclusivamente no crescimento do consumo material, mas na qualidade de vida. Para isso, é preciso que surjam lideranças capazes de exprimir, formular e executar o novo desenvolvimento.

André Lara Resende é economista. Este texto será apresentado na Festa Literária de Paraty (Flip), em debate com o filósofo Marcos Nobre, que ocorre neste sábado.

A importação de médicos e o ato médico

nurse_pictureEnquanto o governo responde às demandas da população por melhores serviços de saúde propondo a importação de milhares de médicos, presumivelmente de Cuba, o Senado aprova a chamada “Lei do Ato Médico” que restringe a atividade profissional de enfermeiros, psicólogos e outros profissionais da saúde, que já era bastante restrita mesmo antes da lei (nos Estados Unidos e outros países, por exemplo, exames de vista podem ser feitos por optometristas, e enfermeiros certificados podem fazer consultas e receitar medicamentos, dentro de certos limites).  No mundo inteiro, a tendência é aumentar o número e as atribuições profissionais de enfermeiros e outros profissionais da saúde, ao invés de restringir suas atividades, como pretende fazer a lei do Ato Médico.

Assim, segundo a OECD, “Em 2009, a relação enfermeiro-médico variou de cinco enfermeiros por médico na Irlanda para menos de um enfermeiro por médico no Chile, Grécia e Turquia. O número de enfermeiros por médico também é relativamente baixo na Itália, México, Israel, Portugal e Espanha. A média dos países da OCDE é de pouco menos de três enfermeiros por médico [no Brasil é de menos de um] Na Grécia e na Itália, há indícios de um excesso de oferta de médicos e sub-fornecimento de enfermeiros, resultando em uma alocação ineficiente de recursos. Em resposta à escassez de médicos e para garantir o acesso adequado aos cuidados, alguns países têm nos últimos anos atribuído funções mais avançadas para os enfermeiros. As avaliações nos  Estados Unidos, Canadá e Reino Unido mostram que  enfermeiros qualificados podem melhorar o acesso aos serviços e reduzir os tempos de espera, além de oferecer a mesma qualidade de atendimento que os médicos para muitos pacientes, incluindo aqueles com doenças menores e  que necessitam de acompanhamento de rotina. A maioria das avaliações mostram um alto índice de satisfação dos pacientes, enquanto que os custos se reduzem ou não se alteram”.

Existe certamente carência de profissionais da saúde em muitas partes do país, sobretudo no interior, mas os protestos contra a má qualidade dos serviços de saúde se deram sobretudo nas grandes cidades, aonde não faltam médicos. Há muito a fazer para melhorar os serviços de saúde no país, começando por uma reforma administrativa inteligente do SUS (quem quiser se aprofundar pode ver as discussões no Monitor de Saúde aqui), mas fortalecer a reserva de mercado de trabalho dos médicos, à contramão do resto do mundo, não parece ser o melhor caminho.

Existe uma petição pública na Internet pedindo à Presidente Dilma Rousseff que vete a lei do Ato Médico. Para quem se interessar e quiser assinar, ela está disponível aqui.

 

Geraldo Martins: Duas Verdades e Oito Mentiras

Ponto de vista de Geraldo M. Martins ( educador, sociólogo e administrador. Atualmente, coordenador da Pastoral da Ecologia da Diocese da Campanha. gemartins@uol.com.br)

DUAS VERDADES E OITO MENTIRAS

Penso que a maioria dos brasileiros deve ter ficado decepcionada com pronunciamento da Presidente Dilma na noite dessa sexta feira, 21 de junho. Minha expectativa era de que nossa Chefa de Estado anunciaria algo mais contundente para responder aos anseios que o povo vem progressivamente manifestando nas ruas. Esperava por exemplo o anúncio de sua convincente decisão de que estaria enviando ao Congresso, com urgência urgentíssima, um projeto de emenda constitucional para convocação imediata de uma Assembleia Constituinte exclusiva para que possamos ter a esperada reforma política. Podia até ser uma medida heroica, pois todo mundo sabe da falência moral e representativa da maioria dos parlamentares. Mas, pelo menos estaria ficando ao lado do clamor popular. Por isso, foi um discurso longo e decepcionante que pode ser resumido em duas verdades e oito mentiras.

VERDADE 1 – VIOLÊNCIA – Ninguém discordará da convocação da Presidente: “Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil”. Foi também o apelo da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros – CNBB. Apenas teria que ser complementada que essa vergonha não esta só nas depredações ocorridas nas manifestações. Haveria de ser incluída a violência gigantesca contra as populações indígenas, contra o meio ambiente, contra os direitos humanos e uma lista enorme de outras como a violência do trânsito, do tráfico, da carga tributária, da falta de atendimento médico que matam diariamente mais de mil pessoas.

VERDADE 2 – DEMOCRACIA – Ninguém poderá discordar também que a democracia precisa ser fortalecida, defendida e aprimorada. Dilma se lembrou da sua geração afirmando que “O Brasil lutou muito para se tornar um país democrático”, mesmo tendo que pegar em armas, assaltar bancos e partir para a guerrilha. Sem dúvida, a democracia e seu corolário, a liberdade é o maior valor e a maior conquista da sociedade para a convivência cívica. Ruy Barbosa já sentenciava: A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras. Mas também não podemos nos iludir com uma falsa democracia sequestrada e vilipendiada pelos donos do poder, pelos políticos e por todas as formas de corrupção. Indiscutivelmente, não temos uma democracia participativa.

ENGANAÇÃO 1 – REFORMA POLÍTICA – Reconhecendo que um dos principais focos dos protestos é a rejeição do sistema político vigente que está falido e extremamente corrompido, a Presidente prometeu que agora vai se esforçar para promover uma ampla reforma política. Mas o que fez o governo até agora? Esse é o mote de todas aas campanhas eleitorais e nessa última foi veementemente defendida pela candidata. Bom, agora até faz sentido, pois a campanha para 2014 já está nas ruas. Mas não deixa de ser uma tremenda enganação. Se a promessa fosse uma prioridade para valer, teria defendido e anunciado uma imediata convocação de uma ASSEMBLEIA CONSTITUINTE ESPECÍFICA para tratar dessa reforma. Uma representação política autêntica precisa ter legitimidade e não apenas o cumprimento das formalidades eleitorais.

ENGANAÇÃO 2 – GASTOS COM A COPA DO MUNDO – A Presidente minimizou os gastos afirmando que o dinheiro não saiu dos cofres públicos, mas das empresas e dos Estados. Ora o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e a imprensa já se fartaram de denunciar o superfaturamento, os custos elevados e os desvios de recursos públicos para obras dos estádios, aeroportos, etc. O pior é que a maioria delas foram obras faraônicas e afrontosas diante de muitas carências da população principalmente nas áreas de saúde de saneamento.

ENGANAÇÃO 3 – MOBILIDADE URBANA – Dilma anunciou que convidará governadores e prefeitos para aperfeiçoar as instituições e anunciar novos planos de ação, como o Plano Nacional de Mobilidade Urbana. Ora, para a realização da Copa estão sendo gastos 12 bilhões de reais contemplando apenas os acessos viários de carros para estádios, hotéis e aeroportos. Nenhuma prioridade foi dada ao transporte coletivo para as massas de trabalhadores urbanos. As ruas estão congestionadas. Além do preço das passagens, há que se pagar um enorme desperdício de tempo. Quem estimulou o transporte individual isentando os carros do IPI?

ENGANAÇÃO 4 – AS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS – O discurso defendeu os partidos e o sistema eleitoral sem os quais não poderia haver uma verdadeira democracia. Mas será que o voto é realmente livre? Não vivemos sob uma ditadura dos partidos que impigem aos eleitores seus candidatos? Por outro lado, é impossível ignorar o anacronismo e o abastardamento do regime presidencialista que depende de coalizões espúrias e barganhas interesseiras e nefastas, como é hoje chamado o peemedemismo e os partidos de mentirinha, segundo o Ministro Barbosa.

ENGANAÇÃO 5 – LIVRE ACESSO Á INFORMAÇÃO – Mais uma conversa para engamelar, pois a Lei de Acesso à Informação já existe há tempo para todos os poderes da República e governos estaduais e municipais. Porque estão o Planalto decreta sigilo sobre todas as informações de gastos das viagens presidenciais ao exterior? Porque o governo apoia a PEC 37,  já conhecida como PEC da impunidade, pois pretende tirar o poder de investigação do Ministério Público?. Caso seja aprovada, ela inviabilizará algumas investigações como: desvio de verbas, crime organizado, abusos cometidos por agentes dos Estados e violações de direitos humanos. E depois, a presidente fala em tom solene que “a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor”.

ENGANAÇÃO 6 – ROYALTIES PARA A EDUCAÇÃO – Essa ladainha já rola desde o primeiro mandato de Lula. Quem vai acreditar que o Congresso Nacional irá destinar 100% dos royalties para a educação? Seria essa a fórmula salomônica de resolver a disputa entre os estados produtores e não produtores? Como explicar essa prioridade se o governo está financiando universidades na África?

ENGANAÇÃO 7 – MELHORIA DO SUS – A presidente prometeu “trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde”. Só se forem médicos desempregados na Europa ou de países em crise econômica que estejam dispostos a aceitar a remuneração miserável que os médicos brasileiros recebem e por isso se veem forçados a abandonar o SUS para sobrevirem. E o que dizer do estado caótico dos hospitais com suas filas enormes de pacientes sem atendimento? Imaginem quantos hospitais não poderiam ter sido construídos e equipados com os gastos de apenas um dos estádios megalomaníacos?

ENGANAÇÃO 8 – COMBATE À CORRUPÇÃO – Bom, essa mentira não precisa de comentários. Basta ver as negociatas com congressistas e a leniência com as obras superfaturadas. Não seria enganação se a presidente anunciasse que iria reduzir pela metade os quarenta ministérios que expressam uma autêntica corrupção institucional.

 

Bernardo Sorj: A política além da Internet

philippoteaux_LamartinePareceria que Maio de 68 nunca aconteceu. Menos ainda a Revolução Francesa. A razão é simples, na época ainda não existiam nem o telefone celular nem Internet. Esta parece ser a conclusão lógica de certas analises que explicam as mobilizações que o Brasil está vivendo pelo papel das redes virtuais. Certamente os novos sistemas de comunicação são mais rápidos e eficientes que o texto mimeografado utilizado pelos estudantes nos anos sessenta, o folheto tipografado pelos revolucionários dos séculos passados, ou a pichação de paredes ou textos manuscritos pregados em praças públicas antes da invenção da imprensa. Mas as razões pelas quais as pessoas decidem exprimir insatisfação e anseios de mudança devem ser procuradas em mentes e corações e não nas maquinas.

As tecnologias de comunicação influenciam os processos sociais, pois elas são uma expressão e extensão de nossos sentidos e habilidades, como lembra McLuhan. Os novos meios de comunicação disseminam a informação em tempo real e em forma viral, facilitando chamados de protesto e concentração de pessoas. Num contexto como o brasileiro, onde a apatia política tinha tomado conta da sociedade, as novas tecnologias passaram a ser particularmente relevantes por causa da incapacidade ou falta de vontade dos partidos políticos, sindicatos e grêmios estudantis de mobilizar a população no espaço publico. O que antes era possível e normal sem as redes virtuais hoje só parece viável graças às novas tecnologias. Mas o novo hoje no Brasil é o povo na rua e não o uso da Internet. Lembremos que ela foi utilizada recentemente no abaixo-assinado pedindo que Renan Calheiros não assuma a presidência do Senado, e mais de 1,5 milhões de assinaturas foram inoperantes.

O característico das manifestações que o Brasil está vivendo, assim como em outros lugares do planeta, é a confluência de novos meios de comunicação extremamente eficazes com instituições políticas incapazes de dar voz a diversos segmentos da população. Esta confluência possui uma afinidade eletiva: as mensagens curtas dos MSN e das redes sociais são as mais adequadas para criar sinergias entre indivíduos que não possuem nem estão à procura de discursos ideológicos, algo que os marqueteiros políticos já tinham entendido.

Aterrissando no que está acontecendo no Brasil, não se trata de argumentar que a explosão social era previsível. Explosões sociais não são previsíveis. Menos ainda no caso brasileiro, onde dez anos de governo do PT, que antes da chegada ao poder era o principal canal de mobilização de massas, neutralizou a disposição ao protesto de rua das organizações sindicais – em particular de funcionários públicos, historicamente os mais militantes-, da sociedade civil, dos movimentos sociais e grêmios estudantis. A capacidade de cooptação politica do PT foi extremamente eficiente, e os grupos que ela não atingia pareciam ter caído na apatia politica, em parte pela incapacidade das oposições de mobilizá-las.

No novo cenário social brasileiro surgiram camadas que não estão ligadas à malha institucional controlada pelo PT, as chamadas novas classes médias. Se trata de setores que passaram a integrar as expectativas da sociedade de consumo e de que seus filhos acedam à educação universitária, o que se traduziu num endividamento crescente facilitado pelos mais variados sistemas de crédito. Quando possível ela tenta fugir do sistema público de saúde e educação, considerados de baixa qualidade.

A nova classe media foi amplamente festejada por economistas oficiais que enfatizaram o incremento do ingresso monetário, esquecendo que uma parte da mesma mora em residências que não têm serviços de esgoto ou de recolhimento de lixo, que os custos mensais de manutenção de telefone celular, Internet, carro, e juros esvaziam o ingresso familiar no inicio de mês, mais ainda quando possuem filhos estudando no ensino privado ou pagam seguro saúde.

Ainda assim não era claro como este novo setor se expressaria politicamente, porque aparentemente se tratava de um grupo apático e descrente da política. O porquê desta atitude era explicado pelos analistas por uma variedade de razões. Para alguns se tratava de um grupo que ascendeu recentemente e portanto estava satisfeito com sua situação. Para outros, entre os quais me incluía, se tratava de um setor socialmente fragmentado e preocupado com estratégias individuais de sobrevivência.

O diagnostico possivelmente estava certo em relação aos pais, mas se mostrou errado em relação aos filhos. Tudo indica que o grosso dos manifestantes são estudantes universitários –mas não organizados pelo movimento estudantil – , sendo que, dado o crescimento da população estudantil nas ultimas décadas, boa parte certamente pertence a famílias de classe média que ascenderam recentemente. Com a disponibilidade e a força de corações e mentes, certamente ingênuas e ainda não domesticados por responsabilidades familiares e/ou laborais, os jovens saíram às ruas para expressar o sufoco em que vivem com suas famílias, aglutinados pelo problema que é comum a todos eles: a baixa qualidade dos serviços públicos. Baixa qualidade que eles, assim como grande parte e da cidadania, credita à corrupção e falcatruas dos políticos. O extraordinário do acontecido é que, apesar de atos de vandalismo, as manifestações não expressam uma minoria de ativistas radicais frente a uma maioria silenciosa conservadora e contrária a eles; pelo contrario, a maioria silenciosa se identificou com os manifestantes.

Assim, o que deveria ter sido um momento de ufanismo nacional, a Copa das Confederações, se transformou no seu reverso, num sinal para demostrar insatisfação com a realidade do país. Por quê? Porque a Copa aparece para os cidadãos não como sendo o rosto de um país que afirma uma imagem de sucesso nacional, mas como a face de obras públicas caras e superfaturadas. Como me disse um manifestante na minha precária pesquisa de campo, “se for para roubar, pelo menos que construam hospitais.”

As manifestações representam um momento de inflexão na história do Brasil contemporâneo. Depois de vinte anos de silêncio a juventude redescobre o happening político, o sentimento prazeroso, e no momento atual, sem deslizar em ideologias omnipotentes e totalitárias, de ser parte de uma ação coletiva na qual a participação gera o sentimento de empoderamento, que suspende por um momento as preocupações individuais. Certamente é diferente das de outros tempos onde as ideologias ocupavam um papel importante e os objetivos eram, ou nos pareciam, claros. Grande parte dos manifestantes não são nem pró-governo nem pró-oposição, ou melhor, são contra ambos. O que eles querem é um pais melhor e desconfiam do sistema politico e dos políticos que eles as associam à corrupção e à impunidade.

Para ganhar eleições será preciso que os partidos políticos decifrem e traduzam em propostas, ou pelo menos promessas, as demandas que apareceram nas ruas. Tanto o governo quanto a oposição foram tomados por surpresa. O primeiro procurará limitar os danos, mantendo sua base já consolidada de apoio eleitoral mas elaborando um discurso de “ouvimos o clamor das ruas” que incluirá na sua retórica a necessidade de mudanças no sistema político. Para a oposição o desafio é maior, o de traduzir o mal-estar social numa proposta política suficientemente convincente que, se certamente não eliminará a desconfiança da população, pelo menos gere a esperança de que políticos são capazes de traçar o caminho para um Brasil melhor.

Três comentários sobre o povo nas ruas

No meio de tanto que tem sido dito sobre as manifestações populares dos últimos dias, três comentários me chamaram atenção, e expressam  meu entendimento do que está ocorrendo.

O primeiro foi da economista Eliana Cardoso, ao dizer  que, se Brasília quiser mesmo responder às demandas populares, poderia começar cortando imediatamente para vinte os quarenta ministérios de hoje existem, e reduzir em 10% os salários e benefícios dos nossos “representantes” . O segundo foi do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, afirmando que o voto das ruas não pode prevalecer sobre o voto das urnas. E o terceiro foi de Bolívar Lamounier, ao descrever o romantismo que parece prevalecer no que tem sido dito por muitos que se apresentam para falar em nomes dos manifestantes.

O comentário de Eliana me parece resumir o grande fosso que hoje separa grande parte da população, sobretudo nos grandes centros urbanos, que sofre com a inflação crescente e a má qualidade dos serviços públicos, não se beneficia diretamente dos programas sociais do governo e vê com desgosto o mercado persa em que transformou grande parte da política brasileira, em que os políticos negociam abertamente votos e apoios por cargos e os corruptos mais óbvios continuam impunes e poderosos como sempre. Se o espetáculo de Brasília é lamentável, o da maioria das capitais estaduais não é melhor. Enquanto via horrorizado, pela TV, como tentavam incendiar a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, me perguntava ao mesmo tempo quanta gente, no Estado, sabe mesmo para que ela serve.

Fernando Haddad tem toda razão ao dizer a vontade de milhões, expressa nas urnas, e que dá aos governantes um mandato para tomar decisões e implementar políticas, não pode ser atropelada pelo voto das ruas, expresso por porta-vozes cuja representatividade ninguém sabe exatamente qual é. Suas propostas sobre como lidar com os transportes públicos em São Paulo contribuíram para sua eleição, e seu papel é levar estas propostas à frente, e não mudar de rumo de repente. Mas o mandato político não pode ser somente uma formalidade legal, precisa ter legitimidade, as pessoas precisam acreditar que realmente os eleitos as representam, e os protestos de centenas de milhares de pessoas nas ruas nos últimos dias mostram a grande fragilidade desta representação.

É esta falta de legitimidade que cria o caldo de cultura para o florescimento das ideologias “românticas” que parecem dar o tom de grande parte das manifestações que se ouvem de muitos de seus supostos porta-vozes, e de que nos fala Bolivar Lamounier. “Romântico”, aqui, não tem ver com amores, paixões e ódios, mas com um tipo específico de ideologia política que sonha com um passado ou um futuro, ambos utópicos, em que as pessoas vivem em comunidade, tudo é decidido e feito em comum, em harmonia entre homens e mulheres e destes com a natureza. Comparado com o mundo perfeito dos românticos, o mundo real, de instituições, leis, recursos escassos, interesses contraditórios, tudo isto é inaceitável. Eleições, parlamentos, juízes, instituições, bancos centrais, nada disto serve para nada. “Que se vayan todos!” como se dizia na Argentina em um de seus momentos mais tristes. No mundo utópico não existem limitações de recursos, os serviços públicos são perfeitos e gratuitos, não se pagam impostos, e só precisamos trabalhar naquilo que gostamos. Alguns românticos, como os velhos hippies, decidem se recolher em comunidades isoladas de paz e amor, aonde os malefícios do mundo real não entram; outros, como os antigos anarquistas, partem para a destruição deste mundo imperfeito, contra o qual tudo vale, inclusive o terrorismo.

A grande vantagem das ideologias românticas é que elas são simples e fáceis de entender; a grande desvantagem é que elas são impossíveis. Não há exemplos de sociedades organizadas conforme as ideologias românticas (as utopias, por definição, não existem), mas não faltam exemplos de sociedades em que as instituições públicas acabaram sendo destruídas e substituídas por regimes populistas, autoritários, corruptos e ineficientes, que conseguem apoio de muitos e se apresentam como representantes dos romantismos mais puros. Mas existem também exemplos de sociedades que foram capazes de reformar suas instituições públicas, fazendo com que as pessoas se sintam representadas, tenham canais adequados de expressão,  e onde a apropriação deslavada dos recursos públicos pelos políticos não seja permitida nem tolerada.

Precisamos urgentemente de governabilidade e legitimidade, e, para mim, pelo menos, a principal lição do voto das ruas é a necessidade urgente de uma reforma política que consiga produzir isto, com as inevitáveis imperfeições do mundo real.

Internacionalização dos doutorados brasileiros

University World News, uma publicação internacional sobre o ensino superior, publicou uma série três matérias de  sobre a mobilidade internacional dos estudantes de doutorado, cujo número  mais recente pode ser visto aqui.  Esta é a nota que preparei sobre a situação brasileira:

Os doutorados no exterior aumentam e diminuem, mas a maioria retorna

Com 190 milhões de habitantes e cerca de 592 mil residentes estrangeiros, o Brasil é uma sociedade relativamente fechada, apesar de uma longa história de comércio de escravos africanos até meados do século 19 e grandes fluxos de imigrantes portugueses, italianos e japoneses, alemães até a Primeira Guerra Mundial. Hoje, a maioria dos imigrantes vêm de Portugal, Japão, Itália, Espanha e países fronteiriços como Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai. Cerca de um quinto – 140 mil – têm diplomas de ensino superior,e são principalmente de Portugal, Itália, Argentina e Espanha, de acordo com dados do Censo Demográfico de 2010.

Brasil tem formado cerca de 12.000 doutores por ano em suas universidades, ccomparado com 4.000 em 1998, que principalmente no sector do ensino superior e da pesquisa (77%). A maioria dos títulos são obtidos nas principais universidades do Brasil, incluindo as universidades estaduais de São Paulo e Campinas e as universidades federais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, de acordo com dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. Entre 1996 e 2006, de acordo com estudo publicado pela CGEE (CGEE 2010), as instituições brasileiras formaram cerca de  50.000 doutores. Destes, apenas 680 foram de pessoas nascidas fora do país, sendo o maior número da Argentina (126), Portugal (80) e Chile (59).

Estudantes brasileiros no exterior

Há também um constante fluxo de brasileiros indo obter seus diplomas no exterior, principalmente com bolsas de agências nacionais. No início de 1990, as agências brasileiras apoiavam cerca de 2.000 estudantes de doutorado por ano no exterior. Na medida em que o número de programas de doutorado no país aumentou, o número de bolsas de doutorado para estudos no exterior caiu, mas outros tipos de bolsas de estudo foram introduzidas. Em 2009, havia 3.760 brasileiros com bolsas de estudo no exterior, 783 deles em programas de doutoramento, 1910 em programas “sanduíche” – estudantes matriculados em cursos de doutorado no Brasil vão para o exterior por um ano ou mais – e 1067 em atividades de pós-doutorado.

Em 2011, o governo brasileiro anunciou o programa “Ciência Sem Fronteiras”, que pretendia enviar 100 mil estudantes ao exterior em quatro anos. A maioria dessas bolsas é para períodos de curta duração para estudantes de graduação, mas cerca de 10 mil era para programas de doutoramento – 2500 por ano – o que significa um retorno aos níveis do início da década de 1990 (Castro, Barros, Ito-Adler, e Schwartzman 2012). O programa é limitado às ciências naturais e tecnologia, partindo do princípio de que as ciências sociais e humanas continuariam a receber apoio de fora do programa.

Dados recentes mostraram que o ‘Ciência sem Fronteiras’ já tinha fornecido 22.000 bolsas, das quais 5.000 para o estudo nos EUA, 3.000 em Portugal e 2.500 em Espanha. Do total, apenas 825 eram para programas de doutorado completo, e 2.300 para pós-doutorados.

Dados do Instituto de Educação Internacional nos Estados Unidos mostram que, em 2011-12, havia cerca de 9.000 estudantes brasileiros nos EUA, marcando um aumento pequeno, mas constante, mas ainda muito aquém do número de estudantes da China, Índia, Coréia e até mesmo do México.

A fuga de cérebros não tem sido um problema

Em contraste com a Índia, China e, na América Latina, México e Argentina, o Brasil não sofre de um fluxo regular de cidadãos educados para o exterior. No passado, a maioria dos brasileiros que iam ao exterior para estudos de doutoramento com bolsas mantinham seus empregos e voltavam para melhores posições em suas instituições de origem (Glaser e Habers 1978). Na década de 1980, quando a economia estagnou, milhares de brasileiros se mudaram para os Estados Unidos, Portugal e Japão – os dekaseguis – para trabalho temporário em atividades não-qualificadas, e muitos voltaram como a economia melhorou a partir de década de 1990 (Carvalho, 2004).

A estimativa é que agora existem cerca de 1,5 milhões de brasileiros no exterior. Hoje, quem vai para o exterior com bolsas do governo têm que concordar em voltar ou pagar suas bolsas, e acordos internacionais impedem que eles obtenham status de residente nos países do estudo. No entanto, não há nenhuma garantia de que eles vão encontrar trabalho adequado ao voltar, embora haja bolsas de estudo que podem ser concedidas para recém doutores dispostos a trabalhar em universidades públicas.

Survey of Earned DoctoratesOs dados mais recentes do da Academia Nacional de Ciências dos EUA mostra que, dos 149 novos doutores brasileiros com vistos temporários em os EUA, 42% pretendiam ficar nos – uma proporção menor do que a de outros países latino-americanos (Argentina, México, Venezuela e Colômbia), todos com cerca de 60%, ou para a Índia ou a China, com cerca de 80% com a intenção de ficar. Não é certo que aqueles que estão pretendem ficar exterior vão realmente fazê-lo, mas, em újltima análise, não são sanções ou multas, mas a criação de oportunidades adequadas de trabalho, que vão trazer os que estudam no exterior de volta para casa.

Referências

Carvalho, José Alberto Magno (2004) “Migrações Internacionais do Brasil da nas Ultimas Duas Décadas do Século XX:. Algumas facetas de um Processo Complexo amplamente Desconhecido” Migrações Internacionais ea Previdência social: 11.

Castro, Claudio De Moura, Hélio Barros, James Ito-Adler e Simon Schwartzman (2012), “Cem Mil Bolsistas no exterior.” Interesse Nacional: 25-36.

CGEE (2010) “Doutores 2010: Estudos da Demografia da base de tecnico-scientifica brasileira”. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, em Brasília.

Glaser, William A e G Habers Christopher (1978), a fuga de cérebros: Emigração e Retorno; resultados de uma pesquisa comparativa multinacional UNITAR de profissionais de países em desenvolvimento que estudam no exterior. Oxford, New York: Pergamon Press

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