Ensino, Formação Profissional e a Questão da Mão de Obra


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Por solicitação do Instituto Teotônio Vilela, o IETS realizou um estudo, coordenado por mim e Cláudio de Moura Castro, sobre o tema do ensino médio e da formação profissional, visto tanto do ponto de vista do sistema educativo quanto do mercado de trabalho, cujo sumário pode ser lido abaixo. O texto completo está disponível aqui.

Sumário

O Brasil entra em 2013 com desemprego extremamente baixo, mas com uma economia que parece ter exaurido o dinamismo da década anterior. A explicação para este aparente paradoxo é que a maioria dos empregos que existem são no setor de serviços e de baixa qualificação, e os estudiosos que têm analisado a evolução da economia brasileira nos últimos coincidem em que a produtividade do trabalhador brasileiro é muito baixa, e praticamente não tem aumentado nos últimos anos.

Existem evidências de que falta mão de obra qualificada em vários setores da economia, sobretudo em atividades de qualificação técnica intermediária, gerando uma demanda que está sendo atendida, em parte, pelo setor privado. No entanto, o maior problema é a possibilidade de que a economia brasileira esteja se acomodando, de maneira geral, a um padrão de baixa qualificação de mão de obra e baixa produtividade que não tem como se resolver pela simples pressão das demandas do mercado de trabalho sobre o sistema educativo.

A experiência de países que conseguiram sair do círculo vicioso de baixa produtividade e baixa qualificação é que isto só pode ser atingido por políticas educacionais que lidem de forma decisiva com os problemas da qualidade da educação, que começam no nível pré-escolar e vão até o nível do ensino superior e da pós-graduação. Existe hoje, no Brasil, consciência crescente desta necessidade, e progressos importantes podem ser observados em vários setores. No entanto, existe um gargalo especialmente severo no ensino médio, que afeta tanto a qualidade da educação brasileira de uma maneira geral quanto, especificamente, o desenvolvimento de um sistema moderno e eficiente de formação profissional. Este gargalo pode ser observado por diferentes indicadores, como as taxas de abandono no ensino médio e os níveis extremamente baixos de desempenho dos estudantes que se formam. O outro indicador preocupante é o número extremamente baixo de estudantes que optam por obter uma qualificação profissional de nível médio.

Além dos problemas gerais da educação brasileira, como a má qualificação de professores, as limitações de recursos e a desorganização e burocratização da maioria as redes de ensino estaduais e municipais, o ensino médio padece de um problema específico, que é o formato curricular que exige que todos os alunos estudem um número excessivo de matérias sem possibilidades de escolha, e que não contempla a possibilidade de que os estudantes possam optar por uma formação de tipo mais profissional, a não ser cumprindo também todo o currículo médio tradicional. O Brasil é possivelmente o único país no mundo que que não permite escolhas na formação de nível médio, e que requer dos que buscam uma formação profissional um currículo escolar mais extenso do que o dos que seguem o curso tradicional. O Exame Nacional de Ensino Médio, ENEM, como exame único, reforça esta rigidez do ensino médio brasileiro.

O Brasil tem uma longa tradição de ensino profissional, sobretudo através do SENAI, e também nas escolas técnicas e profissionais privadas e públicas, entre estas, sobretudo, os antigos Centros Federais de Educação Tecnológica e o sistema Paula Souza do Estado de São Paulo. O Brasil também tem tido também muitas experiências fracassadas de formação profissional, tentados seja por iniciativa do Ministério da Educação ou por iniciativa do Ministério do Trabalho. A experiência brasileira, corroborada pela experiência internacional, é que a formação profissional de qualidade ocorre quando é feita em parceria com o setor produtivo, e corre o risco de se perder quando feita de forma isolada.

Nos últimos anos o Governo Federal tem desenvolvido um ambicioso programa de formação profissional, o PRONATEC, que tem como principal base de apoio os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia que resultaram da elevação dos antigos CEFETs ao nível universitário. O curto tempo de existência deste programa não permite que ele seja avaliado, mas os dados financeiros e as linhas de atuação anunciadas mostram que se trata, ao mesmo tempo, de um programa extremamente ambicioso e sujeito a dificuldades futuras. Estas dificuldades podem decorrer de diversos fatores, incluindo a barreira que o atual formato do ensino médio impõe à formação profissional neste nível: o crescimento precipitado da oferta de cursos sem um diagnóstico adequado das experiências passadas; a falta de uma avaliação empírica das necessidades do mercado de trabalho; a falta de uma articulação mais sistemática do ensino profissional com o setor produtivo, com exceção do SENAI; e sua dependência em relação à rede dos novos Institutos Federais cuja qualidade e aptidão para as novas tarefas que lhes estão sendo atribuídas podem não ser adequados.

A principal recomendação que decorre desta análise é que o ensino médio brasileiro precisa ser reformulado urgentemente, abrindo espaço para que os alunos possam fazer escolhas e optar pela formação profissional, sem a obrigação de cumprir com todos os requisitos curriculares atualmente em vigor. Isto vai requerer, também, que o ENEM atual seja revisto, abrindo espaço para um leque amplo de certificações de conclusão da educação média, incluindo as de tipo profissional. Isto é necessário não somente para atender às demandas do mercado de trabalho, como também para proporcionar possibilidades reais e valiosas de estudo para muitos jovens que hoje se vêm alijados do sistema educativo.

A segunda recomendação é que a necessária expansão do ensino técnico e profissional seja feita tomando em conta e apoiando as experiências já existentes no país, incluindo a do Centro Paula Souza e de outros estados, assim como a do setor privado. A terceira é que o setor produtivo seja estimulado a participar mais diretamente do ensino técnico e profissional em todos os níveis, proporcionando treinamentos e estágios, ajudando a desenhar programas de estudo, proporcionando equipamentos e disponibilizando seus técnicos para que atuem como professores, orientadores e monitores em suas áreas de experiência profissional.

Como garantir que todos os alunos brasileiros tenham um bom professor todos os dias na sala de aula?

Transcrevo o anúncio de um edital de apoio à pesquisas em educação  da Fundação Lemman e Itaú BBA:

A Fundação Lemann e o Itaú BBA estão lançando novo edital de pesquisas para fomentar estudos de qualidade, que possam embasar políticas e projetos em educação. Os projetos submetidos devem responder ou trazer elementos que ajudem a responder a pergunta: “Como garantir que todos os alunos brasileiros tenham um bom professor todos os dias na sala de aula?“.

A iniciativa do edital nasce da constatação de que embora sejam feitos cada vez mais estudos sobre políticas educacionais, são raras as pesquisas que se destacam tanto pelo uso de metodologias rigorosas como pela compreensão aprofundada da realidade educacional. Também é possível identificar espaço para pesquisas mais inovadoras, que discutam desafios já conhecidos da educação sob novas perspectivas.

Nesse contexto, os projetos financiados pelo Edital deverão combinar alto rigor metodológico e aplicabilidade prática, resultando em pesquisas com conclusões e orientações de política que se atentem à realidade institucional, aos desafios, riscos e oportunidades de implementação.

Para selecionar as pesquisas e definir as diretrizes do edital, a Fundação Lemann e o Itaú BBA montaram uma Comissão Julgadora de altíssimo nível, composto por profissionais de perfis diversos: David Plank, Joane Vilela, Marcos Rangel, Paula Louzano, Priscila Cruz, Regina Scarpa, Reynaldo Fernandes e Ruben Klein.

A Fundação Lemann e o Itaú BBA disponibilizarão o valor total de R$1 milhão para financiar de dois a cinco projetos, a depender das propostas recebidas, de acordo com os requisitos e critérios previstos do edital. Leia o regulamento completo do edital aqui .

Para orientar os projetos, são sugeridas as seguintes linhas de pesquisa:

•             Carreira Docente: legislação, formação inicial, formação em serviço, formação continuada, estágio probatório, certificação, remuneração, absenteísmo docente e rotatividade;

•             Condições de trabalho e clima escolar: carga horária docente, absenteísmo discente, violência nas escolas, funções do professor substituto, gestão escolar, inter-relações entre a equipe escolar, currículo, soluções inovadoras que auxiliam o professor em sala de aula;

•             Seleção e alocação de professores: cursos de formação, requisitos para a docência, concursos e seleção de docentes, alocação de professores e atratividade da carreira;

•             Qualidade do professor: prática docente, didáticas específicas, avaliação docente, acompanhamento externo, acompanhamento da aprendizagem do aluno.

Usos e abusos da avaliação educacional no Brasil

balancaProfessores sempre avaliaram seus alunos, mas a avaliação sistemática e externa da educação começou no Brasil nos anos 70, com a pós-graduação, se expandiu para o ensino superior e a educação básica nos anos 90 com o SAEB, o “Provão”, e hoje está generalizada, com a Prova Brasil, o IDEB, o novo ENEM, o ENADE e os rankings dos cursos superiores e universidades feitos pelo Ministério da Educação. Além disto, o Brasil participa de avaliações internacionais, como o PISA, e muitos estados desenvolveram seus sistemas próprios de avaliação, como o SAERJ, SARESP e SIMAVE, no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Finalmente, existe a Provinha Brasil, de alfabetização, e para 2013 está anunciada a primeira avaliação nacional de ciências, para o ensino médio.

Será que estamos fazendo as coisas direito, e não estamos indo além do razoável com tudo isto? O tema das avaliações externas sempre foi controverso. Para mim, não se trata de ser contra ou a favor das avaliações, mas saber em que mundo preferimos viver – no mundo sem avaliações, em que não existem padrões e não sabemos o que está acontecendo nem para aonde estamos indo, ou no mundo das avaliações, indicadores e estatísticas, sujeitas a erros de medida, incentivos equivocados e provas mal feitas. Dada a má qualidade da educação brasileira, eu sempre preferi e ainda prefiro o mundo das avaliações, sem com isto ignorar que elas trazem problemas.

A convite da Sociedade de Educação Internacional Comparada, preparei uma apresentação sobre o tema aonde trato de fazer um balanço desta experiência brasileira, que está disponível  en inglês aqui.

Ação afirmativa no ensino superior brasileiro: a vez de São Paulo

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O site “Inside Higher Education – The World View”  publicou uma nota minha sobre o novo sistema de cotas das universidades paulistas, cuja versão em português reproduzo abaixo:

Em agosto de 2012 a Presidente Dilma Rousseff assinou a lei que torna obrigatório, para todas as universidades federais, reservar 50% de suas vagas em cada curso para estudantes oriundos de escolas públicas, conforme seu nível de renda e perfil étnico (pretos, pardos e indígenas), dando um prazo de quatro anos para que a regra seja implementada. Não querendo ficar para trás, o governador de São Paulo, Geraldo Alkimin, anunciou o projeto de ação afirmativa para as universidades estaduais paulistas, com o nome de “inclusão social com mérito”. Diferentemente do governo federal, que implantou a nova legislação sem considerar a má qualidade da educação recebida pela grande maioria dos estudantes oriundos de escolas públicas, o projeto paulista traz duas inovações importantes: primeiro, os estudantes que optarem por entrar pelo sistema de cotas deverão passar por um curso preparatório de dois anos, depois do qual poderão escolher os cursos superiores conforme seu desempenho nesta etapa; e segundo, estes estudantes receberão uma bolsa de estudos no valor de meio salário mínimo.

Alguns dados são necessários para entender estas políticas. Os dados mais recentes indicam haver no Brasil 6.7 milhões de estudantes de nível superior, dos quais um milhão em universidades federais e 620 mil em universidades estaduais (dos quais 163 mil nas estaduais paulistas). A grande maioria, cerca de 5 milhões, ou 73%, estudam em instituições privadas, em sua maior parte organizadas como empresas voltadas para o lucro. O acesso às instituições públicas é feito por sistemas competitivos (vestibulares ou o ENEM), que em geral selecionam estudante vindos de escolas privadas que tendem a ser melhores do que as públicas mas inacessíveis para quem não pode pagar. 87% dos estudantes de ensino médio estão em escolas públicas, com uma renda familiar que é um terço da dos estudantes em escolas particulares.

Faz sentido, portanto, buscar maneiras de dar mais oportunidades de educação superior para estudantes vindos de escolas públicas e de famílias mais pobres, enquanto a qualidade das escolas públicas não melhorar substancialmente (o critério de “raça” ou etnia, fortemente correlacionado com o de renda, é um outro assunto que não discutirei aqui). Como estes estudantes tendem a ser menos qualificados, no entanto, não é nada claro que eles terão condições de chegar aos mesmos níveis de formação do que seus colegas vindos das escolas particulares, sobretudo nas carreiras mais exigentes. Existe portanto o grande risco de que estes estudantes sejam eliminados ao longo dos cursos ou que as universidades terminem por baixar suas exigências e padrões de qualidade para não reconhecer o fracasso das políticas afirmativas.

A desigualdade em São Paulo, o Estado mais rico do Brasil, é ainda maior do que no país como um todo, com somente 10% de seus estudantes de nível superior tendo acesso às três universidades estaduais, USP, UNICAMP e UNESP, que estão por outro entre as melhores e mais bem financiadas do país. A solução proposta pelo governo do Estado, em consulta com as Universidades, supõe que os dois anos de estudos preparatórios em um “college” semelhante aos ingleses e americanos seriam suficientes para trazer estes estudantes ao mesmo nível de seus colegas vindos das escolas particulares, e, se isto não for possível, eles teriam ainda a possibilidade de continuar estudando nos cursos de formação tecnológica do sistema Paula Souza, que é o mais desenvolvido do Brasil. O desafio é que a educação brasileira está toda organizada no modelo tradicional europeu em que os estudantes ingressam diretamente nos cursos profissionais, e as várias tentativas já feitas de introduzir “ciclos básicos” de um ou dois anos nunca deram certo, sobretudo porque eles significam adiar a entrada nos cursos universitários, e seu conteúdo, de tipo geral, não desperta maior interesse entre os estudantes. No caso de São Paulo, a proposta do “college” está baseada em uma experiência promissora em pequena escala que vem sendo feita pela Universidade de Campinas, mas o projeto do Estado seria fazer um programa em grande escala baseado fortemente em tecnologias de ensino à distância e o uso de tecnologias de informação e comunicação, sobre as quais não existe muita experiência, para que metade dos alunos das universidades estaduais possam vir por esta rota no prazo de cinco anos.

Uma das virtudes do sistema de “colleges”, sobretudo nos Estados Unidos, é que ele oferece aos estudantes um leque amplo de opções, que inclui desde os que querem se preparar para carreiras técnico-científicas mais exigentes até os que se dirigem para profissões mais práticas e com menor exigência de qualificação. No caso de São Paulo, pelo menos pelo que foi publicado até agora, seria o oposto: todos os estudantes seguiriam o mesmo programa, e a opção de seguir um curso mais técnico e aplicado no sistema Paula Souza ficaria reservada para os que não conseguissem bons resultados no primeiro ano. Esta não seria uma boa receita para um sistema de educação superior que pretenda se expandir, se diversificar e se tornar menos excludente.

O Debate Ideológico na Educação

Claudia Costin

(O Jornal O Estado de São Paulo publicou a matéria abaixo em sua edição de 4 de dezembro, que está sendo reproduzida aqui. Por alguma razão esta informação sobre a autoria do texto não apareceu na versão original desta postagem, dando a impressão errada de que se tratava de texto meu. Peço desculpas).

 

CONVITE EXPÕE EMBATE IDEOLÓGICO NA EDUCAÇÃO

Indicação de secretária de Educação do Rio a cargo no MEC gerou mobilização inédita, contrária e a favor

O convite, na semana passada, para que a secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, assumisse a Secretaria de Educação básica do Ministério da Educação (MEC) trouxe à tona o embate existente entre as duas correntes que pensam e gerem o assunto no Brasil.

De um lado, estão os pedagogos – acadêmicos de instituições públicas tradicionais de Ensino – e os sindicatos dos Docentes. De outro, profissionais de áreas como administração e economia, além de fundações e instituições voltadas à discussão do tema.

O primeiro grupo, o dos pedagogos, é o que historicamente domina o cenário da Educação brasileira, desde a construção do currículo dos cursos de Pedagogia até a formulação dos concursos públicos que selecionam Docentes para as redes de Ensino.

O segundo, o dos “estrangeiros à Pedagogia”, trouxe referências de outras áreas para a discussão do tema e defende as avaliações externas, as metas de aprendizagem e a existência de um currículo nacional.

Assim que o ministro Aloizio Mercadante fez o convite a Cláudia, o primeiro grupo lançou uma petição pública contra a nomeação. O texto a acusa de autoritarismo didático e de “capitalizar” a Educação. Sua gestão no Rio seria marcada pela “privatização do Ensino público, a fragmentação do trabalho Docente, a perda da autonomia dos Professores e a submissão estrita aos cânones neoliberais”.

Em resposta a esse ato de repúdio, o segundo grupo publicou uma carta de apoio à secretária, com números que mostram o avanço das Escolas cariocas no Índice de Desenvolvimento Educacional (Ideb) e afirmando que a gestão “ousou experimentar novas formas de aprender”.

Enquanto o debate fervilhava na internet, Cláudia recusou o convite por questões pessoais e o posto do MEC continua vago. Cesar Callegari, que ocupava o cargo, foi anunciado ontem como o novo secretário municipal de Educação de São Paulo.

Em breve, a discussão deve sair dos holofotes, mas continuará nos gabinetes que decidem os rumos da Educação brasileira.

Embate. Uma das questões debatidas é a serviço de quem a Escola tem sido pensada e realizada. Boa parte da academia acredita que esses novos atores no setor educacional trabalham a serviço do capitalismo, com foco em metas de empregabilidade e enriquecimento do País.

“Existe um projeto neoliberal que diminuiu a importância do Estado e subordinou a Educação às necessidades imediatas do mercado”, diz Carmen Sylvia Moraes, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que ajudou a conceber o manifesto contra a nomeação. “Esquecem-se de que a Educação é a expressão e não a causa do desenvolvimento. Precisamos de um trabalhador com autonomia intelectual, crítico. E isso não se consegue com as metas que os economistas propõem.”

Ao se referir a metas, Carmen coloca em evidência outro motivo de discórdia: as expectativas de aprendizagem e as bonificações aos Docentes atreladas ao aprendizado dos Alunos. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, Professores de Escolas que alcançaram as metas no Ideb e no IdeRio, o índice local, são bonificados. O Estado de São Paulo tem programa similar.

“A avaliação pode estar maquiada. A Educação é mais que as notas de matemática e português. Essa é uma visão curta e economicista que culpabiliza o Professor pelo fracasso do Aluno”, diz Gaudêncio Frigotto, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que assinou a petição contrária.

Resultados. Os números do Ideb têm mostrado avanços no Rio. Dados recentes mostram que, enquanto o Ideb dos anos finais do Ensino fundamental subiu 0,2 ponto nas Escolas públicas do País (de 3,7 para 3,9), o da cidade do Rio foi de 3,6 para 4,4.

Por lá, os Professores têm de cumprir um currículo com expectativas de aprendizagem e o concurso público, além da prova teórica, compreende uma aula para uma banca, com o propósito de avaliar a prática de Ensino, a didática do Docente.

“São experiências que deram certo principalmente em benefício dos mais carentes”, afirma o sociólogo Simon Schwartzman, que assina carta em apoio à secretária municipal do Rio.

Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann, endossa o coro. “Conseguir esse avanço no aprendizado em uma cidade grande como o Rio não é pouco. Uma pena ela não ir para o MEC em nome desse debate antigo e de posicionamentos radicais que não ajudam, na prática, a melhorar a Educação no País.”

Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, pondera que o debate é um bom sinal. Mostra que a Educação está na pauta. Mas completa: “Enquanto se discute ideologia, o Analfabetismo continua”.

Corporativismo, de novo, contra a educação

João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, assina hoje, 27/11/2012, o artigo abaixo na Folha de São Paulo:

Corporativismo, de novo, contra a educação

Cláudia Costin é secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro e foi ministra da Administração no governo FHC. Como gestora experiente, ama falar em resultados.

Aloizio Mercadante, ministro da Educação e economista, sabe disso e ama Cláudia Costin. Ele a convidou para assumir a Secretaria de Educação Básica da sua pasta.

Mas, nessa história de amores, há quem não ame resultados nem, claro, Cláudia Costin.

Um grupo de professores universitários organizou um abaixo-assinado protestando contra o convite feito a ela feito por Mercadante. Foram seguidos por milhares de adeptos e por entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

O texto do abaixo-assinado traduz o atraso da educação no Brasil: repete surrados jargões anti-imperialistas, defende as fracassadas ideias dos seus autores, que tiram do baú a velha cantilena da esquerda ultrapassada.

Segundo os autores, Cláudia é o arauto das forças internacionais que conspiram contra os pobres brasileiros. Ela milita pela desqualificação da educação, pois implementa propostas que anulam o senso crítico do aluno, cria bônus para premiar desempenho de professores e aniquila “sujeitos históricos”, como os professores e os alunos.

O manifesto ainda diz que pessoas como Cláudia Costin devem ser evitadas na administração pública, para que não reduza os alunos a “indivíduos médios, reproduções de tipos ideais que incorporam todos os traços e qualidades de que se nutrem as comunidades ilusórias”.

Entendeu? Nem eu. Mas pessoas que escrevem assim são as que vêm ditando os rumos da educação.

Os autores concluem protestando contra o arbítrio economicista, degradante e mutilador que a presença de Cláudia no ninho petista traria à educação básica.

Após quatro ministros, o PT ainda não sabe se tem agenda para a educação. E agora Mercadante convida essa cruel megera para pousar num ninho onde tucano não deve pousar?

Os que querem manter o status quo não se conformam. A velocidade e intensidade da reação ilustram a virulência dos beneficiários do poder, que não abrem mão de suas ideologias, nem diante dos retumbantes fracassos de suas propostas.

Mercadante jogou a sua cartada. O recado foi dado. É preciso mudar.

É preciso libertar o MEC da prisão corporativista em que se meteu. Passou da hora de romper com o dogmatismo ideológico das universidades e núcleos que propagam ideias equivocadas e ineficientes há décadas.

É preciso avaliar o resultado das décadas de cursos inócuos para capacitar professores. É preciso saber onde foram os bilhões de reais destinados a cursos de alfabetização de adultos e à formação profissional improvisada e avaliar os resultados desses cursos. É preciso dar espaço a quem tem resultados para mostrar e estimular iniciativas que possuem evidência comprovada de sua eficácia.

Por fim, é preciso alfabetizar as crianças aos seis anos de idade, como se tenta fazer no Rio, e usando estratégias e métodos adequados, como se faz em Sobral há vários anos, e não até os oito, como propõem os sectários que se apropriaram dos canais de decisão do MEC.

O estrago foi feito. Mercadante sinaliza que quer romper com o imobilismo dos que vêm imobilizando o MEC, especialmente na área de educação básica.

Cláudia já comunicou ao ministro que não aceitará a oferta, mas o estrago dentro do PT está feito. Mercadante está na linha do pênalti. Se marcar o gol, será vaiado pela plateia cativa. Mas poderá ser aplaudido pelo Brasil.

 

Claudia Costin e a Educação na Cidade do Rio de Janeiro

Um grupo de lideranças de diversas áreas criou e assina a seguinte carta de apoio ao trabalho da Secretária Claudia Costin à frente da Secretaria Municipal de Educação na cidade do Rio de Janeiro:

Depois do convite do Ministro Mercadante para que a Secretária Claudia Costin assumisse a Secretaria de Educação Básica do MEC, alguns acadêmicos decidiram publicar um texto com críticas que revelam não só desconhecerem o trabalho que vem sendo feito na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro nos últimos anos, mas também uma postura de oposição aos esforços do governo federal e da maioria dos estados brasileiros de romper a barreira do analfabetismo funcional, da desorganização e da desmoralização da escola pública, provocando danos irreparáveis às nossas crianças e jovens e ao desenvolvimento humano, social e econômico do país. A Secretária Claudia Costin e sua equipe têm tido o apoio irrestrito do Prefeito Eduardo Paes e têm feito um trabalho técnico, de qualidade e com resultados inquestionáveis.

Ao anunciar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, a Presidenta Dilma Rousseff fez questão de enfatizar a importância da avaliação do processo de aprendizagem, afirmando que “não há como aferir se as crianças estão seguindo um ciclo de alfabetização efetivo sem avaliar. E não há como fazer isso sem fazer testes objetivos. Principalmente, se quisermos evitar que as crianças cheguem à 5ª série sem conseguir dominar a leitura e as operações matemáticas simples”. E prossegue a Presidenta: “Por isso, se quisermos saber se as crianças estão aprendendo, se precisam de apoio em algum conteúdo específico, se o nosso material didático e os métodos são adequados, se o professor e a escola estão cumprindo suas tarefas, nós vamos precisar avaliar. Precisamos avaliar a partir de parâmetros nacionais e sistematicamente, e precisamos fazer isso logo agora, e faremos a partir de 2013. Vamos também premiar o mérito. Premiar o que está dando certo. Professores e escolas que se destacarem, que conseguirem alcançar os melhores resultados receberão prêmios”.

É esta linha, exatamente, que a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro vem seguindo na gestão de Claudia Costin. A Secretária Claudia Costin liderou a discussão para a criação de orientações curriculares mínimas claras, com a participação dos professores da rede e comunidades escolares. Essas orientações curriculares são constantemente revisadas pelos professores em reuniões nas escolas. Há vários canais de diálogo, como visitas, reuniões com conselhos de diretores, professores, pais, alunos e virtualmente, por meio das redes sociais e mensagens eletrônicas. A partir dessas orientações curriculares, materiais impressos e digitais foram criados para apoiar o trabalho do professor, que pode decidir utilizá-los ou não em seus planejamentos, complementando a utilização de outros recursos como livros didáticos e vídeos. Avaliações verificam o processo de aprendizagem e que escolas precisam ser auxiliadas por outras escolas com contextos semelhantes e que conseguem atingir bons resultados.

Como acontece em muitas redes de educação pública municipais e estaduais, a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro conta com parcerias para realfabetizar os alunos que não foram alfabetizados na idade correta, acelerar alunos em defasagem idade-série e reforçar a aprendizagem dos alunos que precisam de mais ajuda por uma série de fatores, como o contexto socioeconômico ou a baixa escolaridade dos pais. As metodologias adotadas são as aprovadas e recomendadas pelo Ministério da Educação, com base no seu cadastro de tecnologias educacionais certificadas. Hoje a sociedade brasileira se mobiliza cada vez mais para apoiar a educação, nenhuma secretaria pode dar conta sozinha da imensa tarefa que tem pela frente de melhorar as condições de estudo de seus alunos, e a política da Secretaria Municipal tem sido a de buscar sempre todos os apoios de qualidade que consegue identificar.

Um dos pontos fortes do trabalho da equipe da SME Rio tem sido a atenção especial que tem dado a crianças e jovens historicamente abandonados e que não exerciam o direito de educação pública de qualidade. O Programa Escolas do Amanhã é hoje reconhecido nacional e internacionalmente por diminuir as taxas de reprovação e abandono e melhorar a aprendizagem em escolas situadas em áreas conflagradas. Um exemplo é que o crescimento do Ideb nos Anos Finais nessas escolas foi de 33%. A criação de vagas em creches é o maior da história da cidade. Para essas vagas, os alunos de classes econômicas mais desfavorecidas são priorizados.

Liderando a educação carioca, a Secretária Claudia Costin ousou experimentar novas formas de aprender, utilizando ferramentas digitais e a personalização do ensino para estilos e necessidades diversas, com escolas experimentais (algumas vocacionadas), apostando no papel do professor como aquele que assegura a educação de qualidade para todos e não somente para alguns. Sempre com um foco claro na melhoria da aprendizagem, as escolas estimulam o protagonismo juvenil, a educação para valores, a construção de um projeto de vida e a formação de cidadãos autônomos, solidários e competentes, de acordo com os objetivos da educação pública preconizados em nossas leis.

Os resultados do trabalho realizado demonstram que os alunos cariocas estão aprendendo mais. As notas melhoram em todos os níveis, da alfabetização ao 9º ano. Enquanto em nível nacional o Ideb para os Anos Finais avançou pouco entre 2009 e 2011, por exemplo, as escolas cariocas avançaram 22%. Alunos e famílias estão mais satisfeitos com a educação pública. Crianças e jovens do Rio de Janeiro podem avançar no desenvolvimento de suas potencialidades e estarão muito mais bem preparados para batalharem por seus sonhos. O Brasil tem muito a ganhar se conseguir se beneficiar destas experiências que precisam se multiplicar. Ainda há bastante a ser feito, mas a educação carioca é um exemplo a ser seguido. Apoiamos o trabalho que a Secretária Claudia Costin e sua equipe vêm fazendo, com o apoio do Prefeito Eduardo Paes, e estamos felizes que ela tenha decidido permanecer à frente da Secretaria Municipal de Educação para dar continuidade às ações.

(assinaturas atualizadas em 28/11/2012)

Alexandre Schneider
Alessandra Sayão
Alycia Gaspar
André Nakamura
Andreas Mirow
Armínio Fraga
Beatriz Novaes
Cláudio de Moura Castro
Denis Mizne
Edmar Bacha
Fernando Augusto Adeodato Veloso
Fernando Barbosa
Françoise Trapenard
Gustavo Marini
Helena Bomeny
Iza Locatelli
Jorge Werthein
Lilian Nasser
Luis Antonio de Almeida Braga
Luiz Chrysostomo
Márcio da Costa
Magda Soares
Maíra Pimentel
Maria Helena Guimaraes de Castro

Maria Ines Fini
Maria Teresa Tedesco
Monica Baumgarten de Bolle
Naercio Aquino Menezes Filho
Nilma Fontanive
Olavo Monteiro de Carvalho
Paulo Ferraz
Pedro Malan
Pedro Vilares
Pilar Lacerda
Priscila Cruz
Rafael Parente
Raquel Teixeira
Renato Hyuda de Luna Pedrosa
Ricardo Henriques
Ruben Klein
Samara Werner
Sergio Besserman
Sergio Guimarães Ferreira
Simon Schwartzman
Tomas Tomislav Antonin Zinner
Walter de Mattos Jr
Wanda Engel
Wilson Risolia

Mais um manifesto da Academia Brasileira de Ciências e SBPC sobre as Universidades Federais

 

Em julho de 2012 a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC publicaram uma manifestação contrária ao projeto de lei que impunha cotas às universidades federais e acabava com os vestibulares, o que não impediu que o projeto fosse aprovado  e sancionado em sua quase totalidade.  Agora as duas entidades voltam a se manifestar sobre um novo projeto de lei sobre a carreira docente nas universidades federais que liquida de vez com o sistema de mérito e impede que as universidades contratem novos professores fora dos níveis iniciais da carreira, eliminando um dos últimos resquícios da autonomia que consta da Constituição.  Quem sabe elas serão mais ouvidas desta vez?

Manifesto da ABC e SBPC pedindo correção no Projeto de Lei que trata a carreira de docente nas Universidades Públicas Federais.

Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2012
ABC-PR-294/2012
Manifesto ABC / SBPC

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vêm, através do presente documento, manifestar suas preocupações quanto ao Projeto de Lei 4368 que redefine a carreira docente nas Universidades Públicas Federais. Foram detectados aspectos que poderão trazer graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retrocesso, para as Universidades Federais Brasileiras, principalmente no que tange a qualidade da Pesquisa e do Ensino de Graduação e Pós- Graduação.

Nossas propostas se concentram, basicamente, em 3 pontos do Projeto, a saber: 1. O sistema previsto para ingresso na carreira (que passará a ser necessariamente no primeiro nível); 2. A definição das atividades compatíveis com o regime DE; 3. O papel do MEC no estabelecimento de critérios para promoções, avaliações e concursos.

1. Por que o ingresso na carreira não tem que ser necessariamente no primeiro nível

O art. 8º do PL prevê que o ingresso na carreira docente só ocorrerá no primeiro nível da classe de Auxiliar, mediante concurso para o qual se exige apenas diploma de graduação. Mesmo quem já tenha título de doutorado será Auxiliar por 3 anos, já que não poderá ser promovido para Adjunto antes do estágio probatório (cf. art. 13 do PL). Embora ele receba uma Retribuição por Titulação correspondente ao título, na tabela remuneração de 2015, o nível salarial correspondente (de Auxiliar 1) apresenta uma perda real de 2% em relação ao salário atual de Adjunto 1. O problema crucial, portanto, é diminuir a atratividade da carreira docente, e inviabilizar que se abram concursos com exigência de titulação.

Consideramos o sistema atual – que permite a abertura de concursos para o primeiro nível das classes de Auxiliar, Assistente e Adjunto – muito mais adequado ao atual estágio da universidade brasileira.

Embora a prática de concursos para adjunto tenha sido comum nas Universidades nesses 24 anos, e que isso não tenha sido questionado judicialmente, difundiu-se a ideia – equivocada – de que essa sistemática não é compatível com os princípios e regras que regem a Administração Pública na Constituição. O sistema atual é flexível e não veda a solicitação, por parte das Unidades, de vagas nas classes de Assistente ou mesmo Auxiliar. Porém, entendemos que essas vagas devem ser solicitadas em caráter excepcional, acompanhado de justificativa sólida da necessidade das mesmas e de um compromisso da Unidade solicitante de que tais docentes contratados serão incentivados a se qualificarem para obtenção do grau de doutor.

O único requisito para ingresso na carreira previsto legalmente (caso o PL seja aprovado) será o título de graduação (art. 8º, § 1º); e ainda que o edital venha a estabelecer requisitos adicionais, isso poderá ser contestado, pois tais requisitos não terão sido previstos em Lei. Isso tornará impossível exigir titulação de doutorado como critério para investidura no cargo, mesmo que seja previsto no Edital do concurso.

Por isso, propomos uma modificação no art. 8º que mantém os termos do sistema atual, em que os concursos possam ser realizados para o primeiro nível de Auxiliar, de Assistente ou de Adjunto.

2. A definição das atividades compatíveis com o regime DE

O PL, em seu art. 21, que enumera as atividades remuneradas compatíveis com o regime de DE, deixou de prever uma situação prevista no sistema atual que é a colaboração esporádica em assuntos de especialidade, devidamente autorizada pela instituição e de acordo com regras próprias. Essa hipótese, no entanto, é a que respalda uma série de contratos em vigor – que têm sido prática corrente na Universidade -, inclusive práticas respaldadas pela Lei de Inovação Tecnológica (Lei 10.973/2004), voltadas para estimular a participação ativa de docentes das Instituições Públicas de Pesquisa em projetos que envolvam as instituições de ciência e tecnologia e empresas.

Entendemos que os benefícios alcançados nos últimos anos seriam ameaçados se essa hipótese deixar de ser prevista, o que representaria, inclusive, um movimento no sentido contrário aos importantes passos dados na Lei de Inovação.

3. O papel do MEC no estabelecimento de critérios para promoções, avaliações e concursos.

O art. 12 do PL traça as regras para desenvolvimento do docente na carreira. Chamou-nos a atenção, em primeiro lugar, o fato de a promoção para Assistente e para Adjunto não exigir a titulação correspondente (Mestrado e Doutorado, respectivamente). Além disso, há a previsão de participação do MEC na formulação de critérios para avaliação (§§ 4º e 5º), sem a menção devida às competências da própria IFES no estabelecimento dessas regras.

Particularmente em relação à avaliação para professor titular (§ 5º), pareceu-nos inadequada a previsão de que a regulamentação desse processo fosse atribuída ao Ministro de Estado da Educação.

Respeitando os princípios da autonomia universitária, pensamos que essa participação deve se limitar a estabelecer diretrizes gerais, ficando cada IFES com a atribuição de estabelecer suas próprias regras e critérios. Tais diretrizes não devem ficar ao sabor da política de governo – e, por isso, não devem ficar na alçada do Ministro, mas sim de uma instância coletiva do MEC que costuma estabelecer regras para o ensino superior (a CES do CNE).

Finalmente, entendemos que a dispensa da detenção de título de Mestre e Doutor para promoção a Assistente e a Adjunto deste PL representará um retrocesso no esforço que as universidades federais vêm fazendo no sentido de titular seus docentes, visando a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa praticados nas universidades federais públicas.

Conclamamos, pois, os Exmos. Srs. Deputados de nosso Congresso Nacional a retificar o texto original de acordo com os pontos aqui levantados, dando assim grande contribuição para que nossas Universidades Federais Públicas caminhem em direção a excelência do ensino e da pesquisa. Como sabem V. Exas. este é o único caminho para termos uma nação dotada de competências nos diversos ramos do saber, que a levará a um pleno desenvolvimento socioeconômico, a par com os países mais avançados do mundo.

Muito cordialmente,
JACOB PALIS JR.Presidente, Academia Brasileira de Ciências

HELENA B. NADER, Presidente, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

A profissão de Historiador

 

Respondendo a uma matéria do jornal Folha de São Paulo sobre a regulamentação da profissão de historiador pelo Senado Federal, o presidente da Associação Nacional de História, Benito Bisso Schmidt, esclarece que “em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas. Apenas estabelece que as instituições onde se realiza o ensino e a pesquisa de História contem com historiadores profissionais em seus quadros”. E acrescenta: “Da mesma maneira, a regulamentação pode evitar que continuem a se verificar, nos estabelecimentos de diversos níveis de ensino, situações como a de o professor de História ser obrigado a lecionar Geografia, Sociologia, Educação Artística, entre outras disciplinas, sem ter formação específica para isso (e vice-versa)”. Se trata simplesmente, portanto, de reserva de mercado para portadores de diploma de história, justificada pela idéia de que, ao longo de seus estudos, os diplomados em história “desenvolvem habilidades específicas como a crítica documental e historiográfica e a aquisição de conhecimentos teóricos, metodológicos e técnicos imprescindíveis à investigação científica do passado”. Sem riscos, portanto, para cientistas políticos que escrevem sobre o Império como José Murilo de Carvalho, embora ainda persista a dúvida de se ele precisará agora de carteirinha de historiador para pesquisar nos arquivos públicos brasileiros.

Como a área de história (da mesma maneira que as de sociologia, ciência política, economia, filosofia e tantas outras) tem muitas correntes que se contradizem e não aceitam os métodos de trabalho das outras, e dada ainda a má qualidade de muitos de nossos cursos universitários de ciências sociais e humanidades, é difícil aceitar que todos os diplomados em história tenham mesmo este instrumental teórico e técnico que deveriam ter.

A questão mais profunda, no entanto, é que, ao contrário do que normalmente se supõe no Brasil, áreas de conhecimento e profissões não são a mesma coisa. Profissões são atividades que lidam com o público e que em alguns casos, quando mal exercidas, podem causar dano à vida e à propriedade das pessoas. Áreas de conhecimento são tradições de trabalho cujas fronteiras estão sempre em movimento, e que não podem nem devem ser reguladas por lei e ser objeto de monopólios corporativos. Para tomar o exemplo mais clássico, não existe uma ciência chamada “medicina”, mas disciplinas como fisiologia, anatomia, química, farmacologia, psicologia, genética, biologia molecular, radiologia e tantas outras, por um lado; e a profissão médica por outra, regulamentada por lei, e que inclui, por exemplo, a homeopatia, que a maior parte dos cientistas não consideram ter base científica. A delimitação de quem pode ou não exercer a medicina, o direito e a engenharia, que são as profissões mais tradicionais, tem sido estabelecida ao longo do tempo por disputas políticas entre diferentes grupos, e são bastante arbitrárias, como atestam as disputas sobre a atuação profissional de enfermeiros, psicanalistas, optometristas e fisioterapeutas, que hoje giram em torno da possível aprovação da legislação sobre o “ato médico”, que pode consolidar o poder dos médicos sobre todas as demais profissões de saúde no Brasil, que em outros países são reconhecidas e valorizadas. Se, por um lado, a sociedade se protege quando sabe que charlatães estão impedidos de tratar, advogar e construir obras, ela sofre quando as corporações profissionais abusam de seus poderes, ao mesmo tempo em que os diplomas nem sempre garantem o que prometem. A melhor maneira de garantir os interesses da sociedade é limitar ao máximo os monopólios profissionais, que devem ficar estritos a atividades que implicam altos riscos para o público, exigindo controles de competência e qualidade que não se limitem ao reconhecimento burocrático de diplomas.

Será que a história, que é uma disciplina de estudos, se qualifica como uma profissão no Brasil? Os dados da amostra do Censo Demográfico de 2010 indicam que haviam cerca de 75 mil pessoas formadas em história e arqueologia, das quais somente 57 mil trabalhavam. Destas, metade tinha atividade na área de educação, e somente 1.400 trabalhavam em atividades profissionais, científicas e técnicas, ou seja, presumivelmente, como historiadores profissionais; e certamente existem muitas pessoas com diploma de sociólogo, jornalista, economista, cientista político ou sem diploma nenhum pesquisando arquivos e produzindo trabalhos interessantes (a Plataforma Lattes, do CNPq, lista 5500 pesquisadores em história no país em 2010, sem dizer, no entanto, em que cursos se formaram). Isto se compara com a estimativa de que o Brasil necessitaria de cerca de 75 mil professores de história para atender às atuais necessidades dos currículos do ensino fundamental e médio.

Temos um problema sério de falta de professores, não só em historia, mas em quase todas as áreas. Neste quadro, não faz nenhum sentido proibir que pessoas formadas em disciplinas afins ensinem história nas escolas, como não faz sentido impedir que pessoas formadas em história ensinem em matérias afins como geografia ou sociologia. Ser professor da educação básica e pesquisador profissional são coisas muito diferentes, e ainda bem que é assim, porque senão os problemas de nossa educação, que já são extremamente sérios, se tornariam totalmente insolúveis.

 

Dois dados sobre o ENEM

Enquanto aguardamos os resultados do ENEM deste ano, vale a pena olhar alguns dados de 2010, os últimos disponíveis para análise. Naquele ano se inscreveram 4.6 milhões de pessoas, mas só cerca de 3.2 milhões, ou 70%, fizeram as provas. Não encontrei uma explicação para isto, mas o que se observa é que a desistência está fortemente relacionada com a educação dos pais, que, como sabemos, também está relacionada com nível de renda da família, ter estudado em escola pública, etc. Entre os candidatos com pais que não estudaram, 38% desistiram da prova de matemática, por exemplo. Entre os com mais de nível superior, a desistência foi de 18%, a metade.

O Ministério da Educação decidiu que o ENEM serviria também para dar um certificado de nível médio para quem não tivesse este diploma, e que o requisito para isto seria ter pelo menos 400 pontos em todas as provas. Naquele ano,  540 mil pessoas tentaram obter este certificado, e só 26% conseguiram. Para este ano o Ministério achou que 400 pontos era pouco, e elevou para 450. Aplicando este critério para os candidatos ao certificado em 2010, a percentagem de aprovados cairia para 11%.

Se o critério para ter o certificado do ensino médio são 450 pontos ou mais em todas as provas, quantos dos candidatos do ENEM de 2010 satisfazem este critério, ou seja, têm a qualificação mínima necessária para quem conclui o ensino médio? A tabela acima mostra que são somente 27% do total, variando, como era de se esperar, de apenas 12% para pessoas cujos pais não estudaram a 49% para os filhos de pais com educação superior.

Não há muita novidade nestes dados, que confirmam a péssima qualidade de nosso ensino médio, que afeta sobretudo a população de famílias mais pobres e menos educadas.  Eles mostram que, para a grande maioria dos que se candidatam ao ENEM, a prova é uma ilusão cruel, cujo resultado já está em grande parte predeterminado pelas suas condições socioeconômicas e pela má qualidade da educação que tiveram até aí. A solução correta para esta situação seria, antes de mais nada, melhorar o ensino médio, e , ao mesmo tempo, não exigir que todos passem pelo mesmo tipo de prova, em nome de uma igualdade que não existe  (veja a charge que publiquei ontem sobre isto). A solução mais fácil é criar uma política de cotas que, sempre em nome da equidade social,  transfere para as universidades públicas a responsabilidade de lidar com um problema para o qual elas não estão equipadas para resolver.

 

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