O “Wolf Report” sobre o ensino profissional na Inglaterra

Alyson Wolf é professora do King’s College em Londres e autora, entre outros, de Does Education Matter? Myths About Education and Economic Growth (Penguin, 2002) aonde faz um ataque devastador ao complicado sistema de certificações profissionais desenvolvido ao longo dos anos pela Inglaterra. Agora em 2012 o governo inglês adotou oficialmente o relatório que ela coordenou sobre a educação profissional (“vocacional”) na Inglaterra, propondo profundas mudanças a partir de uma anállise da situação inglesa e de comparações internacionais.

A maior parte da discussão e das recomendações do relatório são específicas para o contexto inglês, Mas, para quem conseguir superar o emaranhado infernal de siglas de instituições, certificados e qualificações da Inglaterra, o Relatório traz análises e idéias preciosas, que poderiam ser muito úteis para a discussão brasileira que mal se inicia sobre este tema.

Ainda que as proporções variem, todos os países enfrentam a situação de que, por um lado, as credenciais e as qualificações proporcionadas pela educação mais acadêmica são valorizadas pelas pessoas e pelo mercado de trabalho, mas, por outro lado, um número significativo de jovens não consegue seguir o caminho tradicional que passa pela educação geral no ensino médio e termina com a formação universitária.

A alternativa, adotada no passado pela Inglaterra e a maioria dos países europeus, era destinar a maior parte dos estudantes (geralmente de familias mais pobres e menos educadas) desde 12 ou 13 anos de idade, a cursos de formação profissional e para o mercado de trabalho, reservando as carreiras mais acadêmicas e a universidade para poucos.

Esta situação, mostra o relatório, está mudando, e precisa mudar rapidamente, por várias razões. Não é justo definir o destino dos jovens tão cedo na vida, colocando-os em cursos que os deixam sem opções para continuar avançando e se desenvolvendo. As familias percebem isto, e os cursos de formação profissional são cada vez menos procurados. O mercado de trabalho também está mudando dramaticamente, sobretudo para os jovens. As antigas profissões artesanais estão desaparecendo, competências gerais como o domínio da língua, da matemática e das tecnologias de informação são cada vez mais importantes, e é cada vez mais dificil para jovens de menos de 18 anos conseguir trabalho e adquirir experiência prática.

Isto não significa, no entanto, que todos devam seguir o mesmo programa de estudos, e que a formação profissional deva ser abandonada ou colocada em segundo plano. O relatório mostra que se, por um lado, o complicado sistema de certificação de competências criado nas últimas décadas não produziu bons resultados, existem muitas experiências de aprendizagem em empresas e escolas que combinam formação geral e experiência de trabalho prático que dão resultados excelentes e são muito valorizados no mercado de trabalho, as vezes mais do que a formação universitária convencional.

Um aspecto central do sistema inglês é a avaliação a que todos os estudantes são submetidos aos 16 anos, ou seja, ao final do que no Brasil seria a educação fundamental, e quando obtêm o GCSE, o Certificado Geral de Educação Secundária. Aos 14 ou 15 anos os estudantes já começam a escolher em que áreas pretendem ser avaliados (em inglês, matemática ou ciências, por exemplo), e os que estão em programas de formação profissional podem se concentrar nestas áreas. O relatório recomenda que as escolas neste nível (o que eles chamam de Key Stage 4) tenham liberdade para oferecer as qualificações que queiram, profissionais ou acadêmicas, desde que façam parte de uma lista de áreas devidamente certificadas, e que tenham um conteúdo importante do ponto de vista da formação dos estudantes. A partir daí, conforme os resultados do GCSE, os alunos começam a buscar caminhos próprios e a se aprofundar nos temas de sua preferência, seja pela via academica (preparando-se para os “A-Level” aos 18-19 anos, para aceder à universidade) seja para a vida profissional ou alguma combinação das duas coisas, com pelo menos cinco caminhos alternativos principais .

O problema principal com a educação profissional é fazer com que ela não se transforme em um ritual sem significado para a formação do estudante e para suas chances no mercado de trabalho, e não coloque o estudante em um beco sem saída, aprendendo um ofício que pode se tornar obsoleto em pouco tempo. Aqui, como em seus trabalhos anteriores, Alyson Wolf critica a tendência adotada na Inglaterra e muitos outros países de desenvolver sistemas detalhados de competências que seriam depois avaliadas por testes padronizados. A idéia central é que a formação de uma pessoa não é a simples agregação de habilidades discretas e separadas, mas um processo integral. O que é importante é a experiência real de trabalho, combinada com o aprofundamento e ampliação contínua das competências no uso da língua e da matemática. O ensino da língua e da matemática não pode ser abandonado nem antes nem depois dos 16 anos, ainda que estudantes com níveis e interesses distintos possam fazer estes cursos em níveis diferentes.

A outra caracteristica importante da formação profissional é que ela seja feita com a participaçao do setor empresarial, tanto quanto possível em sistemas de aprendizagem que funcionem em parceria com a educação formal para o desenvolvimento das competências em linguagem e matemática. Fazer isto não é fácil, e duas linhas de ação são sugeridas. A primeira é dar apoio financeiro às empresas que desenvolvam sistemas de aprendizagem e formação profissional. Como estes aprendizes também trabalham nas empresas, e podem ser eventualmente contratados depois de formados, as empresas devem cobrir parte dos custos, mas ser também financiadas na proporção do trabalho formativo que realizam. A segunda é modificar e fortalecer o sistema de certificação das instituiçoes e programas de ensino profissional e de aprendizagem, não pela soma das competências que proporcionam (o que estimula a acumulação de créditos sem maior relevância) mas pela qualidade da experiência educativa e profissional que proporcionam. Esta certificação precisa ser feita com a participação ativa do setor empresarial, e não pode ser reduzir a sistemas simplistas de indicadores sintéticos de qualidade que, como mostra a Lei de Goodharts, por definição não medem o que pretendem.

O sistema ingles não pode nem deve ser copiado, mas temos muita coisa a aprender com seus erros e acertos. Entre os erros, evitar a especialização precoce, a proliferação burocrática das “compeetências” e habilidades e de títulos e certificados que nem eles mesmo entendem bem. Entre os acertos, permitir que os estudantes comecem a escolher seus caminhos aos 14 ou 15 anos, que em quase todo mundo correspondem ao “secundário inferior” mas no Brasil foram incorporados ao ensino fundamental; abrir muito mais o leque de alternativas de estudo e formação profissional a partir dos 16 anos, no “secundário superior”, que é nosso ensino médio; não abrir mão da certificação da qualidade dos cursos, dentro da vocação e interesse de cada um; estimular o setor privado a participar de forma ativa das atividades de educação, dando aos estudantes experiências concretas de trabalho profissional, sem abrir mão da formação contínua em língua e matemática; valorizar ao máximo os sistemas de aprendizagem, em parceria com as escolas; estimular a existência de escolas de formação profissional e especializada; e manter sempre aberta possibilidade de que as pessoas continuem a estudar e a se aperfeiçoar, independentemente dos caminhos que seguiram, ou não seguiram, em sua educação fundamental e média.

Crescimento econômico e políticas de educação superior no Brasil: qual a relação?|Economic growth and higher education policies in Brazil: a link?

Fora do Brasil, existe a percepção de que, como a economia está crescendo e o setor de educação superior e de pesquisa também, as duas coisas devem estar ligadas.  Neste comentário publicado em International Higher Education (ver abaixo o texto em inglês e o link para a versão castelhana) eu procuro mostrar que a relação existe, mas sobretudo no sentido oposto ao que se pensa: em geral, não são as políticas educativas que explicam o crescimento da economia, mas é este crescimento que explica o crescimento da educação e da pesquisa. Esta tem sido a situação até aqui, embora se possa esperar que no futuro ela venha a se transformer.

 Outside Brazil, there is a general notion that, since the economy is growing and the higher education and research systems are also expanding, the two things should be linked.  In this note written for International Higher Education, I argue that this links exists, but not in the expected direction; economic growth is the cause, not the product of the expansion of higher education and research, although this situation may be changing now, with the growing demand for qualified  manpower and research capabilities by the knowledge economy.

Economic Growth and Higher Education Policies in Brazil: A Link?

Simon Schwartzman

Published in International Higher Education  issue 67 Spring 2012

Brazil is one of the new “emerging economies.” It is flexing its muscles to become a leading international player, and thus, it needs good university institutions capable to produce the scientists and engineers needed to keep the momentum. Therefore, clear policies are required, to improve the standards of universities and the quality of higher education institutions, based on a clear identification of priorities. However, contrary to the assumptions and expectations of external observers, Brazil does not have such a strategy.

Brazil experienced cycles of rapid economic growth in the 1930s, after World War II, in the 1970s, and again after 2002. Each of these cycles can be explained by favorable external conditions—the revenues created by the agricultural and mining sectors, the influx of international investments, and the use of such resources to finance a growing public sector, the steady transfer of the population from the countryside to the urban centers, and generating a growing internal consumption market. These developments were also preceded by internal reorganizations of the economy, controlling inflation and increasing the governments’ ability to raise taxes, as it happened in the late 1960s and more recently in the 1990s. In none of these cycles is a causal link found between investments in education, science, and technology and economic growth. On the contrary, the causality seems to be the opposite. With more resources, governments became more generous and willing to respond to the demands of an emerging middle class for more benefits, including free access to education. Thus, the existing network of federal universities was created during the period of economic expansion after the Second World War; and the current network of graduate education, research, and technology was set up in the late 1970s, when the “economic miracle” of the previous years was about to implode.

The economic boom of the last 10 years was mostly fueled by the macroeconomic stability achieved in the late 1990s, the favorable winds of international trade blowing from China, and the ability of a small sector of the economy— mostly the agrobusiness and mining companies. With economic stabilization, high interest rates, and an overvalued currency—the country became attractive to foreign investments, generating more jobs and employment for the middle classes.

The Expansion of Public Expenditure and Education

With the economy growing at the steady rate of 4 to 5 percent a year, public expenditures increased to almost 40 percent of the gross domestic product, most of it spent on social security, the payment of civil servants, and the service of the public debt. The federal government benefited from the growing tax base, to distribute some benefits to the poor, with the conditional cash transfer programs and increases in the value of the minimum wage; to the civil servants, increasing their numbers, raising salaries and social benefits; to the rich, providing cheap subsidies and generous contracts for public works and services; and to political allies, through widespread patronage and tolerance to corruption. For the middle class, one benefit was to provide growing access to free higher education in public and private institutions and affirmative action, to respond to the demands of organized social movements.

None of these options required a national policy for good-quality higher education and effective and economically relevant science and technology. Brazil spends today about 5 percent of gross domestic product on education, mostly through states and municipalities for basic and secondary schools. In spite of recent investments in public universities, the provisions cover about 25 percent of the enrollment. While some institutions and professional schools are of good quality, most of them are not; and there is no mechanism to stimulate quality. The assessments carried on by the government only affect poorly rated private institutes in medicine and law, largely in response to the pressures from the professional corporations. Graduate education and research continue to expand, mostly in the State of São Paulo, in selected federal universities and in a network of federal research institutes. It is by far the largest research and development and graduate education establishment in Latin America. But research is mostly academic, with little factors in terms of patents and applied technology, and is poorly connected with the country’s economic and social needs.

There are some important counterexamples: Embraer, Brazil’s successful airplane company, grew out of the Aeronautical Institute of Technology (ITA)—a technological institute and engineering school established by the Air Force; and at least part of the achievements in agriculture is explained by new varieties developed by Embrapa, Brazil’s agricultural research agency. The National Service for Industrial Training (SENAI), a vocation-training agency run by the Federation of Industries, has a history of success in the qualification of specialized workers for the industrial sector. All, tellingly, are outside the realm of the Ministry of Education and the Ministry of Science and Technology. In short, as the Brazilian society modernized and its economy grew, higher education institutions also expanded in size and some of them even in quality; they were and are still part of the same wave. Clearly, higher education could not have grown without economic development, but the reverse (so far at least) is not true, although it may become so in the future.

The Future

This situation may be transforming. As the economy becomes more complex and sophisticated, it requires a more skilled population and more relevant research. There are signs that this is already happening, with new companies complaining for the lack of qualified engineers and midlevel technicians; and multinational corporations importing qualified manpower from abroad. To respond to this situation, higher education in Brazil will have to change its priorities from uncontrolled growth and access to quality and relevance—not an easy transition.

Pagando o professorado|Paying the Professoriate

How are professors paid? Can the “best and brightest” be attracted to the academic profession? With universities facing international competition, which countries compensate their academics best, and which ones lag behind? Paying the Professoriate examines these questions and provides key insights and recommendations into the current state of the academic profession worldwide.Paying the Professoriate is the first comparative analysis of global faculty salaries, remuneration, and terms of employment. The book is being published by Routledge, and its description and order instructions can be found here.

Como são pagos os professores de nível superior? Como os “melhores e mais brilhantes” podem ser atraidos para a profissão acadêmica? Que universidades entram na competição internacional, que países pagam melhor a seus professores, e quais estão ficando para trás? Paying the Professoriate é a primera análise global de salários universitários e condições de trabalho. O livro está send publicado pela Routledge, e sue descrição e como comprar podem ser vistas aqui

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André Medici: O Indice de Desenvolvimento do SUS

André Medici publica em seu seu blog, Monitor de Saude, uma análise detalhada do recém publicado Índice de Desenvolvimento do SUS – IDSUS, cujo  texto completo está disponível aqui. Ele elogia o esforço de desenvolver indicadores de qualidade dos serviços de saúde no país, mas diz tambem que, em geral, o índice não estava suficientemente maduro para ser utilizado e divulgado como foi, e que, no caso particular d Rio de Janeiro, ele não reflete os esforços de melhoria ocorridos nos últimos anos. Ele se diz em princípio favorável à elaboração de índices sintéticos deste tipo, que juntam em um só número dferentes indicadores com pesos diferentes; eu tendo a achar que, mesmo nos melhores casos, estes indicadores sintéticos são de difícil interpretação, e escondem mais do que revelam.

Sobre o índice, diz Médici:

“Não sou contra a existência de indicadores sintéticos e acho que os mesmos podem e devem ser utilizados para alinhar objetivos, medir resultados, estabelecer incentivos ou distribuir recursos. Mas para tal, o processo de construção destes indicadores sintéticos deve passar por um ciclo longo de testes, pilotos de implementação, substituição e teste de novas variáves e, assim mesmo, marcando as diferenças entre a tipologia de contextos de saúde existentes no interior do país, até que se prove (ou não) sua viabilidade e adequação técnica. Em muitos contextos, indicadores sintéticos não são a melhor opção.

Portanto, numa primeira fase, ao invés de ter como ponto de partida um indicador sintético, se poderia implementar ao nivel do governo um processo de avaliação dos municípios do tipo painél de controle (dashboard), onde: (a) se consideraria um conjunto até maior de indicadores que seriam testados e adequados aos contextos sócio econômicos, demográficos e epidemiológicos de cada município; (b) se fariam rankings independentes de variáveis como forma de priorizar problemas específicos para serem incorporados nos planos e estratégias de saúde dos municípios, se possível com o apoio técnico das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde; (c) se procuraria alinhar os indicadores às prioridades de saúde em cada contexto municipal; (d) se fariam rondas de discussão técnica e consenso permanente entre o Ministério da Saúde, a comunidade acadêmica, o CONASS e o CONASEMS em relação a estes indicadores, e; (e) se fariam agregações tentativas que poderiam criar, no futuro, indicadores sintéticos para cada conjunto de municípios, mantidas suas especificidades. Dois outros pontos deveriam ser mencionados. Dados os problemas acima mencionados, o Ministério da Saúde deveria ser muito cauteloso ao divulgar este indicador em um ano eleitoral, dado que poderá levar a interpretações equivocadas sobre o desempenho e esforço empreendido pelos secretários de saúde e prefeitos na melhoria dos seus indicadores de saúde. O segundo ponto se refere ao uso do indicador para premiar ou punir municípios na alocação e distribuição dos recursos de financiamento repassados pelo SUS. Este processo deverá um dia ser feito, mas não com a configuração atual do IDSUS. O ideal seria utilizar os dados do IDSUS para permitir a programação de políticas, intervenções e incentivos que devem ser dados para adequar investimentos, processos, capacitação técnica, coordenação inter-setorial e o enfoque para resultados dos programas do SUS ao nível local.”

Sobre o Rio de Janeiro:

“Na análise dos dados do IDSUS no Rio de Janeiro, o Estado obteve a terceira pior posição na classificação nacional e o Município do Rio de Janeiro, a pior situação entre os municípios das capitais. Esta realidade deve ser interpretada do ponto de vista das condições históricas do Estado e do Município. Este último, abrangendo 50% da população do Estado, apresentava uma forte participação de cobertura de planos de saúde entre sua população (mais de 50%) e uma baixa taxa de cobertura dos programas de atenção básica (em torno de 6% ao redor de 2008), o que o levava a uma situação bastante peculiar. Sem a existência de serviços de média complexidade de 24 horas de atenção, a população era obrigada a formar imensas filas nas emergências dos hospitais municipais, estaduais e federais que não tinham condições de atender adequadamente a demanda. Os serviços de saúde não se estabeleciam nas favelas, dado os problemas de segurança que impediam, não apenas os profissionais de saúde a frequentarem ou se estabelecerem perto das mesmas, como também a população de descer ao asfalto para procurar o serviços de saúde. Nos últimos anos o Município passou a enfrentar esta situação de uma forma bastante eficiente e expedita. A Secretaria Municipal de Saúde criou um modelo arrojado de Clínicas de Família, que potencializa a atenção do Programa de Saúde da Família (PSF), elevando a cobertura da atenção básica para algo ao redor de 27% da população em dezembro de 2011. Complementou esta estratégia com a criação de diversas Unidades de Pronto Atendimento 24 horas (UPAS) em diversas localidades pobres do Município, facilitando o acesso aos serviços de emergência e média complexidade e ao mesmo tempo racionalizando a porta de entrada para a alta complexidade.”

Depois de citar outros desenvolvimentos recentes no Rio, conclui dizendo que “Estes fatos, dado que ocorreram nos últimos dois anos, não se refletem nos indicadores do IDSUS que retratam a situação existente em 2008. Portanto, em que pese que os indicadores do Estado e do Município ainda podem ser melhorados, o esforço empreendido pelos governos do Estado e Município não está diretamente refletido no indicador.”

Marcelo Neri: A Nova Classe Média

Escreve Marcelo Neri sobre seu novo livro,  A Nova Classe Média, com lançamento marcado para o dia 9 de março na Livraria da Travessa no Shopping Leblon, às 7 da noite  no dia 09/03  (confira a capa completa e o índice do livro)

A Nova Classe Média: o lado brilhante da base da pirâmide

Há 25 anos eu e meu grupo nos debruçamos sobre a distribuição de renda brasileira. Estendemos a análise da pobreza absoluta a outros segmentos da população. Em particular, acompanhamos há alguns anos a evolução das classes econômicas (de A1 a E2). Acabo de publicar este livro pela Editora Saraiva no tema .

Os sociólogos podem relaxar, pois não estamos falando de classes sociais (operariado, burguesia, capitalistas etc) mas de estratos econômicos. Leia-se dinheiro no bolso, segundo os economistas a parte mais sensível da anatomia humana.

“Nova classe média” foi o apelido que demos à classe C anos atrás. Chamar a pessoa de classe C soa depreciativo, pior que classe A ou B, por exemplo.  “Nova classe média” difere em espírito do “nouveau riche”, que discrimina a origem das pessoas. Ela dá o sentido positivo e prospectivo daquele que realizou – e continua a realizar – o sonho de subir na vida. Mais importante do que de onde você veio ou está, é aonde você quer e vai chegar. A nova classe média não é definido pelo ter, mas pela dialética entre o ser e o estar.

A opção foi aninhar nossa metodologia na clássica literatura de bem estar social baseada em renda familiar per capita. Entre 2003 e 2001 cerca de 40 milhões de pessoas, uma Argentina, se juntou à classe média aqui. O Rio Grande do Sul contém 30 dos 50 municípios com maior participação relativa dela. Niterói é a cidade mais classe A. Projetamos mais 32 milhões em seis anos entrando nas classes ABC. A nova classe AB, isto é pessoas que ascenderam à elite, ganhará nos próximos anos atenção semelhante àquela devotada à nova classe média nos últimos.

Para além da renda, incorporamos outras dimensões como sustentabilidade e percepções das pessoas. O primeiro caso trata das relações concretas entre fluxos de renda e estoques de ativos abertos em duas grandes frentes: a do produtor e a do consumidor, analisadas em detalhes sociais e setoriais.

O lado do produtor se apóia em economia do trabalho, leia-se emprego, mas também empreendedorismo.  O outro lado se apóia na literatura de consumo e poupança, que é tão ou mais fraca no Brasil quanto as nossas taxas de poupança.

Criamos indicadores sintéticos destas duas dimensões, e para a minha surpresa, e talvez para sua, o lado do produtor andou 38% mais rápido que o do consumidor. A nova classe média constrói seu futuro em bases sólidas que sustentem o novo padrão adquirido. Isto é o que chamamos de lado brilhante dos pobres.

Mais do que frequentar templos de consumo, o que move a nova classe média brasileira é a produção. Carteira de trabalho é o seu principal símbolo. Famílias com  menos filhos, investindo mais na educação deles. A nova classe média nasce a partir da recuperação de atrasos tupiniquins. Ela é filha da volta do crescimento com a redução da desigualdade. Muito diferente daquela dos demais BRICS.

Ao fim e ao cabo, fluxos ou estoques de dinheiro podem trazer, ou não, a felicidade. Acoplamos atitudes e expectativas das pessoas em relação às suas vidas tal como desenvolvido na literatura de felicidade, que apenas há pouco ganhou a atenção e talvez alguma respeito por parte dos economistas. Atestamos em quatro ocasiões diferentes ocasiões que entre mais de 130 países, o brasileiro é o povo mais otimista em relação à sua vida cinco anos à frente.

O “brasileiro, profissão esperança” de que a vida vai melhorar, me ajudou a entender o que as grandes bases de dados e minhas idas a campo indicavam sobre os novos emergentes. Mais do que o ouro, as matas e o pau que deram cor e nome à nossa nação, riqueza maior é o brilho deles refletido no olhar brasileiro.

Uma visão global da educação superior | Global View on Tertiary Education

Jamil Salmi, que trabalhou até recentemente como coordenador da área de educação superior fo Banco Mundial e é autor de uma das principais publicações sobre o tema das universidades de classe internacional, tem agora seu próprio site, confirme  (qualquer semelhança com o meu não é pura coincidência).

Francisco Soares: os problemas do ENEM e os mistérios da TRI

Boa parte dos problemas surgidos com o ENEM em 2011, assim como a resposta dada pelo INEP a estes problemas, tem a ver com a misteriosa TRI, a “Teoria da Resposta ao Item” que foi adotada para produção dos escores. Francisco Soares, um dos principais especialistas brasileiros em estatística educacional, argumenta que há várias maneiras de se usar a TRI em um exame como o ENEM, fato que precisa ser entendido pelos decisores públicos.  O texto completo está disponível aqui.

Mas, o que é a TRI? A idéia básica é que cada competência em uma prova (por exemplo, a capacidade de ler e entender um texto) é medida por uma série de perguntas, ou itens, com graus diferentes de dificuldade, conforme o número de pessoas que responde certo. Itens fáceis que muitos respondem pesam menos na nota do que itens mais difíceis que poucos acertam. Outra função do TRI é identificar questões que na verdade não medem bem a  competência que se quer, e descartá-las. Finalmente a TRI pode ser usada para garantir que os resultados de diferentes anos sejam comparáveis. Para essa última finalidade, os itens a serem usados precisam ser pré-testados, Esta operação ficou comprometida e dificilmente poderá ser feita no futuro, depois dos problemas de vazamento que parecem incontroláveis.

O  que Francisco Soares argumenta é que a forma atual de usar  TRI para comparar os resultados de um ano a outro acaba entrando em conflito com a outra função do ENEM, que é servir de exame de ingresso para as universidades federais. Isto pela impossibilidade de se realizar o pré-teste de itens.  Se é para ser um exame vestibular, o ENEM deveria se concentrar em medir o que as universidades esperam o que os estudantes saibam nas diversas áreas de conhecimento. Para produzir comparabilidade advoga o uso de uma técnica diferente da atualmente usada, baseada em percentis. Na sua proposta os escores continuariam a ser calculados pela TRI.

Sua nota termina enfatizando que a pauta do ENEM precisa colocar a atenção no que interessa, do ponto de vista educativo: será que o ENEM está de fato medindo as competências que interessam?  Ele funciona melhor ou pior do que os vestibulares tradicionais? Que influência, positiva ou negativa, ele exerce sobre o ensino médio?  O que a enorme massa de dados produzida por este exame de grandes proporções nos permite entender sobre como é o estudante brasileiro que termina o ensino médio e busca o ensino superior?

“Não existe relação clara entre gastos e resultados na educação”

 

Com este título, a Folha Dirigida – Educação publicou uma longa entrevista minha com Renato Deccache, na edição de 9 a 15 de feveiro de 2012. Transcrevo abaixo o texto de apresentação, e a entrevista completa está disponível aqui.

Nos últimos dez anos, o país passou por um processo de ampliação do gasto na educação pública. A taxa de investimento como percentual do PIB, por exemplo, passou de 3,9% em 2000 para 5,1% em 2010. No entanto, esta destinação maior de recursos ainda não se concretizou nos indicadores educacionais que a sociedade espera. Quadros como esse reforçam posições como a do pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro, Simon Schwartzman, de que apenas ampliar a taxa de investimento no setor educacional não terá resultados, se certos paradigmas que norteiam as políticas públicas no país não forem revistos. Um dos que ele destaca é em relação aos critérios para a distribuição de recursos. Em vez de a distribuição pautar-se no número de alunos, segundo ele, seria mais importante que ela fosse orientada pelo total de concluintes, para contribuir com a melhoria do fluxo escolar. Para a educação básica, na visão do educador, também seria fundamental estabelecer um currículo obrigatório das disciplinas centrais do ensino, estabelecer objetivos diferenciados de formação no ensino médio para atender perfis diferentes de alunos e desenvolver um sistema de financiamento adequado para a educação de primeira infância, entre outras ações. Já para o ensino superior, ele propõe um rompimento ainda mais forte de paradigmas, com medidas que incluem o pagamento de anuidades nas instituições públicas, realização de avaliações da qualidade da gestão dos recursos nas universidades públicas e um melhor aproveitamento dos recursos humanos. “Não existem avaliações adequadas de gestão por desempenho, mas muito provavelmente elas (as instituições públicas) são caras demais, porque não têm incentivos para usar melhor os recursos e seus orçamentos não dependem de seu desempenho, e sim, sobretudo, do tamanho de seu professorado, cujos salários são definidos de maneira uniforme para todo o país”, destacou Simon Schwartzman

OESP: Desastre na Educação

O jornal O Estado de São Paulo publica hoje, 9 de fevereiro, o editorial abaixo, sobre a situação da educação no país:

Desastre na Educação

Com 3,8 milhões de crianças e jovens fora da escola e padrões de ensino muito ruins, o Brasil terá muita dificuldade para se manter entre as maiores e mais prósperas economias, diante de competidores empenhados em investir seriamente em boa educação, ciência e tecnologia. Para dezenas de milhões de pessoas, o atraso educacional continuará limitando o acesso a empregos modernos e a padrões de bem-estar comparáveis com aqueles alcançados há muito tempo nas sociedades mais desenvolvidas. Mesmo a criação de vagas será dificultada, porque as empresas perderão espaço – como já vêm perdendo – para indústrias mais eficientes, mais equipadas com tecnologia e operadas por pessoal qualificado. Oportunidades de emprego são oportunidades de bem-estar e de vida melhor para o trabalhador e sua família.

Más políticas para a educação põem em risco esses valores e ainda condenam os indivíduos, por seu despreparo, a uma cidadania muito rudimentar. Não há como evitar pensamentos pessimistas depois de conhecer o último relatório do movimento Todos pela Educação, divulgado nessa terça-feira. O relatório confirma, com dados assustadores, as piores avaliações das políticas educacionais seguidas nos últimos nove anos – marcadas por prioridades erradas e orientadas por interesses populistas. A partir de 2003 o governo federal deu ênfase à criação de faculdades e à ampliação do acesso ao chamado ensino superior, negligenciando a formação básica das crianças e jovens e menosprezando a formação técnica. Só recentemente as autoridades federais passaram a dar atenção ao ensino profissionalizante.

Por muito tempo ficaram concentradas no alvo errado, enquanto os maiores problemas estão nos níveis fundamental e médio. A progressão dos estudantes já se afunila perigosamente antes do acesso às faculdades. Segundo o relatório, em apenas 35 cidades – 0,6% do total – 50% ou mais dos estudantes têm conhecimentos matemáticos adequados à sua série. No caso da língua portuguesa, aqueles 50% ou mais foram encontrados em apenas 67 municípios. Criada como entidade não governamental em 2006, a organização Todos pela Educação definiu metas finais e intermediárias para o período até 2022. Talvez fosse mais apropriado falar de “marcos desejáveis”, já que a fixação de metas deve caber a quem dispõe dos instrumentos e dos poderes para a formulação de políticas. O confronto dos dados efetivos com esses marcos – nenhum deles muito ambicioso – permite uma avaliação dos avanços, em geral muito modestos, da atividade educacional brasileira. O quadro é constrangedor.

Em 2010, 80% ou mais das crianças no final do terceiro ano fundamental deveriam dominar a leitura, a escrita e as operações matemáticas básicas. No caso da escrita, 53,3% alcançaram o padrão desejado. No da leitura, 56,1%. No da matemática, 42,8%. As porcentagens melhoram, em algumas séries mais altas, mas, em contrapartida, há um sensível afunilamento. Só 50% dos jovens com até 19 anos concluem o ensino médio. Destes, apenas 11% aprenderam o mínimo previsto de matemática. Não tem muito sentido prático alargar as portas de acesso às faculdades, como fez o governo durante vários anos, quando poucos estão preparados para enfrentar um bom ensino universitário.

Não há, neste momento, grandes perspectivas de melhora. Porque a legislação do ensino médio continua desastrosa, como deixaram bem claro, em artigo publicado no Estado de ontem, os especialistas João Batista A. Oliveira, Simon Schwartzman e Cláudio de Moura Castro,  analisando a Resolução 2 do Conselho Nacional de Ensino, publicada em 30/1/2012, que “alarga o fosso que existe entre as elites brasileiras e o mundo das pessoas que dependem de suas decisões”. Além disso, a vertente profissionalizante do ensino médio é oferecida não como alternativa real, mas como um caminho mais trabalhoso, com adição de 800 horas ao currículo. Diante desse quadro, as inovações propostas pelo governo – como a distribuição de tablets aos professores – parecem piadas de mau gosto. Engenhocas podem ser muito úteis, mas nenhuma pode produzir o milagre de tornar eficiente um sistema fundamentalmente mal concebido e orientado.

 

O CNE e o pesadelo do ensino médio

O jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de 8 de fevereiro, publica o artigo abaixo, assinado por João Batista Araujo e Oliveira, Claudio de Moura Castro e por mim:

CNE e o pesadelo do ensino médio

Há um abismo separando o ensino médio no Brasil do que se faz no resto do mundo. Exemplo dessa distância é a Resolução 2, de 30 de janeiro de 2012, do Conselho Nacional de Educação (CNE). Ali se alarga o fosso que existe entre as elites brasileiras e o mundo das pessoas que dependem de suas decisões.

Comecemos com a realidade: muitos dos alunos que vêm da escola pública e entram no ensino médio não conseguem ler e escrever com um mínimo de competência. De fato, 85% chegam com um nível de conhecimentos equivalente ao que seria de se esperar para o 5.º ano. Desse total, 40% se evadem nos dois primeiros anos e menos de 50% concluem os cursos, com média inferior a 4 na prova objetiva do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e acumulando nas costas uma média de um ano e meio de repetência.

Além dos suspeitos usuais (por exemplo, mau preparo dos professores), várias pesquisas confirmam o que todos sabíamos: o ensino médio é chato! Os temas estão muito longe do mundo dos alunos, não permitindo que vislumbrem um bom uso para tais conhecimentos, e é descomunal a quantidade de assuntos tratados, não deixando entender nada em profundidade e obrigando os alunos a memorizar fórmulas, listas, datas e princípios científicos. O prazer do estudo é a sensação de entender, de decifrar os mistérios do conhecimento. Se as matérias fluem freneticamente, não há como dominar o que quer que seja. Convidamos o leitor a folhear um livro de biologia do ensino médio e contar os milhares de bichinhos e plantinhas citados.

Uma fração ínfima dos egressos de escola pública prossegue para o ensino superior. Para os demais é ensino técnico ou nada. Mas os que querem fazer ensino profissional precisam concluir primeiro a barreira do ensino médio. Ou, então, têm de estudar em outro turno, para aprenderem uma profissão. Isso contrasta com o que fazem muitos países, onde as disciplinas de cunho mais prático ou profissionalizante substituem as disciplinas acadêmicas – mantendo a carga horária.

Dos que vão para a escola técnica, dois terços estudam em instituições particulares pagas e sem subsídios públicos. São os cursos voltados para alunos mais modestos. Por que as bolsas e os créditos educativos não vão para os cursos que matriculam os menos prósperos?

Nos países desenvolvidos, o ensino médio tem três características. Em primeiro lugar, é diversificado, não existindo um currículo mínimo único ou obrigatório para todos. O grau de diversificação varia entre países, podendo ser diferente entre tipos de ensino médio e escolas. Muitas das alternativas oferecidas preparam para o trabalho. De fato, entre 30% e 70% dos alunos cursam uma vertente profissionalizante. A segunda característica é o ganho de eficiência. Com a existência de múltiplos percursos, os alunos podem escolher os mais apropriados para seu perfil e suas preferências. Assim, o índice de perdas é mínimo. Em contraste, a deserção ocorre com maior intensidade nos países onde há menor diversificação. A terceira característica é que, consistente com a diversificação, muitos países não utilizam um mesmo exame de fim de ensino médio, padronizado para todos. Os alunos tampouco precisam fazer provas em mais de quatro ou cinco disciplinas para obter um certificado de algum tipo de ensino médio.

O estilo gongórico da resolução do CNE dificulta sua compreensão. Por exemplo: “O projeto político-pedagógico na sua concepção e implementação deve considerar os estudantes e professores como sujeitos históricos e de direitos, participantes ativos e protagonistas na sua diversidade e singularidade”. Já que alguma força profunda empurra para esse linguajar, por que não publicar, simultaneamente, uma versão inteligível para o comum dos mortais?

E tome legislação: são quatro áreas de conhecimento e nove matérias obrigatórias – apelidadas de “componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e sistematizados” -, que são subdivididas, sempre na forma da lei, em 12 disciplinas. Não admira que os alunos abandonem os cursos. Como dizia Anísio Teixeira na década de 50, tudo legal, e tudo muito ruim!

Mas o pior está por vir. A resolução não define o que seja “educação geral”, mas no inciso V do artigo 14 afirma que “atendida a formação geral, incluindo a preparação básica para o trabalho, o Ensino Médio pode preparar para o exercício de profissões técnicas”. Instrutivo notar que a profissionalização é vista como um “pode”, e não como um caminho natural que alhures é seguido pela maioria.

Essa profissionalização se obtém adicionando 800 horas ao curso (o equivalente a um ano letivo). Ou seja, em primeiro lugar, é preciso sofrer as 2.400 horas da tal “educação geral”. Depois, para a profissionalização, são mais 800 horas de estudo. Na prática, os alunos dos cursos técnicos têm uma carga de estudos mais pesada do que os que fazem o acadêmico puro. Difícil imaginar maior desincentivo para a formação profissional. Nos países mais bem-sucedidos em educação os cursos técnicos têm carga horária igual ou menor que o acadêmico. Para valorizar o lado profissionalizante, o texto diz que o “trabalho é conceituado na sua perspectiva ontológica de transformação da natureza, como realização inerente ao ser humano e como mediação do processo de produção da sua existência”. Deu para entender? Traduzindo do javanês, é preciso aumentar a “educação geral”.

O novo ministro da Educação encontra-se diante de uma oportunidade ímpar. Ou seja, alinhar o ensino médio à realidade de seus alunos, de sua economia e à luz da experiência de quem fez melhor do que nós. Ou, então, perpetuar o genocídio pessoal e intelectual que caracteriza um ensino médio unificado e, por consequência, excludente.

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