Temas controversos sobre universidades públicas e a igualdade

Como era de se esperar, nem todo mundo concordou com a nota que circulei recentemente a propósito da greve das universidades federais. Creio que vale a pena explicar melhor alguns dos pontos que podem ter ficado pouco claros, ou que causaram mais controvérsia.

O primeiro ponto é que eu estaria defendendo a existência de um sistema de educação superior estratificado, com instituições separadas para ricos e pobres, quando o atual sistema seria muito mais democrático e igualitário: toda a remuneração de professores e funcionários é definida de forma isonômica pelo governo federal, todas as instituições federais têm as mesmas responsabilidades de ensino, pesquisa e extensão, e, cada vez mais, todos os estudantes passam por um mesmo sistema unificado de seleção através do ENEM.

O que venho argumentando (e não é de hoje) é que o atual sistema, ao proclamar a igualdade formal de todas as instituições, professores e alunos, na verdade cria e mantém fortes desigualdades, e que um sistema que reconhecesse as diferenças seria muito menos discriminatório e permitira um uso muito mais adequado dos recursos públicos. As desigualdades que existem hoje ocorrem dentro das instituições, aonde convivem cursos altamente seletivos com exigências acadêmicas altas e  acesso dependente de exames de seleção difíceis, e cursos de fácil acesso e exigências acadêmicas mínimas; e entre instituições, cursos e departamentos que têm forte cultura profissional e acadêmica e desenvolvem programas de ensino e de pesquisa de qualidade e outras que mal o fazem, embora recebendo recursos e salários semelhantes.

Existem também grandes diferenças entre os professores que, apesar de contratos de trabalho e titulação formalmente idênticas, têm produção técnica e científica de qualidade e quantidade muito distintas, e se desempenham de maneiras muito diferentes na sala de aula.

A estas diferenças entre instituições, cursos, departamentos e professores se soma a grande desigualdade que existe entre os alunos. Nos últimos anos, na medida em que o sistema de educação superior se ampliou e chegou a regiões mais afastadas, ele passou a receber alunos que não tiveram educação básica e média com um mínimo de qualidade, e não têm como acompanhar os cursos mais exigentes. Ele passou também a incorporar cada vez mais estudantes mais velhos que precisam trabalhar e não podem se dedicar aos estudos como atividade principal. Tratar a todos os estudantes como se fossem iguais leva, na prática, ou a reprovar e acabar expulsando dos cursos a maioria dos alunos que não conseguem acompanhar os programas, ou baixar as exigências, nivelando por baixo. Tratar a todos os cursos e programas como se fossem iguais leva, na prática, a um faz-de-conta em que  muitos professores e programas de ensino recebem recursos para pesquisas e dedicação exclusiva que não exercem, enquanto que outros não conseguem os recursos e o apoio financeiro de que necessitam. A solução para isto não é dar mais dinheiro a todos na esperança de que um dia se igualem, porque isto só perpetua as diferenças. A solução é, do ponto de vista dos alunos, criar alternativas educacionais que tomem em conta as diferenças reais existentes entre os estudantes (com alternativas de cursos de formação tecnológica, geral e profissional, por exemplo), e criar formatos institucionais que tomem em conta a efetiva capacidade de trabalho e vocação de diferentes instituições (muitas podem se concentrar no ensino, outras em pesquisa e pós-graduação, etc.) .

O risco que existe quando se diferenciam formalmente estudantes e instituições é que isto poderia perpetuar e congelar as diferenças e as oportunidades. De fato este risco existe, e precisa ser enfrentado criando flexibilidade para que as pessoas possam ir de um sistema a outro, e as instituições possam se transformar na medida em que consigam desenvolver novas competências e vocações. Nada disto é simples, mas existem muitas experiências internacionais e uma grande literatura que trata das questões de diferenciação e da doença do viés acadêmico que tende a afetar as instituições de ensino sobretudo a partir do ensino médio e que, no caso do Brasil, já infectou o pouco que temos de ensino técnico profissional (escrevi um artigo específico sobre isto que está disponível aqui).

O outro mito que precisa ser enfrentado é o do que a educação estatal é sempre boa, e a educação privada, sobretudo de fins lucrativos, é sempre ruim. Basta olhar as estatísticas para ver que foi o setor privado que permitiu que o ensino superior brasileiro se expandisse nos últimos anos, dando inclusive mais acesso a estudantes mais pobres, oriundos de escolas públicas e não brancos. A experiência latino-americana, da qual infelizmente estamos nos aproximando (daí a referencia de Daniel Levy a meu “triste texto”) é que as instituições públicas, quando se inflam por políticas populistas e se paralisam internamente pelo corporativismo, acabam funcionando tão mal que expulsam os melhores alunos, e os que podem pagar, para instituições privadas de qualidade (um exemplo famoso é a Universidade Técnica de Monterrey, no México, e existem muitos outros).

A outra questão é a da diferença entre universidades privadas com e sem fins lucrativos. A ideia de que a educação, como atividade cultural e de conteúdo ético, não pode estar associada a lucro é tão obsoleta quanto a ideia de que os médicos, que cuidam da vida e da saúde das pessoas, não deveriam cobrar pelos seus serviços. O Brasil, diferentemente de outros países como Chile e Colômbia, já não mantém mais o mito de que todas as instituições particulares são filantrópicas, quando de fato a grande maioria delas não o são, e o governo Lula, com o Prouni, reconheceu que o setor privado empresarial tinha uma contribuição social a dar. Existem certamente problemas potenciais em empresas de ensino (ou de saúde, ou de qualquer serviço público) que colocam o lucro no fim do mês como sua prioridade absoluta, negligenciando os interesses do público a que atendem, assim como a participação de seus profissionais na condução de seus trabalhos. Estes problemas podem ser reduzidos em parte pela regulamentação e supervisão governamental, e em parte pela própria lógica da competição no mercado. Mas existem problemas igualmente sérios em instituições estatais que paralisam as aulas em greves intermináveis, não têm mecanismos efetivos para afastar professores que lecionam mal e não se atualizam nem se esforçam para atender de forma adequada os alunos diferenciados que recebem.

Um último ponto é o da autonomia universitária, da qual se fala tanto, quase sempre sem sabermos exatamente de que estamos falando. Existem dois princípios importantes aqui, que precisam ser combinados de forma adequada. O primeiro é que instituições de ensino e pesquisa não podem funcionar bem sem o envolvimento e participação de seus professores, em primeiro lugar, e também de alunos e funcionários. O segundo é que estas instituições, sobretudo as públicas ou que recebem subsídios governamentais, não existem para atender aos interesses de seus membros, mas da sociedade como um todo, e por isto precisam responder a uma supervisão e acompanhamento externos. Uma maneira de resolver esta questão, adotada pela maioria dos países ocidentais desenvolvidos, é fazer com que as universidades respondam a um conselho superior externo, com autoridade para eleger o reitor, que trabalha por sua vez com a participação de conselhos e órgãos acadêmicos internos, mas sem se subordinar a eles.

No Brasil, a ideia de que os reitores sejam nomeados pelo governo federal ou estadual a partir de uma lista indicada pelas universidades é uma tentativa de combinar os dois princípios, fazendo com que o reitor seja ao mesmo tempo um representante da instituição e da sociedade mais ampla, cujos interesses o governo deve representar. A responsabilidade do Ministério da Educação e dos governos estaduais, no caso do Brasil, não deveria se limitar a atender às demandas de recursos e salários das universidades e seus funcionários, mas também de exercer um papel ativo de supervisão e acompanhamento, associando recursos a resultados. Nesta perspectiva, a autonomia universitária deve ser entendida sobretudo como a capacidade da instituição de assumir a responsabilidade pelo seu trabalho, respondendo de maneira efetiva às demandas e expectativas da sociedade, não de maneira abstrata, mas conforme resultados e metas estabelecidos pelos seus órgãos de supervisão e acompanhamento externo.

Quando estes dois princípios não são combinados de forma efetiva, as instituições podem sofrer, seja com intervenções externas que destroem sua moral e sua vitalidade, seja pelo isolamento e incapacidade de responder às necessidades da sociedade, que faz com que elas percam a confiança e, ao final, o apoio da político e financeiro, entrando em decadência.

Daniel C. Levy: Seu triste texto | Daniel C. Levy: Your sad blog

Daniel C. Levy, distinguished professor of education administration and policy studies at the State University of New York at Albany sends me the posting below:

Your sad blog

Sometimes, Simon, I fear you’re at your best when the system is at its worst. The critique, delivered soberly, is blistering.
• I may be a little unclear on the implied periodization. There’s the contextual distinction between Brazil’s and Latin America’s public (national) sector but then the Renato de Souza proposals show that in reality the distinction wasn’t as sharp as we might’ve hoped (for Brazil’s sake). While I’d always figured that the contrast was valid and indeed fundamental, I’d also figured that the large expansion of the federal system in absolute terms and particularly in poorer states with fewer well prepared students and faculty greatly limited the contrast. I’m struck also by the strong association of the private sector with access for the poorer students; of course that’s largely true in the Brazilian/Asian trajectory as opposed to the Spanish American, but I’d thought that the expansion of the federal sector meant there was also considerable SES overlap.
• Probably I’d also underestimated the breadth of the Renato failure or of the Lula looseness. Lula’s Prouni seemed sensible. Though I was aware of the social quotas, I hadn’t realized the federal system was commanded to nearly double its size (of course upon a weak human resource & financial resource base) or the extent of CEFET academic drift (really too weak a term for such political processes)with reward parity with universities. A system that only maintains per student expenditure while doubling its intake, which means reaching less privileged students, invites grave problems in performance and academic and social legitimacy. I guess proponents believe such progressivism will be healthy in the long run as well as politically expedient in the short run but maybe this thought is too generous.
• While the reforms you valiantly continue to advocate are surely the right ones, it’s difficult to be hopeful. To me, a huge advantage Brazil enjoyed and took considerable advantage of in the period I focused on in my last book (To Export Progress: The Golden Age of university assistance in Latin America, 2005) lay in its late development. The taking advantage was building sane structures and practices, with differentiation including restrictiveness. Once that crumbles reform requires undoing expanded and entrenched structures and interests. We have positive examples globally of increasing institutional autonomy with some increase in evaluation too but rarely of differentiation after a system is made so homogeneous in policy.
• The sad tale makes one think more about not only the distinction between Brazil and Latin America in higher education but between the populist radical regimes and the populist moderate left regimes in Latin America. Of course there are differences in both arenas. Even you don’t drive even me to be so beaten down as to forget that.

Daniel C. Levy, Professor de Administração Educacional e Políticas Públicas da Universidade Estadual de New York, Albany, me envia o comentário abaixo:

Seu triste texto
Às vezes, Simon, eu temo que você está no seu melhor quando o sistema está no seu pior. A crítica, feita com moderação, é contundente.
• Não tenho muita certeza quanto à periodização que está implícita. Existe a distinção entre a educação superior pública no Brasil e na América Latina, mas as propostas de Renato de Souza mostram que, na realidade, a distinção não era tão grande quanto poderíamos ter desejado (pelo bem do Brasil). Embora eu sempre considerasse que o contraste era válido e de fato fundamental, também percebia que a grande expansão do sistema federal, em termos absolutos e em particular nos estados mais pobres e com menos alunos e professores bem preparados, reduzia muito o contraste. Me impressiona também a forte associação entre o setor privado e o acesso a estudantes mais pobres. Isto é em grande parte verdadeiro tanto na trajetória brasileira como na dos países asiáticos, ao contrário da América espanhola, mas eu pensei que a expansão do setor federal significasse que também houvesse considerável sobreposição de status socioeconômico nos dois sistemas.
• Provavelmente também subestimei o alcance dos fracassos de Paulo Renato ou da frouxidão de Lula. O Prouni de Lula me parecia sensato. Embora eu estivesse ciente das quotas sociais, eu não tinha percebido que o sistema federal foi forçado a quase duplicar o seu tamanho (em cima de recursos humanos débeis e recursos financeiros precários) ou a amplitude da deriva acadêmica dos CEFETs (na realidade um termo fraco para descrever um processo político desta natureza), com a paridade de benefícios com as universidades. Um sistema que mal mantém os gastos por estudante, duplicando seu número (o que significa receber estudantes menos privilegiados), está sujeito a graves problemas de desempenho e legitimidade acadêmica e social. Suponho que os defensores deste progressismo acreditem que ele será saudável a longo prazo, bem como politicamente conveniente a curto prazo, mas talvez seja uma suposição generosa demais.
• Ainda que as reformas que você continua a defender bravamente são seguramente as mais acertadas, é difícil ter esperança. Para mim, uma enorme vantagem o Brasil desfrutou e aproveitou bastante no período tratado em meu último livro (To Export Progress: The Golden Age of university assistance in Latin America, 2005) foi seu desenvolvimento tardio. Isto permitiu a construção de instituições saudáveis e práticas, com diferenciação e restrições de acesso. Quando isto se desintegra, novas reformas requerem desfazer interesses entrincheirados em estruturas expandidas. Temos alguns exemplos positivos em nível mundial de aumento de autonomia institucional com alguma melhora também nos processos de avaliação. mas são muito raros os casos de diferenciação depois que os sistemas se tornam tão homogêneos pelas políticas implantadas.
• Esta história triste me faz pensar na distinção entre o Brasil e a América Latina não só em relação ao ensino superior, mas entre os regimes populistas radicais e os regimes populistas moderados de esquerda. Claro que existem diferenças em ambas as arenas, e nem você, com suas críticas, consegue me deprimir ao ponto de esquecer isto.

Claudio Monteiro Considera: Pobres Alunos

Recebi o texto abaixo de Claudio M. Considera, professor de economia da Universidade Federal Fluminense:

Pobres Alunos

Os professores da Universidade Federal Fluminense estão em greve junto com os de outras 44 universidades federais. Reclamam pelo cumprimento de um acordo celebrado com o governo anterior que, além de promover um reajuste salarial escalonado, cuja última parcela foi recentemente determinada por uma Medida Provisória, previa a elaboração de um novo plano de carreira docente que redundará em novos reajustes salariais. Os demais itens de pauta são os acessórios de sempre: melhoria nas condições de trabalho, rejeição à privatização do ensino superior, etc. O governo já havia anunciado desde o início do ano que não haveria reajustes salariais das carreiras de servidores públicos devido à gravidade da crise internacional e seus impactos na economia brasileira. Do ponto de vista dos reclamantes são justas as reivindicações e por consequência justa a greve para negociá-la com o governo.

O que argumento a seguir é que a greve é falsa, covarde e, portanto injusta. Em primeiro lugar, trata-se de uma greve que paralisa unicamente as atividades docentes dos professores na graduação. Todas as demais atividades desses mesmos professores continuam: os que atuam também na pós-graduação continuam a fazê-lo, pois se as paralisarem, os alunos perdem suas bolsas e os órgãos de financiamento cortam as verbas dos cursos. Em segundo lugar, todas as atividades de pesquisa dos professores continuam: se assim não for o financiamento das pesquisas cessa e o professor perde seu status de pesquisador junto aos órgãos financiadores. Em terceiro lugar, as participações dos professores em seminários, intercâmbios e outros eventos acadêmicos nacionais e internacionais são cumpridos religiosamente, alguns inclusive realizados nas próprias universidades que estão em greve. Em quarto lugar, os professores que ministram aulas nos programas de pós-graduação lato-senso pagos, continuam a fazê-lo, caso contrário não serão pagos e serão cortados do programa. Portanto, trata-se de uma falsa greve.

Mas, é uma greve real para os alunos de graduação que têm seus cursos, sonhos e calendários de vida interrompidos por um período indeterminado. Os prejuízos para esses alunos são irreparáveis. Em primeiro lugar, a interrupção do curso a um mês do seu término deixa em aberto o tema abordado até o início da greve, sem a necessária conclusão que amarra o assunto desenvolvido. Em segundo lugar, a tal reposição das aulas raramente é cumprida na mesma quantidade e qualidade de um curso regular sem interrupção. Em terceiro lugar, formaturas não serão realizadas no período previsto e sem os diplomas os alunos perderão empregos, vagas em cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior, possibilidade de participar de concursos públicos, etc. Em quarto lugar, a greve prejudica principalmente os alunos mais pobres, pois os que podem pagar já optaram por universidades particulares onde sabem o dia da matrícula e o dia da formatura, se seu desempenho for adequado. Isto sim contribui para a privatização do ensino superior. Por isso é uma greve covarde praticada contra um ator sem defesa.

Finalmente cabe uma reflexão sobre o significado de uma greve no setor público, particularmente no sistema de ensino. Lembremos que no setor privado a greve afeta o lucro do empresário que fará uma avaliação entre o reajuste salarial de seus empregados, a redução de seu lucro e de sua capacidade de competir em termos de preços e qualidade com seus concorrentes. No setor público, não existe empresário nem lucro para ser prejudicado. O prejudicado é a sociedade em geral e em particular os alunos (da graduação). Não sei qual a melhor forma de luta; cabe aos dirigentes sindicais pensarem sobre essa questão. Lembro que o último acordo foi negociado por meses sem necessidade de greve.

Outro aspecto é a forma em que tais decisões são tomadas; assembleias minúsculas, em que participam e votam professores aposentados. Quem já participou dessas assembleias sabe que sua direção prolongará sua duração até o tempo necessário para que fiquem presentes aqueles, que a direção do movimento, têm certeza votarão na sua proposta. Qual a representatividade de uma assembleia de 102 professores (incluindo os aposentados) para decidir em nome de mais de 3000 professores como ocorreu na Assembleia da UFF?

Por isso, por ser falsa e covarde trata-se de uma greve injusta.

 

A greve nas universidades federais

A greve das universidades federais não é um evento isolado, mas parte de um processo que, infelizmente, tem tudo para acabar mal. Para entender, é importante lembrar que, diferentemente da maioria dos outros países da América Latina, o Brasil nunca teve grandes universidades nacionais abertas para todos que concluem o ensino médio, e optou, desde o início, por universidades seletivas, abrindo espaço para o crescimento cada vez maior do ensino superior privado, que, com seus cursos noturnos, de baixo custo e sem vestibulares difíceis, acabou atendendo à grande demanda por ensino superior de pessoas mais pobres e sem condições passar nos vestibulares e estudar de dia, que o setor público não atendia. Hoje, apesar do esforço do governo federal em aumentar a matrícula em suas universidades, 75% dos estudantes estão do setor privado.

Com um setor público pequeno e seletivo, as universidades brasileiras conseguiram criar um corpo de professores de tempo integral e dedicação exclusiva, desenvolver a pós-graduação e criar muitos cursos de qualidade, coisas que quase nenhum outro país da região conseguiu. Mas, como parte do serviço público, elas possuem um sistema homogêneo de contratos de trabalho, regras e promoção de professores e programas de ensino que não tomam em conta o fato de que elas são, na verdade, muito diferentes entre si – algumas têm programas de qualidade de graduação e pós-graduação em áreas dispendiosas como engenharia e medicina e fazem pesquisas relevantes, enquanto outras simplesmente copiam os modelos organizacionais, as regras de funcionamento e os custos das primeiras, com muito pouco de sua cultura institucional e conteúdos. Com a generalização dos contratos de tempo integral e a estabilidade dos professores, os custos subiram, sem mecanismos para controlar a qualidade e o uso adequado de recursos, que variam imensamente de um lugar para outro, independentemente de resultados.

Na década de 90, com Paulo Renato de Souza como Ministro da Educação, houve algumas tentativas de colocar esta situação sob controle, introduzindo um sistema de avaliação de resultados (o provão), vinculando parte do salario dos professores ao número de aulas dadas, e tentando introduzir legislação dando às universidades autonomia não somente para gastar, mas também para assumir a responsabilidade pelo uso eficiente dos recursos públicos através de orçamentos globais, e tentando fazer valer a prerrogativa do governo federal de escolher reitores a partir das listas tríplices selecionadas pelas universidades. Estas políticas encontraram grande resistência, os orçamentos globais nunca foram instituídos, o “provão” na prática só afetou alguns segmentos do setor privado, e o conflito entre as universidades e o governo no episódio da nomeação do reitor da UFRJ, em um tempo em que os salários não aumentavam, mobilizou grande parte dos professores, alunos e administradores das universidades federais contra o Ministério da Educação e o governo Fernando Henrique Cardoso.

Nos primeiros anos do governo Lula as relações das universidades federais com o governo passaram por um período de lua de mel: tudo era concedido, e nada era cobrado. A gratificação de docência foi incorporada aos salários, que passaram a crescer graças à melhora da economia e do aumento geral dos gastos públicos; o “provão” foi substituído por um pretensioso sistema de avaliação, o SINAES, que demorou em se organizar e continuou sem afetar as instituições federais; e a nomeação dos reitores eleitos internamente pelas universidades se transformou em regra. Para atender à demanda crescente por educação superior, o governo comprou vagas no setor privado com o Prouni, em troca de isenção de impostos, aumentando cada vez mais a proporção de estudantes no setor privado. Ao mesmo tempo, o governo iniciava uma política de expansão do acesso às instituições federais, primeiro com a introdução de cotas raciais e sociais, depois com a criação de novas instituições e a abertura de novas sedes das universidades existentes, e finalmente com o programa Reuni que, em troca de mais recursos, exigiu que as universidades federais praticamente duplicassem o número de vagas abrindo novos cursos, sobretudo noturnos, e aumentassem o número de aulas dadas por professor. Ao mesmo tempo, os antigos centros federais de educação tecnológica, os CEFETs, foram transformados em Institutos Federais de Tecnologia e equiparados às universidades em termos de custos e prerrogativas. Segundo dados do INEP, o gasto por aluno do governo federal passou de 9 mil reais ao ano em 2001 para 18 mil em 2010, acompanhando a inflação. Como o número de alunos do sistema federal duplicou nestes dez anos, devendo estar hoje em cerca de um milhão, os custos do sistema aumentaram na mesma proporção em termos reais, embora o número de formados tenha aumentado pouco. Só o programa REUNI custou 4 bilhões de reais, metade para investimentos e outra metade que passou a se incorporar ao orçamento das universidades federais.

Esta política de expansão acelerada não obedeceu a nenhum plano ou avaliação cuidadosa sobre prioridades, abrindo instituições aonde não havia demanda, admitindo alunos antes de existirem os edifícios e instalações adequadas, forçando as universidades a criar cursos noturnos e contratar mais professores mesmo quando não havia candidatos qualificados, e sobretudo sem preparar as universidades para lidar com alunos que chegavam do ensino médio cada vez menos preparados. Ao mesmo tempo, a necessidade de contenção de gastos do governo Dilma tornou impossível atender às expectativas de aumento salarial dos professores, gerando um clima generalizado de insatisfação revelado pela greve.

É possível que a greve leve a algumas concessões salariais por parte do governo federal, como costuma acontecer, mas o efeito mais visível deste tipo de movimento é o de prejudicar os estudantes e professores mais comprometidos com o estudo e pesquisa, levando à desmoralização das instituições, sem que as questões de fundo sejam tocadas. A principal questão de fundo é a impossibilidade de o setor público continuar se expandindo e aumentando seus custos sem modificar profundamente seus objetivos e formas de atuação, diferenciando as instituições dedicadas à pesquisa, à pós-graduação e ao ensino superior de alta qualidade, que são necessariamente mais caras e centradas em sistema de mérito, das instituições dedicadas ao ensino de massas em carreiras menos exigentes, que é onde o setor privado atua com custos muito menores e qualidade pelo menos equivalente. Esta é uma tese que provoca enorme reação nas instituições federais e os sindicatos docentes, que querem sempre continuar iguais e niveladas por cima em seus direitos, embora esta nivelação não exista em relação aos resultados. Mas a conta, simplesmente, não fecha.

Uma diferenciação efetiva exigiria limitar os contratos de trabalho de tempo integral e dedicação exclusiva às instituições que consigam demonstrar excelência em pesquisa, pós-graduação e formação profissional; introduzir novas tecnologias de ensino de massas e à distancia, aumentando fortemente o número de alunos por professor; e criar mecanismos efetivos que estimulem as instituições a definir seus objetivos, trabalhar para eles, e receber recursos na proporção de seus resultados. Um exemplo do que poderia ser feito é o processo de Bologna que está ocorrendo na Europa, que cria um primeiro estágio de educação de superior de massas de três anos, com muitas opções, e depois as instituições se especializam em oferecer cursos avançados de tipo profissional e científico conforme sua vocação e competência. É necessário, também, criar condições e estimular as instituições federais a buscar recursos próprios, inclusive cobrando anuidades dos alunos que podem pagar. Esta diferenciação exigiria que as universidades federais fossem muito mais autônomas e responsaveis pelos seus resultados do que são hoje, sobretudo na gestão de seus recursos humanos e financeiros, o que se torna impraticável quando os salários dos professores são negociados diretamente entre os sindicatos e o Ministério da Educação e as tentativas de diferenciar benefícios e financiamento em função do desempenho são sistematicamente combatidas.

Se nada disto for feito, o mais provável é que as universidades federais continuem a se esgarçar, com greves sucessivas e piora nas condições de trabalho dos professores e de estudo para os alunos, abrindo espaço para que o setor privado ocupe cada vez mais o segmento de educação superior de qualidade, como ocorreu no passado com o ensino médio.

 

O que fazer com os alunos que não aprendem?

O jornal O Estado de São Paulo de 17/5/2012 publicou  o meu comentário abaixo sobre os dados do Ministério da Educação que mostram uma piora dos índices de repetência e abandono no ensino médio brasileiro nos últimos anos

Ainda não sabemos  que fazer com os alunos que não aprendem

Os dados agora publicados sobre retenção, evasão e repetência escolar mostram que ainda não conseguimos superar o falso dilema sobre o que fazer com os alunos que não aprendem: deixar passar de qualquer forma ou reprovar, fazendo com que acabem por abandonar a escola, sobretudo a partir da adolescência, ou seja, no ensino médio. É difícil entender exatamente o que esses dados significam sem uma análise mais elaborada de fluxos, porque alunos que abandonam um ano podem voltar para a escola no ano seguinte, e as taxas de abandono nas séries mais elevadas já excluem os que saíram antes. Mas o quadro é grave, com muitos estudantes abandonando antes de completar o ensino médio e ficando praticamente excluídos do mercado de trabalho.

O correto, claro, seria fazer com que os estudantes aprendam e não queiram sair da escola, sem precisar repetir de ano. Para o ensino fundamental, até o 9.º ano, essencial é garantir que ninguém fique para trás em português e matemática, que é a base para tudo o mais. No ensino médio se coloca o problema adicional da grande variedade de alunos que começa a chegar a esse nível, com interesses, idade e níveis de educação prévia muito diferentes. Além disso, uma boa parte dos estudantes de nível médio ainda estuda de noite, porque as escolas são ocupadas pelo ensino fundamental durante o dia – e todos sabem que esses cursos noturnos dificilmente funcionam na prática.

Em todo o mundo, os governos oferecem e os estudantes começam a fazer escolhas a partir dos 15 anos sobre o que estudar, muitos se orientando para cursos mais práticos e profissionalizantes, outros para cursos mais acadêmicos de diferentes tipos que levam ao ensino superior. Em poucos países o ensino médio é tão burocrático e carregado de matérias inúteis como o nosso, e o ensino técnico de nível médio tão pouco desenvolvido. Tentando lidar com o problema, o MEC aprovou recentemente uma recomendação de “flexibilizar” o currículo do ensino médio, que pode significar, na prática, no esvaziamento de seus conteúdos, quando o que precisamos são de opções e alternativas de qualidade.

A questão das cotas raciais

A decisão unânime do STF em favor das cota raciais no ensino superior confirma, infelizmente, a tradição brasileira de dar soluções aparentemente simples e populares a questões complexas e difíceis, como são as da má qualidade e inequidade no acesso à educação no Brasil. Decisões do STF são para ser acatadas, claro, mas ninguém fica obrigado a concordar com elas. Escrevi um texto em 2008 aonde mostro como esta política de cotas é, no mínimo inóqua e potencialmente prejudicial, que está disponível aqui., e acho que continua válido.

Um argumento curioso que se ouve com frequencia a favor das cotas é que o desempenho dos alunos que entram nas universidades por este sistema tende a ser igual ou melhor do que dos que entram pelos procedimentos normais. É curioso porque, se eles têm realmente melhor desempenho, não precisariam das cotas para ser admitidos.  Se eles têm pior desempenho nos vestbulares ou no ENEM mas têm melhor desempenho nos cursos, isto indica que existem sérios problemas no ENEM e nos exames vestibulares, que precisariam ser corrigidos. Problemas deste tipo certamente existem, mas não há evidência de eles consistam em discriminar sistematicamente contra pessoas de pele escura. Para entender melhor o que está ocorrendo seria preciso observar se a baixa correlaçao entre resultados dos exames de ingresso e desempenho se dá igualmente em todos os  níveis ou somente nos cursos de níveis de exigência mais baixo.

Hoje o jornal O Globo publica uma pequena entrevista minha sobre o assunto, que tanscrevo abaixo.

A cota cria situações de pessoas que se sentem discriminadas’

O Globo – 27/04/2012

SIMON SCHWARTZMAN  – O sociólogo e presidente do Conselho do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Simon Schwartzman, diz ser contra a adoção de cotas raciais em universidades. Na opinião dele, elas acabam gerando mais discriminação.

O GLOBO: Por que o senhor é contra as cotas nas universidades ?

SIMON SCHWARTZMAN: Não acho que cotas sejam uma coisa boa em geral. Considero correta a ideia de uma política de ação afirmativa que dê atendimento especial para pessoas em situação de carência. O que não acho correto é diferenciar as pessoas pela cor da pele ou pela raça.

Que medidas seriam mais adequadas que as cotas?

SCHWARTZMAN: Mais adequado seria melhorar a educação para as pessoas poderem chegar à universidade e não precisarem desse tipo de ajuda. Na falta disso, poderiam ser criados cursos que preparassem melhor para as universidades, e poderiam dar ajuda financeira para quem não tem recursos, de modo a permitir que as pessoas continuem estudando. Simplesmente criar cota e colocar a pessoa na universidade sem esse tipo de apoio, não significa que ela aproveitará. Vai ter aquela situação de o “fulano é cotista”, ou o “fulano não é cotista”. Vai criar discriminação.

Por que o senhor acha que a discriminação pode aumentar com as cotas?

SCHWARTZMAN: Quando você cria uma situação em que você divide as pessoas entre cotistas e não cotistas, você está dividindo a população e tem gente que diz “ah, o fulano entrou pela janela”. As pessoas começam a se olhar se estranhando.

Cria situações de pessoas que sesentem discriminadas, que tiveram desempenho melhor nas provas e não conseguiram entrar na universidade, como aconteceu em uma das ações em avaliação pelo STF.

Há quem diga que as cotas são uma forma de reparar um problema histórico, desde a escravidão. Como o senhor vê isso?

SCHWARTZMAN: Temos um presente extremamente complicado, com pobreza, pessoas que não completam o ensino médio ou que completam e não sabem quase nada. Parte dessas pessoas é negra, parte é branca. Temos que lidar com o problema da má qualidade de educação. Se tivéssemos uma educação de melhor qualidade, esse problema não se colocaria.

O senhor acha mais provável que o cotista abandone o curso?

SCHWARTZMAN: Pode ficar difícil para ele acompanhar, porque supõe-se que são pessoas que não têm condições de entrar pelo processo tradicional. Ou você não deixa entrar ou você deixa e dá apoio.

 

Cem mil bolsas no exterior

O programa “Ciência sem Fronteiras”, pelo qual o governo brasileiro anunciou a intenção de dar cem mil bolsas para estudos no exterior ao longo de 4 anos, vem provocando muito interesse, mas também muitas dúvidas. Vale a pena este esforço?  Será que vai dar certo?

A revista Interesse Nacional, em seu número de abril/junho de 2012, publica um artigo assinado por Claudio de Moura Castro, Helio Barros, James-Ito Adler e mim aonde tratamos de reunir as informações disponíveis sobre o programa e discutir seus diferentes aspectos (o texto integral pode ser baixado aqui).  Ao final, concluimos que  ” tanto pelo seu tamanho como por sua orientação, o programa Ciência sem Fronteiras pode significar uma virada importante para a educação superior e a ciência e tecnologia do país. Ele rompe com um certo provincianismo que parecia ter se acentuado no setor nos últimos anos e confirma a vocação do país em ter uma participação cada vez maior, mais competente e mais competitiva no mundo atual, onde os conhecimentos de alto nível são o fator mais escasso. Enfatiza também a importância da formação técnica, profissional e científica, ao lado da formação acadêmica mais tradicional.

O fato de ser um programa implantado “de cima para baixo”, pela Presidência da República, ao mesmo tempo em que lhe dá força e visibilidade, traz também riscos importantes. Decisões de alto nível e negociações intergovernamentais só são bem sucedidos quando se institucionalizam em agências capazes de acumular experiências ao longo do tempo e contar com o apoio e a participação dos setores da sociedade com os quais trabalham. A história da CAPES e do CNPq mostra que sabem como trabalhar de forma individualizada com professores universitários de pós-graduação e cientistas, mas sabem muito menos como operar em grande escala e trabalhar com o setor empresarial e com cursos de formação geral.

Falta muito por esclarecer sobre como será a parte propriamente empresarial do programa, responsável por um quarto das bolsas previstas. As instituições que aparecem até agora como financiadoras podem ter, simplesmente, respondido a um apelo presidencial ao qual não poderiam se furtar. Mas falta que se envolvam no processo de seleção de bolsistas e no estabelecimento de parcerias com outras empresas no exterior. Visto em seu conjunto, o programa Brasil sem Fronteiras parece ter seu resultado assegurado na linha mais tradicional, de ampliação da formação de alto nível no exterior. Não obstante há dúvidas, cada vez maiores na medida em que nos afastamos deste núcleo duro e entramos nas áreas prioritárias, mas mais incertas, dos estágios de curta duração e da formação técnica e profissional. É, sobretudo, nestas áreas que o programa precisa se fortalecer.

Finalmente, embora o aumento de recursos para a fixação de jovens talentos e de professores visitantes estrangeiros seja um passo no bom sentido, ainda existe muito a ser feito para tornar o Brasil um país realmente atrativo para estudantes, professores e pesquisadores internacionais que possam trazer para o país suas experiências, culturas e contribuição. As melhores universidades brasileiras não estão preparadas e nem têm estimulos para receber estudantes internacionais. Os concursos, estritamente tradicionais, para professores, os níveis salariais definidos burocraticamente e a rigidez do serviço público limitam fortemente, embora não impeçam totalmente, que as universidades brasileiras compitam internacionalmente pelos melhores talentos. Para que a ciência brasileira se torne realmente sem fronteiras, é preciso que desbravem novos caminhos, em todas as direções.”

 

OsteRio: os Desafios da Educação no Rio de Janeiro

Participei ontem, 9 de abril, do encontro semanal do OsteRio, organizado por iniciativa do IETS,   desta vez sobre os desafios da educação no Rio de Janeiro. A estrela da noite foi Claudia Costin, Secretária de Educação do Município, que vem fazendo um trabalho extraordinário. Coube a mim dar o contexto e levantar algumas questões iniciais.

As boas notícias: começando pela cidade, e mais recentemente no Estado como um todo, a educação se despolitiza, existem indicadores de qualidade que são acompanhados, existem programas para lidar com problemas específicos como analfabetismo funcional e escolas em áreas de risco, programas de incentivo ao desempenho, etc. Existem também experiências pedagógicas inovadoras, como o ginásio carioca, a educopédia, e o esforço de trazer para a educação a contribuição da sociedade civil em suas diferentes formas. Existe também uma preocupação crescente em ampliar e melhorar a qualidade da educação infantil.

No entanto, ainda existem muitos problemas a resolver. Alguns dados para entender o quadro: Em 2010 havia 810 mil estudantes no ensino fundamental no Rio de Janeiro, 541 mil na rede municipal e 235 mil em escolas privadas. Havia também 255 mil estudantes de ensino médio, dos quais 193 mil na rede estadual e nenhum na rede municipal. Isto significa que, por melhor que seja, a secretaria municipal só lida com uma parte da população estudantil. Mas são mais de 500 mil estudantes em mais de mil escolas, a maior rede municipal do país.

As taxas de conclusão do ensino fundamental (16 anos) e médio (19) para o estado são de 65.5% e 54.1% respectivamente. Isto significa que quase metade dos jovens conclui tardiamente ou não conclui o ensino fundamental e médio. Os níveis de desempenho medidos pela Prova Brasil continuam muito ruins. Pela avaliação do Todos Pela Educação, que se utiliza de dados da Prova Brasil de 2009, na quarta série/ 5 ano, só 35% dos alunos têm desempenho satisfatório em português, e só 31% em matemática. Na 8a série/ 9 ano, 25 e 11%; ao final do nível médio, 18% e 5%. De lá para cá, existem melhoras na 4a série / 5 ano, mas não depois disto.

A pergunta que se coloca é se as iniciativas hora em curso vão permitir que esta situação possa melhorar de maneira muito significativa nos próximos anos. As projeções estatísticas que muitas vezes se  utilizam parecem sugerir que as coisas irão melhorando sempre, mas o que se vê é que, mesmo quando existe alguma melhora nos primeiros anos, estes resultados se desfazem ao longo do tempo, como mostram os dados desastrosos da avaliação do final do ensino médio. Este é o “teto de vidro” que precisa ser rompido com políticas muito mais amplas e profundas do que as que vêm sendo implementadas.

Alguns pontos para considerar:

– O peso do fator escola vs o peso das condições sociais dos estudantes. Existe clara evidencia, em todo o mundo, de que o papel da escola é limitado quando comparado com o papel do ambiente familiar e das condições sociais dos estudantes nos resultados da aprendizagem. Mas se sabe também que boas escolas podem compensar, até certo ponto, estas limitações. Uma consequência deste fato é que não se pode esperar que todos os estudantes sigam o mesmo programa de estudos, deve haver atendimento especial e programas diferenciados para estudantes que chegam com mais dificuldades e limitações. Ao mesmo tempo, a escola não pode separar e discriminar os estudantes em função de suas condições sociais.

– A Educação infantil. O impacto das condições sociais e familiares se dá sobretudo nos primeiros anos, e isto tem justificado a expansão da educação infantil e pré-escolar. No entanto, sabe-se que, sobretudo nos primeiros anos, nada substitui o relacionamento afetivo dos filhos com os pais, que as creches e pré-escolas precisam ter qualidade para terem o efeito pedagógico adequado, e que, mesmo nos melhores casos, os efeitos benéficos da pré-escola podem se diluir se a qualidade da educação subsequente não é boa. A dúvida que se coloca é na expansão acelerada da educação infantil, sem cuidar de sua qualidade, não esta trazendo mais problemas do que benefícios, ao criar problemas de institucionalização precoce e retirar recursos da educação fundamental.

– Os problemas de atraso e abandono escolar tem sido tratados com os programas de aceleração da aprendizagem e com a chamada “EJA”, a educação de jovens e adultos. Os programas de aceleração, ao dar um apoio adicional a estudantes atrasados, são valiosos; existem muito mais dúvidas sobre o EJA, que em muitos casos não passam de um mecanismo abreviado para as pessoas obterem um certificado escolar sem aprenderem de fato os conteúdos esperados.

– Sobretudo a partir do final do ensino fundamental, aos 13-14 anos, já se coloca a necessidade de se oferecer aos estudantes um leque de opções que lhes permita avançar nas áreas e temas aonde têm mais interesse e condições de seguir estudando. Uma parte importante destas opções seria a da formação profissional. Não se trata somente de dar flexibilidade aos cursos, como recente parecer do Conselho Nacional de Educação propõe, mas de criar possibilidades reais de caminhos alternativos. Isto implica mexer com os currículos, com a legislação, e, no caso do ensino profissional, em parcerias efetivas entre o sistema educativo e o setor produtivo, proporcionando estágios e criando sistemas organizados de aprendizagem. Existem experiências isoladas em relação a isto, mas ainda estamos longe de um sistema robusto de formação profissional que ofereça alternativas verdadeiras para os estudantes.

– Existem problemas sérios de currículo que precisariam ser enfrentados. A ênfase crescente em língua e matemática é correta e a precisa ser aprofundada; por outro lado, faltam temas importantes como economia e direito, e sobram outros de relevância duvidosa, sobretudo quando mal ensinados.

– Avançamos muito pouco na questão da formação de professores e criação de uma profissão docente de qualidade. Do lado das redes escolares, isto tem a ver com criar carreiras aonde se incentiva o mérito e a dedicação; mas tem a ver também com a criação de pontes mais efetivas entre as redes de ensino e o sistema de formação de professores nas universidades. A evidencia internacional em relação a isto é clara, nenhum sistema escolar é melhor do que a qualidade de seus professores, e esta é uma prioridade clara, que precisa ser tratada.

 

 

O novo comercialismo na educação superior americana e o programa “Ciência sem Fronteiras”

Philip G. Altbach

Philip Altbach, diretor do Centro de Educação Superior Internacional do Boston College, escreve no site Inside Higher Education – The World View sobre duas tendências preocupantes na educação superior norte-americana, o novo comercialismo e o rebaixamento dos padrões de qualidade na seleção de estudantes. Estas tendências, que nao ocorrem somente nos Estados Unidos, estão relacionadas à dependência das universidades, sobretudo as menores, em relação ao dinheiro das matrículas dos estudantes, e afetam sobretudo a admissão de estudantes internacionais que têm bolsas de estudo de seus governos ou famílias que podem pagar os custos, mas que muitas vezes não se sairiam bem em exames como o SAT ou o GRE.

Altbach não menciona o Brasil, mas a promessa brasileira de enviar 100 mil estudantes com bolsas de estudo para os Estados Unidos, Canadá e Europa está, sem nenhuma dúvida, fazendo brilhar os olhos de muitas universidades mais premidas por dinheiro nestes países, e pode significar que a promessa de que estes estudantes seriam mandados somente para universidades de primeira linha e para programas de qualidade possa não se dar como se espera.

O texto completo de Altbach está disponível aqui.

REAP – A nova geração de economistas brasileiros

Está anunciado para o dia 10 de abril, na sede do INSPER em São Paulo, o lançamento da Rede de Economia Aplicada, REAP,  inspirada no renomado National Bureau of Economics Research, NBER , para a divulgação de trabalhos sobre educação, saúde, organização industrial, crime, macroeconomia, crescimento econômico, trabalho, pobreza e desigualdade , escritos pela nova geração de economistas brasileiros dedicados a estes temas.  Como consta do site, “a proposta essencial dessa rede de conhecimento é fornecer subsídios que possam alimentar o debate público e contribuir para a formulação de políticas públicas bem fundamentadas”.

A criação da REAP marca a presença,no Brasil, de uma nova geração de economistas formados nas melhores universidades em todo o mundo e dotados de instrumentos conceituais e analíticos que lhes permitem lidar com temas de política social que antes eram tidos como reservados para sociólogos, cientistas políticos e anropólogos.  Estes que se cuidem!

Quem se interessar em assistir ao lançamento deve entrar contato com o INSPER pedindo mais informações.

 

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